sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Colômbia II

31/12/2012 - 176° dia - Bogotá (Folga)

Último dia de 2012.

O que fazer para terminar o ano bem? Simples. Apenas descansar, agradecer por ter realizado vários sonhos e lavar a companheira. Sim, a Victoria ficou limpa depois de muito tempo. Vai começar 2013 brilhando. Foi meu presente, atrasado, de natal para aquela que tem me acompanhado fielmente nesta jornada.

Também comemorei o saldo positivo de acessos ao site. Em 2012 foram completadas 20 mil visitas provenientes de mais de 60 países que totalizaram 70 mil páginas visitadas. Como um dos objetivos desta expedição é compartilhar todo o conhecimento adquirido, acredito que eu esteja no caminho certo. Por isso eu agradeço verdadeiramente a todos àqueles que têm colaborado com a divulgação do site. Muito obrigado mesmo.

No período da noite o jantar foi especial e com a mesa bastante farta para não faltar comida nos próximos meses, conforme manda a tradição. Para além da refeição caprichada, a família Castelblanco reunida deixou o clima ainda mais especial. Não tinha certeza de onde passaria a virada de ano, contudo, foi uma ótima decisão permanecer na capital colombiana. 

 
Família Castelblanco 

Logo após a contagem regressiva para a entrada de 2013, desejei feliz año para toda a família colombiana e mentalizei coisas positivas para meus familiares e amigos distantes. Pela primeira vez em muito tempo eu não desejei nada específico, não me achei neste direito. Somente fiz um agradecimento por tudo àquilo que conquistei durante o ano maravilhoso que acabara de passar, sobretudo, por encontrar o caminho da felicidade, que sem duvida continuará a ser percorrido.

01/13/2012 - 177° dia - Bogotá (Folga)

Primeiro dia de 2013. O ano começou muitíssimo bem.

Para aproveitar a data especial, a família Castelblanco combinou de passear no famoso Cerro de Monserrate. Alejandro, meu anfitrião, equiparou a importância do local para a capital colombiana, como o Cristo Redentor ao Rio de Janeiro. Sem dúvida a comparação criou certa expectativa para realizar a visita a um dos pontos turísticos mais famosos de Bogotá.

O passeio não tinha horário definido, ninguém estava a fim de acordar cedo no feriado. Ainda mais que fomos dormir somente de madrugada. Eu levantei apenas por volta das 9 horas da manhã. Aproveitei e conectei o Skype para poder falar e ver a minha mãe depois de quase 6 meses. Após um tempo de espera, finalmente meu irmão realiza a chamada e coloca a mãe na tela do computador. Que emoção! Nossa primeira reação foi deixar cair lágrimas de felicidade. 

Começar o ano falando com a mãe foi excelente. Nossa conversa durou mais de uma hora, contudo, poderíamos ficar muito mais tempo que não faltaria assunto. Tenho me comunicado pouco com ela em razão dos horários. Mas o importante é que parte da saudade foi amenizada. Também foi maravilhoso saber que continuo com o seu apoio para concluir meu sonho. Isso sem dúvida é fundamental.

Acho que pouco depois do meio a família toda estava reunida para iniciar o passeio. Nosso deslocamento ocorreu via TransMilenio, o transporte de ônibus moderno da capital. Caminhamos até a estação mais próxima e aguardamos o veículo chegar. O sistema todo é muito parecido com o metrô de São Paulo, desde os pontos positivos aos negativos. Como era feriado a tranquilidade pairava sobre a estação, contudo, aquela não era a realidade cotidiana, conforme mencionou o Alejandro.

Estação de ônibus do TransMilenio.

A implantação do TransMilenio está em vigor desde 2000 e sua eficácia, sobretudo, na diminuição do tempo no deslocamento, acabou por ter a preferência de muitos passageiros que não raramente extrapolam a capacidade suportada pelo veículo, principalmente nos horários de maior movimento, que por sua vez, são aqueles que têm a tarifa mais elevada, uma medida para estimular as transferências em outros horários. Mas, por constatação própria, a estratégia ainda não chegou ao resultado esperado, pois ainda é possível ver muitos ônibus lotados, nada comparado ao limite excedido da capital equatoriana.

Isso é prestar atenção nas informações do guia, rs.

Se não me engano a tarifa do ônibus articulado custa pouco menos de dois reais. Por atravessar toda a capital e permitir a baldeação entre várias linhas, o preço é bastante acessível, principalmente se compararmos ao transporte público brasileiro. 

Rapidamente nosso ônibus chegou e seguimos para outra estação e consequentemente realizamos a transferência para a linha que nos levaria até o Monserrate. Como esses veículos transitam por vias exclusivas, nosso deslocamento não demorou quase nada e em pouco tempo estávamos na região desejada.
Aos pés de Monserrate fica a Quinta de Bolívar, casa onde o famoso libertador sul-americano morou e que hoje funciona como um museu. O local estava fechado, mas ainda assim registramos nossa passagem pelo privilegiado local.

Monserrate ao fundo.

Quinta de Bolívar.

Quinta de Bolívar.

Registro garantido.

Quinta de Bolívar.

O Cerro Monserrate é visualizado de boa parte de Bogotá, sobretudo, nas proximidades do centro histórico e internacional. Existem três opções para se chegar ao topo. A mais econômica é a caminhada pela trilha que leva aos 3.200 metros de altitude. Quem não está a fim de caminhar 2,35 km de montanha acima, pode utilizar o funicular, veículo bem estranho e que eu não conhecia. A passagem custa quase cinco reais (apenas a ida). Esse também é o preço do teleférico que em poucos minutos também lhe deixa no alto do morro.

Trilho do funicular

Teleféricos.

Teleféricos.

Na entrada da bilheteria de Monserrate.

Lhamas, elas também estão presentes na Colômbia.

A maioria da família optou por subir através do modo mais econômico, ou seja, pela trilha. Para economizar, essa também foi a minha escolha. O caminho está revitalizado e com várias placas que indicam os principais pontos de parada e suas distâncias. Durante o trajeto é possível encontrar barracas que vendem, entre outras coisas, bebidas para amenizar os efeitos da jornada. A subida não é fácil e requer certo condicionamento físico. Não é raro encontrar pessoas paradas na intenção de retomar o fôlego.

Camarada Alejandro e seu primo no começo da subida da trilha.

Início da caminhada. Seriam mais de dois quilômetros montanha acima.

In foco.

 
Algumas recomendações básicas, rs.

O feriado levou muita gente ao Monserrate e a trilha estava bastante movimentada com pessoas de todas as idades e nacionalidades. Existe uma igreja no topo da montanha e que atrai muitos devotos ao local. Fiéis sobem a trilha, descalços ou de joelhos. Apesar do fluxo de pessoas, nada nos impediu de contemplar a magnifica paisagem de Bogotá.

Bogotá começa a aparecer de outro ângulo. Destaque para a Torre Colpatria, maior edifício da Colômbia.

Andres (irmão do Alejandro) durante a subida.

Sem pressa deixo a multidão passar..

Uma pausa para observar a imensa capital colombiana.

Vamos Santiago, você consegue, só mais um pouco, rs. Coitado!

Quanto mais se avança pela trilha, melhor é o ângulo para ver a dimensão da capital colombiana. É possível visualizar as principais avenidas, prédios e monumentos históricos. É sem dúvida um passeio imperdível para admirar a cidade de outro ponto de vista. Aliás, se você, por ventura, não é religioso, o principal motivo da subida é a paisagem fantástica de Bogotá.

 
A Catedral, Capitólio e a Plaza Bolívar vistos do alto de Monserrate.

A trilha faz parte da Reserva Forestal Protectora de los Cerros Orientales de Bogotá que comporta diversos animais e uma rica vegetação, conforme, orientam as placas, contudo, foi difícil flagrar algum animal, acho que o número de pessoas acaba por afasta-los. Independente disto, terminamos a subida em praticamente uma hora de caminhada. Em determinados trechos a inclinação fica ainda mais acentuada, mas nada que um passo mais tranquilo não resolva. 

No alto de Monserrate a visita fica ainda mais completa. O panorama da cidade é espetacular. A igreja é simples e o que mais se destaca no interior da mesma é um monumento de Jesus Cristo. Ao lado do templo fica o caminho que leva ao corredor das “lembrancinhas” e às barracas que servem comidas com um preço muito maior do que o habitual. Estávamos com fome, mas a exploração turística nos fez deixar a refeição para mais tarde.

Um registro panorâmico no topo de Monserrate. Foto: Andres Castiblanco.

Paisagem no alto da montanha.

In foco.

A imensa Bogotá.

Altitude básica na Cordilheira dos Andes.

Iglesia

In foco.

In foco.

In foco.

A igreja que atrai inúmeros devotos ao topo de Monserrate.

Interior da igreja.

In foco.

Parte da família Castelblanco. Alejandro ficou responsável por tirar a foto.

No corredor das lembrancinhas.

Um chá de coca para recuperar as energias, rs.

Uma pena que o preço da refeição é absurdo.

Após um tempo no alto da montanha, estava na hora de descer. Resolvemos pegar uma das alternativas rápidas que é oferecida. Teleférico foi a opção. Eu nunca andei neste meio de transporte e achei a oportunidade excelente para sentir a sensação. Para a minha felicidade, meu bilhete foi pago pela família. A descida é extremamente rápida e não leva mais de três minutos. Ainda assim valeu a experiência.

Teleférico.

Na fila para começar a descida pelo teleférico.

Início da rápida descida..

A última imagem privilegiada de Bogotá.

Quando saímos do teleférico uma placa afirmava que turista estrangeiro não precisava pagar.  Mas era tarde demais e o dinheiro já estava nos caixas da empresa responsável pelo equipamento. Mas fica a dica caso você apareça no local e não esteja a fim de pagar o ingresso pelos modos mais rápidos e fáceis. 

Na volta realizamos uma caminhada pelo centro e paramos em uma Broasteria para degustar o famoso e típico frango frito e assado que são especialidade destes estabelecimentos. Apesar de estarem presentes em todos os países por onde passei, foi a primeira vez que parei em um lugar assim. A experiência foi interessante, sobretudo, porque a família deixou o ambiente bastante animado. Mais uma vez não me deixaram pagar e fui presenteado de novo.

Com a barriga cheia, caminhamos mais um pouco e tive a felicidade de ver a iluminação das festividades de final de ano de algumas ruas e praças. Destaque para a Torre Colpatria e da Plaza da Independencia. Na sequencia pegamos o ônibus e voltamos para a casa onde encerramos o maravilhoso dia. Comecei o ano em ótima companhia e com um excelente passeio. Gostei. Obrigado família Castelblanco.

Torre Colpatria

Plaza da Independencia

02/01/2013 - 178° dia - Bogotá (Folga)

Estava determinado a voltar à estrada hoje. Mas a longa e cansativa caminhada de ontem e o convite para permanecer mais um dia na casa do anfitrião falaram mais alto. Achei melhor descansar mais um pouco antes de retornar ao pedal. O dia foi dedicado exclusivamente a isso.

03/01/2013 - 179° dia - Bogotá a Honda

Voltei à estrada impossível. Também não faltaram acontecimentos inesperados.

Acordei de madrugada. O despertador do celular tocou às 5h30m, contudo, levantei somente meia hora depois. Tomei meu desayuno tradicional e também àquele oferecido pela casa. O Alejandro tinha combinado de me acompanhar até a saída da cidade. Gentileza que não foi recusada. Às 7h20m estávamos de partida. 

Infelizmente não me despedi dos pais do anfitrião porque eles estavam dormindo, mas deixei meu sincero agradecimento por toda a hospitalidade. A recepção não poderia ter sido melhor. Gostei bastante de conversar com a Dona Luz Marina (mãe), sem dúvida suas sábias palavras serviram como mais um aprendizado nesta viagem. Também não me esquecerei dos seus saborosos pratos que são preparados com amor, conforme ela mesma fazia questão de mencionar.

Ainda era cedo, mas as ruas da capital já estavam movimentadas. Seguimos na direção do Parque Bolívar, o maior parque urbano do país. O Alejandro me convidou algumas vezes para pedalar até este local, mas eu queria deixar a Victoria de folga, na verdade era eu quem precisava de descanso, por isso a visita aconteceu somente hoje.

No Parque encontramos com a Michelle, uma amiga do Alejandro que ficou de nos acompanhar. Na sequencia continuamos o trajeto pelo interior do imenso e agradável local que lembra bastante o Ibirapuera em São Paulo e o Parque Carolina em Quito. Destaque mais uma vez para o sistema cicloviário que está presente por todos os locais. Incrível.

Uma das mais importantes bibliotecas da capital no Parque Bolívar.

Parque Bolívar. Nesta área aconteceu o show do Iron Maiden.

Parque Bolívar

Alejandro e Michelli

Parque Bolívar.

Acho que dificilmente eu encontrarei outro lugar como este.

Enquanto pedalávamos no Parque Bolívar a Victoria apresentou um sério problema. O cabo do câmbio dianteiro se rompeu. Eu havia percebido que a marcha estava estranha logo nos primeiros quilômetros, mas achei que não era nada demais. Mas dos males o menor. Por sorte a Michelle conhecia a localização da bicicletaria de um dos mecânicos mais bem conceituados da Colômbia. Ele poderia rapidamente consertar a bicicleta, desde que estivesse acordado, afinal, ainda era bem cedo.

Seguimos para a bicicletaria do Eduardo Russi, Calle 63c, N° 70-68. Celular 311 2943835. O local ainda estava fechado, mas como era caso de emergência, conseguimos atendimento. O Russi me pareceu muito gente boa e rapidamente trocou o cabo danificado. Aproveitei a oportunidade para ver se não havia algum pneu 1.90 para levar na bagagem. Isso porque o pneu traseiro da marca Duro que foi comprado em Otavalo já estava muito gasto e apresentava sinais que a qualquer momento poderia me deixar na mão. E eu não queria mais surpresas deste tipo.

O Russi acabou por me presentear com um pneu Maxxis 1.95 que ainda estava com mais de meia vida. Com o suporte da oficina para levantar a bicicleta, não precisei sacar o alforje traseiro e o pneu também acabou trocado. Russi disse que a marca Duro realmente é conceituada e seu desempenho faz jus ao nome que leva, contudo, o peso da bagagem (traseira) e a temperatura do asfalto tenham contribuído para o desgaste. O serviço total custou praticamente dez reais. 

Ainda em relação aos pneus, descobri que o dianteiro da marca Hutchinson é bastante renomado. Tinha uma bicicleta muito top na oficina com um pneu da mesma marca. Começo a suspeitar que sua duração de dez mil quilômetros, como disse o vendedor de Cuenca (Equador), seja verdadeira. 

Entre trocas de peças, ajustes e conversas, permanecemos uma hora na bicicletaria. Às nove horas voltamos a pedalar, mas não pelo caminho traçado anteriormente. O Russi nos indicou um roteiro com menos subidas para sair de Bogotá e sua recomendação foi acatada. Com 20 quilômetros pedalados deixávamos a capital para trás, não sem antes enfrentar um trânsito típico das grandes capitais. Por sorte as ciclovias ajudam bastante e nos permite locomover com segurança. 

Nossa saída da cidade aconteceu pela ruta 50-08A em direção à Villeta. O trajeto foi bem tranquilo e praticamente todo plano. Seguimos sem dificuldades mesmo quando o acostamento ficou quase inexistente. Com todos os fatores a favor, o deslocamento aconteceu rápido e poucos minutos antes do meio dia já estávamos em Albán com 60 km pedalados.  Neste local começaria a mais longa descida do trajeto. Era também o lugar em que eu voltaria a pedalar sozinho. Deste ponto os meus guias retornariam à Bogotá.

Em direção à Albán.

Esse pequeno ciclista pedala muito. Me ultrapassou sem piedade, rs.

In foco.

 
No Alto de la Tribuna. Deste ponto em diante foram mais de 30 km montanha abaixo.

Mais uma despedida. Estava na hora de agradecer ao anfitrião por toda sua enorme dedicação e ajuda durante minha estadia em Bogotá. Alejandro é sem dúvidas um ciclista com espirito hospitaleiro e que não mede esforços para apresentar a cidade e deixar que você se sinta realmente em casa. Valeu mesmo, camarada. Quando regressar ao Brasil, as portas de casa estão abertas à sua visita. Grande abraço.

Em Albán. Despedida do anfitrião e camarada Alejandro.

Na despedida acabei por notar que uma das minhas garrafas de água ficou na bicicletaria. O item não era de muito valor e poderia facilmente ser reposto. A “indignação” era de ter esquecido algo pela primeira vez durante a viagem. Espero que seja a última coisa material que eu deixe no caminho.

Ao meio dia comecei a descida que rapidamente deixou Albán para trás. Precisei apenas tomar cuidado com as curvas e degraus no asfalto para avançar. No caminho encontrei um ciclista bem estranho. Era um colombiano que dizia ser cicloturista e que vinha de Bogotá (onde sua bagagem se encontrava) e seguia para Guaduas que, segundo ele, era um povoado histórico. Eu fiquei muito desconfiado de toda a história e do próprio sujeito. Comecei a pensar em várias coisas.

A única fotografia realizada durante a descida.

O ciclista estranho estava muito estranho mesmo. Pedalava de calça jeans, blusa de frio na cintura e sem nenhuma garrafa de água. E a sua bicicleta simples estava limpa como se estivesse acabado de sair da loja. Ele começou a puxar conversa, mas respondi apenas o básico porque eu estava bastante desconfiado de toda aquela ladainha que não se encaixava. Na primeira oportunidade deixei ele para trás e aproveitei o horário e um restaurante no caminho para almoçar. 

O restaurante ficava em Villeta, no final da descida que durou exatamente 35 quilômetros. O almoço padrão custou 6 mil pesos. A refeição estava boa e relativamente farta. Fiquei pouco mais de meia hora no local e não visualizei a passagem do ciclista estranho. Talvez ele também tenha realizado uma pausa para almoçar.

Eu tinha consciência que havia uma longa subida pelo caminho, pelas minhas contas ela deveria ter algo em torno de quinze quilômetros, todavia, não tinha certeza onde começava. Mas a minha dúvida foi esclarecida logo após a saída do restaurante em Villeta. A inclinação apareceu e custou a terminar. Sua extensão foi de dezoito quilômetros, distância pedalada em pouco mais de 2 horas. Mais uma subida finalizada com sucesso.

Após a subida quilométrica o trecho passou a mesclar aclives e declives. O trânsito continuava intenso, assim minha atenção permanecia redobrada, sobretudo, porque começou a escurecer e eu ainda estava na rodovia em razão das várias subidas que apareceram e levaram as últimas energias. Mas eu ainda tinha uma carta na manga; minha determinação. Eu estava incrivelmente disposto a chegar em Honda, como havia cogitado no início do dia.

Chegar à Honda significava que uma hora aquela oscilação do relevo terminaria e uma descida me levaria ao local desejado. Foi exatamente o que aconteceu. Por causa do horário não foi possível ver a distância em que o declive começou, mas foram vários quilômetros até a cidade onde eu encerraria meu dia. 

Em Honda comecei uma longa jornada. Minha primeira missão foi ligar para um contato do Warmshowers e verificar se era possível pernoitar em sua casa. Mas infelizmente não tive sorte com a hospitalidade do membro da rede. Os telefones estavam desligados e a opção foi iniciar a busca por hospedagem.

Achar um lugar para passar a noite em Honda foi um sufoco. Muitas hospedagens estavam lotadas e aquelas com habitações disponíveis custavam muito para meu bolso. Procurei em mais de sete estabelecimentos e sem sucesso retornei à área central para ver se encontrava alguma luz no fim do túnel.

Honda é uma cidade que está a 314 metros de altitude, ou seja, nesta época do ano o calor é quase insuportável. A temperatura alta leva as pessoas paras as ruas e estas encontravam-se bastante movimentadas, sobretudo, na principal praça da cidade, que por sua vez, está localizada quase ao lado da enorme ponte que permite acesso ao município. Foi nesta região que um rapaz perguntou se eu procurava hospedagem. O jovem era estranho e seu jeito “malandro” me fez ficar esperto e com poucas palavras. Ele me sugeriu um hotel no final da subida desta rua da ponte e meio que desconfiado, fui conferir.

A referência para achar o lugar indicado era identificar a entrada em forma de arco do estabelecimento. Essa parte alta da rua estava deserta e não muito iluminada, por isso fiquei atento a cada movimento diferente nas redondezas. Sem dificuldade encontrei o estabelecimento às 19h30m. Uma senhora confirmou que o local era mesmo uma hospedagem e que havia habitação disponível. Para a minha felicidade o preço estava compatível com o meu bolso. 

O hotel deve ter um nome, mas não encontrei, na verdade o local está em decadência. Tudo indica que em outros tempos foi uma das principais hospedagens da cidade. Tem vários quartos, amplo estacionamento e até mesmo uma piscina que atualmente está fora de uso. Mas como eu me acostumei a todo tipo de lugar e não precisava de luxo, fiquei mais do que satisfeito com o dormitório simples que me custou 15 mil pesos. 

O quarto não tinha ar condicionado, contudo, uma “turbina” de avião estava instalada no teto e em pouco tempo o ambiente estava completamente gelado. Depois de um longo e cansativo dia eu pensei que poderia descansar um pouco, mas ainda faltava procurar comida. A fome era enorme e eu precisava jantar. Antes de sair à procura de alimento, não hesitei em tomar um banho. A água gelada estava muito boa, sinal evidente da alta temperatura ambiente.

Nas ruas eu tive a mesma dificuldade de minutos atrás. Foi impossível encontrar um restaurante. Achei apenas as famosas broasterias e sorveterias abertas. Estas últimas, sem dúvidas, eram uma tentação, mas eu precisava de uma refeição completa. Por isso caminhei por várias quadras, contudo, nada do que eu procurava apareceu. A opção foi parar em uma lanchonete e pedir um cachorro quente e uma hamburguesa. 

Enquanto os lanches eram preparados fiquei a prestar atenção no movimento das pessoas nas ruas. Ver famílias reunidas sempre me deixa balançado. A saudade dos meus familiares fica cada vez maior. Nos últimos anos eu passei muito tempo longe de casa, seja por causa da universidade ou em razão do trabalho e estadia em Florianópolis, mas acontece que agora o contato é bem mais difícil em razão da distância. Sem dúvida gostaria de poder falar mais com meus pais, irmão, avó e tios. Talvez essa questão seja uma das mais difíceis para se encarar em uma viagem longa. Acho que voltar ao Brasil vai amenizar um pouco a saudade, uma vez que meu telefone volta a ficar ativo após tanto tempo. 

Levei a refeição para a habitação e degustei os lanches com um suco. Tudo estava uma delicia. Pena que não tinha mais, porque meu estômago ainda aguentava outras duas ou três hamburguesas. (Risada Sacana). 

Antes de dormir eu me cobri com um lençol porque eu saberia que a noite seria gelada demais. Não existia um controle de velocidade na turbina e a mesma faltava apenas me levantar da cama com a sua potência. Desliga-la era suicídio em razão da temperatura elevada, por isso a solução foi dormir no congelador. 

Dia finalizado com 168,52 km em 10h01m e velocidade média de 16,80 km/h.

04/01/2013 - 180° dia - Honda a Puerto Serviez 

Dia com surpresa boas e outras nem tanto.

Apesar do quarto congelante, a noite foi tranquila. Acordei pouco depois das 5 horas, mas a canseira não permitiu que eu levantasse no mesmo instante. A quilometragem do dia anterior me deixou com as pernas pesadas. Mas de qualquer forma era preciso continuar a viagem. Eu estava animado (apesar de cansado) e queria aproveitar isso para motivar meu desempenho na estrada.

Depois de tantos desayunos diferentes na casa da família Castelblanco, hoje meu café da manhã voltou ao tradicional pão com geléia e suco. Após a refeição matinal, arrumei minhas coisas e tratei de coloca-las na Victoria e voltei à estrada.

 
Ponte em Honda sobre o Rio Magdalena. 

Minha saída do hotel aconteceu somente às 7h30m. O tempo estava aberto e a temperatura ainda era amena, mas eu tinha plena consciência que seria somente por mais alguns minutos. A estrada passou a ser denominada como 40-10 no departamento de Tolima. O relevo e a paisagem ajudou bastante o ritmo da pedalada. Por mais de cem quilômetros o trajeto permaneceu praticamente plano e ajudou a aumentar a velocidade média.

Começando o pedal com uma leve descida para deixar as montanhas para trás.

In foco.

Trajeto praticamente todo plano.

A paisagem também mudou e a rodovia seguia ao lado do Rio Magdalena. O ambiente é arborizado e apresenta uma fauna e flora bastante interessante. Lugar agradável para começar o dia. 

Com o passar das horas a temperatura aumentou e não foi fácil avançar debaixo do sol escaldante. Não estava fácil nem mesmo para os animais. A região passou a ter muitas pastagens com a criação de gado e búfalos. Ambos se protegiam nas sombras das árvores. Estas também estavam à beira da rodovia e me ajudavam bastante, mas infelizmente não era o tempo todo.

Sol forte e a temperatura elevada. Quente, muito quente.

Búfalo

Os espertos animais pegando uma "fresca".

Flagrante!

In foco.

Mais um flagrante ao lado da estrada.

Com 35 quilômetros pedalados eu cheguei à Puerto Salgar e antes de atravessar a ponte sobre o Rio Magdalena fui abordado pelos soldados que faziam a segurança do local. Tratava-se de um posto fixo da Fuerza Aerea Colombiana. Pediram meus documentos e depois começaram com as perguntas básicas sobre a viagem. Eu estava tranquilo e não tive problema para respondê-las. 

A conversa com os soldados começou a se estender e eu percebi que algo estranho estava para acontecer. Revistaram minha bolsa de guidão e visualizaram minha máquina fotográfica e pediram para ver minhas fotos. Como são muitos registros, ficaram alguns minutos nesta função. Neste período pediram para eu falar coisas em português. Algo bastante constrangedor porque eles não estavam nada interessados em ouvir. 

Após mais de dez minutos parado eu tive o primeiro pedido de propina desta viagem. Eram cinco soldados, mas foi o superior que descaradamente começou a “solicitar” um regalo brasileño. Quando ele mencionou essas palavras eu saquei na hora qual era a sua intenção e me fiz de desentendido. Pouco tempo depois ele voltou a proferir as mesmas palavras e incluiu a palavra moneda. Aparentemente eu estava calmo, mas meu coração batia aceleradamente. Eu respondi na mesma “moeda”, disse que não tinha nada do Brasil. Repeti isso quando ele fez o pedido pela terceira vez. Maldito!

O sem vergonha que deveria honrar seu uniforme da força aérea colombiana percebeu que eu não me submeteria àquele pedido e então liberou meu documento e a câmera fotográfica, não sem antes deixar um aviso: boa sorte no norte. Peguei minhas coisas e educadamente ainda desejei um bom trabalho e me mandei. Tem hora que é preciso ter muito controle, porque na verdade eu queria é falar para aquele sujeito ter uma atitude decente. Não entendo esse povo que ganha muito bem e ainda precisa manchar suas carreiras com atos deste tipo. É lamentável. 

O fato me pareceu bastante isolado porque não tive nenhum problema com as inúmeras barreiras do exército e da policia que estão por todas as estradas colombianas. Estranho foi encontrar esse comportamento justo com um “profissional” da Força Aérea que deveria ser um exemplo e não pedir propinas, muito menos pelo fato do viajante ser apenas um “turista estrangeiro”. Fica a dica galera, em situação parecida, não ceda e também não se desespere, mantenha a calma e diga até o final que não tem nada de dinheiro. 

Eu atravessei a tal ponte e continuei o pedal bem furioso, acho que na verdade eu estava bastante indignado com a situação. Precisei seguir alguns quilômetros para que esse sentimento começasse a ficar menor. 

Para aliviar a tensão, nada melhor do que comer. (Risada sacana). Eu estava com muita fome (para variar) e com 68 km pedalados parei em um restaurante para almoçar. O preço estava mais alto do que o normal, 8 mil pesos. No prato não havia nada de diferente para justificar o valor. Meu pedido para ter mais arroz não foi atendido. O destaque da refeição foi o feijão com banana. Também descobri que o copo de suco/refresco pode ser repetido sem custo adicional. Não hesitei em solicitar mais uma bebida gelada na mesa. O calor estava insuportável.

Ainda no restaurante passei o protetor solar e minutos depois voltei a enfrentar o sol. A temperatura era uma das mais altas de toda a viagem. Mas ainda assim continuei o pedal em direção a qualquer lugar que me levasse ao caminho em direção à Medellín, Cartagena e Santa Marta.

Com 84 km eu finalmente encontrei um trevo, mas ao invés de me mostrar o sentido correto, acabou por me deixar um pouco confuso. Uma placa indicava que à esquerda a estrada seguiria para Medellín e à frente levaria à Santa Marta. Eu não pensei muito na hora porque achei que esse caminho à esquerda era alternativo para Medellín, como Santa Marta estava no meu roteiro e era, junto com Cartagena, um dos meus principais destinos, fui à sua direção.

O trevo para Medellín. Continuei em direção à Santa Marta.

Fui bem tranquilo e a pensar que estava no caminho correto. A estrada continuava com as sombras das árvores e amenizava um pouco o efeito do verão no norte da América do Sul. Poucos quilômetros após o trevo à Medellín encontrei três cicloturistas no pequeno povoado de Trique. Eles estavam preparando suas coisas para voltar ao pedal após a sesta. Parei e fui conversar com a galera para saber mais sobre a viagem.

O trio era da mesma família, Mauricio (pai), Luis (filho) e Juan (primo). Ambos são de Bogotá, onde começaram a viagem com destino à Santa Marta. Com exceção de Luis que já pedalou na Ásia, os outros são “pedaleiros” de primeira viagem. Em todo caso, os três me pareceram bem simpáticos e simples. Viajavam em um estilo bem “mulambiker” e a bagagem deles me lembrou bastante àquela da minha primeira expedição, quando eu ainda nem tinha alforje. 

Fiquei feliz ao saber que o pessoal tinha o mesmo destino do que o meu, sinal que eu estava no caminho certo e que finalmente eu poderia ter companhia para pedalar. Perguntei se poderia fazer parte do grupo e com a resposta positiva voltamos à estrada. Entre as conversas eu estranhei apenas o fato de mencionarem que eu não encontraria mais subidas pelo caminho. Oras! Pela análise da altimetria eu ainda teria que enfrentar as últimas montanhas. O que teria acontecido com elas? Fiquei a pensar e continuei em frente.

O grupo pedalou bem e forte. A velocidade ficou quase sempre acima dos 20 km/h. Minhas pernas que estavam pesadas no inicio do dia já estavam em seu estado normal e eu poderia ver claramente o quanto estou bem fisicamente. Apesar de estar com quase o dobro de carga em relação aos demais, conseguia completar facilmente as subidas que apareceriam pelo caminho. É até engraçado chama-las de subidas após encarar as montanhas andinas, mas de qualquer forma era nestas inclinações que eu deixava o pessoal para trás e logo parava na intenção de continuarmos juntos. 

O final da tarde não nos reservou muitas surpresas no que diz respeito à vegetação e relevo. Acho que somente a temperatura conseguiu ficar ainda mais alta a ponto de fazermos parar em um quiosque à beira da estrada para descansar e, sobretudo, manter a hidratação. O Juan acabou por me pagar um suco e o Luís, água mineral. Claro que não fiquei sem agradecer.

No outro lado da rodovia um hotel parecia me chamar para um merecido descanso. Eu já havia pedalado mais de cem quilômetros e com toda aquela temperatura eu poderia muito bem terminar o dia no local, no entanto, a galera queria completar essa mesma marca, contudo, ainda necessitavam pedalar mais de vinte quilômetros. Resolvi acompanha-los mais um pouco.

O pessoal estava disposto a acampar no final do dia, mas eu não botei muita fé neste plano, eu queria ver quem seria o corajoso de dormir dentro de uma barraca com aquela temperatura e sem tomar banho. Eu acompanhei a galera para ver qual seria o desfecho da história.

 
Luis e seu pai Mauricio. Cicloturismo em família. 

O pedal entre a montanha-russa de parque de diversão de quinta categoria durou até o anoitecer quando finalmente apareceu um posto de combustível em Puerto Serviez. No local um hotel com preço acessível fez a galera abandonar o lance do acampamento. O quarto com duas camas e ar condicionado custava 15 mil pesos para cada. Fui dividir a habitação com o Juan.

Os cicloturistas colombianos na pequena montanha-russa.

In foco.

Magnifico pôr-do-sol.

Não havia um restaurante no local e a nossa janta se resumiu a cachorro quente e hamburguesa. Não é algo que sustenta muito e tampouco é barato, mas sem dúvida é deliciosamente saboroso. Novamente foi uma pena não poder comprar outro. Paciência! A conversa com o pessoal durante a “refeição” foi interessante com muitas histórias e risadas. 

Quando voltamos o quarto continuava quente, ainda que o ar condicionado estivesse ligado. Ao reclamar na recepção o atendente justificou a alta temperatura ambiente, por isso o aparelho não suportava esfriar o cômodo. Para essa função uma pequena turbina de avião foi enviada à habitação.

Dia finalizado com 136,85 km em 8h21m e velocidade média de 16,38 km/h.

05/01/2013 - 181° dia - Puerto Serviez a El Opon.

Problemas mecânicos e o descobrimento de um novo caminho. 

A galera combinou de sair para pedalar às 6 horas da manhã. Achei o horário muito bom e com o ritmo de ontem eu poderia acompanha-los tranquilamente que não comprometeria meu planejamento para chegar ao Caribe. 

Acordei às 5 horas da madrugada e após arrumar minhas coisas na Victoria, que ficou dentro do quarto, comecei a preparar meu desayuno. No horário marcado estava pronto para começar mais um dia de pedal. Dia que, por sua vez, iniciou novamente maravilhoso, com um nascer do sol espetacular.

 
Ambiente perfeito para começar bem mais um dia de viagem. 

O pessoal queria tomar o desayuno antes de partir, mas o restaurante que na noite passada não servia o jantar, também não proporcionava a refeição matinal. A galera então comeu umas guloseimas e na sequencia nos direcionamos à estrada. 

A região nos apresentou uma novidade, as máquinas coletoras de petróleo. Elas são diversas em ambos os lados da rodovia. Mas na verdade o que impressionava era o amanhecer na estrada. Estava simplesmente fantástico.

Paisagem bucólica durante o amanhecer.

In foco.

Mais uma ave da rica fauna da região.

In foco.

Retirada de petróleo.

In foco.

Os primeiros quilômetros foram tranquilos até o câmbio dianteiro da bicicleta do Juan começar a desregular. O seu meio de transporte é antigo e suas peças são simples. Não cheguei a perguntar se uma revisão foi feita antes da viagem. De qualquer forma eles fizeram uma gambiarra na peça e voltamos a pedalar.

Não demorou muito tempo e apareceu um restaurante à beira da estrada que servia o desayuno que o trio bogotano esperava. O café da manhã ao qual eles estão acostumados é aquele mesmo oferecido na Bolívia, Peru e Equador, ou seja, uma refeição completa. Eu não precisava comer porque não estou acostumado com esse prato matinal, mas a minha fome insaciável falou mais alto e também fiz o meu pedido. O preço é o mesmo das outras refeições. Esta saiu por 6 mil pesos.

O desayuno foi reforçado com sopa, arroz, omelete, arepas e suco. Apesar de ser mais uma refeição no dia, estava ciente que não poderia me dar o luxo de degusta-la também nos próximos dias, afinal é um gasto a mais que faz a diferença na contabilidade para a sequencia da expedição. 

Ficamos um bom tempo parados no restaurante e quando voltamos à estrada a temperatura já estava elevada e o sol começava a castigar. Pela primeira vez coloquei os maguitos que ganhei do Alejandro (Bogotá) porque meu protetor solar está quase por acabar. A sensação térmica só não era maior em razão das árvores que continuavam a sombrear o caminho que passou a ser mais plano do que o trecho pedalado no dia anterior.

Estrada arborizada. Sombra perfeita.

Camarada Juan.

Não avançamos muito e o pessoal resolveu fazer uma nova parada para matar a sede com suco e refrigerante. Neste momento comecei a pensar se continuar a acompanha-los seria uma boa idéia. Não pela companhia, mas pelo tempo das paradas e o dinheiro que eventualmente se gasta em cada uma delas. 

Surpresa. No restaurante havia um mapa da região e então descobri que eu estava em um caminho diferente daquele inicialmente planejado. O trajeto em questão me levaria direto à Santa Marta, sem passar por Medellín e tampouco por Cartagena. E o fato de não passar por essa segunda cidade me deixou um tanto pensativo porque é um dos lugares mais visitados da Colômbia e eu não poderia deixar de conhecê-lo. Eu deveria pensar no que fazer.

Por este mapa eu descobri que estava em um novo caminho.

A notícia boa de toda a história é que eu havia realmente deixado Cordilheira dos Andes para trás. Passei mais de cinco meses pedalando pelas suas montanhas, desafiando-as, combate-a-combate e no final não tive nem a chance de me despedir e dizer: obrigado por todo o ensinamento, mas não é desta vez que você vai me derrotar. Ainda assim, fica todo o meu respeito.

Pessoalmente é uma grande vitória “conquistar” os Andes, apenas quem já encarou a cordilheira sabe de suas dificuldades; as subidas intermináveis; inclinações absurdas; precipícios; temperaturas baixas; e muito mais. Para apreciar a beleza andina é preciso muita paciência e determinação para não ficar pelo caminho. Felizmente eu posso dizer que saí vitorioso em minha jornada pela maior cadeia de montanhas do mundo.

De volta à estrada eu pensava nas alternativas que eu tinha para não deixar de conhecer Cartagena que acabou por ficar fora do meu trajeto. Cogitei deixar a bicicleta em um hotel de Santa Marta e visitar a cidade histórica de ônibus e regressar no dia seguinte. Mas para isso eu deveria encontrar uma hospedagem de confiança. Pedalar Santa Marta x Cartagena x Santa Marta seria gasto de tempo e, sobretudo, dinheiro. Por isso a opção foi logo descartada. 

Com as paradas longas durante a manhã, não demorou muito para chegar o horário do almoço e claro que uma nova pausa foi declarada pelo grupo, inclusive pela minha pessoa. Com 60 km pedalados paramos em um restaurante simples, mas bastante simpático. O atendimento foi muito bom e a refeição bem servida. O prato caprichado com sopa, arroz, macarrão, carne e salada custou 7 mil pesos. Mais uma vez a limonada estava disponível e estupidamente gelada. Perfeita para a ocasião. Novamente foi repetida.

Como já mencionei em outras postagens, meu almoço é breve e pouco tempo depois da refeição eu já volto a pedalar. No entanto, o pessoal da capital colombiana tem outro estilo de viagem. Para eles a parada após o almoço é longa e me pareceu sagrada. Respeitei essa decisão, mas estava louco para voltar a pedalar. O local era convidativo para descansar e o Luis e Juan não demoraram a começar a cochilar em cima da mesa. Eu fiquei apenar a acompanhar o noticiário da televisão que alertava para a época de seca da região. E pensar que o inverso acontece na Cordilheira que não está longe daqui.

Após quase duas horas de almoço e em comum acordo, resolvemos voltar ao pedal, finalmente. Eu voltei à estrada com todo gás. Não estou acostumado a descansar tanto tempo assim, então eu estava mais do que preparado para encarar aquele trajeto relativamente tranquilo. 

Eu tinha uma meta no período da tarde, pedalar mais quarenta quilômetros para alcançar a marca centenária no final do dia. Falei isso com o pessoal, mas acho que eles não ficaram muito animados. Acredito que eles pretendiam fazer uma distância menor. De qualquer forma, continuamos em frente. Revezávamos a dianteira como uma equipe de ciclismo. Nas subidas eu disparava como se estivesse sem nenhum peso na Victoria. Modestamente eu estava impossível. (Risada sacana)

Em um povoado o Juan parou numa pequena bicicletaria para trocar o câmbio dianteiro. Acho que permanecemos uma hora no local e no final das contas quase nada foi feito. O mecânico não me pareceu muito entendido no assunto e seu trabalho maior foi tirar e colocar a peça novamente no lugar, segundo ele, o problema é que a mesma havia sido mal instalada. 

O tempo que já estava curto ficou ainda mais limitado com a parada na bicicletaria, por isso quando voltamos a pedalar eu comecei a puxar o ritmo da pedalada e não parei mais. Afinal eu tinha que completar pelo menos cem quilômetros. Eu estava cada vez mais forte nas subidas e cheguei a me surpreender com tal agilidade de escalador com a bicicleta carregada. 

Quando avançava demais eu parava e esperava o pessoal reagrupar para seguir em frente, mas uma hora ninguém apareceu e eu suspeitei que haviam parado em algum lugar para passar a noite. Então eu resolvi seguir adiante com a minha jornada solitária. Foi uma pena não poder me despedir da família. Mas valeu a experiência de pedalar com eles. Fica aqui meu agradecimento pela companhia. 

O sol foi embora mais uma vez e a noite chegou enquanto eu ainda estava na estrada. A quilometragem esperada estava quase sendo alcançada, mas o problema é que nenhuma hospedagem aparecia pelo caminho. Parecia-me incrível, porque desde Honda existem vários pequenos povoados e a maioria com hotel, hostal ou residências, mas agora não tinha nem mesmo uma comunidade.

Mais um final de tarde na estrada.

Durante o almoço o proprietário do restaurante mencionou um povoado com um nome estranho; El Opon, então eu pedalava à sua espera. Mas eu avançava na escuridão e não enxergava nenhum sinal de vilarejo na minha frente. O velocímetro marcou 106 km quando finalmente um hotel apareceu logo na entrada do povoado em questão.

A diária neste hotel que fica paralelo a um posto de combustível estava em 25 mil pesos. Valor alto demais. O recepcionista me avisou que 200 metros à frente eu encontraria outra opção. Fui conferir. Para a minha infelicidade o local estava lotado e o próximo estabelecimento ficava a mais de 15 km. Distância que eu não estava disposto a cobrir naquele horário. 

Voltei no primeiro hotel e perguntei se não era possível fechar o quarto em 20 mil pesos. Chorei um pouco e combinamos por este preço. Ainda era alto, mas já tinha um desconto, menos mal. As hospedagens se tornam um pouco mais caras na região por causa do ar condicionado. Era o caso desta habitação que por sinal é bastante confortável e limpa. Destaque para o ventilador com controle remoto que também estava presente na parede. Achei a idéia do controle genial. Já tem isso no Brasil? Eu nunca vi.

Ventilador moderno com controle remoto.

Os chuveiros aqui não tem água quente, algo que é compreensível. A água gelada na verdade é morna e suficiente para tomar um excelente banho. Foi o que eu fiz antes de sair para jantar em um restaurante próximo do hotel. No local o menu tradicional custou 6 mil pesos. Retornei à hospedagem e fui dormir o sono dos justos.

Dia finalizado com 106,97 km em 6h16m e velocidade média de 17,06 km/h.


06/01/2013 - 182° dia - El Opon a San Alberto

Uma marca significativa: 10.000 quilômetros pedalados.

Acordei de madrugada, mas para não perder o costume, levantei quase meia hora depois do celular despertar. Não sei por que ainda faço isso, depois sempre fico a pensar que esse tempo poderia ser aproveitado no sono. Paciência.

Meu desayuno foi fraco e se resumiu a bolacha e suco. Meu pão acabou e não achei nenhum lugar para fazer a reposição do mesmo. Não demorei muito para sair do hotel porque aqui na região a estratégia é começar o pedal o quanto antes para aproveitar a temperatura mais amena. Por isso eu deixei a hospedagem por volta das 7 horas.

Mais uma vez o dia estava bonito e sem nenhum sinal de chuva. Na estrada eu fico atento ao velocímetro que em poucos minutos marca 10 mil quilômetros pedalados em menos de 6 meses desde Foz do Iguaçu. Não estou muito ligado a esses números, mas essa distância foi percorrida no trajeto mais difícil de toda a expedição e por isso merece atenção.

Uma marca que significa muita superação em menos de seis meses de viagem.

A estrada não apresentou muitas novidades, o acostamento estava presente na maior parte do trajeto, mas o problema é que os degraus e buracos comprometem seu estado. Por outro lado, a paisagem continua maravilhosa em todos os sentidos e as surpresas continuam ao alcance dos olhos de quem sabe prestar atenção aos detalhes da mãe natureza.

A obra de arte dos filhos da mãe natureza.

In foco.

O arquiteto responsável pela engenhosa "casa".

In foco.

In foco.

Paisagem

In foco.

Sempre em frente ..

Logo após o inicio da rodovia 45-13 a região é repleta de palmeiras que são cultivadas para terem o óleo de palma extraído. São vários hectares dedicados à sua plantação.

Região das Palmeiras de onde é extraído o óleo de Palma.

In foco.

In foco.

Ainda não era meio dia quando resolvi parar e almoçar. Infelizmente a refeição custava 12 mil pesos e o proprietário sugeriu a metade do prato por 6 mil. Achei que poderia ser uma boa idéia e aceitei. O ruim é ver os pratos mais vazios e a comida desaparecer do recipiente ainda mais rápido. Paciência. 

O mais chato do restaurante foi ver o tratamento com desdém do proprietário comigo. Não sou fresco e não gosto de paparicos, mas ser tratado com diferença em relação aos demais me parece injusto. Será que é porque ele pensou que eu não tinha dinheiro? Seria pela minha roupa e o meu estado? Não sei. Sei é que não fiquei à vontade, nem mesmo para pedir água e completar minhas garrafas. Terminei meu almoço, descansei uns minutos e voltei à estrada em uma temperatura que chegava próximo dos 40°C.

Eu estava com pouca água quando saí do restaurante e pensei que seria incrível se alguém parasse para me oferecer o liquido sagrado. Assim como acontecia na região da Laguna Colorada na Bolívia. E não é que meu pedido foi realizado em tempo recorde. Não passou meia hora desde a minha saída do restaurante e uma caminhonete buzinou e parou. Quando me aproximei cumprimentei o Juan (que também é ciclista) e sua família. Ele perguntou se eu precisava de alguma coisa e ofereceu água, que na mesma hora foi aceita. A garrafa de 600 ml estava literalmente congelada. Falei obrigado e também expliquei rapidamente sobre a viagem e que me direcionava à Santa Marta. Ele disse que seguia para mesmo destino e nos despedimos.

A caminhonete do Juan andou poucos metros e começou a voltar. Ele desceu do veículo e perguntou se eu tinha algum lugar para ficar em Santa Marta. Com a minha resposta negativa, ofereceu seu apartamento para a minha estadia na cidade. Não sabia como agradecer a hospitalidade. Mencionei que era tudo o que precisava para deixar a bicicleta e visitar Cartagena. Ao passar o endereço ele disse que o imóvel ficava na beira da praia. Eu mal podia acreditar. Ficaria hospedado de frente para o Caribe. Misericórdia! Também anotei seu telefone e falei que em quatro dias eu estaria no local.

Tem coisas que acontece que realmente são incríveis. Se eu não tivesse saído para pedalar àquele horário, não encontraria com o Juan e tampouco teria um lugar para ficar em Santa Marta. Vale lembrar que a minha permanência breve no restaurante ocorreu em razão da indiferença do proprietário com a minha pessoa. É aquela antiga história, quando uma porta se fecha outras tantas se abrem, basta percorrer o caminho certo. 

Meia hora depois de encontrar com o Juan sou novamente abordado, desta vez uma família de ciclista de Barrancabermeja me oferece um litro de água, novamente congelada. A garrafa era perfeita para substituir àquela esquecida na bicicletaria de Bogotá. Eu estava em um dia realmente iluminado. A família fez questão de tirar uma foto comigo e ainda ofereceu hospedagem se por acaso eu viesse a passar por sua cidade. 

O trajeto no período da tarde foi praticamente plano e a quilometragem passou rapidamente. O objetivo de chegar à San Alberto poderia ser facilmente concluído. Enquanto eu me direcionava para a parte final da pedalada tive mais uma surpresa no dia. Na realidade foi uma grande lição.

Paisagem pelo caminho.

Trajeto plano..

Eu pedalava tranquilamente quando encontrei um homem sentado debaixo das palmeiras com a sua bicicleta. Cumprimentei e segui em um ritmo razoável. Não demorou muito e o homem me alcançou. Fiquei desconfiado com a sua aproximação e não lhe tratei com a devida atenção. A pessoa era extremamente simples, assim como sua bicicleta antiga estilo Caloi 10 (mas sem marchas), onde levava algumas coisas no guidão. Pedalava com apenas um tênis. O outro pé estava descalço.

O mais curioso foi quando ele perguntou meu nome e ao responder a minha mesma pergunta disse que também se chamava Nelson. Eu achei muita coincidência e pensei sinceramente que aquele homem estava de brincadeira comigo e não tinha boas intenções. A gente ouve cada história nessa vida que ultimamente é difícil saber quem é quem. Confesso que fiquei apreensivo. 

Durante os quilômetros que se seguiram eu apenas respondia curtamente às perguntas curiosas do meu suposto xará. Ele disse que seguia para San Martin, uma cidade que ficava 30 km depois de San Alberto que era onde eu encerraria meu dia. Achei essa distância entre as duas cidades muito longa para ser completada por aquele senhor e isso colocava ainda mais desconfiança na minha cabeça.

Eu descobri que o Nelson é trabalhador rural que faz serviços nas comunidades da região. Fez questão de ressaltar os vários lugares na redondeza onde esteve com sua bicicleta. Inclusive respondeu à minha curiosidade sobre o tênis em apenas um pé. Segundo ele, a peça foi achada na estrada e era excelente para frear a bicicleta. Neste momento ele mostrou seu par de calçado antigo e bastante gasto, sobretudo, aquele que era utilizado como freio. 

Com o tempo minha desconfiança em relação ao Nelson ficava menor. Parecia mesmo que ele era uma boa pessoa e que o nome era somente uma coincidência. Em um momento eu ofereci água, mas ele rejeitou, quando finalmente aceitou minha garrafa já estava quase vazia e então ele tomou o resto que havia. Fiquei chateado de não poder ajudar com um pouco de água.

Na chegada em San Alberto ele recomendou que eu entrasse no centro da cidade para procurar uma hospedagem mais barata. Fez questão de me acompanhar ao local. Eu estava muito cansado e com bastante sede. Pensei em parar num lugar e convida-lo para beber um refrigerante, mas quanto mais nos aproximávamos do centro, maior era o movimento e nenhum lugar me parecia convidativo. 

Nelson me acompanhou até a frente do Hotel Galeon no centro da cidade. No local já apareceu um monte de gente por causa da bicicleta e um garoto surgiu oferecendo outra hospedagem e eu disse que não seria mais necessário. Eu estava meio sem saber o que fazer durante toda aquela movimentação. Queria entrar logo no hotel para saber o preço da diária e finalmente descansar. 

O meu xará observava toda aquela cena e parecia não entender a minha reação. Ao me despedir do Nelson perguntei se ele precisava de alguma coisa. Ele com um sorriso humilde disse que estava tudo bem e não necessitava de nada. Eu nem mesmo tive a coragem de pedir para que ele esperasse para tomar uma água ou refrigerante antes de seguir sua longa jornada pela escuridão que se aproximava. Apenas agradeci por sua imensa ajuda em me acompanhar ao hotel.

Na hospedagem a diária custava apenas 15 mil pesos. O quarto era pequeno, simples e com um ventilador de teto que não era uma turbina e cumpria bem o seu propósito. O diferencial do hotel acabou por conta do wi-fi, cuja senha foi gentilmente liberada pelo atendente. 

Na recepção do hotel eu não resisti à tentação e comprei um refrigerante de 1,5 litros bastante gelado. Enquanto eu tomava a bebida lembrava de quão estupido eu fui a ponto de não poder oferecer ao menos uma água ao Nelson. Justamente no dia em que eu havia sido presenteado duas vezes com o liquido sagrado. Não me conformava com a atitude e prometi a mim mesmo que se encontrasse ele novamente na estrada faria questão de pagar um almoço. Seria um gesto de agradecimento e desculpa pela minha falta de sensibilidade que talvez a canseira e a situação do momento tenham me impedido de ter.  

Tomei um banho, fui jantar no restaurante ao lado do hotel e posteriormente fui dormir.

Dia finalizado com 147,93 km em 8h47m e velocidade média de 16,83 km/h.

06/01/2013 - 182° dia - San Alberto a Pelaya

Se você tiver a segunda chance, não desperdice-a. 

A noite foi tranquila na hospedagem e me permitiu um descanso merecido. Acordei cedo e após o desayuno me mandei para a estrada. Voltei a pedalar às 7h30m. O objetivo do dia era avançar mais de cem quilômetros, contudo, sem uma cidade pré-estabelecida como destino. 

Mais uma vez o dia amanheceu bonito e quente. A saída de San Alberto foi sem dificuldade e em poucos minutos eu estava na rodovia em direção à San Martin. A distância entre essas duas localidades é de aproximadamente trinta quilômetros e o trajeto é todo plano. O deslocamento seria normal se não fosse a ausência total de acostamento e o tráfego intenso de veículos.

Começo do trecho sem acostamento entre San Alberto e San Martín.

Alerta para a presença de animais na rodovia. Infelizmente encontrei vários sem vida.

Chegar à San Martin foi complicado em razão da falta de um espaço seguro para pedalar. O trecho é bastante perigoso e por vezes é impossível até mesmo olhar para os lados. A concentração era exclusivamente para manter a bicicleta em linha reta sobre a faixa da direita. É preciso muito sangue frio para não se assustar com os carros e caminhões que passam centímetros do guidão da bicicleta. Eu ficava a imaginar como o Nelson (colombiano) tinha encarado, sem nenhum item de segurança, o trajeto na noite anterior.

Com muita paciência cheguei à cidade onde o meu xará falou que provavelmente nos encontraríamos já que seus familiares residem no local. Eu estava quase no final do perímetro urbano quando fui abordado pelo Nelson. Que felicidade vê-lo novamente. Conversamos no acostamento e durante a conversa me desculpei por não poder oferecer nem mesmo uma água gelada. Com uma simplicidade incrível ele disse que não havia do que me desculpar.

Grande Nelson em San Martín.

Com sua bicicleta antiga, Nelson pensou bastante se me acompanhava pelos próximos quilômetros, mas resolveu permanecer em San Martin para descansar. Ele pretendia voltar ao local onde nos encontramos no dia anterior para trabalhar. Com essa decisão eu não tinha a oportunidade de pagar uma refeição, como tinha prometido a mim mesmo caso encontrasse-o novamente. Mas tive a grande chance de pedir desculpas e trata-lo com a devida atenção e sem paranóias.

Na estrada, o acostamento foi aparecer somente após 42 quilômetros pedalados desde San Alberto. Tinha passado da hora de encontrar um lugar seguro para continuar a viagem. Esse trecho também apresentou obras na rodovia. A duplicação está em andamento e certamente vai melhorar a vida de muita gente, sobretudo, dos ciclistas.

Começo do acostamento em uma rodovia recém construída.

Nos primeiros quilômetros pedalados com acostamento um ciclista me ultrapassou em alta velocidade. Era o Nelson com a sua “roupa de ciclismo” e a mesma bagagem com a qual ele estava no dia anterior. Ele não resistiu ficar parado em casa e resolveu me fazer companhia na estrada. Como ele mesmo mencionou, àquela era uma oportunidade para treinar e manter o condicionamento físico. 

Não faltaram assuntos durante o pedal na companhia do meu xará, que por sua vez, tem um ritmo bem forte. Seu equipamento mais limitado não impede de avançar com uma velocidade maior. Para acompanha-lo, restou-me trabalhar mais as pernas. Foi bom que a quilometragem passou rapidamente. 

Em Aguachica, maior cidade da região, paramos em um restaurante à beira da estrada. O local era simples e o Nelson não se importou de aceitar meu convite para almoçar. A refeição não era das mais baratas, mas foi muito bom poder proporcionar aquele momento para uma pessoa simples e prestativa. O cardápio estava longe de ser o mais caprichado. O menu tradicional acompanhava sopa e segundo, este último tinha pouco arroz mas quase 1/4 de frango assado. Um pedaço bastante generoso. 

Desta vez o almoço não tinha a presença da limonada gratuita, por isso pedi um refrigerante de 1,5 litros para amenizar o calor que àquela altura era extremamente forte. Almoçamos rapidamente. Durante a refeição Nelson mencionou que aquele era um baita banquete. Sinceramente fiquei sem palavras e muito emocionado.

Devidamente alimentados, voltamos à estrada. Nelson ficou de me acompanhar até a subida mais forte que estava alguns quilômetros à frente. Na verdade o trecho após Aguachica apresenta três ou quatro subidas mais inclinadas, mas nada comparada aquelas na Cordilheira dos Andes. Talvez a maior delas tenha aproximadamente um quilômetro de extensão. Foi fácil completar essa pequena montanha-russa. Talvez o maior obstáculo tenha sido apenas a temperatura que estava nas alturas.

Nelson durante a subida. Detalhe para o pé esquerdo descalço.

A felicidade do garoto, rs.

Plantação de algodão pelo caminho.

Acho que a companhia do Nelson totalizou aproximadamente 60 quilômetros. Durante o percurso foi possível ver o quanto ele é apaixonado pelo esporte, especialmente em relação ao ciclismo e atletismo. Contou-me um pouco da sua história de vida e das mudanças que a atividade física proporcionou ao seu cotidiano. Ele estava bastante feliz em poder me acompanhar, ainda que poucos quilômetros. Sua vontade era seguir até Santa Marta para conhecer o mar, mas ainda era preciso economizar para poder realizar este sonho. A despedida foi emocionante de ambas as partes. Nelson em uma ação inesperada se ajoelhou no acostamento e pediu a Deus que me guiasse no restante da viagem. Sem dúvida foi uma cena que jamais esquecerei. Encontrar essa pessoa iluminada pelo caminho foi um aprendizado enorme.

Sozinho, pedalei mais poucos quilômetros e cheguei ao distrito de Pelaya às 16 horas. Ainda era cedo, mas resolvi encerrar o dia para descansar. A primeira hospedagem que apareceu no perímetro urbano foi o Residencial Flores. A diária custava 15 mil pesos e o quarto era relativamente confortável e com ventilador capaz de refrescar o ambiente. No local eu aproveitei para escrever o diário de bordo no final da tarde. De noite fui jantar no restaurante da própria hospedagem.

Durante o jantar apareceu um cicloturista (estilo mulambiker) que chegava àquele momento no distrito. Estava com pouca bagagem e procurava local barato para passar a noite. O preço da hospedagem não foi convidativo e então ele achou melhor pesquisar outros lugares. Não cheguei a conversar com ele porque foi tudo muito rápido e apenas observei, de longe, seu breve dialogo com o proprietário do residencial. 

Antes de finalmente retornar ao quarto e dormir, aproveitei para passar em uma padaria para garantir o desayuno da manhã seguinte. 

Dia finalizado com 115,68 km em 7h09m e velocidade média de 16,17 km/h.

08/01/2013 - 184° dia - Pelaya a Bosconia

Um dia recheado de surpresas.

Após uma boa noite de sono estava na hora de continuar a viagem. Fiz minha alimentação básica e pouco depois das 6 horas da manhã eu retornei à estrada. Meu objetivo era extremamente audacioso, chegar à Bosconia no final do dia. Isso significava que o pedal seria longo, aproximadamente 170 km, por isso não hesitei em sair nas primeiras horas da manhã.

O tempo bom permitiu contemplar o nascer do sol mais uma vez. Iniciar o dia com essa maravilha natural é sempre um incentivo a mais para continuar firme e forte para concluir a meta desejada.

"Amanhece o dia.. com um leve toque de poesia.."

Os primeiros quilômetros foram relativamente tranquilos e sem maiores novidades. Trajeto praticamente todo plano, acostamento razoável e muitas árvores ao lado da rodovia que continuavam a amenizar a temperatura. O problema que começou tímido e tomou grandes proporções ficou por conta do vento contra que diminuiu drasticamente a velocidade média.

Vamos quebrar a banca, rs.

Coitado dos moradores locais.

 
Em uma região onde a temperatura é sempre elevada, nada melhor do que pedalar por estes caminhos.

Com pouco mais de 50 km pedalados e ainda enfrentando a ventania, o cicloturista que chegara à Pelaya na noite anterior me ultrapassou e simplesmente cumprimentou e continuou. Segui mais um pouco e ele estava parado na intenção de recuperar as energias para vencer o forte obstáculo natural. Não pensei duas vezes em fazer uma pausa e obter maiores detalhes sobre a sua viagem.

O cicloturista era o Ramiro que é de Bogotá, mas pedalava desde Honda em direção à Cartagena. Para chegar a esta cidade ele tinha um roteiro bem estranho. De Bosconia seguiria para Sincelejo e posteriormente para o litoral norte. Como tínhamos o mesmo objetivo de terminar o dia em Bosconia, continuamos juntos o pedal até a referida cidade.

Cicloturista Ramiro da capital colombiana.

Ramiro é professor de educação física e já tem seus mais de quarenta anos, contudo, ainda pedala bastante e em um ritmo muito forte. Não foi fácil acompanha-lo, sobretudo, porque o peso da minha bagagem era infinitamente maior que aquele transportado em sua simples bicicleta. De qualquer forma, ambos seguimos determinados para chegar ao destino, mesmo que para isso fosse necessário empregar uma força descomunal para vencer o vento e também a temperatura elevada.

Quase próximo ao meio dia encontramos um pequeno rio à beira da rodovia e o Ramiro, ao contrário de mim, não pensou duas vezes em parar no local e fazer um mergulho para refrescar um pouco. Desde Honda a região apresenta vários lugares como este ao lado da estrada. Muitos estavam lotados no momento da minha passagem e por isso eu não havia, apesar da tentação, realizado nenhuma parada para amenizar a temperatura corporal. Mas agora a situação era diferente, o local era limpo (água cristalina) e não tinha ninguém além dos peixes que eram facilmente visualizados à flor d’água. Impossível desperdiçar uma oportunidade como esta.

Local perfeito para um mergulho

In foco.

In foco.

In foco.

O Ramiro entrou na água com toda sua vestimenta, inclusive, de tênis, segundo ele, a estratégia de seguir com a roupa molhada permitia sofrer menos com a temperatura do horário. Sem dúvida a idéia tem sua lógica, mas eu achei melhor entrar na água apenas de calça. Os peixes do local não estranharam nossa presença e ficaram a poucos centímetros da gente. O ambiente todo era muito propicio para descansar e refrescar. Acho que permanecemos quinze minutos aproveitando toda aquela natureza. 

Quando voltamos à estrada, logo passamos por San Roque que também contava com hospedagens e restaurantes, mas apesar do horário e da fome, resolvemos seguir um pouco mais. Decidimos almoçar poucos quilômetros depois em um restaurante no cruzamento para Chiriguana. O local conta com vários estabelecimentos às margens da estrada e lugar não falta para realizar a refeição. O menu tradicional custou 7 mil pesos e estava caprichado. A limonada com gelo foi bem-vinda à mesa.

Se não me engano, pedalamos mais de cem quilômetros na parte da manhã. Pelas condições climáticas isso foi um grande feito, sem dúvida. Mas ainda faltava bastante, Bosconia estava distante e ainda precisaríamos pedalar mais setenta quilômetros durante a tarde e provavelmente uma parte da noite.

Ramiro não tem frescura e logo após o almoço retornamos a pedalar, mesmo com o sol a pino. Felizmente o vento perdeu a intensidade e o nosso ritmo foi ainda maior e os quilômetros passaram rapidamente pela região que começou a exibir uma paisagem cada vez mais seca em razão da estação. Como mencionado anteriormente, a época é de pouca chuva e a falta de água deixa as pastagens com uma cor diferente daquela visualizada dias atrás. Nesta mesma área também surgiram as minas de carvão. O mesmo é transportado por trem para Santa Marta e consequentemente à várias partes do mundo através do oceano.

Transporte de carvão para a costa caribenha.

O camarada da capital colombiana realizava sua primeira viagem de bicicleta e com certo receio em relação à segurança na estrada, optou por não levar sua maquina fotográfica. Para que ele tivesse registros fotográficos dessa experiência inédita no cicloturismo, fiz questão de tirar algumas fotos para envia-las posteriormente por e-mail. Já passei por situação parecida e sei o quão importante é ter uma lembrança destes momentos. Claro que a principal recordação fica na memória, mas é bacana ter outro tipo de registro.

Ramiro ao lado do trânsito pesado da rodovia.

Valeu a companhia, camarada.

Avançamos e chegamos ao famoso trevo denominado Cuatro Vientos. Na verdade não sei exatamente o porquê o local é bastante conhecido. A única coisa diferente, estranha e desagradável é a presença de inúmeros vendedores de gasolina ilegal à beira da estrada. São dezenas de pessoas que acenam (com um funil na mão) aos motoristas que não hesitam em parar e abastecer com o combustível de procedência desconhecida, mas infinitamente mais barato. O local abriga, sem nenhuma segurança, uma quantidade enorme de gasolina, não sei como medidas governamentais ainda não foram tomadas para evitar um acidente de proporções gigantescas.

Cuatro vientos e a oferta de combustível às margens da rodovia.

Talvez o trecho para passar por Cuatro Vientos seja inferior a 3 quilômetros, mas ainda assim é suficiente para querer sair o quanto antes daquele ambiente com alta periculosidade. O cheiro também é muito forte e nada agradável. Triste imaginar que muitas pessoas sobrevivam naquele cotidiano nada propício para morar, trabalhar e, enfim, viver.

Seguimos com a velocidade sempre acima dos 20 km/h. Estávamos cansados, mas a nossa determinação para chegar à Bosconia era algo incrível. Para continuar com energia, paramos em uma mercearia e pedimos um refrigerante gelado para aliviar a sede. Aproveitei e também comprei pão e doce. Já pensava no desayuno do dia seguinte. Não estava nada disposto a ficar sem a refeição matinal.

Na estrada nos deparamos com mais um fantástico pôr-do-sol que apenas não foi mais bem observado porque a estrada nos retirou boa parte do acostamento. O espaço que nos restou, para variar, não estava em sua melhor condição e não raramente tínhamos que pedalar na pista. Dividir espaço com carros e caminhões velozes está longe de ser agradável para qualquer ciclista.

Pôr-do-sol

Em busca de equilibrio, rs.

A noite chegou e ainda faltavam aproximadamente vinte quilômetros para chegarmos à Bosconia. Acendemos as luzes da bicicleta e continuamos pedalando forte na intenção de alcançarmos o nosso destino o quanto antes. Isso ocorreu pouco depois das 19 horas. Mas a nossa jornada não havia terminado, precisávamos encontrar uma hospedagem barata. 

Nossa pesquisa por um hotel em Bosconia foi longa, mas infelizmente todos os estabelecimentos pesquisados tinham preços absurdos. Na saída de uma hospedagem fomos abordados por uma criança que nos perguntou se estávamos à procura de hotel. Nossa resposta foi junto com a indagação se o mesmo era econômico. O esperto menino disse que a habitação com ventilador custava 15 mil e com ar condicionado, 20 mil pesos. Era o preço padrão e então resolvemos conferir as instalações.

O lugar não tem nome (pelo menos visível) e fica atrás de um restaurante chamado El Volante (acho que é isso!). O preço era o mesmo que o menino havia nos avisado, mas com uma observação. O preço da diária era por habitação e não por pessoa. Assim, um quarto com duas camas custou apenas 15 mil pesos. Foi uma ótima idéia acompanhar aquele menino que no final ganhou um trocado do Ramiro e também do dono da hospedagem. A “barbada” era nosso prêmio pela árdua trajetória do dia.

O quarto era simples, mas tinha televisão, dois ventiladores e banheiro privado. Antes de tomar um banho fui jantar no restaurante que fica na frente da hospedagem. A refeição saiu por 8 mil pesos e estava repleta de carne. Garantiu parte das proteínas necessárias para o dia seguinte.

Tomei um banho e voltei às ruas para encontrar uma lan house para localizar melhor o edifício do ciclista Juan em Santa Marta. Na internet descobri que o local é extremamente luxuoso e fica realmente de frente para o Mar do Caribe. Independentemente da situação financeira, o anfitrião me pareceu bastante simpático e eu não deixei a idéia de ficar em sua residência. Fiz algumas anotações e regressei à hospedagem para finalmente dormir após um longo dia.

Dia finalizado com 174, 43 km em 9h32m e velocidade média de 18,28 km/h.

09/01/2013 - 185° dia - Bosconia a Santa Marta

Pedalar ao lado do Caribe não tem preço.

Acordei de madrugada e antes das 5 horas eu já estava levantado para começar a arrumar minhas coisas. A pretensão era sair o mais cedo possível em razão da audácia de querer chegar à Santa Marta no final do dia. A ousadia estava relacionada à distância entre as duas cidades, superior a 150 quilômetros. 

De Bosconia o cicloturista Ramiro seguiria para Sincelejo, ou seja, um caminho diferente do meu, contudo, não menos fácil. Seu objetivo era pedalar na casa dos duzentos quilômetros. Assim ele também tratou de agilizar sua saída antes do nascer do sol. 

Preparei meu desayuno com pão, geléia, rapadura e suco. Com a alimentação matinal concluída estava na hora de voltar à estrada. Desejei sorte para o Ramiro e após a despedida comecei a girar os motores, digo, as pernas.

A saída da hospedagem aconteceu por volta das 6 horas da manhã e não demorei muito para me deparar com os mesmos problemas do dia anterior, temperatura alta, vegetação seca, falta de acostamento decente e vento contra. Mas se eu quisesse avançar era preciso deixar esses obstáculos para trás e me superar. Por isso fui à luta.

Pastagem cada vez mais seca pelo caminho.

O trajeto continuou pela rodovia 45 em direção à Santa Marta. Em poucos quilômetros eu estava em mais um departamento, desta vez, denominado Magdalena. Foi nesta região que eu tive uma baita surpresa ao estacionar a bicicleta para tomar água e comer um pacote de bolacha. Não, não havia nenhum problema mecânico na Victoria. Era algo muito maior do que isso, literalmente. Eu avistara naquele momento a Serra Nevada de Santa Marta. Como o próprio nome sugere, montanhas são cobertas pelo gelo.

Mais um departamento.

Serra Nevada de Santa Marta.

In foco.

  
In foco.

O incrível foi observar a montanha nevada próxima ao mar e em um ambiente que registra elevadas temperaturas nesta época do ano. Na internet descobri que é a “maior elevação próxima ao mar, independente da corrente montanhosa dos Andes”. Não à toa o lugar é realmente impressionante, mesmo admirado à distância. Afinal, apesar de parecer próximo à estrada, certamente são necessários alguns quilômetros para chegar até a base das montanhas cujo topo ultrapassa os três mil metros de altitude.

Ainda bem que as montanhas ficaram restritas à lateral da rodovia.

In foco.

A serra de Santa Marta é extensa e somente foi possível observar a montanha nevada por um período, ainda assim foi um prato cheio para a lente da câmera fotográfica. Pensei que seria a maior surpresa do dia, mas para a minha felicidade eu estava enganado.

O pedal continuou tranquilo e por volta do meio dia parei (com pouco mais de 60 km pedalados) em um restaurante à beira da estrada e almocei porque meu estômago já exigia alimento. A refeição custou 8 mil pesos e estava com bastante arroz, conforme foi solicitado. Apesar de não vir acompanhada com feijão e suco, a quantidade de carne era absurda. De qualquer forma não deixei nada no prato. Desperdiçar comida deveria ser considerado um crime. 

Após o almoço continuei a enfrentar o calor que em determinados momentos era amenizado pelas sombras que por sorte continuaram a aparecer ao lado da rodovia. O que também começou a surgir com mais frequência foram as barreiras do exército e da polícia. Mas não tive nenhum problema e tampouco minha passagem foi obstruída.

Embora a intenção inicial era de chegar à Santa Marta, eu estava cansado depois que o velocímetro alcançou a marca dos cem quilômetros, afinal, no dia anterior o pedal foi de quase 175 km em um ritmo bastante forte para o padrão que tenho empregado nesta expedição. Desta forma eu decidi que na primeira hospedagem do caminho eu encerraria meu dia. Mas é aquela velha história, quando você mais necessita, não aparece aquilo que procura. 

Não me lembro do nome do povoado, talvez seja Rio Negro, não tenho certeza, em todo caso, foi onde finalmente apareceu um hotel. Mas a diária estava muito cara, algo em torno de 30 reais. Como foi negado qualquer desconto, fui obrigado a seguir viagem até a próxima hospedagem em Ciénaga que ficava quase a 20 km de onde eu me encontrava. 

Continuar o pedal cansado certamente não é uma das melhores coisas que se pode acontecer durante uma viagem. Mas por outro lado, o momento exige superação extrema para poder avançar. É justamente nestas horas que você passar a ter conhecimento de forças que não imaginava ter. Esse descobrimento pessoal é incrível. E quando você passar a ter consciência da energia que ainda possui ela própria passa a ser um incentivo para ir mais longe. 

Com 135 km pedalados eu cheguei a um cruzamento que me trouxe uma noticia não muito animadora. Ciénaga ficava na direção oposta à Santa Marta e eu não estava disposto a sair do meu roteiro apenas por causa de uma hospedagem. E como Santa Marta, neste momento, já não estava tão longe, achei que poderia chegar, ainda que de noite, no destino traçado no início do dia. Mas havia um detalhe, eu precisava avisar meu anfitrião sobre a minha chegada.

Entrada para o Troncal del Caribe.

Finalmente na Costa Caribenha.

Na estrada parei em uma casa onde uma placa informava Minutos. Ainda não mencionei, mas desde que atravessei a fronteira essa é uma das coisas que mais se encontra nos estabelecimentos, seja mercearias, bares, restaurantes, barracas e outros lugares. Trata-se de um celular que realiza chamadas a um preço fixo por minuto. Geralmente funcionam apenas para números locais e regionais a um custo de 150-200 centavos de pesos colombianos. Para uma emergência o sistema é muito útil. Quer dizer, isto quando o telefone do outro lado não está na caixa postal, situação em que se encontrava o número do Juan. Paciência! Eu tentaria chegar à sua casa de qualquer forma.

Eu tratei de resgatar minhas últimas energias para empregar um ritmo maior e chegar o quanto antes na casa que me receberia em Santa Marta. Já que eu chegaria um dia antes do previsto e não conseguira avisa-lo, pelo menos não gostaria de aparecer tardiamente no local. Por isso a velocidade aumentou consideravelmente para a situação física em que eu me encontrava.

Ainda com claridade e a menos de 20 km de Santa Marta (centro) eu consegui visualizar o Mar do Caribe pela primeira vez. E não foi qualquer encontro. Aconteceu justamente durante o pôr-do-sol que tanto eu esperei para presenciar no Pacífico e que a natureza permitiu apenas aqui no norte da Colômbia. Era um presente por completar seis meses de viagem. Acho que dificilmente esquecerei o momento, a euforia e o sentimento de felicidade em contemplar o espetacular entardecer no mar.

Mar do Caribe pela primeira vez no horizonte.

Pôr-do-sol no Caribe. Sensação indescritível.

In foco.

In foco.

A noite chegou e com ela o trânsito mais intenso de Santa Marta. Procurei ligar a lanterna e o farol para ser bem visualizado pelos motoristas. Com muita atenção continuei, entre os veículos, em direção ao aeroporto,  a referência para chegar em Pozos Colorados, onde ficava o apartamento da família do Juan. Apareceu uma placa que indicava o aeroporto, mas logo depois eu soube que o mesmo havia ficado para trás e não entendi onde errei o caminho. Para a minha sorte o edifício que eu deveria encontrar é bastante conhecido na cidade e ao pedir informação de como chegar até o local, um ciclista se dispôs a me acompanhar até a entrada da rua. Maravilha!

Ao chegar ao enorme e luxuoso edifício eu nem me importei que estava sujo, cansado e não muito cheiroso (Risada sacana). Se eu estava no local é porque eu deveria conhecer alguém importante que residisse em um de seus vários apartamentos. Talvez por isso eu tenha sido muitíssimo bem recepcionado pelos porteiros que informaram o Juan sobre a minha chegada. 

O vento era insuportável na recepção do edifício e por pouco a Victoria e eu não somos levados aos céus. Ainda bem que o Juan logo apareceu e também foi muito bem receptivo e compreendeu minha chegada inesperada. Na portaria fui obrigado a registrar meu nome para ganhar uma pulseira que garantia acesso nas dependências do prédio. Coisa de lugar muito, mas muito sofisticado. 

Devidamente registrado, fui encaminhado ao apartamento do anfitrião. A Victoria subiu junto comigo pelo elevador, ainda bem que o mesmo suportava muitos quilos. Também não faltou espaço para guarda-la no apartamento onde toda a família estava reunida. Cumprimentei todos e na sequencia fui jantar na sacada do local, de frente para o mar. Na sobremesa eu experimentei arepa com abacate. Uma combinação perfeita. São coisas que uma viagem de bicicleta lhe proporciona, convívio nos mais diferentes ambientes e com pessoas das mais variadas classes sociais. 

Conversei bastante com o Juan sobre a viagem e os mais variados assuntos, inclusive sobre a minha visita à Cartagena e seus atrativos imperdíveis. Aliás, eu teria que conhecer a cidade histórica já no dia seguinte porque a família voltaria à Medellín (onde residem) em três dias, ou seja, esse era o tempo que eu tinha disponível para permanecer no apartamento. Neste período eu teria que visitar Cartagena e talvez o Parque Tayrona com suas praias paradisíacas e que o Juan mencionou como sendo as melhores da Colômbia. Ressaltou várias vezes que o local era imperdível e que eu deveria, necessariamente, reservar um tempo para visita-lo. 

A família de Medellín já visitou  o Brasil. Conheceram o Rio de Janeiro, Paraty e algumas praias do litoral paulista. Na próxima passagem pelo país eles pretendem conhecer Florianópolis onde tem uma amiga que reside na ilha. Quando mostrei as minhas fotos de Floripa eles ficaram encantados e o Juan até parou de recomendar a visita à Tayrona já que as praias da Ilha da Magia também são belíssimas. 

Fui dormir um pouco sem saber direito o que fazer nos próximos dias. Uma coisa era certa, eu deveria pegar um ônibus para Cartagena nas primeiras horas do dia seguinte. Isso porque a viagem tem duração média de 4 horas. O Juan tentou me ajudar ligando para as empresas a fim de saber os horários de partidas, contudo, nenhuma atendeu aos telefonemas. Então combinei com o anfitrião que na manhã seguinte eu não madrugaria, precisava descansar e também não queria acordar a família. 

Dia finalizado com 157,44 km em 9h49m e velocidade média de 16,01 km/h.

10/01/2013 - 186° dia - Santa Marta x Cartagena (Folga)

A noite não poderia ter sido mais confortável. Dormi em um sofá-cama instalado na sala do apartamento. O ambiente estava com uma temperatura bastante agradável em razão do moderno e eficiente ar condicionado do local. Foi mais do que suficiente para eu ter uma boa noite de sono e descansar após uma semana de pedal intenso entre Bogotá e Santa Marta. 

Acordei por volta das 7 horas da manhã, mas como estavam todos dormindo, fiquei quieto na cama e resolvi levantar somente aos primeiros sinais de movimento na casa, algo que aconteceu praticamente uma hora depois. Não demorou muito e o desayuno estava servido, tudo muito saboroso e preparado pela Mari que trabalha para a família.

A vista para o mar no apartamento do anfitrião Juan.

Mar do Caribe.

In foco.

O Juan fez novas tentativas de ligação para o terminal rodoviário e finalmente conseguiu a informação sobre os horários dos ônibus para Cartagena. O próximo veículo sairia às 9 horas, ou seja, eu precisava arrumar minhas coisas básicas rapidamente e me direcionar para a rodoviária. O local fica aproximadamente oito quilômetros do apartamento e por isso consegui uma carona com os anfitriões. 

Cheguei a tempo na rodoviária e ao comprar a passagem descobri que o ônibus partiria apenas às 9h20m. O deslocamento aconteceu pela empresa Expreso Brasilia e custou 30 mil pesos aos meus bolsos, algo em torno de 30 reais. Não é um valor baixo se comparado com países como Bolívia e Peru, mas pelo menos também não é exorbitante, sobretudo, em uma época de intenso movimento nesta região turística.

O ônibus (um micro-ônibus) saiu exatamente no horário. Estranhei que ninguém pediu a passagem ou sequer qualquer documento para eu realizar o embarque. Na entrada do veículo um policial realizava revistas em determinados passageiros, contudo, ingressei sem ser abordado. Também eu não tinha quase nada de bagagem, apenas minha bolsa de guidão com itens de higiene, a máquina fotográfica e carregava meu livro/guia sobre a América do Sul. Infelizmente não tive tempo de tirar fotos das informações sobre Cartagena e fui obrigado a leva-lo comigo.

A viagem foi tranquila e sem maiores imprevistos. O ônibus foi parado em uma barreira do exército e após uma revista no veículo e a conferência dos documentos voltamos à estrada. A paisagem atrás da janela não tem a mesma perspectiva que a bicicleta oferece, contudo, ainda assim era incrível observar o majestoso Mar do Caribe bem ao alcance dos meus olhos. 

O ônibus fez poucas paradas pelo caminho, talvez a mais longa tenha ocorrido em Barranquilla onde desembarcaram e embarcaram passageiros. O motorista compensava, na estrada, qualquer eventual atraso neste sobe e desce de pessoas. Eu estava sentado na frente por falta de opção (não existe assento reservado) e essa localização permitia acompanhar todas as manobras arriscadas do condutor, incluindo ultrapassagens perigosas. Não à toa eu me sinto muito mais seguro atrás do guidão da minha bicicleta.

Com a audácia do senhor motorista, nossa chegada em Cartagena aconteceu 30 minutos a menos do que o previsto, ou seja, o trajeto foi apenas de 3h30m. Eu tinha conhecimento que a rodoviária ficava longe do centro da cidade e que o deslocamento para essa região levaria aproximadamente meia hora. Então antes de enfrentar o ônibus para o casco histórico eu parei em um restaurante, ainda na rodoviária, para almoçar e recarregar as energias. A refeição custou 6 mil pesos e o cardápio não tinha nenhuma novidade. Simples e saboroso.

Após o almoço foi a hora de enfrentar o calor e pegar um ônibus ao centro. Para a minha felicidade não precisei esperar nem um minuto e o ônibus saiu do terminal em direção ao local desejado. O veículo possuía ar-condicionado, mas o calor chegava a tal ponto que era impossível sentir muita diferença no interior do veículo. A passagem custou 1,700 pesos e foi paga a um cobrador que fica sentado ao lado do motorista. Mas também existem empresas que possuem veículos sem ar condicionado e com a passagem a 1,500 pesos. Geralmente neste caso você encontrará o cobrador na porta a chamar seus passageiros.

Cartagena é histórica. Sua fundação é datada de 1533 e foi uma cidade estratégica e um importante porto mercantil da Coroa Espanhola, conforme lembra o Guia Viajante Independente. Certamente aqueles que vem conhecer a Ciudad Amurallada estejam, sobretudo, interessados em sua história e arquitetura. Não por menos o local é Patrimônio Histórico e Cultural da Humanidade. Todavia, a primeira impressão está longe de ser a imaginada para um lugar com tanta riqueza.

Para quem chega pela rodoviária, o caminho até a região do centro histórico é longo e passa por uma boa parte da periferia da cidade. O movimento é intenso pelas ruas que são disputadas freneticamente pelos veículos. Ônibus, taxis e automóveis são responsáveis diretamente pela poluição sonora. Outra coisa que não é nada agradável é a limpeza. Parece que esse aspecto não é primordial nesta área da cidade. Talvez seja culpa dos próprios moradores e também da gestão governamental. Sei que é muito triste visualizar tanto lixo jogado nas ruas e avenidas.

Cartagena é imensa e sua população ultrapassa um milhão de habitantes e acredito que a maioria viva nesta zona periférica. O comércio é intenso e está presente por todos os lados. Em determinadas partes lembra muito toda aquela agitação de Ciudad del Este no Paraguai. Isso tudo eu observava atrás da janela do ônibus durante esse longo trajeto até o destino desejado, que por sua vez, era a Plaza de Los Coches, uma das principais praças da cidade. Solicitei ao motorista me deixar o mais próximo possível do local. Aqui não tem campainha e muito menos ponto de ônibus especifico. Para descer, em qualquer lugar, é preciso literalmente gritar. A palavra mais utilizada entre os passageiros é parada. Algo muito parecido com o que acontece na Bolívia. 

O motorista me avisou que eu deveria descer e seguir mais duas quadras para chegar até a Plaza de Los Coches. Essa região central continuava movimentada em relação ao número de veículos e pessoas, mas sem dúvida já é mais limpa e atrativa. Afinal é aqui que se concentram os principais pontos turísticos da cidade que é uma das mais visitadas da Colômbia.

Rapidamente cheguei à praça por onde começaria minha caminhada para conhecer o centro histórico. Não estava muito à vontade por causa do livro (guia) que era carregado nas mãos. Eu parecia um típico turista, faltava apenas a câmera fotográfica no pescoço. Por falar em turista, ele está por todas as partes dessa área, algo que é bastante compreensivo, eu não precisei andar muito para observar os casarões e prédios antigos, charmosos e bastante coloridos. Nas ruas e praças é comum encontrar vendedores a oferecer doces, frutas, sorvetes e sucos, tudo para amenizar o calor que permanece o ano todo, mas que nesta época é ainda mais intenso.

Plaza de Los Coches. Carruagem para um passeio pelo centro histórico.

Movimento entre as vielas e prédios antigos, charmosos e coloridos.

Sacadas sempre com muitas flores.

Plaza Bolívar

Plaza Bolívar

O livro carregado não me permitia uma mobilidade confortável, sobretudo, para fazer os registros fotográficos. Então comecei minha busca por hospedagem. Mal sabia que aquela seria uma longa jornada. Fui orientado a procurar as mais econômicas na região chamada Getsemani. Meu guia também apontava algumas ruas neste bairro onde era possível encontrar algumas barbadas.

Getsemani fica próximo do Paseo de los Martires que, por sua vez, está localizado ao lado da Torre do Relógio. Na Calle Media Luna há muitos hotéis com a aparência mais simples, contudo, estavam todos lotados. Caminhei por outras ruas e quando achava um hostal, hotel, albergue e alojamento, a resposta era a mesma, não tinha habitação disponível para uma pessoa. Minha andança já era de mais de uma hora e eu comecei a suspeitar que teria que desembolsar mais para passar a noite na cidade.

Torre do Relógio ao lado da Plaza de Los Coches.

Quase fiquei em um hostal onde a diária era de 50 reais, mas pensei melhor e fui pesquisar mais um pouco. Quase ao lado deste encontrei um estabelecimento que também estava lotado, contudo, o proprietário, atencioso, ligou para um lugar com a finalidade de saber se haveria uma cama disponível para mim. A resposta foi animadora e fui recomendado ao Hostal de las Chancletas.

O Hostal de las Chancletas ficava longe de onde eu me encontrava, mas eu tinha conhecimento de como chegar ao local, por que além do mapa, eu havia passado bem próximo do lugar minutos atrás. Caminhei rapidamente e logo estava na recepção para confirmar a reserva feita por telefone pelo proprietário da outra hospedagem. A diária custava 30 mil pesos em um quarto compartilhado. O dormitório tinha dois beliches e era limpo e organizado, assim como os banheiros no lado de fora. Um pequeno armário com chave estava disponível para eu guardar minhas coisas com segurança. Foi o que eu fiz antes de tomar um banho e sair novamente às ruas, isso às 18 horas. 

Não gosto de sair à noite, sobretudo, em lugares que não conheço, mas eu deveria encontrar um lugar para jantar e comprar alguma coisa para o desayuno do dia seguinte. Passei por várias ruas do centro histórico e tirei algumas fotos. O local é muito mais movimento durante a noite. Turistas e moradores locais invadem as vielas, bares e lojas da região. As praças são utilizadas por artistas que logo conseguem atrair um bom público com suas atrações.

Torre do Relógio ao anoitecer no Paseo de los Martires.

Palácio do Governo Departamental.

Artistas na Plaza de Los Coches.

Típicas vendedoras de frutas de Cartagena.

In foco.

Não encontrei muito policial pelas ruas, mas a área me pareceu segura e andei sem problema por muitos quarteirões até achar um supermercado onde comprei pão, geléia, bolacha, rapadura e refrigerante. Logo na saída do estabelecimento eu parei em uma praça e boa parte destes mantimentos serviu como a janta, já que não achei nenhum restaurante com preço acessível.

Voltei ao hostal e os outros hóspedes ainda não estavam no quarto. Eram duas mulheres, uma da Argentina e outra de Bogotá. Eu aproveitei a tranquilidade e fui dormir por volta das 20 horas. Era cedo, mas eu estava bastante cansado e tinha que recuperar as energias para o dia seguinte, pois eu pretendia conhecer e registrar com mais calma a Ciudad Amurallada.

11/01/2013 - 187° dia - Cartagena x Santa Marta (Folga)

Cartagena sem dúvida é um dos lugares mais interessantes da Colômbia.

A noite foi tranquila no quarto compartilhado. O pessoal foi bem educado e todos souberam se comportar para permitir um descanso merecido. 

Acordei às 5 horas da manhã e com muito cuidado para não acordar os demais, levantei, peguei meu desayuno e fui degusta-lo em uma mesa do lado de fora. Na sequencia fui às ruas para aproveitar o máximo possível do tempo que ainda me restava. Por volta de meio dia eu deveria estar no terminal rodoviário para pegar um ônibus para Santa Marta. Então tratei de agilizar minha visita aos pontos turísticos de Cartagena.

A rua do Hostal de las Chancletas.

Calles charmosas

Sair nas primeiras horas do dia foi a melhor coisa que eu poderia ter feito para conhecer com mais calma a linda Cartagena. Comecei minha caminhada pela Torre del Reloj um símbolo da cidade e portal de entrada para o centro histórico. Cheguei ao local pelo Paseo de los Martires que fica ao lado do Parque del Centenario e do Centro de Convenções, este último, localizado às margens da Baia de Cartagena. É nesta área que partem os barcos que realizam os passeios para as praias e ilhas da região.

In foco.

Calle de la Media Luna,

In foco.

Monumento no Paseo de los Martires.

Torre do Relógio

Baia de Cartagena. Centro de Convenções ao lado esquerdo.

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Amanhecer em Cartagena

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Solmáforo.

Os preços dos passeios de barco não me pareceram exorbitantes, em torno de 30-40 reais, deve ser interessante visitar as praias paradisíacas que os cartazes anunciam, contudo, meu tempo era limitado e eu tinha outro objetivo. Mas fica a dica para quem estiver de passagem pela cidade. O passeio deve ser ao estilo daqueles existentes em Florianópolis/SC e Paraty/RJ, ambos altamente recomendados. 

Na sequencia fui ao Parque de la Marina onde existem esculturas em homenagem aos participantes colombianos na Guerra da Coreia. Depois, ao lado do Mar do Caribe, comecei o passeio pela orla de onde é possível compreender porque Cartagena é conhecida como Ciudad Amurallada. São onze quilômetros de muralhas que outrora eram responsáveis pela proteção da cidade durante os conflitos com piratas e outros países, como lembra o Guia Viajante.

Parque de la Marina.

Parque de la Marina.

Homenagem aos combatentes na Guerra da Coreia.

Reconhecimento do governo coreano à participação colombiana na Guerra da Coreia

Parte da muralha com mais de 11 quilômetros

In foco.

Olha o carro do Google Street View. Passou por mim dias atrás na estrada.

Bocagrande ao fundo.

In foco.

Ciudad Amurallada

Ciudad Amurallada

Ciudad Amurallada

Ciudad Amurallada

Ciudad Amurallada

Registro garantido ao lado do mar caribenho.

Avenida Santander

Ciudad Amurallada

Ciudad Amurallada

Registro em um dos baluartes da muralha.

Ciudad Amurallada

Ciudad Amurallada

Ciudad Amurallada

Ciudad Amurallada

Bocagrande. A Miami caribenha.

Ciudad Amurallada

Ciudad Amurallada

Ciudad Amurallada

Após a caminhada na orla, comecei a observar alguns dos 50 quarteirões do século 16 e 17 que compreendem o centro histórico. Com estilo que lembra a arquitetura de outras cidades visitadas nesta expedição, os prédios e casarões são um charme à parte. Destaque para as sacadas geralmente com muitas flores que deixam o ambiente ainda mais interessante e bonito.

Pelas ruas históricas

In foco.

Teatro Heredia

Charmosas e floridas sacadas

Cores intensas.

Passei também pelo Museu Naval e a Plaza e Igreja San Pedro Claver. Na praça fica o Museu de Arte Moderna que possui algumas de suas obras no lado de fora e permite que o público aprecie a arte que representa algumas figuras simbólicas da cidade. Lugar muito agradável e que vale uma visita com mais calma. A Plaza La Aduana fica praticamente ao lado e sua principal atração talvez seja a estátua em homenagem à Cristóvão Colombo e o prédio da prefeitura. Ambos estão localizados próximos à Plaza de Los Coches, uma das principais da cidade e que concentra em seus prédios históricos o famoso Portal de los Dulces, onde várias mulheres vendem as guloseimas que o nome sugere. No local também se encontra algumas casas de câmbio. Dê preferência a elas e fuja dos cambistas da rua, são oportunistas e nada confiáveis.

Museu Naval

Frente do prédio do Festivel Internacional de Cine de Cartagena.

Iglesia San Pedro Claver

Plaza San Pedro Claver

Obra do Museu de Arte Moderna

Obra do Museu de Arte Moderna

Obra do Museu de Arte Moderna

Obra do Museu de Arte Moderna

Plaza la Aduana

Homenagem à Cristóvão Colombo.

Prefeitura de Cartagena

Plaza de Los Coches.

Plaza de Los Coches.

Portal de los Dulces

Praças não faltam no centro histórico e uma das mais simples e não menos interessante e simpática talvez seja a Plaza Bolívar. Ela está localizada entre a Catedral, o Palácio do Governo do Departamento, o Museu do Oro e o famoso Palácio de la Inquisicion onde hoje funciona o museu que aborda a prática executada pela Igreja Católica a partir do século XVI. A entrada é cara e por isso não realizei a visita, mas dizem que é um dos museus mais interessantes da cidade. Fica a dica.

Plaza Bolívar

Plaza Bolívar

Catedral. O interior está restaurado e muito mais bonito que a parte externa.

Catedral

Palácio do Governo Departamental

Palácio de la Inquisicion

In foco.

In foco

In foco

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Vendedoras de frutas na Plaza Bolívar

In foco.

Na Plaza Bolivar também encontrei o Germán um cicloturista colombiano com mais de 70 anos e que já conheceu praticamente toda a América do Sul de bicicleta. Está há três meses em Cartagena e pretende arrecadar verba para seguir à Venezuela, Guianas e Suriname. Achei interessante sua estratégia de exibir seu veículo na praça e aguardar por doações. Segundo ele, seu projeto está relacionado com os direitos humanos. Valeu a conversa.

Germán, cicloturista colombiano.

Eu não poderia deixar de visitar a Plaza Santo Domingo onde fica a igreja de mesmo nome. O local abriga a famosa obra do artista Fernando Botero, conhecida como “La Gorda”. A estátua é sem dúvida uma peculiaridade do centro histórico.

Iglesia Santo Domingo

"La Gorda" de Botero.

"La Gorda"

Plaza Santo Domingo

Saindo desta região central fui ao Fuerte de San Felipe que não fica muito longe. Acho que precisei caminhar vinte minutos para chegar ao “maior castelo construído pelos espanhóis nas Américas”. O local merece uma visita com a devida atenção e isso requer tempo, algo que eu não tinha disponível, mas apenas de observar sua parte externa eu já fiquei satisfeito.

Teatro de Cartagena

Castelo de San Felipe

Castelo de San Felipe

Castelo de San Felipe

Abordagem simpática dos vendedores ambulates com os turistas.

In foco.

Voltei ao hostal, peguei minhas coisas, entreguei a chave do armário e fui encontrar um ônibus para me levar à rodoviária. Precisei andar até uma área próxima do castelo San Felipe e rapidamente estava em direção ao terminal. No local o ônibus partiria para Santa Marta somente às 13h30m, ou seja, eu tinha uma hora para almoçar e foi o que fiz na praça de alimentação. 

O ônibus saiu no horário previsto, contudo, diversas paradas longas nos terminais das outras cidades e um acidente na rodovia atrasou a viagem em 3 horas. Cheguei somente de noite na rodoviária de Santa Marta. No local fui obrigado a pegar um taxi por dez reais (depois de muito choro) para ir ao edifício do Juan. Quando finalmente estava de volta, o relógio já marcava 19h30m. O dia foi extremamente longo, mas valeu cada esforço para conhecer a belíssima Cartagena, apesar de todos os problemas das regiões mais afastadas do centro histórico.

Conversei mais um pouco com a família e preparei minhas coisas para partir na manhã do dia seguinte. 


12/01/2013 - 188° dia - Santa Marta a Mingueo

Novamente pedalando ao lado do Caribe.

Acordei cedo e fui direto à sacada do apartamento para terminar de arrumar minhas coisas e admirar a paisagem privilegiada do Mar do Caribe. Eu não poderia partir sem antes me despedir e agradecer a hospitalidade recebida pela família. Mas para isso eu precisava esperar que o pessoal acordasse, algo que aconteceu apenas por volta das 8 horas.

A vista durante o desayuno.

Mar do Caribe.

Sacada do apartamento. Pronto para começar mais um dia de viagem.

Um desayuno foi preparado especialmente para mim e às 9 horas da manhã eu voltava à estrada. A saída de Santa Marta foi relativamente tranquila. O que realmente atrapalhou foi o vento contra muito forte que deixou as inclinações dos quilômetros iniciais ainda mais complicadas para serem concluídas. Não era nada muito íngreme, mas a Victoria não tem nenhuma aerodinâmica com toda essa bagagem e o vento contra acaba sempre por se tornar um grande obstáculo.

Edifício do anfitrião em Santa Marta.

Nesta parte das subidas visualizei mais um acidente nas estradas colombianas, desta vez, felizmente, de pequenas proporções e apenas com danos materiais para ambos os condutores. Após 23 km pedalados finalmente terminou os aclives e começou um trecho mais moderado e muito mais fácil para pedalar. Pensei que avistaria o mar o tempo todo, mas a única coisa que eu enxergava era a densa vegetação ao redor.

Eu estava no caminho para o Parque Tayrona, mas resolvi não conhecê-lo porque pretendo aproveitar melhor o Mar do Caribe na Venezuela que também reserva praias paradisíacas. Sem falar que é preciso desembolsar uma grana alta na entrada do Parque e como o local é frequentado por muitos estrangeiros, certamente os gastos com alimentação e hospedagem não são dos mais baratos. Apenas para ter idéia de distância, essa entrada fica a 34 km do terminal rodoviário de Santa Marta.

Chegada à entrada do Parque Tayrona.

Nas proximidades do Parque Tayrona é possível encontrar locais para camping à beira da estrada, mas não tenho a mínima idéia do valor e também não consegui visualizar a infraestrutura disponível. O que eu consegui enxergar poucos quilômetros depois foi o belíssimo Caribe que no momento me pareceu o paraíso e uma grande tentação para cair na água. Mas é estranho que não encontrei nenhum acesso para chegar à praia. Todas as entradas eram particulares. Sem muita opção a solução foi continuar em frente.

Encontro de um rio com o Mar do Caribe. Fantástico.

 
In foco.

Os restaurantes da estrada estavam muito caros e a refeição mais barata custava dez reais. Para economizar achei melhor preparar meu próprio almoço debaixo de uma árvore à beira da rodovia. Na verdade parecia mais o meu tradicional café da manhã, mas ainda assim serviu para saciar um pouco a fome. 

A estrada desde a saída de Santa Marta me pareceu bastante razoável e quase sempre com acostamento. Foi neste espaço que encontrei, na direção oposta, mais um cicloturista colombiano. Este tinha ainda mais o estilo mulambiker e, segundo ele, já havia percorrido vários países da América do Sul, inclusive, com passagem por Foz do Iguaçu. Conversamos um pouco e antes da despedida ele me alertou sobre o caminho entre Riohacha e Maicao. A região deveria ser evitada de bicicleta por causa da presença dos indígenas que costumam assaltar os viajantes. Ninguém havia me falado nada anteriormente, por isso não fiquei muito preocupado com o aviso.

Cicloturista colombiano ao melhor estilo "mulambiker".

Na sequencia eu finalmente encontrei um acesso à praia, mas infelizmente estava repleta de pedras para realizar um mergulho, mas não perdi a oportunidade de fazer um registro com a Victoria, eu e o Caribe. Essa parte onde a estrada segue ao lado do mar é a única sem acostamento e com o fluxo significativo de veículos que requer uma atenção redobrada. Afinal é fácil se distrair com uma paisagem maravilhosa ao lado.

Nada melhor do que conhecer os lugares ao vivo e a cores.

Paisagem perfeita na estrada.

Segundo acidente. Desta vez a situação foi mais grave. Um caminhão perdeu o controle em uma descida e invadiu a pista contrária onde um ônibus estava. O motorista deste último veículo para evitar a batida frontal jogou o mesmo para a lateral da pista, chocando-se com o barranco. Quando passei no local a rodovia estava toda bloqueada e longas filas se formavam em ambos os lados. Ambulâncias já estavam no local para atender as vitimas do ônibus, mas acho que o motorista foi o que mais saiu ferido. Eu consegui seguir viagem pedalando pela vala às margens da pista, único local que não estava obstruído.

Mais um acidente nas estradas colombianas.

A rodovia ficou sem movimento por quase duas horas até ser novamente liberada. Com essa condição foi muito mais seguro observar a toda a natureza ao redor. Quando o trânsito voltou ao normal eu já estava praticamente no povoado de Mingueo um dos poucos da região onde há hospedagem. A mesma custou 20 mil pesos no Hotel Doris, um lugar limpo, confortável e com um ventilador capaz de refrescar o quarto. Recomendo.

Pedalando ao lado do mar caribenho. Maravilha!

Devidamente limpo fui ao restaurante que fica do lado do hotel para jantar. Minutos depois outro hóspede apareceu e sentou-se na mesma mesa para fazer sua refeição e ter mais detalhes da viagem. Era um senhor com nome complicado (grego) que trabalhava em uma grandiosa obra que é realizada na região. Foi uma conversa bastante agradável e inteligente. Posteriormente regressei ao hotel e fui descansar. Para quem começou o pedal às 9 horas da manhã até que o dia rendeu.

Dia finalizado com 107,67 km em 7h21m e velocidade média de 14,62 km/h.

13/01/2013 - 189° dia - Mingueo a Cuatro Vias

Enfrentamento indígena. Será?

O dia começou tranquilo, resultado da noite igualmente calma no Hotel Doris. Acordei mais uma vez de madrugada e desta vez não demorei para levantar. Eu estava realmente disposto a começar o pedal às 6 horas da manhã. Por isso arrumei minhas coisas, degustei meu desayuno e fui à estrada.

Novamente o tempo é bom e não há nenhum sinal de chuva pelo caminho. O que indicava que nas próximas horas a temperatura já estaria elevada, no entanto, na saída do hotel nem mesmo o vento era intenso como nos dias anteriores. Precisei apenas seguir com paciência. Afinal havia traçado um plano ousado, tentar chegar à fronteira com a Venezuela no final do dia. Isso significava pedalar mais de 170 km. 

O trajeto plano favoreceu um ritmo maior nos quilômetros iniciais, contudo, não foi possível manter a velocidade alta em razão do vento que passou a ser contrário. Sem poder avançar como gostaria, aproveitei para observar melhor a fauna e flora da região. Flagrei um pássaro muito bonito que tive a oportunidade de registrar também no Pantanal. Lugar bastante agradável para pedalar.

Puente Bomba? Porque alguém coloca um nome deste? Só pode ser para assustar.

O mesmo pássaro fotografado no Pantanal.

In foco.

 In foco.

 In foco.

 In foco.

 In foco.

 In foco.

 Faltava pouco para chegar na divisa com a Venezuela.

  Passei pela ponte terrorista e por sorte não me aconteceu nada, rs.

Com 60-70 km pedalados eu estava em Riohacha que é a capital do departamento de La Guajira. Para mim este lugar significava o ponto mais ao norte do meu roteiro na América do Sul. Caso você tenha curiosidade, procure Riohacha no Google Maps e veja aonde eu e a Victoria chegamos.

Chegada ao ponto mais ao norte da América do Sul no meu roteiro.

Aproveitei que havia vários restaurantes no perímetro urbano de Riohacha e parei na intenção de alimentar as lombrigas. O almoço teve mais uma novidade da gastronomia colombiana, Conejo en coco. Carne de coelho na mesa com bastante arroz e uma salada deliciosa de maionese. Para acompanhar, um copo de limonada bem gelada. Tudo por 7 mil pesos. A carne diferente é muito saborosa e com um gosto peculiar, difícil comparar com alguma coisa.

Durante o almoço algumas pessoas me recomendaram permanecer na cidade e partir apenas na manhã seguinte em razão da violência (?) na estrada. Eu bem que fiquei tentado a descansar no local, mas não encontrei nenhuma hospedagem simples pelo caminho e por isso continuei a viagem.

Minha saída de Riohacha significava entrar em território indígena e não demorou para aparecerem as primeiras comunidades à beira da estrada. Mas sinceramente eu estava bem tranquilo em relação aos boatos de assalto e violência. Já ouvi tanta coisa nestes meses de estrada que já estou acostumado com esse alvoroço que muitas vezes não termina em nada.

Território indígena.

A maior parte das comunidades indígenas está mais afastada da estrada e escondida por uma vegetação parecida com a do agreste nordestino fora da época de seca. Seus moradores apresentam apenas os traços indígenas e aparentemente são “modernos” e com vestimentas normais. Certamente algum costume ancestral deve permanecer, mas como não houve um contato mais próximo não sei precisar qual. 

A estrada é praticamente toda plana e somente não permitiu um deslocamento mais rápido em razão do vento (brisa como eles chamam) contra. A temperatura também estava elevada e a minha água foi consumida em tempo recorde. Isso que agora carrego quase 4 litros na bagagem. Como o trajeto não tem nada além das comunidades indígenas, uma hora eu teria que pedir água para eles e então poderia ter uma idéia de qual seria a recepção.

Parei em uma casa às margens da rodovia e solicitei um pouco de água. Não houve muita conversa, mas não hesitaram em completar minhas garrafas. A única curiosidade que eles tiveram foi saber de onde eu era e para onde seguia viagem. Em nenhum momento me pareceram perigosos. Até pode ser que um e outro caso isolado tenha acontecido na região, mas acho que infelizmente as pessoas acabam por generalizar e o preconceito se espalha de forma assustadora.

Logo depois de abastecer as garrafas eu fui chamado do outro lado da estrada. Havia uma caminhonete estacionada e várias pessoas na frente de uma casa. Chamaram-me apenas porque estavam curiosos para saberem mais detalhes da viagem. Ofereceram um copo de água gelada e recomendaram que eu encerrasse o pedal em Cuatro Vias onde havia um posto policial e eu poderia montar minha barraca. O alerta deles estava relacionado mais ao fato que a noite se aproximava e o mesmo não acontecia com a fronteira com a Venezuela. Agradeci as informações e continuei em frente.

Em um determinado momento (km 42) apareceu um pedágio e um policial fez sinal para eu encostar a bicicleta. Ele queria apenas fazer a mesma advertência que eu já havia recebido sobre os indígenas da região. Também recomendou terminar o pedal em Cuatro Vias onde o posto policial era seguro para passar a noite. Mas lembrou que eu deveria pedalar rapidamente porque o local estava a aproximadamente 15 quilômetros.

Eu estava cansado, mas achei forças para empregar um ritmo mais forte para chegar o quanto antes em Cuatro Vias. Não estava com medo dos índios, somente não gostaria de montar acampamento muito tarde. Sei que não demorei para chegar ao local desejado. Às 18 horas eu pedia autorização aos policiais para montar minha barraca em algum lugar seguro. Solicitaram meu passaporte e depois foram comunicar o comandante sobre a minha presença. Com a resposta positiva fui liberado a passar a noite debaixo de um enorme quiosque desativado ao lado do posto policial. Perfeito.

Rapidamente levantei acampamento e pouco tempo depois estava tudo organizado. Até havia uns restaurantes no famoso trevo da região, mas achei melhor não deixar minhas coisas sozinhas, apesar da segurança oferecida pelo “vizinho”. Para não dormir com fome preparei um café da noite. Às 19 horas estava preparado para finalmente descansar.

Dia finalizado com 138,44 km em 9h53m e velocidade média de 14,00 km/h.

5 comentários:

  1. NELSON MEU CAMARADA SHOWWWWWW MUITO SHOWWWWWW MESMO MEU CAMARADA TENHA UMA BOA VIAGEM AI AGORA EU TO ME ATUALIZANDO NO SATE TA UM SHOWWWWWWWWW E A LA VITORIA COMO VAI .......

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  2. HÁ MEU CAMARADA JÁ IA ESQUECENDO AGORA VOU LER AS NOVIDADES DA VENEZUELA ,,,,,,,,

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  3. Fiquei pensando sobre o encontro dos "Nelsons". Vivi algo parecido em 2010, no Caminho de Santiago. A nossa desconfiança e a nossa "rudeza" por conta do que a vida nos apresenta deixa-nos meio petrificados diante de uma pessoa simples e evoluída.
    O mais interessante disso tudo é que, observando por outro prisma, você, Nelson, apareceu na vida de algumas pessoas, mesmo à distância, e pode ter modificado seus modos de encarar suas próprias vidas.
    Pense nisso.
    Força, companheiro!

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  4. Lindo relato Nelson, maravilhoso acompanhar sua viagem.

    Tudo de bom.

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  5. Esse pôr do sol no mar do caribe é brincadeira...

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