Colômbia ! ! !
Mais uma
fronteira conquistada. Agora a expedição avança em território colombiano.
Acordei às 7h40m
após quase dez horas ininterruptas de sono. Geralmente tenho descansado sete
horas por noite. Mas eu estava realmente cansado e meu corpo exigia um período maior
para recuperar as energias.
Levantei e com
muita calma (ou seria sonolência?) e comecei a preparar meu desayuno e pouco
tempo depois a arrumar minha bagagem que estava praticamente intacta já que boa
parte ficou na bicicleta que permaneceu na parte inferior do residencial.
Às 8h20m eu
voltava a pedalar em direção à fronteira com a Colômbia. Na noite passada eu acessei
a internet para conferir a altimetria e o sobe e desce predominaria mais uma
vez pelos cinquenta quilômetros restantes para a chegada ao destino final. O
trecho mais difícil seria a subida de quase vinte quilômetros, o último
confronto entre as montanhas equatorianas e as minhas pernas surradas.
Monumento na saída de San Gabriel. Homenagem aos ciclistas da região.
In foco.
A noite foi uma
das mais frias dos últimos dias. Precisei dormir de calça, duas blusas de frio
e touca. Apesar da proximidade com a Linha do Equador, estou em uma região que
beira e muitas vezes passa dos 3 mil metros de altitude que justifica a
temperatura baixa. A mesma exigiu que eu saísse novamente com a jaqueta
corta-vento para pedalar.
O dia amanheceu
bonito, com sol e sem muitas nuvens. A temperatura aumentou em pouco tempo e
após os dez quilômetros de um trecho plano e com descidas fui obrigado a tirar
a jaqueta e a segunda-pele porque as subidas apareceram e o esforço maior para
completa-las me fez transpirar.
Começa o trecho de subidas.
Pensei que desceria por essa estrada, mas meu caminho foi para outra direção.
O sobe e desce
mostrou, além das paisagens bonitas, que minhas pernas continuavam pesadas. Sem
muita opção a solução foi continuar em um ritmo muito lento. Parei no alto de
uma montanha e quando olhei para trás tive uma surpresa. Pela primeira vez na
viagem um cicloturista estava na mesma direção do que eu. Fiquei animado porque
pensei que seria uma companhia para continuar até a fronteira. Estou cinco
meses pedalando sozinho e nas atuais condições, conversar, rir e falar mal das
montanhas não seria nada ruim.
A montanha-russa.
Coloquei a
Victoria na valeta ao lado do acostamento para que o cicloturista tivesse
espaço para estacionar sua bicicleta. Mas quando ele se aproximou tive uma
grande decepção. O cara não parou e mal me cumprimentou. Na hora eu pensei na
total falta de consideração da parte dele. Para não fazer julgamentos sobre sua
infeliz decisão, fiquei a imaginar os motivos pelos quais ele teria continuado
sem parar. Cheguei a conclusão que independente dos prováveis argumentos, cinco
minutos de conversa não prejudicariam sua pedalada.
O cicloturista
sumiu pelas montanhas e eu continuei meu ritmo tranquilo. Tentei não pensar no
acontecido, mas aquela situação me parecia inadmissível, como alguém (na mesma
condição) consegue não se solidarizar com outro ciclista viajante, uma vez que
entre tantos ensinamentos do cicloturismo, este seja um dos maiores
aprendizados.
Apesar dos
pesares eu precisava continuar em frente e isso significava encarar a subida
monstruosa que foi praticamente de vinte quilômetros. A paisagem bucólica que
tanto admiro ajudou a compensar com sua beleza magnifica.
Beleza de paisagem.
No final da
subida eu tive uma nova surpresa. Do outro lado da estrada, longe do
acostamento, enxerguei três cicloturistas parados. Atravessei a pista e fui me
juntar aos camaradas viajantes. Era um simpático casal da Inglaterra que viaja
pela América do Sul desde Caracas na Venezuela e segue para a Argentina. O outro
cicloturista é um senhor da França (participante do Audax) que também começou a
viagem em território venezuelano e tem o mesmo destino dos ingleses. Eles se
encontraram naquele ponto. Ambos haviam iniciado o dia em Ipiales que era o meu
destino.
Camaradas cicloturistas.
Eu e o casal inglês.
Conversamos
bastante e por vários minutos.Mencionaram que o tal cicloturista que passou por
mim sem parar teve a mesma atitude com eles. Paciência! O casal ficou seis
meses na Venezuela e não hesitou em proferir elogios ao país e, sobretudo, à
sua população hospitaleira. Eles estavam surpresos e animados com o encontro de
tantos ciclistas na estrada. Disseram que por oito meses ficaram sem ver nenhum
viajante de bicicleta e somente hoje foram três apenas na parta da manhã.
Sem dúvida o
encontro com esses cicloturistas elevou meu moral. Trocamos e-mails e algumas
informações e cada um seguiu seu caminho. Ambos teríamos descida pela frente.
Finalmente eu poderia relaxar minha perna por alguns quilômetros.
Hasta luego!
Durante a
descida encontrei a primeira placa que indicava a direção para a Colômbia,
confesso que o coração bateu mais forte pela proximidade com a fronteira.
Também me deparei com um restaurante à beira da estrada nas proximidades de
Tulcán. Não pensei duas vezes em parar. Já era 12h40m e eu estava com muita
fome. Seria minha última refeição no Equador e ela foi simplesmente fantástica.
Sopa, arroz, bastante salada, banana assada, camarão empanado e suco. Uma
delícia que custou apenas 2 dólares.
Chegada à Tulcán.
Sentido à Colômbia
Após o almoço
continuei a descida em direção à Rumichaca que é a última cidade/distrito do
Equador. Poucos quilômetros depois eu estavafinalmente na fronteira. No lado
equatoriano uma longa fila de caminhões se formava para enfrentar a burocracia da
aduana. Encaminhei-me ao setor de migração para registrar minha saída do país.
No local também havia uma longa fila por que recém tinha chegado ônibus com
passageiros colombianos que ingressavam no Equador. Paciência!
Últimos metros pelas estradas equatorianas.
Adivinha quem
estava na minha frente na fila? O cicloturista apressado. Comecei a puxar
conversa e descobri o motivo pelo qual o suíço Toni não havia parado ao passar
por mim e os outros cicloturistas. Segundo ele, quando está pedalando pelas
montanhas aproveita o embalo da descida para empregar um ritmo maior na subida.
Algo que eu havia suspeitado, mas que ainda assim não justificava tal atitude,
na minha concepção.
O tempo na fila
da migração foi longo e conversei bastante com o suíço de 47 anos que já viajou
boa parte do mundo em bicicleta e ônibus. Começou a atual viagem em Quito e
segue para Caracas. Aos poucos ele foi se mostrando um sujeito bacana e
simpático. Conseguiu desfazer aquela impressão da parte da manhã.
Na migração foi
tudo tranquilo, apresentei o passaporte que recebeu o carimbo que registrava a
saída do país. Eu estava pronto para deixar o Equador após 24 dias de pedal
entre as montanhas. Meu gasto foi de 830 reais, uma média de 34 reais por dia.
Custo mais elevado do que havia planejado. A solução vai ser economizar o
máximo na Colômbia. Em relação à distância, foram pedalados 1,171 quilômetros.
Depois chegou o
grande momento, atravessar a ponte internacional e entrar em território
colombiano. O local estava extremamente movimentado, muitos veículos, policiais
e soldados. Passei rapidamente pela ponte e aproveitei a presença de um
pedestre para registrar minha entrada em mais um país.
Atravessando mais uma fronteira.
Colômbia!
Colômbia!
Certamente se eu perguntar alguma coisa sobre este país você vai lembrar das
FARC (Forças Armadas Revolucionarias da Colômbia). A mídia adora frisar o
combate entre os guerrilheiros e o governo. Mas com certeza a Colômbia tem
muito mais a nos apresentar do que apenas esse conflito. História, cultura e
seu povo é o que eu espero conhecer um pouco melhor nos próximos 30-40 dias.
A emoção de
atravessar mais uma fronteira pedalando é simplesmente incrível. E chegar na
Colômbia tem um significado especial. É o último país onde enfrentarei a
Cordilheira dos Andes. Agora o desafio final tem menos de dois mil quilômetros.
Para trás ficou o Equador que não deixará saudades, pelo menos no que diz
respeito às estradas encravadas nas montanhas.
A migração na
aduana colombiana foi rápida e sem nenhuma burocracia. Em poucos minutos eu
recebi mais um carimbo no passaporte e a permissão de 90 dias para ficar no
país. Novamente a Victoria não foi revistada e meu avanço foi liberado sem
problema nenhum. Na fronteira há vários cambistas, mas a colombiana Esperanza
do Residencial em San Gabriel me alertou para trocar o dinheiro somente nas
casas de câmbio em Ipiales para evitar dinheiro falso ou uma cotação
equivocada.
A bicicleta do suiço e a Victoria na migração colombiana.
Esperei o Toni
registrar a entrada na Colômbia e depois seguimos para Ipiales que fica 2-3
quilômetros depois da fronteira. Combinamos de parar no centro da cidade para
comemorar nossa chegada ao país. Durante o caminho observo tudo com o olhar de
quem está em um lugar pela primeira vez. É hora de adaptar-se ao novo.
As boas vindas das montanhas. Misericórdia!
Em direção à Ipiales. Esso, lembrei do meu antigo emprego.
A cidade não é
pequena e o centro é bastante movimentado. Paramos em uma padaria para
comemorarmos. Mas como eu não havia trocado a moeda na fronteira, fui fazer isso
em uma casa de câmbio próxima do estabelecimento. Troquei apenas alguns dólares
pelo peso colombiano. 1 dólar é o equivalente a 1,810 pesos. Com o dinheiro
colombiano em mãos voltei à padaria e degustei uma salada de frutas que estava
muito boa. A conversa com o suíço também foi agradável e resultou em várias
risadas. Inclusive na hora do pagamento ele fez questão de pagar a minha parte.
Fiquei surpreso e agradeci a gentileza que parecia não existir horas atrás.
Peso colombiano. Estou milionário, rs.
Fomos procurar
uma hospedagem fora do centro por ser mais barata. Encontramos o Hotel Danny na
saída para a Panamericana. A diária em um dormitório individual custava 17
reais, cara, mas ainda era mais econômica do que os hotéis da região central. O
quarto é confortável, com banheiro privado e televisão a cabo. Deixei minhas
coisas no quarto e voltei ao centro para procurar uma bicicletaria e trocar o
raio quebrado que deixou a roda traseira com bastante jogo.
Na primeira
bicicletaria não foi possível realizar o serviço porque os funcionários estavam
ocupados, no entanto, me indicaram um lugar próximo onde eu poderia consertar a
Victoria. O local recomendado era a Bicicross, uma bicicletaria pequena e bem
simples onde fui muitíssimo bem atendido.
O proprietárioJulio
realizou a troca do raio e não me cobrou nada pela peça e o serviço. Agradeci
bastante, fiz um registro da bicicletaria e disse que colocaria no site como
forma de divulgação e agradecimento. Portanto, se você passar pela região e
precisar de auxilio mecânico passe na Bicicross, segundo o Julio, vários
cicloturistas já estiveram em sua oficina. A bicicletaria está localizada na
Calle 16, n° 7,77. Telefone: 3166 6059731.
O pessoal simpático da Bicicross.
Voltei ao hotel,
tomei um banho e voltei a sair na intenção de achar um local para jantar. Ao
perguntar ao recepcionista sobre um restaurante econômico ele disse que havia
uma mulher que preparava a refeição por 4 mil pesos, pouco mais de 2 dólares.
Um tempo depois a janta chegou em uma bandeja enorme. Sopa, segundo e suco. O
prato principal tinha arroz, carne frita e uma deliciosa salada. Tudo aprovado.
Pelo jeito o menu tradicional também continua aqui na Colômbia.
O primeiro jantar na Colômbia.
Amanhã eu
permaneço na cidade para atualizar o diário de bordo, conhecer um pouco melhor
como funcionam as coisas em território colombiano e também para visitar o
famoso e belíssimo Santuário de Las Lajas. Aproveitarei a televisão a cabo para
ver a final da Copa Sul-Americana entre o São Paulo e o time argentino. Mais um
titulo internacional para o tricolor paulista.
Dia finalizado
com 56,98 km em 4h38m e velocidade média de 12,26 km/h.
12/12/2012 - 157°
dia - Ipiales (Folga)
A parte da manhã
foi inteiramente dedicada à atualização do diário de bordo.
Fui sair do
quarto somente na hora do almoço. Na recepção aproveitei para conferir se
estava tudo bem com a Victoria, minha companheira fiel. No guidão encontrei um bilhete do Toni
desejando boa viagem. O recepcionista disse que ele saiu às 8 horas da manhã.
Encontrei um
restaurante próximo do hotel em que o almoço custou apenas 3,500 pesos. A
refeição estava bem parecida com o janta da noite anterior. Na sequencia fui
perguntar aos taxistas quanto era uma corrida até o Santuário de Las Lajas que
fica a 7-10 quilômetros do centro de Ipiales. O preço começou em 10 mil pesos e
terminou pela metade. Achei caro demais e resolvi encarar de bicicleta mesmo.
Voltei à
hospedagem, peguei a Victoria e segui em direção ao Santuário. Las Lajas é um
distrito de Ipiales e que tem na famosa igreja sua principal atração.
Infelizmente o guia Viajante Independente não menciona o local. Eu soube a
partir do site do casal cicloturista franco-americano que ficou hospedado
alguns dias na minha casa em Foz do Iguaçu. O Santuário se destaca, sobretudo,
pela sua localização. Foi erguido no meio de um vale profundo das montanhas
colombianas. Fiquei fascinado quando vi as fotos e achei que a visita ao local
era imperdível. Por isso fui conferir.
O trajeto entre
o Hotel Danny e o Santuário foi de nove quilômetros. A maior parte do caminho é
realizada em uma longa descida. Durante a mesma é encontrado o mirante de onde
é possível observar a ousada localização da igreja. É simplesmente incrível.
Registrei e continuei o pedal em direção ao Santuário.
Na direção do Santuário Las Lajas.
Simplesmente incrível.
Fantástico.
O caminho é bem
fácil de achar e poucos minutos depois eu estava em Las Lajas. Precisei descer
poucos metros e finalmente estava diante do magnifico Santuário. É algo
extraordinário. Passei por muitos lugares nesta expedição, mas sem dúvidas este
é um dos mais impressionantes. É tudo fascinante, desde a localização “absurda”
ao estilo arquitetônico da igreja, que certamente está entre as mais bonitas e
diferentes que eu tive a oportunidade de conhecer.
Chegada à Las Lajas.
Santuário Las Lajas.
In foco.
Santuário Las Lajas.
Esse é o cara.
In foco.
O Santuário está
sobre um rio em uma região onde a natureza prevalece. Destaque para os diversos
pássaros que podem ser encontrados pelas inúmeras árvores ao redor. Consegui
registrar alguns deles. Fiquei muito feliz em fotografar um beija-flor bastante
cantante e que parecia se exibir diante da lente da câmera. Um momento
esplêndido!
As águas que cortam o vale.
Natureza!
In foco.
In foco
Fauna local.
Maravilha de natureza.
In foco.
Las Lajas ao fundo.
Registro garantido.
Fiquei um bom
tempo apenas admirando todo aquele lugar que merece os mais diversos adjetivos.
Era possível visualizar que todos os visitantes ficavam impressionados com o
local que também recebe numerosos fiéis. Inclusive em suas paredes estão várias
placas de agradecimentos à Virgem de Las Lajas. Acontecia uma missa na igreja e
eu resolvi observar o interior da mesma apenas da porta.
Agradecimentos à Virgem de Las Lajas.
Agradecimentos à Virgem de Las Lajas.
Depois fui pegar
a Victoria e começar o caminho de volta para a hospedagem. A subida é
predominante, mas como a bicicleta estava sem carga, foi bem fácil de completar
o trecho íngreme. Passei no mirante e resolvi parar e fazer um último registro.
Passar por Ipiales e não conhecer o Santuário de Las Lajas é a mesma coisa de
visitar Foz do Iguaçu e não ver as cataratas. Fica a dica.
Registro realizado no mirante.
Deixei a
Victoria na hospedagem e fui à movimentada região central para encontrar um
supermercado e ter idéia dos preços e aproveitar para comprar pão e geléia.
Pesquisei em dois estabelecimentos e sinto que o gasto aqui na Colômbia com
mantimentos será bem elevado. A moeda é bastante valorizada e encarece todos os
produtos. Não achei nada barato, infelizmente.
Centro de Ipiales.
Praça principal.
No final da
tarde voltei para a hospedagem na pretensão de assistir a final da Copa
Sul-Americana. Mas quando liguei a televisão tive uma surpresa nada agradável.
Entre os setenta canais disponíveis, o FOX Sports (transmitiria o jogo) era o
único que não estava no ar. É muita sacanagem! Esperava ansioso para ver a
partida. Fui saber do resultado horas depois pela ESPN. Que confusão no
Morumbi! Pelo menos a informação que chegou é que o tricolor é campeão.
Maravilha!
Dia finalizado
com 18,02 km em 1h23m e velocidade média de 12,89 km/h.
13/12/2012 - 158°
dia - Ipiales (Folga)
A noite não foi
das melhores. O meu quarto está localizado de frente para uma movimentada
avenida. Mas o problema não é o barulho dos veículos. A questão é que existe
uma boate bem próxima do hotel. E durante a madrugada as pessoas (provavelmente
embriagadas) não hesitam em conversar e gritar pelas ruas. Acordei à 1h00m e
demorei para voltar a dormir. Santa paciência!
Resolvi ficar
mais um dia aqui na cidade apenas para atualizar o site. Amanhã quero voltar à
estrada. Pretendo fazer a próxima parada para descansar e realizar uma nova
postagem somente na capital Bogotá. Acho que isso deve acontecer em 8-10 dias.
Para variar, o caminho está repleto de subidas. Mas vamos que vamos!
Se conseguir,
vou responder todos os comentários pendentes nos tópicos Equador I e II. Aliás,
não percam de conferir os relatos dos últimos dias no Equador (veja aqui!).
E também não deixem de contribuir financeiramente com a expedição.
Colaborações podem ser realizadas pela vakinha online (clique aqui!) ou através da conta corrente (clique aqui!).
Sua ajuda é muito importante para o avanço da viagem. Sem dúvida qualquer
quantia faz a diferença. Agradeço a compreensão.
Grande abraço,
camaradas.
Hasta la Victoria Final ! ! !
14/12/2012 - 159° dia - Ipiales a
Chachagui
Sol, chuva, calor, frio, neblina,
chuva, descidas e subidas quilométricas. Tudo isso em apenas um dia, pode
acreditar.
Finalmente uma noite tranquila no
Hotel Danny. Para minha felicidade não houve gritaria nas ruas e muito menos andanças
pelas escadas da hospedagem durante a madrugada. Sei que nada atrapalhou meu
sono, nem mesmo o frio. A temperatura despencou desde o final da tarde de ontem
e a noite foi bem gelada. Tive que dormir com três cobertores para ter uma
idéia. Enquanto isso o Brasil segue com o termômetro nas alturas. Essa é nossa
complexa América Latina.
Acordei por volta das 6 horas e
sem pressa comecei a arrumar a bagunça generalizada que estava no meu quarto.
Ainda bem que minutos depois já estava tudo em ordem nos alforjes e precisei
apenas preparar o desayuno e devorar os pães com geléia. Inacreditável como eu
já estava morto de fome àquela hora da manhã.
Toda minha bagagem estava no
quarto e coloca-la na Victoria levou alguns minutos. Fui começar o pedal apenas
às 7h40m. Apesar do horário tardio não havia motivo para preocupar-me porque o
dia seria relativamente tranquilo. Meu objetivo era chegar à Pasto, menos de 80
quilômetros de Ipiales. A distância mais curta ocorria em razão da longa subida
que tinha pelo caminho. Estava preparado para encarar 25 quilômetros montanha
acima, conforme a altimetria apontada no relevo da região.
Diferente dos dois últimos dias,
hoje o tempo estava bom. Pelo menos era possível ver um pouco do céu azul. A
temperatura continuava baixa e por isso comecei o pedal todo empacotado com a
minha vestimenta de inverno andino. Isso porque uma longa descida era esperada
logo após a saída de Ipiales e certamente a sensação térmica despencaria e eu
deveria estar precavido.
Eu estava ansioso para começar a
desvendar o território colombiano e iniciei o dia bastante animado. Observava
atentamente tudo ao meu redor. Ainda não mencionei, mas a Colômbia continua com
o fuso horário atrasado em três horas comparado ao horário de Brasília.
Diferente da Bolívia, Peru e Equador, aqui o comércio começa a funcionar a
partir das 8 horas da manhã. Assim foi possível verificar certo movimento,
sobretudo, de trabalhadores e estudantes pelas ruas e avenidas. Estas, por sua
vez, são denominadas por números. São chamadas, por exemplo, de Calle ou Carrera
3 e sem dúvida torna a localização mais fácil.
A saída da cidade foi muito fácil
e em poucos minutos eu já me encontrava na Panamericana em direção à Pasto,
capital da província de Nariño. A descida que eu esperava apareceu apenas sete
quilômetros depois da saída do hotel. Essa distância foi percorrida entre um
sobe e desce que me obrigou a sacar a jaqueta corta-vento. Continuei a observar
aquilo que estava ao alcance dos meus olhos, desde os costumes campestres à
conduta dos motoristas pelas estreitas e sinuosas estradas nos Andes
Colombianos. As montanhas são um espetáculo à parte com a sua beleza e
magnitude.
Mais vulcões pelo caminho. Que maravilha!
Falta pouco, menos de mil quilômetros para chegar na capital.
Paisagem bucólica
Avançava tranquilamente. Além do
tempo favorável eu não precisava me preocupar com a Victoria que estava com a
roda centrada, pneus e freios novos e preparada para encarar a longa jornada
pela Colômbia.
A descida desejada seria
extremamente longa, segundo meus cálculos, 44 quilômetros me esperavam para
mostrar que também existe generosidade na Cordilheira dos Andes. Comecei a
“bajar” com uma espetacular paisagem ao redor. A incrível cadeia de montanhas forma
um vale profundo por onde segue um caudaloso rio que completa a beleza do local
e certamente contribui para o desenvolvimento das pequenas plantações. A altura
das montanhas era tamanha que quase não conseguia enquadra-las na lente da
máquina fotográfica. Extraordinário!
A Cordilheira dos Andes também na Colômbia.
Montanhas por todas as partes.
A estrada (Ruta 25-01) está em
boas condições, entretanto, não oferece acostamento durante a descida. O alto
fluxo de veículos, sobretudo, caminhões, e o trajeto com muitas curvas exige
atenção redobrada. Quando o movimento ficava mais tranquilo eu aproveitava para
registrar a natureza da região.
Estrada sinuosa e sem acostamento.
Será a realidade quando a prudência estiver presente no cotidiano dos motoristas.
Pedalando ao lado dos abismos.
Observe a continuação da estrada no lado esquerdo.
Rio que atravessa todo o vale profundo.
Cascatas pelo caminho.
Desta vez colocaram até carros diferentes.
Durante a descida foi possível
presenciar o que já era aguardado pelas estradas colombianas, barreiras policiais
e soldados do exército fortemente armados. Eles fazem uma reforçada segurança
contra o narcotráfico que é a principal atividade das FARC. A medida tornou as
rodovias do país muito mais seguras nos últimos anos, principalmente entre as
principais cidades. Por isso estou tranquilo em relação a isso, no entanto, não
deixei a cautela necessária de lado.
A fantástica descida foi
completada rapidamente e totalizou 35 quilômetros. Na sequencia começou a
também já esperada, porém não desejada, subida. Segundo a análise da altimetria
ela seria bem extensa: 25 quilômetros. Eu estava descansado e muito bem
psicologicamente. Iniciei a ascensão tranquilamente, não sem antes ligar minha
seleção musical, afinal, eu sabia que a “brincadeira” duraria ao menos três
horas.
Como aconteceu em ocasiões
parecidas, a subida me levou aos céus em poucos quilômetros. Utilizei a estratégia
de pedalar com calma e à base das galletas
rellenas. O trajeto demorou a passar, mas aos poucos eu conseguia
completa-lo. Pelo caminho encontrei trechos em obras, mais barreiras policiais
(que não se importaram com a minha presença) e também com o primeiro pedágio
pelas estradas colombianas. As motocicletas estão isentas de pagamento e existe
um espaço dedicado à passagem das mesmas. É por este local que as bicicletas podem
passar com igual beneficio.
No início da subida já era possível ver o trecho que ficava para trás.
Rodovia com acostamento e pedágio ao fundo.
Pela Panamericana mais uma vez.
Nas alturas
O tempo ficou nublado, mas a
temperatura aumentou bastante e a transpiração foi inevitável, assim como a
ingestão de muita água e a utilização do protetor solar. Por volta do meio dia cheguei à Tangua, primeiro município (ou seria
distrito?) e pensei em parar e almoçar, contudo, o único restaurante que
encontrei não me pareceu muito econômico e nem ousei em perguntar o preço. Continuei
em frente.
Com 63 quilômetros pedalados e
quase às 14 horas eu finalmente pude alimentar minhas lombrigas famintas em um
restaurante em Cebadal. O almoço custou 5 mil pesos, mas consegui um desconto e
saiu apenas por 4 mil, pouco menos de 5 reais. Menu tradicional com o prato
principal bastante caprichado: muito arroz, carne de porco, ovo frito, banana e
salada. Simples e saboroso!
Trinta minutos após a parada no
restaurante voltei à estrada para completar a subida que totalizou 28
quilômetros. A altura proporcionou uma densa névoa que escondeu praticamente
toda a paisagem. A temperatura ficou baixa antes mesmo de começar o declive que
me levaria à Pasto, quase 10 quilômetros depois. Voltei a utilizar o
corta-vento para suportar a sensação térmica congelante.
O velho barbudo também está presente na Colômbia.
Começo da neblina.
In foco.
A primeira imagem da enorme cidade de Pasto.
Chegada à Pasto.
Pasto é uma cidade grande e
parece que não à toa é a capital da província. A rodovia passa pelo perímetro
urbano que está com a pavimentação horrível e talvez por isso algumas obras são
executadas em determinados trechos. Ainda era 4 horas da tarde e resolvi seguir
para Chachagui que segundo as informações ficava há 20 quilômetros. Pensei que
toda essa distância seria concluída em uma longa descida, mas fui surpreendido
e tive que encarar mais 7 quilômetros de ascensão em meio a uma forte neblina.
Mais uma placa não identificada.
Assim que comecei a descida para
Chachagui a chuva apareceu. Ainda bem que os motoristas colombianos também não têm
o hábito de buzinar o tempo todo e parecem respeitar os ciclistas, espero que essa
atitude continue nos próximos dias. O deslocamento para o local desejado,
apesar das condições climáticas, foi tranquilo, contudo, cheguei à cidade
somente às 18h15m. Encontrei um hotel na beira da rodovia e fui conferir a
diária.
A diária com banheiro
compartilhado e sem água quente saiu por 10 mil pesos. Local limpo e
confortável. Os dormitórios sem banheiro privado ficam afastados da rodovia e
consequentemente podem oferecer ainda mais tranquilidade. No mesmo prédio da
hospedagem funciona um restaurante onde eu aproveitei para jantar. O cardápio e
o preço foram bem parecidos com aqueles do almoço. Claro que fui me alimentar
somente após tomar um banho caprichado, ainda que a água estivesse congelante.
Dia finalizado com 112,97 km em
8h08m e velocidade média de 13,86 km/h.
15/12/2012 - 160° dia - Chachagui
a Mojarras
Quente, muito quente,
extremamente quente.
A noite no hostal (esqueci de ver
o nome) de Chachagui foi tranquila. Acordei no mesmo horário dos dias
anteriores, por volta das 6 horas da manhã e a primeira coisa a fazer foi
degustar meu desayuno. Alimentado fui à estrada para enfrentar um dia longo e
promissor.
Voltei a pedalar somente às 7h40m
quando me deparei com um dia muito bonito para pedalar. A chuva da noite
anterior foi embora e o sol era predominante já nas primeiras horas da manhã. A
temperatura estava agradável e tudo indicava que seria um pedal tranquilo,
principalmente porque a altimetria apontava um declive quilométrico após
Chachagui. Mas é aquela velha história, quando a esmola é demais o santo
desconfia.
A primeira surpresa apareceu após
cinco quilômetros pedalados. A concessão da empresa responsável pela Ruta 25-01
na província de Nariño havia terminado. Que tristeza! O trecho que apareceu na
sequencia, denominado de 25-02, está em péssimas condições. Repleto de buracos,
sem sinalização e muito menos acostamento. Lastimável.
Começo da pavimentação precária.
Montanha abaixo
Sem muita opção a solução foi
enfrentar a pavimentação precária. A descida começou poucos quilômetros após o
início da 25-02. Apesar do forte e longo declive não foi possível soltar as
mãos dos freios em razão dos diversos buracos. A velocidade baixa proporcionava
admirar ainda mais a paisagem que continuava com aquelas inúmeras e gigantescas
montanhas ao redor. O vale vertiginoso ainda exibia o rio caudaloso. Novamente
foi difícil enquadrar o cenário na lente da máquina. O lugar é magnifico.
In foco.
Paisagem durante a longa descida.
Apesar de todas as dificuldades não consigo deixar de admirar essas montanhas.
Montanhas que quase não cabem na lente da máquina fotográfica.
Ainda bem que essa estrada de terra não fazia parte do meu trajeto.
Mais um túnel pelo caminho.
O barulho aqui dentro é sempre sinistro.
In foco.
A descida teve extensão de 26
quilômetros. Uma distância que sem dúvida ajuda a relaxar os músculos, exceto
aqueles das mãos que trabalhavam bastante para não deixar a Victoria entrar no(s)
buraco(s), literalmente. Aqui a passagem entre as montanhas também é chamada de
Quebrada, da mesma forma como
acontece na Argentina. Não raramente elas têm a nomenclatura estampada pelas
placas localizadas ao lado da estrada.
33 quilômetros depois de
Chachagui começou a subida que já era aguardada. A mesma deveria ter algo em
torno de 15 quilômetros. É tanta ascensão ao longo dos meses que eu cheguei ao
ponto de comemorar quando a distância dos aclives é inferior a 20 quilômetros.
O problema não foi encarar a subida, a questão foi enfrentar ela e a
temperatura que aumentou rapidamente graças ao sol que brilhava cada vez mais
forte.
Encontrei o mesmo obstáculo dos
primeiros dias no Equador, subida e temperatura elevada, duas coisas que não
combinam em nada. O ruim é a transpiração excessiva. Ninguém merece o suor a
escorrer pelos olhos. A ardência é instantânea e prejudica demais o progresso
do pedal já que a todo o momento é preciso parar e enxugar o rosto. Santa
paciência!
Apesar de muita dificuldade
completei a subida que na verdade teve 17 quilômetros, um pouco mais do que o
previsto. No final do trajeto percebi que meu pneu dianteiro estava murcho. Era
mais um furo bem sem vergonha porque a câmera de ar custou a esvaziar. Enchi um
pouco com a pretensão de aproveitar a descida que estava por vir. Na realidade
não estava nada disposto a realizar a troca da câmera àquela hora, justo depois
de tanto sacrifício para finalizar a subida.
Logo após a primeira subida do
dia cheguei a um povoado onde um restaurante à beira da estrada foi um convite
para matar minha fome. Não pensei duas vezes e parei. A refeição custava 6 mil
pesos, mas chorei e consegui mil pesos de desconto. Cardápio bem parecido com
aqueles dos dias anteriores. Destaque para a sopa que estava repleta de bananas
e batatas. Aqui a fruta em questão também está presente na gastronomia, talvez
bem mais do que no Equador. Até o momento esteve em todas as refeições.
Almocei rapidamente e quando fui
verificar o pneu dianteiro, estava praticamente cheio. Então resolvi não
realizar a troca e continuei a viagem. O trecho que apareceu foi mesclado entre
a famosa série de sobe e desce. O tempo continuava quente e minha água (mais de
dois litros) não durou quase nada. Parei em uma casa para abastecer as garrafas
e além do liquido gelado fui contemplado com um copo de suco que foi mais do
que bem vindo diante daquele calor insuportável.
Durante a descida mais longa após
o almoço tive mais uma surpresa. Pela primeira vez na viagem visualizei a cena
inusitada. Mulheres (às vezes acompanhadas de crianças) amarram uma corda em um
dos lados da rodovia e quando aparece um veículo, elas do outro lado da pista,
levantam a corda obstruindo o caminho com o único objetivo de pedir dinheiro.
O surpreendente é que são
diversas mulheres em vários pontos da rodovia em uma cena muito triste. Em
muitos momentos elas apenas esticam os braços como quem pede esmola. Durante a
minha passagem não levantaram a corda, mas fizeram questão de pedir um trocado
que não foi entregue. Não registrei o momento para não despertar uma possível “revolta”
das mulheres.
Com 65 quilômetros pedalados cheguei
à província de Cauca. Deste ponto em diante foi apenas sofrimento. Minhas
pernas cansadas ficaram ainda mais pesadas com o longo sobe e desce. Porque é
tão difícil existir um meio termo? Parece que a montanha insiste em testar seu
limite o tempo todo. Essa minha passagem pelo Equador e Colômbia tem sido uma
verdadeira batalha. Mas eu não cheguei aqui para desistir agora. Felizmente em
nenhum momento me passou pela cabeça desistir da viagem. Acho que esse é o
principal motivo por eu conseguir avançar apesar de todas as dificuldades.
Minhas virilhas voltaram a assar.
Isso havia acontecido apenas na região da Laguna Colorada na Bolívia. A causa é
muito simples, para completar a subida a perna exerce uma força maior no pedal.
Essa pressão acaba transferida para as virilhas que está em contato com a calça
e o selim. O resultado deste atrito é um desconforto horrível. Pior que isso
vai sarar somente após alguns dias de descanso. Algo que pretendo fazer apenas
em Bogotá, ou seja, terei que aguentar mais um pouco.
Por volta das 18 horas cheguei ao
povoado de Mojarras. Um senhor na estrada havia me avisado que neste local
existia uma hospedagem anexa a um posto de combustível. Aqui a maioria dos
postos é chamada de “estación de servicios”. De cada dez estabelecimentos, oito
pertence à Esso. Incrível a predominância da marca na região. É possível
verificar que geralmente eles têm um hotel no mesmo terreno. Para quem viaja,
sem dúvida é uma boa opção.
Em Mojarras parei no Hostal
Carolina. A diária me custou 14 mil pesos. Não houve chance de negociação. Como
eu estava cansado, sujo e suado, não pensei muito em me estabelecer
temporariamente no local. O quarto é normal e limpo. O diferencial fica por
conta do ar-condicionado. Pela segunda vez na viagem fui obrigado a ligar o
aparelho em razão da temperatura. A primeira vez foi em Corumbá/MS logo no
início da expedição.
O dormitório tinha banheiro
privado, contudo, sem chuveiro, apenas uma ducha de água fria. Mas com aquela
temperatura ambiente eu nem me importei com isso. Devidamente limpo tive apenas
que passar o repelente porque parecia que os pernilongos também estavam
alojados no mesmo espaço.
De noite fui jantar no
restaurante do posto de combustível. O preço e cardápio foram bem parecidos com
aquele do almoço. Uma pena que o prato tinha pouca comida, principalmente
arroz. Não vejo a hora de voltar a desfrutar dos buffets nos restaurantes
brasileiros. Tem alimento que eu não degusto desde a minha saída do Brasil.
Fui dormir sem camiseta e cobertas
pela primeira vez durante os últimos meses. Isso tudo porque a temperatura
continuava elevada apesar do horário. E pensar que na noite anterior estava
chovendo e precisei de duas cobertas para me aquecer. Tá certo que Mojarras não
é tão alto quanto Chachagui, mas ainda assim é muita variação climática para apenas
um corpo.
Dia finalizado com 102,91 km em
7h42m e velocidade média de 13,35 km/h.
16/12/2012 - 161° dia - Mojarras
a Rosas
Se você pretende chegar aos céus,
prepare-se porque o caminho é árduo.
Maravilha de noite no Hostal
Carolina. Durante a madrugada esfriou um pouco por causa do ar-condicionado,
mas bastou colocar o lençol e voltar a dormir o sono dos justos. Consegui
descansar bastante, contudo, ainda precisava de mais tempo para recuperar
totalmente as energias, todavia, era preciso avançar para completar o quanto
antes essa jornada pelos Andes.
Acordei às 6 horas da manhã e a
primeira coisa a fazer foi filtrar a água da torneira do banheiro. A mesma
estava com uma cor escura que indicava ser de algum poço artesiano. Na noite
passada achei melhor ferver cerca de um litro, mas hoje pela manhã lembrei-me
do filtro de água (Lifestraw) que utilizei apenas na região do Pantanal no Mato
Grosso do Sul e assim reservei quase dois litros de água para continuar a
viagem.
Meus sagrados pães acabaram no
dia anterior e não havia nenhum estabelecimento onde eu poderia fazer a
reposição, portanto, meu desayuno foi à base de bolacha e suco, mas
infelizmente não foi o suficiente para saciar minha fome matinal, todavia, tive
que me contentar, pois era o que havia disponível no momento. Com certeza era
melhor do que nada.
Antes de sair aproveitei para
encher o pneu dianteiro que continuava furado, mas que havia murchado somente
um pouco durante a madrugada. Voltei à estrada apenas às 7h20m. O caminho
passou a ser percorrido pela Ruta 25-03, trecho entre Mojarras e Popayan. Eu
havia anotado na agenda que esse trajeto inicial seria plano em sua maior
parte. Então fui conferir se realmente o relevo ajudaria a deixar o pedal menos
cansativo.
Logo após a saída do Hostal Carolina
o cenário apresentou-se deslumbrante e perfeito para pedalar. A estrada era
realmente plana (salvo em algumas ocasiões) e repleta de árvores dos lados que
em determinados momentos formavam um verdadeiro túnel natural. Para minha
felicidade essa sombra se manteve por vários quilômetros. O trecho é muito
parecido com aquele entre São Miguel do Iguaçu e o balneário Ipiranga no oeste
paranaense.
O começo do melhor trecho dos últimos dias.
In foco.
Rio que segue paralelo à estrada.
In foco.
As sombras das árvores sem dúvida
amenizaram os efeitos da temperatura que logo pela manhã já estava alta. O dia
começou bastante quente, céu com poucas nuvens e um sol que prometia brilhar
cada vez mais forte com o passar das horas.
Sombra amiga.
Pedalar no paraíso. Essa era a
sensação de passar por aquele trajeto cheio de sombras e com o relevo plano.
Para melhorar a situação a 25-03 está bem melhor do que o trecho anterior,
embora o acostamento ainda seja inexistente. Era domingo, mas ainda assim o
trânsito, sobretudo, de caminhões exigia bastante atenção já que a rodovia é
estreita e não reserva um espaço seguro para o ciclista.
A região possui várias
comunidades negras no decorrer da rodovia. Uma das atividades econômicas é sem
dúvida a venda de frutas à beira da estrada. São inúmeras as barracas em frente
das casas que oferecem manga, laranja e outras frutas típicas da região. Sucos
naturais também podem ser adquiridos em certos lugares. Algumas vendas são um
pouco maiores e sofisticadas e também trabalham com artesanatos.
Venda de frutas à beira da rodovia.
Vale destacar que algumas
comunidades, apesar de pequenas, dispõem de restaurante e hospedagens. Às vezes
é possível até mesmo encontrar parques recreativos com amplas áreas de lazer e
piscina. Claro que são propriedades privadas, mas pode ser uma dica para quem estiver
de passagem pela região, não aguentar o calor e precisar relaxar. Fiquei muito
tentado a cair na água já que a temperatura ambiente estava bastante elevada.
Mas meu objetivo é avançar e sair o quanto antes da cordilheira e sua época de
chuvas. Por isso, avante.
As paisagens revelavam um
ambiente bucólico e com pequenas pastagens, a maioria destinada à criação de
gado, mas com um rebanho limitado. Algo que também é bastante notável é uma
árvore comum e presente em toda a extensão da rodovia. Seu “fruto” é no mínimo
curioso e me deixou intrigado para saber se era comestível. Afinal meu café da
manhã não tinha sido reforçado e um presente da mãe natureza não poderia ser desprezado.
A árvore "frutífera"
In foco.
Encontrei algumas pessoas na
estrada e perguntei se o tal fruto poderia ser degustado. Foi quando tive a
resposta de que não se tratava de uma fruta. Não entendi muito bem o nome e do
que realmente se tratava. Acho que é a semente da árvore. Em todo caso, os
moradores raspam o interior da “semente” e com a parte côncava (parecida com
aquela sobra do coco) utilizam para colocar doces e posteriormente vender. Acho que foi isso que entendi. Se estiver
equivocado, por favor, me corrijam.
O pedal no paraíso continuou por
quase 40 quilômetros quando apareceu a primeira subida forte do dia. Por sorte
a ascensão íngreme teve apenas 6 quilômetros e foi acompanhada de árvores que
sombreavam a estrada e me ajudavam a sofrer menos com a temperatura.
Na metade da subida.
In foco.
A urubuzada admirando a paisagem.
Preparando para o salto mortal em 3..2..1
Hasta la vista, baby!
Após a subida cheguei por volta
do meio dia na cidade de El Borde onde parei em um restaurante e resolvi repor
as energias porque não estava seguro se encontraria outro estabelecimento pelo
caminho. A refeição custou um pouco mais caro do que as anteriores, 5,500
pesos. Aproveitei o preço alto para reforçar meu pedido de um prato bem
servido, sobretudo, com bastante arroz. Pela primeira vez em muito tempo o
prato estava realmente caprichado. Carne, salada e banana assada também faziam
parte do cardápio. Um copo de suco era incluso. Tudo estava uma delícia e
rapidamente o prato foi limpo.
Exército presente em todas as rodovias.
Na saída de El Borde visualizei
uma placa única na expedição. A mesma indicava a população, temperatura e a
altitude da cidade. Eu particularmente acredito que a altitude esteja equivocada.
Pelo menos eu acho que estava muito mais alto. O certo é que a temperatura
estava alta e a sensação térmica ficaria ainda pior porque era o fim da região
arborizada. Na minha frente apareceu apenas a estrada que parecia pegar foto em
seu tapete preto.
A placa que indica até a temperatura, rs.
Ônibus ao melhor estilo boliviano. Não raramente está repleto de pessoas e bagagens.
Estou perto de casa?
Bastante comum na região.
Flagrante.
O fim do trecho arborizado.
Esse trecho após El Borde foi uma
verdadeira montanha-russa que tirou toda minha energia. A cada nova subida era
um verdadeiro sacrifício para chegar ao topo. A alternativa foi devorar minhas
últimas bolachas para ver se garantia uma “vida extra”. Acho que adiantou
porque eu continuei a avançar apesar dos pesares.
O início da subida.
Durante o caminho várias
barreiras do exército não nos deixa esquecer que essa é uma área que merece
atenção em razão da existência das FARC. Sem nenhum impedimento, continuei em
frente. Mas era melhor não ter continuado (risada sacana). Com 71 quilômetros
pedalados apareceu a maior subida do dia. Ela já era esperada e sua extensão
seria de aproximadamente 15 quilômetros.
Imaginem. Eu estava no bico do
corvo e o calor era infernal para completar a subida monstruosa durante aquele
horário. Mas eu deveria chegar o mais próximo possível de Popayan e para isso
era preciso uma coisa: superação. Necessitava ir além dos limites conhecidos. E
era exatamente o que estava sendo realizado. Resgatava forças de onde não
imaginava ainda restar alguma coisa. Claro que meu avanço foi lento, mas
devagar se vai ao longe, esse é o ditado. Dito e feito.
Mais uma vez nas alturas.
Pela subida também foi possível encontrar
várias barracas que vendiam, sobretudo, mangas. Em uma delas eu parei na
pretensão de completar minhas garrafas de água que quilômetros antes já havia
sido reabastecidas. Além do liquido precioso ganhei duas frutas que logo na
sequencia foram devoradas. Os “mangos” foram bem refrescantes para o momento.
Da série: Coisas que a gente encontra pelo caminho.
A estrada subiu até o último
limite da montanha. Quando cheguei quase ao topo começou a chover, mas não
durou muito tempo. Até a chuva terminou e a subida não. É tanto aclive que
chega a ser desumano. O preço para conhecer essa região tem sido alto (em todos
os sentidos da palavra) demais.
Quilômetros finais da subida.
Como já passava das 18 horas
seria impossível avançar para Popayan. Então a estratégia foi avançar para o
povoado de Rosas no topo da montanha. Quando finalmente cheguei ao local
descobri que a hospedagem ficava mais à frente, depois de uma última subida. É
brincadeira? Acendi a lanterna traseira da bicicleta e fui encontrar o lugar
para descansar. Achei a hospedagem El Viajero.
A diária no El Viajero começou em
15 mil pesos. Argumentei que era brasileiro e sem muito dinheiro, mas levei um
“tapa” na cara. A mulher (irredutível) disse que a condição brasileira é muito
melhor se comparada com a dos colombianos. Fiquei sem argumentos, mas ainda
assim ganhei um desconto de 3 mil pesos. O quarto era extremamente simples.
Apesar do banheiro privado, não havia chuveiro e mais uma vez o banho foi
gelado. Hoje eu desejava uma água quentinha porque com a altitude e a chuva a
temperatura despencou e foi tenso enfrentar aquela água congelante.
Devidamente limpo fui procurar um
restaurante para jantar. Acabei encontrando uma lan house e fui ver meu e-mail
e o resultado final do mundial de clubes. O time da zona leste de São Paulo
levou a taça pela primeira vez. A torcida deve estar contente até agora. Afinal
o primeiro titulo mundial não se esquece. Felizmente o soberano tricolor paulista
tem 3 mundiais na história e eu sei bem como é a sensação.
Antes de voltar para a hospedagem
comprei um saco de pão (estilo bisnaga) que era único disponível na mercearia.
Seria meu café da manhã do dia seguinte. Eu acabei por fazer a refeição noturna
no restaurante do próprio El Viajero onde a janta me custou 5 mil pesos. Menu
tradicional.
No quarto, mesmo cansado, fui
escrever um pouco no diário de bordo e depois fui dormir para descansar.
Precisava recuperar as energias para o dia seguinte que infelizmente seria de
mais subidas.
Dia finalizado com 89,14 km em
8h29m e velocidade média de 10,50 km/h.
17/12/2012 - 162° dia - Rosas a Popayán
A noite foi extremamente chuvosa
em Rosas.
Acordei cedo, mas não estava
disposto a sair rapidamente da hospedagem. Eu continuava cansado em razão das
intermináveis subidas de ontem. Quando fui colocar a bagagem na Victoria
percebi que o pneu dianteiro estava totalmente murcho. Enchi outra vez e fui à
estrada pouco depois das 7 horas da manhã.
O objetivo do dia era avançar o
mais próximo possível em direção à Cali. Eu tinha conhecimento que o trajeto
inicial seria realizado por uma pequena descida de sete quilômetros e uma
subida imensa na sequencia. Para a minha infelicidade o pneu murchou
rapidamente e fui obrigado a troca-lo ainda durante o declive. Esse processo
sempre custa vários minutos e desta vez não foi diferente.
A estrada voltou a ficar ruim em
vários trechos. Placas indicam que a área é instável geologicamente e que
vários degraus são encontrados na pista. Na verdade em diversos momentos quase
não existe asfalto. Um perigo iminente de acidente e uma verdadeira vergonha.
Estrada vergonhosa.
Asfalto, meu filho, cade você?
A descida passou em questão de poucos
minutos e na sequencia comecei, novamente, outra subida que teve extensão de 12
quilômetros. Lá estava eu cada vez mais alto. O que compensa sem dúvida é a
natureza. A fauna e flora nas montanhas colombianas é algo surpreendente. O que
mais chama atenção são as aves e o som emitido por elas. Não é fácil
identifica-las e muito menos flagra-las, mas apenas o fato de ouvi-las é uma
grande satisfação.
Como choveu bastante de noite o
tempo amanheceu tímido, todavia, não demorou para o sol aparecer e aumentar a
temperatura. Mais uma vez fiquei todo ensopado de suor. Novamente muitas
barracas à beira da estrada vendiam frutas e sucos que pareciam bem
refrescantes. Mas o “pão-duro” não cedeu à tentação. Terminei a subida e logo
depois cheguei à cidade de Timbio onde fui obrigado a parar no acostamento e
comer as últimas bisnagas que sobraram do café da manhã. Estava com muita fome
já que não havia mais bolachas para degustar.
De Timbio à Popayán é um
verdadeiro sobe e desce. No caminho visualizei a primeira plantação de café na
Colômbia. O país é um dos maiores produtores da América Latina, quiçá do mundo.
A qualidade do fruto é um dos principais motivos pela exportação em larga
escala.
Cheguei à Popayán apenas às 13
horas. Resolvi permanecer no município para descansar. Sentia que continuar sem
parar (leia-se folga) até Bogotá não seria uma boa estratégia e extremamente
prejudicial às minhas pernas. E tudo o que eu não preciso é de problemas
físicos que impeçam o avanço da expedição.
Finalmente em Popayán.
Popayán é uma cidade grande e fui
direto ao centro para procurar uma hospedagem mais econômica. Encontrei o Hotel
San Agustín onde a diária surpreendentemente custou apenas 13 mil pesos. O
preço baixo era apenas em razão do quarto sem banheiro, este era compartilhado
e sem água quente. Mas não me importei. Eu precisava apenas descansar.
Tomei um banho e fui às ruas para
almoçar (fome não me falta). Com a variedade de restaurantes o preço é mais
baixo e a refeição me custou apenas 3 mil pesos, a mais barata na Colômbia até
o momento. O cardápio não tinha nenhuma novidade, mas estava saboroso e
relativamente caprichado.
Depois do almoço comecei a
procurar um supermercado para comprar meus mantimentos básicos. Encontrei um
estabelecimento grande e aproveitei para levar pão, geléia, suco e frutas. Os
preços, infelizmente, não são os mais baixos. A bolacha, por exemplo, é
bastante cara e por isso achei melhor pesquisar em outros lugares.
O supermercado levou meus últimos
pesos colombianos. Então fui obrigado a sacar mais dinheiro e deixar minha
conta mais magra. Mais uma vez não tive problema para realizar o saque no
exterior. Tudo ocorreu sem problema nesta primeira transação no caixa
eletrônico colombiano.
O centro com suas ruas e calçadas
estreitas é bastante movimentado e o comércio não se diferencia muito daquele
que é encontrado nas cidades brasileiras. Encontrei uma área onde várias lojas
vendem doces e bolachas. Em uma delas achei a galleta peruana GN que continuava a mais barata entre as opções.
Novamente levei vários pacotes que certamente devem me acompanhar até o final
da Cordilheira.
Feito o que precisava fazer,
voltei ao hotel, não sem antes procurar bastante pela sua localização. O
cabeçudo aqui esqueceu de ver o nome do hotel e a rua onde o mesmo se encontra.
Realmente as subidas estão prejudicando até o meu cérebro. (Risada Sacana)
Na hospedagem fui preparar meu
café da tarde e não demorou muito para começar a cair um verdadeiro temporal
que durou mais de duas horas. Aproveitei esse tempo para atualizar o diário de
bordo.
De noite retornei às ruas para
jantar e andei por várias ruas do centro histórico que está bastante iluminado
por causa das festividades de final de ano. Presenciei uma solenidade da
policia militar também na região central e na sequencia regressei ao hotel onde
fui ver o segundo e longo filme da trilogia Senhor dos Anéis.
Não terminei de ver o filme em
razão da sua duração de mais de quatro horas. Fui dormir sem saber ao certo se
permaneceria mais um dia na cidade ou se continuaria a viagem. Em todo caso,
deixei para decidir apenas na manhã seguinte.
Dia finalizado com 41,92 km em
3h50m e velocidade média de 10,90 km/h.
18/12/2012 - 163° dia - Popayán
(Folga)
Acordei cedo e cansado. Por isso
resolvi ficar mais um dia na cidade exclusivamente para recuperar as energias.
Nada de passeios, saída às compras, atualização do site ou qualquer outra
coisa. É preciso reconhecer e respeitar o momento em que o corpo pede um tempo
para se restabelecer.
Aproveitei a oportunidade para
acabar de ver o filme da noite passada. Mais uma vez fui surpreendido pela
magnitude do já antigo “Senhor dos Anéis”. Uma pena ter demorado tanto tempo para
assisti-lo. Antes tarde do que nunca.
Com o tempo livre também visualizei
os registros fotográficos da viagem. Recordei dos mais diversos lugares que
tive a grande felicidade de conhecer durantes os últimos cinco meses. Serviu
para eu não me esquecer dos inúmeros obstáculos que superei para chegar até
aqui. A situação atual pode não ser das mais favoráveis, sobretudo, em razão do
relevo acentuado e o clima instável, todavia, não deixarei me abater por essas
dificuldades e continuarei em frente para concluir meu objetivo.
Amanhã a pretensão será avançar em
direção à Cali, uma das cidades mais conhecidas da Colômbia. Teoricamente o
relevo será mais “suave” em relação aos dias anteriores, contudo, a prática
pode ser diferente e surpreender. Por isso estou mais cauteloso com esses
detalhes com a finalidade de traçar objetivos mais compatíveis com essa
realidade colossal das montanhas.
19/12/2012 - 164° dia - Popayán a
Cali
Um dia extremamente longo e com
diversos acontecimentos inesperados.
A noite em Popayán foi chuvosa
mais uma vez, todavia, o dia amanheceu apenas nublado. Estava na hora de
continuar a viagem e por isso não demorei em colocar minhas coisas no alforje,
degustar meu desayuno e seguir em direção à Cali.
Às 7h10m eu estava de saída do
hotel e pelas ruas de Popayán eu aproveitava a tranquilidade das primeiras
horas do dia para registrar brevemente a região central. Poucos minutos depois
eu me encontrava novamente na rodovia que passou a ser denominada como 25-04.
Com quinze quilômetros a estrada tornou-se duplicada e com um largo acostamento.
Perfeito para pedalar, sem comparação com o trecho anterior.
Saída da peculiar Popayán.
Uma cidade realmente diferente e que merece uma visita.
Popayán.
Era de meu conhecimento que o
relevo seria de montanha-russa nos primeiros quilômetros e na sequencia
apresentaria um longo trecho plano que certamente aliviaria meu esforço físico.
O início do pedal foi marcado mais pelo trânsito intenso do que propriamente
pelas subidas. Após o final de um curto aclive resolvi fazer uma pausa e comer
um pacote de bolacha. Na última galleta
percebi que o pneu estava murcho. Adivinhe?
Na terra do café.
Começo da rodovia em direção à Cali.
Ruta 25
Cada vez mais perto da capital.
Marcação frequente da quilômetragem.
Infelizmente mais uma câmera de
ar furada. Tive o azar de parar justamente em cima de um caco de vidro que
atravessou o pneu e a fita anti-furo. O problema é que o pneu traseiro que foi
trocado recentemente em Otavalo (Equador) já está careca com menos de mil
quilômetros pedalados. Com os cravos do meio desgastados o objeto cortante não
teve dificuldade em atingir a câmera. Aos 22 quilômetros eu realizava a pausa
inesperada para trocar o item em questão.
Parei ao lado de uma pequena
chácara e comecei o árduo processo de retirar todos os alforjes, virar a
bicicleta e retirar o pneu traseiro com a sua câmera furada. Para a minha infelicidade
a câmera reserva também estava furada e fui obrigado a remenda-la. Na intenção
de não cometer, novamente, os erros infantis, procurei realizar o remendo com
calma e atenção. No meu caso isso sempre requer mais tempo.
Enquanto remendava as câmeras de
ar o morador da chácara ao lado se aproxima e começa a conversar comigo na
pretensão de saber mais detalhes da viagem. O diálogo ficou bem interessante,
sobretudo, pela simpatia e inteligência do senhor Mario que começou a me falar
mais sobre a região e os trechos que eu teria pela frente.
Durante a conversa descobri que a
região é uma das áreas dominadas pelas FARC e isso justificava o número maior de
soldados na rodovia. Vale destacar que a guerrilha é pouco mencionada pelos
moradores. Talvez seja por indiferença ou medo. Acredito que seja mais pela
primeira opção, uma vez que os guerrilheiros perderam bastante o poder que
tinham em razão das medidas de segurança adotadas pelo governo. Atualmente
ambas as partes dialogam sobre um possível processo de paz que acabaria com o
conflito que perdura por décadas.
Mario também alertou sobre o
trajeto. Disse que após a cidade de Santander de Quilichao haveria um trevo com
acessos à Cali e Palmira. A primeira era meu destino, contudo, posteriormente
eu também passaria por Palmira, ou seja, no trevo eu poderia facilmente
continuar direto no sentido à Palmira, no entanto, este caminho oferecia um
risco em potencial por abrigar uma comunidade bastante perigosa. Mario me
falava sobre o local com certa propriedade e preocupação. Não ignorei sua
advertência e nem mesmo cogitei passar por essa parte.
Minha atenção em relação aos
remendos foi dividida com a conversa. Em um momento Mario me perguntou se eu
conhecia Panela, um doce bastante típico da região. A princípio disse não saber
do que se tratava, mas quando ele começou a relatar a forma de preparo e seus
ingredientes eu lembrei que havia visto a tal Panela em um supermercado em
Popayán. É a nossa conhecida rapadura.
Rapadura é muito boa para quem
pedala em razão da concentração elevada de açúcar. Corta-la em pequenos pedaços
e leva-los na viagem foi uma experiência bem sucedida em outras ocasiões.
Comentei isso e o colombiano pediu para eu esperar. Minutos depois ele
regressou de sua casa com um “regalo”. Uma Panela de meio quilo para degusta-la
durante o pedal. Que maravilha!
Panela. Nossa conhecida rapadura.
É aquela velha história, quase
tudo tem um lado positivo, depende dos olhos de quem vê. O pneu ter furado
exatamente naquele lugar me possibilitou ter uma excelente conversa sobre os
mais variados assuntos e ainda acabei presenteado. Fiquei mais tempo parado do
que pretendia, mas não poderia reclamar de nada. Acabei de remendar e trocar a
câmera e consequentemente coloquei a bagagem de volta na Victoria e retornei à
estrada, não sem antes agradecer imensamente ao Mario.
Na estrada o relevo continuou a
apresentar algumas subidas, mas eram cada vez mais tranquilas e as descidas
predominavam. Por volta do meio dia e com apenas 44 km pedalados parei em um
restaurante à beira da rodovia para almoçar. Estava com fome e precisava repor
as energias. A refeição custava 6 mil pesos, quase o dobro que paguei em
Popayán, apesar do preço elevado achei melhor permanecer no local já que não
tinha certeza se haveria mais estabelecimentos próximos.
Não demorei muito no restaurante
e poucos minutos após finalizar a refeição eu já estava de volta ao pedal. Não
poderia perder tempo, uma vez que ainda pretendia chegar à Cali e por isso
tratei de aumentar o ritmo. Na estrada a paisagem se mesclava entre árvores e plantações
de café e banana. Cana-de-açúcar começou a aparecer na medida em que a altitude
diminuía e o relevo se tornava mais plano e propicio para seu plantio.
Cafezais meio a outras árvores.
Cafezais por toda a região.
In foco.
Recado para as FARC.
Descida em direção à Cali.
O período da tarde rendeu
bastante e em pouco tempo cheguei (com 91 km pedalados) ao trevo referido
anteriormente. Sem pensar duas vezes continuei em direção à Cali. No horizonte visualizava
a longa reta que eu aguardava ansiosamente.
Início do longo trecho plano.
Incrível a quantidade de
barreiras do exército pelas rodovias. Não sei o motivo, mas geralmente estão
localizadas sobre as pontes. Até o momento não ousei registra-las porque não
quero criar nenhum problema. Esse pessoal não gosta muito de fotografias, então
é melhor não provoca-los. Sem molesta-los minha passagem foi tranquila e em
determinados momentos fui até cumprimentado. Cartazes à beira da estrada recordam
aos usuários que su ejército está
presente nas rodovias para garantir sua segurança.
Não demorou muito e apareceu o
Rio Cauca que faz a divisa entre as províncias de Cauca e Valle Del Cauca. Com
o novo departamento surgiu também a chuva. O tempo ficou cada vez mais fechado
e chegou um momento em que a água caiu sem piedade. Coloquei a jaqueta
impermeável e continuei em frente porque não faltava muito para chegar à Cali,
segundo informava as placas. Mas havia uma diferença entre essa distância e
àquela da minha planilha. Ainda que receoso, achei melhor acreditar nas placas
que indicavam uma quilometragem menor.
A chuva se aproxima no departamento Valle Del Cauca.
O fluxo de veículos aumentou nas
proximidades de Cali e uma placa de boas vindas apareceu quando meu velocímetro
marcava 125 km pedalados desde Popayán. As placas estavam relativamente
corretas. Acontece que a cidade é enorme (mais de 2 milhões de habitantes) e
chegar na região mais urbanizada levou vinte quilômetros. A chuva diminuiu e o
mesmo não aconteceu com o movimento que se tornou cada vez mais intenso.
Meu objetivo naquele momento era
encontrar uma hospedagem para descansar. A quilometragem já era a maior dos
últimos dias e uma leve canseira estava prestes a fazer meu corpo solicitar
repouso. Apesar do tamanho da cidade, nenhuma hospedagem apareceu pelo caminho.
Era algo realmente inacreditável. A noite chegou e eu ainda continuava a
pedalar, estava paciente, mas começava a ficar preocupado por não achar um
local seguro para dormir.
No perímetro urbano de Cali
existem vários acessos para determinadas avenidas e regiões da cidade. Depois
de perguntar algumas vezes pela direção de Palmira e Bogotá, continuei pela
imensa Avenida Simón Bolívar. Não cansava de pedir informações sobre
hospedagens, mas as pessoas eram unânimes em dizer que desconheciam algo pela
região. Quanto mais eu avançava maior era o tráfego de veículos e também de
ciclistas. Encontrei inúmeras bicicletarias (para atender a demanda) ainda
abertas apesar do horário, contudo, nada daquilo que eu realmente precisava no
momento.
Área feia. Avisaram-me para não
avançar muito naquele horário porque havia um bairro com uma reputação não
muito boa. Mas, sem opção, a solução foi continuar em frente porque finalmente
alguém mencionou uma hospedagem que se encontrava em direção ao local advertido.
Na verdade a hospedagem indicada não
era um hotel ou hostal, tratava-se de um motel. Segundo a pessoa que me recomendou,
era possível passar a noite no local sem problema. Estou com quase trinta anos
e jamais visitei um estabelecimento deste tipo. Não tenho nada contra, mas
nunca surgiu a oportunidade, pelo menos até agora.
Passar a noite em um motel não me
pareceu uma idéia muito estranha porque eu havia lido em algum lugar que outros
cicloturistas já passaram por tal experiência e foi tudo tranquilo. Por isso comecei
a busca pelo Motel Eclipse. Pedalei bastante e não encontrava de jeito nenhum o
letreiro enorme que indicava o local.
O que realmente soava estanho era
perguntar para as pessoas nas ruas onde ficava o “motel”. Depois de inúmeras
tentativas, finalmente um homem me passou a exata localização. Por sorte eu
tinha passado apenas uma quadra da hospedagem. Retornei e pedalei pela direção
recomendada. Em poucos minutos visualizei o letreiro e imediatamente fiquei
mais tranquilo. Mas o alivio não permaneceu por muito tempo.
Na entrada do Eclipse, ingênuo,
perguntei se era um motel ou hotel, isso porque as pessoas me diziam que eram
as duas coisas. E foi o mesmo que respondeu o segurança do local. No entanto,
não existe diária, o preço era por 8 ou 12 horas de usufruto da habitação.
Custava nada menos do que 35 reais para passar 12 horas. Absurdamente caro para
o valor pago até o momento nas hospedagens da Colômbia. Pensei, pensei e pensei
mais um pouco e não sabia exatamente o que fazer.
Perguntei ao segurança do Eclipse
se havia outra opção de hospedagem pela região e então ele sugeriu o motel ao
lado. Eu simplesmente não tinha visto que ao lado funcionava outro
estabelecimento do mesmo padrão. Fiquei animado porque provavelmente seria uma
opção mais econômica. Fui conferir!
Assim que entrei no Apart Hotel
Cosmos Real, fui questionado se precisava de uma habitação. Minha resposta foi com
outra pergunta: Qual o quarto mais barato para passar a noite? Para a minha
felicidade 12 horas custavam 12 mil pesos. Não pensei duas vezes e realizei o
pagamento para permanecer até às 7 horas da manhã do dia seguinte. Isso porque
já eram 19 horas quando ingressei no local.
Meu quarto no motel ficava no
terceiro piso, dessa forma a Victoria ficou em um quarto no térreo. Como
costumo fazer, levei os alforjes dianteiros e itens de maior valor para a
habitação, que por sua vez, era pequena e bastante simples. Uma cama modesta,
televisão e banheiro sem água quente. Eu estava mais do que satisfeito, afinal,
tudo aquilo era mais do que necessário para descansar.
Sentei na cama e a primeira coisa
a fazer foi degustar umas bolachas com suco. Estava bastante cansado e com
muita fome. Também me encontrava todo molhado e sujo em razão da chuva do final
da tarde. Então criei coragem e fui tomar um banho gelado.
Acho que ainda não mencionei, mas
sempre procuro ter cuidados básicos nos banheiros. Por exemplo, sempre utilizo
chinelo para tomar banho por mais limpo que o local esteja. Para fazer certa
necessidade fisiológica, busco forrar o vaso sanitário com papel higiênico
antes de sentar. Ações que também não foram esquecidas no motel. Inclusive não
utilizei a toalha (limpa) do local. Achei melhor enxugar com a minha.
Precaução.
Aqui na Colômbia a maioria das
hospedagens oferece o famoso sabonete de hotel, papel higiênico e toalha.
Parecem itens indispensáveis para esse tipo de local, mas quem acompanha o
diário de bordo deve lembrar que essas coisas são artigos de luxo em países
como Bolívia e Peru. Eu aproveito essa disponibilidade para economizar (Risada
sacana). Já tenho uma coleção de sabonetes no alforje. Acho que não precisarei
compra-los tão cedo.
Devidamente limpo fui preparar
meu jantar: pão com geléia e bolacha. Mais parecia um café da manhã, mas era o
que eu tinha disponível para a refeição noturna. Não havia nenhum restaurante
nas redondezas e por isso foi necessário desayunar
antes de dormir. Melhor do que deitar com a barriga vazia.
Dia finalizado com 144,16 km em
8h48m e velocidade média de 16,36 km/h.
20/12/2012 - 165° dia - Cali a
Quebrada Nueva
Noite tranquila no motel.
Acordei por volta das 5h30m e não
demorei muito para levantar, afinal eu precisava entregar as chaves do quarto
às 7 horas da manhã. Então tratei de arrumar minhas coisas rapidamente e
preparei meu desayuno para poder seguir viagem com a barriga cheia.
As roupas de ciclismo utilizadas
no dia anterior ainda estavam molhadas, mas resolvi utiliza-las novamente em
razão do tempo que amanheceu nublado. Não estava a fim de sujar mais uma muda
de roupa. Aliás, preciso urgentemente lavar as vestimentas, sobretudo, aquelas
especificas para pedalar. Já passou do vencimento.
Exatamente às 7 horas da manhã eu
peguei a Victoria e estava de saída do motel. Foi estranho sair do local e ver
as pessoas a me observar com um olhar de desconfiança e curiosidade. No final
eu ria da situação. Sei que não hesitarei em ficar neste tipo de hospedagem se
for necessário. Com exceção de um canal “educativo” na televisão a cabo e das decorações
nas paredes, não se diferencia muito de um alojamento, hostal ou hotel. Fica a
dica para quem precisar de um lugar para descansar.
A decoração no pequeno quarto do motel.
O bom de ter pedalado até o
anoitecer de ontem é que eu estava próximo da saída para Palmira. Hoje, apesar
do horário, os veículos já congestionavam as ruas e avenidas de Cali. Precisei
de muita paciência para andar entre os diversos carros e motos, essas, por sua
vez, são inúmeras. Fazia muito tempo que não visualizava um cenário tumultuado como
aquele.
A notícia boa é que também existe
bastante ciclista na cidade e me pareceu que os motoristas estão acostumados
com a sua presença e, sobretudo, respeitam aqueles que estão sobre duas rodas.
Não tive maiores problemas para avançar.
Para sair de Cali eu continuei
pela avenida anteriormente denominada Bolívar. Ela é demasiada extensa e muda
de nome algumas vezes. Para me localizar eu sempre perguntava qual caminho deveria
seguir em direção à Palmira. Com as recomendações corretas e seis quilômetros
percorridos, finalmente consegui sair da área de maior movimento. Três
quilômetros depois eu começava a pedalar na rodovia 25-05. Encontrei um
policial no acostamento e perguntei se este trecho Cali x Palmira x Bogotá era
seguro. Com a resposta positiva me direcionei com tranquilidade sentido
Palmira.
Finalmente de volta à estrada. Sentido Palmira.
A rodovia 20-05 está excelente.
Duplicada e com acostamento largo em toda sua extensão. Também existe uma
ciclovia de aproximadamente 25 km que faz a ligação entre as cidades de Cali e
Palmira. Ciclistas são encontrados por todas as partes. Muitos utilizam o
acostamento e o relevo favorável para treinar. Não raramente deparei-me com
pelotões de ciclistas de speed.
Pista dupla, acostamento perfeito e uma ciclovia quilométrica ao lado.
Seria uma homenagem à banda americana ou ao estado de libertação do sofrimento, segundo o Budismo?
As maravilhas que a gente encontra enquanto pedala.
In foco.
In foco.
Segundo minha análise da
altimetria da região, o relevo plano continuaria por dezenas e dezenas de
quilômetros pela rodovia. Esse fator sem dúvida me animou, poderia pedalar mais
tranquilamente sem precisar me preocupar e sofrer com as subidas intermináveis.
A minha bunda foi a que mais agradeceu.
Não sabia exatamente onde pararia
no final do dia, mas a pretensão era pedalar mais de cem quilômetros. Com o
relevo favorável não seria difícil de completar essa distância. Cheguei
rapidamente ao trevo que permite acesso à Palmira e Bogotá. A capital
colombiana era meu destino, por isso continuei conforme a indicação da placa.
Sentido à Buga e Bogotá.
A estrada após o trevo de Palmira
continuou perfeita. Não tenho o que reclamar! A rodovia permaneceu com a mesma
nomenclatura e também apresentou inúmeros ciclistas em treinamento.
Infelizmente os speedeiros tem o mesmo comportamento da maioria daqueles que encontrei
no Equador. Eles te ignoram completamente e quase nunca respondem seus
cumprimentos. Atitude realmente lamentável. Paciência!
A galera em treinamento.
Trajeto bastante agradável para pedalar.
A paisagem também mudou bastante.
Extensos canaviais ocupam muitos hectares às margens da rodovia. Inclusive foi
possível ver algo inédito. Um caminhão que transporta cana-de-açucar e que aqui
é chamado de Tren Cañero. O nome se
justifica pelo número de “vagões” que cada veículo transporte. Alguns chegam a
levar cinco deles. Fico a imaginar a habilidade necessária para conduzir algo
desse tamanho.
Tren Cañero.
Será que estou mesmo mais próximo de casa?
Depois de Palmira meu objetivo
era alcançar a cidade de Buga, local conhecido pelo trágico acidente aéreo (voo
entre Miami e Cali) ocorrido em 1995 e que deixou mais de 150 pessoas mortas. O
trajeto até este município foi de aproximadamente 70 quilômetros tranquilos e
completados relativamente rápidos. Destaque para o tempo que melhorou e
apresentou o sol depois de alguns dias.
Sonso? Imagina quem nasce na cidade. rs.
A estrada não passa pela cidade
de Buga, mas pelos inúmeros acessos tudo indica que seja um município mediano.
Eu aproveitei a presença de restaurantes à beira da rodovia para almoçar ainda
antes do meio dia. A refeição estava bem caprichada e custou 6 mil pesos. O
valor um pouco mais elevado sempre abre mais espaço para pedir o prato bem
servido.
Após Buga eu deveria continuar em
direção à Bogotá. A referência do momento era seguir sentido à Armenia ainda
pela rodovia 25-05. Foram mais quarenta quilômetros em que aproveitei para
apreciar a paisagem que passou a ser bucólica. Algumas curiosidades pelo
caminho me fizeram rir sozinho. Realmente tem coisas que é preciso ver para
crer.
Rodovia em excelente estado.
Ruta 25 - Norte
Da série: Coisas que a gente encontra pelo caminho.
A minha companheira em direção à sua cidade natal, rs.
Concordo plenamente.
O trecho plano terminou junto com
a 25-05 em Andalucia. Depois apareceu um moderado sobe e desce que não exigiu
muito esforço físico, pelo menos para mim. Isto porque encontrei dois ciclistas
com mochilas nas costas que seguiam para Armenia, que na ocasião ficava a mais
de 60 quilômetros. Era possível notar a dificuldade que ambos tinham para
completar as subidas. Também era perceptível que não estavam acostumados a
viajar de bicicleta. Troquei algumas palavras e deixei-os para trás. Com sorte
chegariam ao destino somente no dia seguinte Eu segui em frente.
Com 134 quilômetros apareceu o
trevo onde eu deveria pegar a saída para Armenia e Bogotá. Caso contrário eu
seguiria para Medellin que faz parte do meu roteiro, contudo, somente após a
visita à capital colombiana. A nova rodovia passou a ser denominado como 40-02,
também conhecida por Autopista del Café. Infelizmente apenas os dois primeiros
quilômetros estão duplicados. As subidas passaram a ficar mais acentuadas e
chegar à La Tebaida, distante cerca de 40 quilômetros, me parecia muito difícil
em razão do horário tardio. Então resolvi que terminaria o dia na primeira
hospedagem apontada pelo caminho.
Finalmente o acesso à Armenia - Bogotá.
Autopista del Café
O pedal havia rendido bastante e
no final da tarde eu já estava com mais de 140 km acumulados. Há muito tempo
não pedalava uma quilometragem alta como esta por causa da altitude que não deu
trégua nos últimos 50 dias. Claro que a distância em questão me deixou cansado
e por isso eu aguardava ansiosamente um local para descansar. Mas estava difícil
encontrar algo pelo caminho, este apresentava somente chácaras e fazendas com
plantações de café e criação de gado.
Um senhor na estrada me animou e
disse que existiam duas hospedagens mais a frente, especificamente a 3
quilômetros de onde estávamos. Na verdade a distância foi maior do que a
prevista, mas finalmente cheguei, às 18 horas, em Quebrada Nueva, um pequeno
povoado entre as montanhas. Parei ao lado de uma lanchonete e perguntei a algumas
pessoas se havia um lugar para eu passar a noite e me recomendaram ver com a
dona da venda.
Fui atendido por uma simpática
mulher que disse dispor de um quarto, mas ressaltou que eu precisaria esperar
para realizarem a limpeza do local. Mencionei que não tinha problema em
aguardar e minutos depois eu era encaminhado ao dormitório no piso superior. O
lugar era bem melhor do que eu imaginava, contava com televisão e banheiro
privado. A diária saiu por 15 mil pesos.
Não tinha água quente no
chuveiro, mas esse foi apenas um detalhe. Tomei um banho caprichado e depois
fui comprar três salgados na lanchonete onde a Victoria ficou guardada. A opção
por esses alimentos aconteceu pela ausência de um restaurante aberto naquele
momento no vilarejo. Para a sobremesa degustei mais bolachas na pretensão de
não dormir com muita fome.
Não preparei a janta porque faz
um tempo que estou sem carregar macarrão, atum e molho de tomate. Simplesmente
não compensa compra-los já que as refeições nos restaurantes saem bem mais econômicas.
Mas acho melhor deixar, novamente, alguma reserva no alforje. Terei que
desembolsar uma grana com esses mantimentos, mas faz parte.
Antes de dormir fui ver um pouco
de televisão e acompanhei jornais do Peru e Chile que surpreendentemente eram
captados por alguma antena tipo parabólica. Foi interessante ver a repercussão
global do possível fim do mundo, muito embora as emissoras apresentassem
matérias relacionadas à “farsa” por trás de toda essa especulação.
A partir das reportagens na
televisão também foi possível fazer uma reflexão a respeito do movimento
intenso no comércio em razão das compras natalinas. Poucos dias antes do Natal,
milhares de pessoas estavam nas ruas em busca de presentes. Deixar para comprar
na última hora não é algo reservado somente aos brasileiros que gostam de exaltar
que isso faz parte do “jeitinho brasileiro”. Em um mundo globalizado, certas
atividades passam a ser adotadas em uma escala muito mais abrangente do que
pensamos.
Após o noticiário apaguei as
luzes e capotei na cama. Se o mundo não acabar amanhã, acordarei para mais um
dia de pedal. Sinceramente acredito que isso tudo é uma grande distorção do que
dizia os maias. Na verdade é apenas o começo de um novo ciclo segundo o
calendário da antiga civilização. Vida longa!
Dia finalizado com 149,62 km em
9h01m e velocidade média de 16,56 km/h.
21/12/2012 - 166° dia - Quebrada
Nueva a Cajamarca
O mundo não acabou e o verão
chegou.
O que fazer na estação mais
quente do ano? Encarar a subida mais famosa da Colômbia: La Linea.
Apesar da hospedagem ficar ao
lado da rodovia e o barulho dos caminhões ser inevitável, isso não chegou a ser
um problema durante a madrugada e o meu sono foi relativamente tranquilo.
Acordei apenas uma vez para colocar a coberta já que esfriou um pouco, mas nada
comparado com a temperatura das altitudes mais elevadas.
Estava sem pão e meu desayuno se
resumiu à bolacha com geléia, rapadura e suco. A combinação não matava a fome,
mas me dava certa energia para continuar a viagem. Mal sabia eu que o dia seria
extremamente longo.
Minha saída da hospedagem
aconteceu por volta das 7h15m. O tempo estava bonito e quente. O verão começava
com temperaturas próprias da estação. Não precisei nem colocar minha
segunda-pele. Pela segunda vez em mais de cinco meses eu resolvi vestir minha
bermuda de ciclismo.
Acostumei-me a pedalar com calça
e achei um modo muito econômico já que não preciso passar protetor solar nas
pernas. Todavia, a bermuda foi utilizada porque a parte acolchoada da calça
passou a ser insuficiente para deixar minha bunda confortável. Por isso achei
que a bermuda poderia solucionar ou amenizar o problema.
A pretensão do dia era avançar o
máximo possível. Estava ciente que voltaria às montanhas e o pior, encararia a
subida mais famosa da Colômbia. A temida e íngreme La Linea. Desse modo, se eu
conseguisse pedalar 100 quilômetros eu estaria mais do que satisfeito. Eu havia
rabiscado na agenda, informações sobre o trajeto, mas algumas delas se
desencontraram e eu fiquei sem saber exatamente onde encontraria o maior
desafio do dia. Avante!
Logo nos primeiros quilômetros as
montanhas voltaram com seu tamanho majestoso e o alivio do trajeto plano ficava
para trás definitivamente. Apesar das dores na bunda e a virilha assada eu não
poderia reclamar, afinal foram dois dias com o relevo favorável que permitiu um
bom avanço. Agora bastava continuar pela conhecida montanha-russa em um cenário
bastante bonito. Fauna e flora me animaram a completar cada quilômetro.
Pássaros das mais variadas cores é um verdadeiro colírio para os olhos.
O começo das montanhas. Em poucos quilômetros ficariam dez vezes mais altas.
Paisagem pelo caminho.
Panaca!
A estrada tem inúmeros trevos e
denominações. Chegou uma hora que nem resolvi mais anota-las. Mas para quem
segue por este caminho em direção à Bogotá não tem erro, basta continuar
sentido à Ibagué. Felizmente há diversas placas que orientam tranquilamente
como chegar ao destino desejado. Também destacam frequentemente as distâncias.
Em determinados momentos
perguntava para as pessoas no acostamento sobre a localização da “La Linea”,
contudo, as informações não eram precisas e pouco me ajudavam para programar
melhor minha pedalada, ou seja, o ritmo que eu poderia empregar para poder
completar o esperado aclive ainda com claridade. Um senhor chegou a mencionar
que a subida começava após Calarcá. Já era uma referência.
Para chegar à Calarcá foi preciso
passar pelo trevo de acesso à Armenia e Ibagué. Segui para essa segunda cidade
e continuei no caminho certo. O trajeto é bastante interessante, repleto de
cafezais que várias vezes se misturam com os bananais. Nas proximidades de
Calarcá existem diversas chácaras que, pelo estilo, aparentam ser de pessoas
com um maior poder aquisitivo. Também têm condomínios “rurais” destinados aos
afortunados. Da mesma maneira são encontradas várias hospedagens sofisticadas
onde a diária certamente não é das mais baratas.
Direção à Ibagué.
A segunda Tranquera que eu encontro na viagem. A primeira foi na Bolívia.
A Islandia na América do Sul. Será mesmo o fim do mundo? rs
Bananais da região.
Essa foto resume o cultuvo aparentemente mais rentável da região.
Sentido à Calarcá e à temida La Linea.
Cheguei a essa área próxima de Calarcá
por volta do meio dia e aproveitei esse povoado para ver se algum restaurante
oferecia uma refeição barata. Sete, oito e quinze mil pesos foram os valores
encontrados nos estabelecimentos pesquisados. Um verdadeiro absurdo! Meu café
da manhã não foi muito caprichado e por isso eu estava com fome, mas não
pagaria esses valores por um prato de comida. Avante!
Pedalei mais um pouco e encontrei
um restaurante que oferecia almoço por 6 mil pesos. Pensei que não encontraria
nada mais barato pela região e então resolvi recuperar as energias no local.
Fui muito bem atendido e meu prato foi extremamente caprichado. Uma jarra
inteira de suco estava incluída e deliciosamente gelada.
Passei pelo perímetro urbano de
Calarcá e às 14 horas, com 48 km pedalados desde Quebrada Nueva, comecei a encarar
a subida que inúmeras pessoas me alertavam desde Ipiales, fronteira com o
Equador. No sentido à Ibague o aclive conhecido como La Linea tem apenas 23 km
de extensão, contudo, sua reputação está relacionada à inclinação extremamente
íngreme. A ascendência entre Calarcá e o topo da montanha chega a 2 mil metros.
Que tal?
Comecei a subida às 14 horas e
nos primeiros metros percebi que não seria brincadeira. Em poucos minutos eu já
visualizava a cidade de Calarcá de um ângulo diferente. Definitivamente a
estrada não estava nas melhores condições para pedalar. Não havia acostamento e
o tráfego de veículos era intenso em razão da temporada de férias e
festividades de final de ano. A situação somente não era mais critica porque a
maioria dos motoristas estava no sentido contrário, em direção à Cali.
Calarcá fica para trás nos primeiros quilômetros da famosa La Linea.
Em questão de poucos quilômetros eu já estava no céu, rs.
Na ausência do acostamento,
realizei um esforço extra nas pernas e braços para poder manter a bicicleta em
linha reta, algo que nunca é fácil em uma subida extremamente íngreme. Com a
velha paciência eu avançava lentamente e cumprimentava os motoristas que
buzinavam, aplaudiam e tiravam fotos da minha jornada em direção ao topo.
La Linea é demasiadamente sinuosa
e a cada curva a inclinação se torna ainda mais absurda e inacreditável. Sem
dúvida esse fator faz jus à fama que a subida recebe. Pode facilmente entrar na
lista das mais difíceis de toda a Cordilheira dos Andes.
Não demorou muito e comecei a
deparar-me com as primeiras obras na estrada. Mais tarde descobri que se
tratava da construção gigantesca daquele que será o túnel mais extenso da
América Latina. Sua construção começou em 2004 e a previsão para sua conclusão
é final de 2013. O objetivo é melhorar o trânsito pela rodovia 40 que liga
Bogotá à Cali e também ao Pacífico. Não sei o real andamento das obras,
aparentemente acho muito difícil que tudo esteja pronto até o ano que vem. Mas
sem dúvida é uma construção audaciosa.
A imensa obra em execução da região.
Calarcá e Armenia ao fundo.
In foco.
As futuras pontes que farão a ligação com o imenso túnel que também está em construção.
A quilometragem passou aos poucos
e cheguei aos céus mais uma vez na viagem. O tempo fechou e a neblina apareceu
em determinados trechos. Apesar do trajeto complicado eu não cheguei à exaustão,
mas minha bunda ficava cada vez mais dolorida. De tempos em tempos eu tinha que
fazer uma pausa para aliviar a situação e poder seguir em frente. Claro que
aproveitava esses momentos e degustava as bolachas que ainda restavam. Ainda
bem que as galletas rellenas
proporcionam uma energia extra. Porque não foi fácil completar os quilômetros
finais.
A última parte da La Linea é a
mais extrema de todas. Em algumas curvas eu tinha que pedalar em pé para poder
vencer a inclinação. O trajeto é tão sinistro que em determinadas áreas existe
o alargamento da pista para que os caminhões maiores consigam realizar a curva.
Mas tem horas que isso não é possível e acidentes parecem não serem raros.
Encontrei um caminhão que perdeu a direção em uma curva durante a descida e a
sorte foi que o motorista jogou o veículo no sentido contrário ao barranco.
A inclinação que às vezes chega aos 13%.
Se não bastasse todo o relevo
insano, a estrada também está relativamente precária em certas partes em razão
das fortes chuvas ocorridas em 2011. Degraus na pista e sinais de
desmoronamento ainda são encontrados pelo caminho. Mas isso deve ser um
problema maior para os motoristas, porque não chega a ser um obstáculo grande
para quem pedala a 5-6 km/h. Certamente o contrário acontece para quem faz o
sentido inverso.
In foco.
Essa subida é daquelas que parece
não acabar nunca. E eu desejava chegar ao topo o quanto antes para não precisar
pedalar pela descida na escuridão. Mas infelizmente isso não foi possível e os
últimos cinco e intermináveis quilômetros foram concluídos já no período da
noite. Liguei a lanterna traseira no modo intermitente para chamar a atenção e
o farol dianteiro para iluminar meu caminho.
Subida que fica para trás
Depois da Islandia, passei também no Alaska.
Com exatos 23 km de subida desde
Calarcá eu chegava ao topo da montanha às 19 horas. Foram necessárias cinco
horas para concluir essa distância. Isso indica o grau de dificuldade para
vencer a tal Linea. Vale ressaltar que durante a subida quase não se encontra
nada além de algumas casas à beira da estrada onde geralmente tem uma pequena
barraca que além das bebidas, deve servir algum salgado.
No final da subida. Mais uma etapa superada. La Linea conquistada.
No final da subida havia o que
parecia ser um bar anexo a uma borracharia, mas nem de longe poderia servir para
um acampamento. Sem hospedagem à vista a solução foi colocar o corta-vento e
começar a descida no escuro. Afinal estava frio e com a velocidade maior a
temperatura despencaria ainda mais.
Chegar ao cume de uma montanha como
esta merece algo especial. A minha comemoração foi tentar curtir a descida que
é longa, muito longa. O declive não é ininterrupto, mas os próximos 60 km seriam
praticamente montanha abaixo. Claro que eu não tinha a pretensão de
completa-los naquele horário. Meu objetivo era chegar à cidade de Cajamarca.
Para concluir essa última etapa eu deveria descer aproximadamente 20
quilômetros.
A descida foi pedalada com
extrema atenção porque além da escuridão o tráfego continuou tenso e a estrada
também apresentava trechos de buracos e degraus no asfalto. Assim o trajeto foi
mais demorado do que o normalmente costuma ser. A velocidade baixa era uma
medida de precaução e respeito pela montanha.
Por vários quilômetros a única
coisa que eu enxergava no horizonte eram as luzes dos veículos que serpenteavam
a montanha. Nenhum sinal de civilização. O que começou a aparecer foi a chuva
que àquela altura não era nada bem-vinda. Por sorte ficou restrita apenas a um
leve chuvisco.
Durante o declive presenciei mais
um acidente que muito provavelmente havia ocorrido a pouco tempo. Diferente do
acidente anterior, tudo levava a crer que o motorista não teve a mesma sorte
por que a frente do caminhão estava completamente destruída. Tinha um pessoal
ao redor do veículo, mas não parei porque eu precisava chegar à cidade antes da
chuva.
Com aproximadamente 20
quilômetros de descida, finalmente apareceu algumas luzes, mas ainda não era a
cidade. Tratava-se de um pequeno pedágio por onde passei rapidamente. A sorte é
que pouco tempo depois e quase na área urbana de Cajamarca, surgiu um
restaurante onde também funcionava um hotel no piso superior. Não pensei duas
vezes para estacionar a bicicleta e conferir o preço da diária.
A hospedagem não tem nome, mas é
a primeira depois do pedágio, muito fácil de identifica-la. A diária saiu por
15 mil pesos, valor que infelizmente é padrão dos locais mais econômicos aqui
na Colômbia. O quarto tinha banheiro privado (água fria) e televisão a cabo. O
lugar é confortável e para descansar por uma noite é mais do que o suficiente.
Antes mesmo de tomar banho desci
ao restaurante e fui jantar, estava com bastante fome e precisava repor as
energias que a montanha havia me levado. No local tinha dois homens que
começaram a puxar conversa comigo. Ficaram bem curiosos com a viagem e o diálogo
foi longo até as refeições serem servidas. No final fui surpreendido porque um
deles acabou por pagar meu jantar. Claro que não fiquei sem agradecer. Para mim
aquele era um presente por ter vencido toda a La Linea.
Após a janta voltei ao quarto e
tomei um banho bem rápido porque a água estava bastante gelada. Na sequencia vi
um pouco de televisão e finalmente fui descansar. Entre mortos, feridos,
subidas e descidas, Victoria e eu saímos ilesos.
Dia finalizado com 91,99 km em
9h38m e velocidade média de 9,53 km/h.
22/12/2012 - 167° dia - Cajamarca
a Melgar
Descidaaaa! De volta às baixas
altitudes.
Não precisava sair cedo para
pedalar porque o dia prometia ser relativamente fácil no que diz respeito ao
relevo. Uma longa descida até a cidade de Ibagué e depois mais um bom trecho
plano. Com isso fui sair da hospedagem somente por volta das 8 horas da manhã.
Após uma noite chuvosa o tempo estava aberto e a temperatura agradável para
pedalar.
Logo após Cajamarca a descida foi
marcante nos quilômetros seguintes e o avanço ocorreu rapidamente para a minha
felicidade. Quase não tirei fotos do vale porque resolvi apenas aproveitar o
momento e o vento na cara. O movimento no sentido contrário continuava intenso
e precisei somente pedalar com atenção para seguir com segurança.
Descida sentido ao perimetro urbano de Cajamarca.
Deixei a bermuda de lado e voltei
a utilizar a calça, isso porque o sol castiga demais as pernas e haja filtro
solar para dar conta de tamanha proteção. Sem falar que a bermuda não foi tão
confortável como eu imaginava. Acho que a minha bunda precisa mesmo é de folga
da pedalada para voltar ao normal.
Pouco antes de Ibagué passei a
pedalar pelo departamento de Tolima que me desejou boas vindas apresentando uma
subida inesperada antes de Ibagué. A chegada nesta grande cidade ocorreu depois
de 33 km pedalados. O município é considerado como a “capital musical da
Colômbia”. Os entusiastas por futebol certamente não se esquecem do local que
foi palco da derrota memorável do Corinthians para o Tolima que eliminou o time
da zona leste de São Paulo ainda na primeira fase da Copa Libertadores de 2011.
A saída do perímetro urbano de
Ibagué levou muitos quilômetros, afinal a cidade tem quase 500 mil habitantes,
mas apesar do tamanho, minha passagem pelo local foi sem maiores dificuldades
entre uma subida e outra que aparecia para me presentear com mais declives que
continuavam a predominar pelo caminho.
Depois de sair da capital de
Tolima o trajeto foi simplesmente fantástico, retorno da pista dupla (aqui
chamada de Doble Calzada) e um relevo plano com um leve declínio que aumentou
significativamente a velocidade média. As montanhas passaram a ser minoria no
horizonte e isso era sinal que eu poderia continuar sossegado porque não teria
que enfrentar as longas subidas pelos próximos quilômetros.
Trecho plano após Ibagué.
Árvore de pássaros.
A rodovia também é marcada por
inúmeras barracas à beira da estrada que vendem uma enorme variedade de mangas,
algumas de tamanho absurdo que mais parecem um melão ou algo parecido.
Novamente resisto à tentação e sigo sem parar por estes locais.
As barreiras do exército
continuam e passam a apresentar uma curiosidade. Os soldados acenando aos
motoristas. Foi estranho vê-los a fazer “jóia” a quase todos os veículos que
gentilmente respondiam com buzinas ou gestos. Certamente a medida é alguma
ordem superior, uma vez que esses homens fardados geralmente são mais
“fechados” e sem muita conversa. Talvez essa atitude bacana possa ser apenas
por causa das festividades de final do ano, não sei. De qualquer forma a simpatia
é bem-vinda. Cumprimentaram-me por várias vezes e não causaram nenhuma
obstrução à minha passagem.
Com 68 km pedalados parei em um
restaurante às margens da rodovia. O almoço era oferecido a 5 mil pesos, um preço
razoável. Fui muito bem atendido e o meu pedido de bastante arroz foi realmente
levado a sério. Um prato extra com o referido alimento apareceu na mesa.
Finalmente posso dizer que estava satisfeito com a farta refeição. Novamente
uma jarra de suco foi servida sem custo adicional. Vale a pena pagar dois reais
a mais e ter um almoço relativamente completo.
O trecho após o almoço não mudou
muito e o período da tarde foi marcado por acidentes. Primeiro deparei-me com
uma pequena carreta tombada. A mesma transportava uma piscina que foi
seriamente danificada e certamente proporcionou um grande prejuízo a seus
proprietários. Horas mais tarde eu verifiquei uma movimentação maior no
horizonte e notei a presença de ambulâncias e imediatamente pensei que coisa
boa não era.
Rodovia excelente em direção à Melgar.
De longe era possível observar ambulâncias,
policiais e curiosos presentes. Tirei uma fotografia para ver o que realmente
tinha acontecido e pela lente da câmera identifiquei que um veículo saiu da
rodovia e chocou-se contra uma árvore. Quando passei pelo local infelizmente
notei que uma senhora já se encontrava sem vida. Ao que tudo indica o forte
impacto causou ferimentos na cabeça da mulher, já que esta parte estava com
bastante sangue.
Essa imagem é para chamar atenção mesmo e levar à reflexão.
Novamente eu estava diante de uma
situação delicada, mas desta vez meu sentimento era diferente. Eu fiquei
realmente indignado pela imprudência do(s) motorista(s). Desde o Equador eu
tenho verificado um número cada vez maior de condutores irresponsáveis que
pensam não estarem sujeitos aos acidentes. Velocidades absurdas; ultrapassagem
em locais proibidos e muitas vezes realizada em curvas durante uma subida; e
tantas outras imprudências. Claro que o resultado de tanta indiferença só pode
ser acidentes que não raramente são fatais.
Não sei exatamente o que causou
esse acidente fatal que presenciei, mas tudo indica que foi a velocidade
excedente. A pista duplicada e a longa reta são lugares perfeitos para quem
esquece que o veículo motorizado é uma arma que pode matar. O pior é que muitas
vezes quem perde a vida são aqueles que não têm culpa da irresponsabilidade de
quem jamais deveria ter a permissão para dirigir.
Fiquei pensando na tristeza
daquela família da senhora às vésperas do Natal. Ainda pior é saber que a data
também será marcada por tragédias em tantas outras famílias por causa das
imprudências que acontecem ano após ano pelas estradas de todo o mundo. Acho,
sinceramente, que as pessoas estão cada vez mais impacientes e descarregam esse
estresse do dia-a-dia na estrada.
Cansei de ver carros, motos e
caminhões em velocidades inimagináveis e tantas outras condutas suicidas.
Esquecem que podem tirar a vida de inúmeras pessoas inocentes e acabar com a
sua própria vida e deixar feridas abertas em suas respectivas famílias. Estou
convencido que o ser humano está cada vez mais ganancioso e com uma busca
incontrolável por poder. Querem sempre mais e simplesmente não sabem o que
fazer com aquilo que possuem.
As pessoas hoje em dia têm casas
enormes e confortáveis onde passam cada vez menos tempo porque estão em seus
insuportáveis trabalhados na pretensão de conseguir mais dinheiro para ter
coisas que não sabem usufruir. Procuram comprar carros do ano e cada vez mais
potentes para se locomoverem apenas ao trabalho ou no máximo a uma viagem de
férias no final do ano que pode acabar tragicamente. Atualmente as pessoas
fazem mil coisas ao mesmo tempo, mas infelizmente esquecem-se de refletir sobre
a vida que levam.
As coisas são simples e nós,
seres humanos, insistimos em complica-las o máximo possível. Se quiser ter
carro, casa e tantas outras coisas que julga ser “indispensável”, que ao menos
você saiba o que realmente pretende com elas. E que o seu desejo não implique
em acabar com a vida de ninguém. Fica o desabafo! Reflita!
Após o acidente eu continuei e
fiquei a pensar na estrada como um campo de guerra e que se as coisas piorarem
ficará cada vez mais difícil para praticar cicloturismo com a devida segurança.
Por isso que não devemos nos cansar de conscientizar as pessoas para uma convivência
realmente harmônica no trânsito e todas as demais áreas.
Apesar dos pesares, avancei em
direção à Bogotá, a capital era a referência para eu identificar o caminho
correto. Novamente meu objetivo no dia era pedalar mais de cem quilômetros e
com a marca alcançada eu deveria decidir em qual cidade parar. Resolvi encerrar
o pedal na cidade estratégica de Melgar. Seria o local ideal para descansar
antes de começar a subida com mais de 60 km sentido Bogotá.
A chegada em Melgar, localizada a
300 metros de altitude, aconteceu por volta das 17 horas. No horizonte já era
possível visualizar as montanhas que seriam encaradas no dia seguinte. No
momento eu precisava apenas encontrar uma hospedagem para passar a noite. Por
isso me encaminhei ao centro e comecei uma longa jornada em busca de um lugar
realmente econômico.
Chegada à Melgar. Montanhas ao fundo aguardavam minha visita.
O problema de encontrar
hospedagem barata em Melgar ocorreu por uma série de fatores. A baixa altitude
somada à nova estação do ano elevou a temperatura em plena temporada. Esta época
de férias e festividades de final de ano acaba por lotar a maioria dos hotéis
da cidade que oferecem piscina e outras comodidades. Claro que isso eleva a
diária e nenhuma era menor que 30 mil pesos. Pesquisei dezenas (sem
brincadeira!) de lugares e não encontrei nenhuma barbada. Não era possível que
uma cidade mediana não tivesse um local mais econômico.
Na região da praça principal eu
perguntei a um homem na rua sobre uma hospedagem realmente barata e após pensar
um pouco ele disse que a única era a Hospedaje El Escorpión. Ficava a três
quadras de onde nos encontrávamos. Agradeci pela informação e fui conferir o
local. Achar o hotel foi fácil, está localizado na Carrera 31, n° 4-71, Bairro
Sicomoro. Difícil foi encontrar o proprietário. O lugar estava fechado e os
vizinhos disseram que logo o dono estaria de volta. Esperei.
Esperei por aproximadamente vinte
minutos e o dono da hospedagem não apareceu. A vizinha então recomendou que eu
fosse até o hotel da outra rua. Sem muita opção segui sua recomendação, mas o
lugar estava lotado. Então voltei ao El Escorpión e finalmente encontrei o
portão aberto. Entrei e ao perguntar o preço, finalmente uma resposta
animadora. A diária custava 15 mil pesos. Não pensei duas vezes em permanecer
no local.
As habitações no El Escorpión são
simples, mas suficientes para descansar por uma ou duas noites. O banheiro é
compartilhado e devidamente limpo. Pelo custo x beneficio o lugar é uma
verdadeira barbada. Recomendo!
Tomei um banho e pela primeira
vez a água gelada foi bem-vinda porque realmente a temperatura estava elevada.
O calor justifica o ventilador no quarto. O mesmo ficou ligado o tempo todo
para refrescar o ambiente.
De noite fui ao centro para
comprar meus mantimentos básicos. No supermercado aproveitei para comprar
rapadura e água mineral já que nos últimos dias foi difícil encontrar o liquido
sagrado com boa qualidade. A opção mais barata sem dúvida é a bolsa de água.
Uma sacola devidamente lacrada. 6 litros de água custaram cerca de 2 reais.
Com as mãos carregadas de sacola
fui caminhar no centro em busca de restaurante. Felizmente não faltam opções e
rapidamente encontrei um local onde recarreguei as energias. Cardápio e preço
básicos. Na volta à hospedagem passei em uma lan house para conferir mais uma
vez a altimetria do trajeto do dia seguinte.
Já na hospedagem a única coisa a
fazer foi tirar a roupa e dormir somente de cueca devido ao calor que continuava
mesmo àquela hora da noite.
Dia finalizado com 125,46 km em
7h45m e velocidade média de 16,16 km/h.
23/12/2012 - 168° dia - Melgar a
Granada
Chuva, subidas e guincho.
A noite foi tranquila e acordei
às 4 horas da madrugada porque a intenção era sair às 5h30m para encarar a
subida com mais de 60 quilômetros. Eu não tinha conhecimento sobre sua real
inclinação e para não ser totalmente surpreendido, achei melhor sair cedo,
assim, independente do nível de dificuldade eu tinha a possibilidade de vencer,
em um dia, o maior aclive de toda a viagem.
Mas nem tudo ocorre como a gente
planeja. Acordei e notei que a chuva amenizava a temperatura elevada. Sair com
chuva no horário previsto não era uma boa estratégia, sobretudo, para encarar
uma forte e longa subida. Por isso voltei a dormir. Levantei pouco depois das 6
horas e ainda continuava a cair água. Cogitei permanecer mais um dia na cidade,
mas a vontade de chegar à Bogotá era maior e tratei de arrumar as coisas e
assim que a chuva desse uma trégua eu partiria.
Fui sair da hospedagem em Melgar
apenas por volta das 8 horas. As nuvens ainda estavam carregadas, mas no
momento da partida somente chuviscava. A condição climática era ideal para
subir. Seria menos sacrificante do que enfrentar o trajeto sob um calor
infernal. Dos males o menor.
O proprietário da hospedagem me
passou algumas informações sobre o trajeto, ambas foram recebidas com
desconfiança. A primeira noticia é que a subida de verdade começava apenas 15
quilômetros depois de Melgar, algo que não era compatível com a altimetria
analisada na internet. Também fui informado que haveria um túnel em que era
proibida a passagem de bicicleta. Questionei se havia policiamento no local e a
resposta foi que apenas câmeras monitoravam a área. Achei que isso não
implicava em um obstáculo para percorrê-lo.
Os primeiros quilômetros
realmente foram tranquilos e a subida era quase imperceptível. Com dez
quilômetros apareceram as placas que indicavam a presença do túnel e que era
proibido a passagem de bicicletas, pedestres e animais. Avancei um pouco e
notei que um soldado estava na entrada do túnel. Parei, liguei a lanterna e o
farol e continuei em frente. Quando eu adentrava no local fui advertido por um
funcionário da concessionária responsável pela rodovia.
Acredite, isso é uma subida.
O funcionário mencionou que eu
não poderia seguir. Argumentei que estava com todos os equipamentos de
segurança, mas de nada adiantou. Perguntei como passaria pelo túnel e ele disse
que eu deveria pegar um ônibus ou caminhonete. Santa misericórdia! Eu ficava a imaginar
o trabalho que isso resultaria.
A sorte está ao meu lado. Já que
eu não poderia seguir pelo túnel em razão da falta de segurança eu tive que
aguardar um veículo que realizasse a travessia. Para a minha felicidade dois
minutos depois apareceu um guincho que ao sinal do funcionário estacionou ao
nosso lado. O motorista foi questionado se poderia me levar e não impôs nenhum
impedimento. Assim, o funcionário me ajudou a colocar a Victoria no guincho e
na sequencia embarquei na cabine.
O proprietário da hospedagem em
Melgar mencionou que o túnel tinha 6 km de extensão. Já o motorista do guincho
disse que tinha 8 km. Mas o trajeto no caminhão passou rápido demais para uma
distância de 8 km. Literalmente com a luz no fim do túnel o motorista me
perguntou se eu gostaria de uma carona até o próximo povoado. Agradeci, mas solicitei
que me deixasse no final do túnel mesmo. O objetivo da minha viagem é pedalar
sempre que possível.
Desembarquei a Victoria e no
local conversei com um soldado que informou com muita precisão que a obra tinha
4,2 km de extensão. Distância que me pareceu verdadeira. Então se você passar
pela região fique ciente que não é possível atravessar de bicicleta pelo túnel.
Medida que é bastante compreensível porque a passagem subterrânea não reserva
nenhum espaço para a circulação de bicicletas. O tamanho limitado da rodovia no
interior do túnel e o trânsito intenso tornam o deslocamento sobre duas rodas
extremamente perigoso.
Após o túnel coloquei minha
jaqueta impermeável porque a chuva voltou a ficar forte. Na sequencia apareceu
uma pequena descida que levou à divisa entre os departamentos de Tolima e
Cundinamarca. O limite territorial é caracterizado pela ponte sobre o Rio
Sumapaz. O novo departamento me desejou as boas vindas com o início da subida
forte.
O movimento na estrada mais uma
vez era intenso e o congestionamento no sentido contrário àquele que eu me
deslocava proporcionou que os motoristas acompanhassem meu esforço durante a
subida e o tempo chuvoso. Novamente recebi vários incentivos e sem dúvida isso
me motivou ainda mais. Eu estava tranquilo e muito bem psicologicamente.
Continuei o pedal pela rodovia simples e sem acostamento e avançava conforme
era possível.
A temperatura corporal aumentou
por causa do esforço e fui obrigado a tirar a jaqueta, mas neste momento a
chuva era fraca e certamente molharia menos do que a minha transpiração. A
subida neste trecho é mais íngreme e repleta de curvas, contudo, esse cenário
não permanece por muito tempo e logo um “falso plano” prevalece e ameniza a
situação. Durante o caminho surgem povoados que oferecem uma boa estrutura para
quem necessitar de hospedagem, mercados ou restaurantes. Fica a dica!
O aclive pode não ser íngreme,
mas a sua extensão torna a pedalada cansativa. Não tirei muitas fotos, mas o
cenário era típico das altitudes elevadas, montanhas altas e encobertas de
nuvens ao redor.
Cenário na metade do caminho.
Homenagem ao ciclista em Fusagasuga.
O pedal começou tarde e por isso
eu já não cogitava mais chegar à Bogotá no mesmo dia. Não estava disposto a
encarar a capital colombiana de noite, como fiz em Lima. É melhor não abusar da
sorte, afinal, Bogotá tem uma população que se aproxima dos dez milhões de
habitantes. Com isso eu resolvi que avançaria o máximo possível e finalizaria o
dia por volta das seis horas da tarde em alguma cidade ou povoado pelo caminho.
Meu almoço aconteceu por volta
das 14 horas porque ao meio dia eu encontrei apenas restaurantes caros onde a
refeição estava a 8 mil pesos. Pensei que poderia achar algo mais em conta, mas
a estratégia não foi bem sucedida. Demorou em aparecer outros estabelecimentos
e quando apareceu o almoço custava 9 mil pesos. Eu estava com fome e tive que
desembolsar uma grana extra. Pelo preço a refeição poderia estar mais bem
caprichada. Paciência!
De volta à estrada a subida
continuou como já era esperada, contudo, passou da quilometragem que estava
anunciada nas minhas anotações. Perguntei para algumas pessoas quando a subida
terminaria e as respostas mais concisas foram desanimadoras. O aclive
permaneceria até o quilômetro 102 da rodovia 40, ou seja, ainda faltavam quase
20 quilômetros montanha acima para terminar mais essa difícil etapa. A canseira
era aparente, mas ainda assim eu continuava pedalando.
Passei por Silvania e a
inclinação começou a ficar mais acentuada. A rodovia mescla trechos com pista
simples e duplicada. Acostamento também não é permanente e determinados
momentos é preciso redobrar a atenção.
Pensei que Subia, uma pequena
cidade, seria meu ponto de descanso, segundo informações havia hospedagem onde
eu poderia descansar para completar a subida no dia seguinte. Criei certa
expectativa para chegar ao lugar e quando isso finalmente aconteceu me
decepcionei porque os dois hotéis eram mais caros do que estou acostumado a
pagar. Apesar da canseira resolvi continuar a subida e buscar algo mais
econômico.
Se não me engano fui obrigado a
pedalar mais 6 km de subida após a pequena Subia até encontrar no povoado de
Granada (quilômetro 95) uma hospedagem economicamente mais acessível. A diária
custou 17 mil pesos no Hotel Los Balcones. O diferencial era o chuveiro com
água quente no banheiro privado. Mas na hora que fui tomar banho a água não
esquentou. Paciência! Depois fui jantar no restaurante ao lado e novamente na
hospedagem assisti a um filme na televisão (canal paraguaio) e depois capotei
na cama.
Dia finalizado com 66,86 km em
7h40m e velocidade média de 8,71 km/h.
24/12/2012 - 169° dia - Granada a
Bogotá
Finalmente em Bogotá!
Após outra noite tranquila,
preparei meu desayuno, arrumei minhas coisas e às 7h30m estava de volta à estrada
para completar o último trecho para chegar à capital colombiana.
Ao contrário do dia anterior, o
tempo estava bonito e o sol brilhava forte nas primeiras horas da manhã. A
temperatura estava mais elevada, contudo, ainda era agradável mesmo com a
subida que restava. O aclive final durou 8 quilômetros e terminou logo após o
quilômetro 102 da rodovia 40 quando apareceu o Alto de las Rosas, o ponto mais
alto da subida que praticamente foi de 74 km se considerarmos a saída de Melgar
e sem contabilizar os 4 km do túnel. Não é à toa que eu quero sair logo da
Cordilheira. É subida demais da conta.
Nada como iniciar o dia nas alturas.
A modernidade chegou às placas de trânsito.
Últimos quilômetros de subida.
Finalmente chega ao fim a mais extensa subida da viagem.
Chegar ao Alto de las Rosas foi
sinônimo de felicidade e mais uma vitória conquistada. E o trecho restante para
chegar à Bogotá seria realizado em maior parte por descida. Então eu tinha mais
é que comemorar mesmo. Para isso nada melhor do que degustar uma bolacha
recheada com água. A simplicidade nos momentos simples é a essência da
felicidade. Experimente você também.
Não demorou muito e já estava em
Soacha, cidade da região metropolitana de Bogotá. O trânsito ficou cada vez
mais intenso na medida em que me aproximava da capital. Apesar de todo o
tumulto do emaranhado de veículos meu avanço era realizado sem maiores
problemas.
Pela quilometragem mostrada no
velocímetro tudo indicava que eu já estava no local desejado. Perguntei a um
motorista e ele confirmou que eu já me encontrava em território bogotano. No
entanto, eu deveria pedalar mais 20 quilômetros pela Autopista Norte para
chegar à região central.
Bogotá é referência na América
Latina no que diz respeito à estrutura cicloviária. E eu não demorei em
visualizar e andar pelas ciclovias que estão por todas as partes, assim como os
ciclistas que por elas transitam. É simplesmente impressionante o número de
pessoas que utilizam a bicicleta como meio de transporte na cidade. Não
precisei de meia hora para encontrar centenas deles. É bonito de ver como um
município pode incentivar a utilização de um transporte alternativo.
Bogotá e sua estrutura cicloviária.
Ciclovias bem sinalizadas.
Detalhe para a preocupação com a sinalização.
A ciclovia possibilitou avançar
com mais tranquilidade em direção ao centro. Para não pegar nenhum caminho
errado sempre perguntava se estava no sentido correto. Em um destes momentos um
ciclista aproxima e se oferece para me acompanhar até a região central que
também era seu destino. Jorge era seu nome, um senhor de setenta anos muito
simpático e bastante comunicativo. Durante o caminho conversamos sobre as mais
variadas temáticas. Inclusive ele cantou uma música do Roberto Carlos e mostrou
ser um grande admirador do Pelé.
Pelas ruas é perceptível o respeito
que existe entre motorista, ciclista e pedestre. Claro que nem tudo são flores,
mas é inevitável não notar que o trânsito está acostumado com essa relação.
Vale ressaltar a qualidade em que estão as ciclovias, muito bem sinalizadas e a
maioria com a pavimentação em bom estado de conservação.
A maior parte do trecho até o
centro foi realizada pelas ciclovias, um e outro quilômetro que precisamos
dividir espaço com os veículos. Quando aparecia uma subida o Jorge disparava na
frente e mostrava que estava com um bom condicionamento físico para a sua idade.
Segundo ele, pedala desde que era criança e a bicicleta é seu principal meio de
transporte. Se eu chegar aos setenta anos com toda aquela energia estarei mais
do que satisfeito.
As ruas e avenidas da capital
também são denominadas por números e isso acaba por facilitar a localização.
Jorge me acompanhou até a Carrera 7, uma das principais da região central. Na
hora da despedida o “velhinho” me deu um abraço de avô que me deixou
emocionado. Certamente Jorge é uma daquelas pessoas mais do que especiais que
aparecem para deixar a viagem inesquecível. Agradeci sua imensa e espontânea
ajuda e comecei a minha procura por hospedagem.
Jorge e eu no centro da capital colombiana.
Eu precisava encontrar um lugar
barato para ficar três ou quatro dias na capital colombiana. Seria o suficiente
para conhecer seu centro histórico, lavar as roupas, atualizar o diário de
bordo e, sobretudo, descansar. A região é tomada por policiais que garantem a
segurança daquela que já foi uma das cidades mais violentas da América do Sul. Perguntei
a um policial onde eu poderia achar uma hospedagem econômica, ele então pediu
ajuda a um homem que estava próximo que me recomendou procurar pela Carrera 8.
Fui conferir.
Na Carrera 8 pesquisei em um
hotel, mas a diária mais barata custava 30 mil pesos, cara demais para o meu
padrão. Mas a sorte continua ao meu lado. Um rapaz na frente deste hotel me
indicou uma hospedagem na Calle 16 esquina com a Carrera 8, ou seja, bem
próximo de onde eu estava. A área é um verdadeiro calçadão tomado por inúmeros
vendedores ambulantes que vendem, sobretudo, livros. Inclusive a maioria das
lojas nessa área da 16 é dedicada a esse ramo.
Achei facilmente a Hospedaje
Paisa. O local fica no segundo andar de um antigo prédio. Pedi para uma
vendedora cuidar da Victoria por um minuto enquanto eu perguntava sobre o preço
da diária. A pessoa que me atendeu disse que a habitação mais econômica, sem
banheiro privado, custava 15 mil pesos. O quarto me pareceu confortável e ainda
havia televisão a cabo para poder garimpar alguma programação interessante.
Achei que valia a pena permanecer no alojamento familiar.
Tirei toda a bagagem da Victoria
e comecei a leva-la para o quarto. Depois tomei um banho e fui procurar um
lugar para almoçar, para a minha alegria achei um restaurante embaixo da
hospedagem onde a refeição estava relativamente barata e saborosa. Na sequencia
fui caminhar um pouco pelo centro para sentir o clima do lugar. Cheguei até a
famosa Plaza Bolívar e aproveitei que tinha um supermercado para comprar algumas
coisas para os próximos dias.
A parte que mais chama minha
atenção nas capitais sul-americanas é sem dúvida o centro histórico. Todavia, a
área de construções antigas e que compreende museus, igrejas e casarões
coloniais está mais concentrada no bairro da Candelária, que por sua vez, fica
próximo da Plaza Bolívar. Mas achei melhor conhece-lo somente no dia seguinte.
Por isso, depois que fui às compras resolvi voltar à hospedagem.
O centro de Bogotá não se
diferencia muito daqueles das grandes capitais, contudo, o que continua a se
destacar é o sistema cicloviário que também está presente na região. É possível
encontrar ciclistas de todas as idades e classes sociais nos espaços reservados
à sua circulação. Uma observação constatada é que a maioria utiliza capacete. Sem
dúvida a cidade é a mais avançada da América do Sul quando o assunto é a
utilização da bicicleta como mobilidade urbana.
Tentei achar uma lavanderia para
ver se ficava muito caro a limpeza das minhas roupas, mas a única que encontrei
estava fechada. Não posso reclamar, era véspera de Natal. Aproveitei e fui a
uma lan house para ver se meu contato de Bogotá havia respondido sobre uma
possível hospedagem em sua residência. Infelizmente não tinha nenhum retorno,
contudo, tive uma surpresa realmente inesperada.
O cicloturista colombiano
Alejandro Castelblanco (http://travesiadelosandes.blogspot.com)
que recentemente também começou sua viagem em Foz do Iguaçu já estava em Bogotá
porque teve que abortar temporariamente a expedição em Cusco/Peru. Ele então me
mandou uma mensagem em que oferecia hospitalidade em sua casa pelo tempo
necessário. Como ele não estava online, expliquei onde estava hospedado e que
aceitava seu convite, contudo, não tinha a menor idéia de onde ficava sua casa.
Então deixei uma mensagem dizendo que entraria em contato para ter maiores
detalhes de como chegar na residência.
No final da tarde entreguei as
roupas sujas para serem lavadas pelo pessoal da hospedagem que também oferecia
serviço de lavanderia. Na sequencia preparei o café da tarde e comecei a ver um
pouco de televisão, mas não demorou muito e o sossego foi quebrado pelo som
ligado em um volume absurdo. Começava a festividade natalina da família da hospedagem.
Eu já havia decidido que a minha ceia seria meu jantar com pão e geléia e assim
se sucedeu.
A festa e todo o barulho
insuportável na Hospedaje Paisa continuaram
no período da noite e se estendeu praticamente por toda a madrugada. Foi quase
impossível dormir. Acho que o som foi desligado por volta das 5 horas da manhã,
horário que eu pude realmente descansar um pouco. A minha paciência é testada
de todas as formas. Tenho merecido o prêmio Nobel da Paz.
Dia finalizado com 42,76 km em
3h50m e velocidade média de 11,14 km/h.
25/12/2012 - 170° dia - Bogotá
(Folga)
Natal! Depois da tempestade
(sonora) vem a bonança. Jamais perca a esperança de dias melhores.
Depois de poucas horas de sono, acordei
e levantei às 7 horas da manhã, tomei meu desayuno, fiz uma leitura no guia,
peguei a câmera fotográfica e me direcionei ao centro e o bairro da Candelária.
Na saída da hospedagem fui surpreendido pelo proprietário que estupidamente me
advertiu que estava tudo fechado, afinal era Natal, e que somente os ladrões
estavam nas ruas. Que exagero! Eu não precisava dar nenhuma satisfação, mas
educadamente disse que estava indo para a Plaza Bolivar e agradeci pela sua
“preocupação”.
As ruas estavam praticamente
vazias e poucas pessoas circulavam pelo centro, todavia, era possível ver
inúmeros policiais nas principais avenidas. A Plaza Bolívar não está localizada
longe da hospedagem e precisei caminhar pouco para chegar ao local onde está
concentrada a Catedral, Capitólio (Congresso), Prefeitura e o Palácio da
Justiça. De todos esses prédios o que mais chama atenção é o Capitólio com seu
tamanho e arquitetura de influência britânica.
Plaza Bolívar
Prédio da prefeitura com arquitetura francesa.
Capitólio
Estátua do libertador Simón Bolívar.
Capitólio de outro ângulo.
Catedral e os enfeites natalinos na Plaza Bolívar.
Ciclistas ao lado da Plaza Bolívia e Catedral.
Catedral
Pelas ruas na região do Palácio Presidencial.
De milho à melancia.
No centro da praça há uma estátua
de Simon Bolívar que dizem ser a primeira construída em sua homenagem.
Atualmente a praça está repleta de enfeites natalinos que sinceramente não
embelezaram em nada o local. Talvez durante a noite a iluminação deixe o
ambiente mais interessante, não sei.
Após a passagem pela praça
continuei a caminhada para o Palácio Presidencial, também conhecido como Palácio
de Nariño. Fica atrás do Capitólio e sem dúvida é o Palácio Presidencial menos acessível daqueles conhecidos na América
do Sul até o prezado momento. É cercado por inúmeros policiais e soldados que
não permitem nem mesmo a caminhada na calçada lateral do prédio, este, por sua
vez, é cercado por grades que impedem o registro fotográfico de um ângulo
melhor. Paciência!
Templo de San Agustin
Palácio Presidencial
Ao lado do Palácio Nariño. Aqui não é permitido caminhar na calçada.
Palácio Presidencial.
Segurança presidencial.
Volta ao passado na área da Plaza Bolívar
O policiamento ostensivo ao redor
do Palácio Presidencial não despertou meu interesse em ficar muito tempo no
local. Minha caminhada foi direcionada ao bairro Candelária que fica ao lado do
Palácio Nariño. Sem dúvida a Candelária é um dos lugares imperdíveis para se
conhecer na capital. Reúne vários prédios antigos de arquitetura colonial bem
ao estilo que eu mais admiro. Infelizmente nem todos os casarões estão
preservados, mas ainda assim é possível observar os espetaculares detalhes das
construções centenárias.
Bairro da Candelária.
In foco.
Registro garantido.
Teatro Colón à esquerda.
Jardim de uma das construções antigas.
Yo!
Carrera 7 exclusiva para pedestres e ciclistas em determinadas quadras.
Será que tem pouco policial?
Entre as igrejas eu optei por
visitar a San Francisco. O guia Viajante Independente destacava seu teto em
madeira. Aproveitei que uma missa especial de Natal acontecia e entrei para
também acompanha-la. Aos deuses eu apenas agradeci pela minha viagem que tem
ocorrido da melhor forma possível e sem maiores problemas. O templo religioso é
simples e com altares laterais incrivelmente construídos em madeira, assim como
parte do teto. Destaque também para as bicicletas. Encontrei algumas
estacionadas no interior da igreja enquanto seus respectivos proprietários
assistiam a missa. Coisas que somente se encontra em Bogotá.
Iglesia San Francisco. A mais antiga da cidade.
Universidad del Rosario
Quando a missa terminou a chuva
pegou todos de surpresa. O tempo havia fechado repentinamente. Eu não estava
disposto a esperar a chuva passar e comecei a caminhar assim mesmo. O comércio
praticamente se encontrava todo fechado. Andei bastante para encontrar um
restaurante aberto. O que estava de portas abertas infelizmente não servia o
menu tradicional no momento. Entre as opções disponíveis pedi um prato de arroz
com ovo frito. Eu sabia que não seria o suficiente para saciar minha fome, mas
era melhor do que nada.
O transporte articulado é inspirado em Curitiba e Quito.
Tentei encontrar um lugar para
telefonar para minha mãe e desejar um feliz natal, mas também não achei nada. Também
fiquei sem acesso à internet para saber se o Alejandro havia respondido alguma
coisa sobre a hospitalidade. Voltei para a hospedagem debaixo de chuva mesmo.
No local a festa da madrugada voltara a continuar para a minha infelicidade.
Procurei escrever o diário de bordo mesmo com aquele barulho e enquanto buscava
me concentrar o máximo possível, alguém bate na porta.
O proprietário mencionou que
tinha um ciclista chamado Alejandro que estava me procurando. O camarada
colombiano conseguiu achar a hospedagem e foi à minha procura para me levar até
a casa da sua família. Era uma forma de retribuir a hospitalidade que recebeu
pelos amigos brasileiros durante sua viagem de bicicleta pela América do Sul em
um roteiro que foi bem parecido com o meu, inclusive, com a saída de Foz do
Iguaçu.
Alejandro estudou um ano no
Brasil (Rio Grande do Sul) e fala muito bem português, nossa conversa acabou
por acontecer no idioma brasileiro que há tempos eu não praticava. Assim eu
pude entender perfeitamente que ele realmente me convidava para ir à sua casa
naquele momento. Felizmente eu estava de partida daquele local que no final das
contas mostrou-se nada aconchegante.
Arrumei minhas coisas, peguei a
Victoria e avisei ao proprietário que voltava no dia seguinte para apanhar as
roupas que ficaram para lavar. Como ainda não havia expirado minha diária não
precisei pagar um dia a mais. Que maravilha! Sem dúvida meu presente de natal
foi a transferência para a casa do anfitrião colombiano.
A casa do Alejandro ficava a 50
quadras de onde eu estava hospedado, mas com a ciclovia e o trânsito
praticamente inexistente o percurso foi realizado tranquilamente. Durante o
caminho recebi várias informações sobre a cidade, incluindo lugares que seriam
interessantes de realizar uma visita.
Igreja Nossa Senhora de Lurdes
In foco.
Na residência do Alejandro fui
muitíssimo bem recebido por sua família. Desde os primeiros momentos me senti à
vontade. Há meses eu não ficava na casa de uma família. E sem dúvida o ambiente
acolhedor fez toda a diferença para que meu Natal não se limitasse à solidão de
um quarto de hotel. Muito obrigado pela receptividade, família Castelblanco.
Devidamente alojado ainda tive um
almoço de verdade e acesso à internet para tentar contatar a família e desejar
feliz natal. Infelizmente não tive tempo suficiente para fazer o mesmo em
relação aos meus amigos, mas fiquem cientes que em nenhum momento eu deixei de
lembrar aqueles que eu sei que verdadeiramente estão ao meu lado, mesmo à
distância.
Passarei o ano novo aqui em
Bogotá e no dia 2 de janeiro voltarei às estrada em direção à Medellin (última
subida dos Andes) e posteriormente ao Caribe Colombiano, mais especificamente
Cartagena e Santa Marta, depois finalmente atravesso a fronteira para a
Venezuela.
Dia finalizado com 6,75 km em
0h36m e velocidade média de 11,02 km/h.
26/12/2012 - 171° dia - Bogotá
(Folga)
Acordei por volta das 8 horas da
manhã. Fazia muito tempo que não dormia tanto, sinal que meu corpo precisava mesmo
de uma boa noite de sono.
Aproveitei o tempo livre e
comecei a atualização do diário de bordo que desta vez vai levar um bom tempo
para ser concluído em razão dos vários dias que precisam ser relatados.
No período da tarde fui sozinho buscar
minhas roupas lavadas na Hospedaje Paisan. Pensei seria uma aventura me
locomover pelas ruas de Bogotá, mas as ciclovias facilitam muito o deslocamento
e consegui fazer o trajeto sem nenhum problema.
Assim que voltei para a casa do
anfitrião procurei lavar as meias e cuecas. Também não hesitei em deixar meu
tênis limpo. Não sei quando terei outra oportunidade para deixa-lo novamente em
bom estado. Antes de voltar à estrada ainda quero limpar a Victoria que está
sem um banho caprichado desde Oruro na Bolívia, ou seja, passou da hora de
receber uma atenção especial.
Dia finalizado com 11,01 km em
0h58m e velocidade média de 11,23 km/h.
27/12/2012 - 172° dia - Bogotá
(Folga)
Dia dedicado exclusivamente à
atualização do diário de bordo.
28/12/2012 - 173° dia - Bogotá
(Folga)
Acordei e levantei somente após
as oito horas da manhã. Acho que estou realmente em um curto período de férias
do pedal e o meu corpo entendeu o recado e tem colaborado para que o descanso
seja completo.
Estou recebendo um tratamento
especial pela família Castelblanco. É muito provável que eu consiga engordar
alguns quilos durante a minha estadia aqui na residência. As três principais
refeições têm sido realizadas bem caprichadas. Inclusive tenho degustado a
diferente gastronomia colombiana que é deliciosamente preparada pela dona Luz
Marina, a mãezona da casa.
As tipicas arepas.
Café da manhã caprichado.
Entre uma refeição e outra tenho
aproveitado para continuar a atualização do diário de bordo. A internet aqui
tem banda larga de verdade e tenho utilizado a velocidade rápida para baixar
vários filmes porque aqueles disponíveis na minha lista foram todos assistidos.
Amanhã o plano é fazer uma
pequena pedalada para conhecer um pouco melhor a capital.
29/12/2012 - 174° dia - Bogotá
(Folga)
Dia de pedalar um pouco pela
imensa Bogotá.
Hoje eu acordei cedo porque o
pedal (convite do Alejandro) estava marcado para começar às 7 horas da manhã.
Encontraríamos com outros ciclistas e seguiríamos em direção ao Alto de Patios.
O trajeto na ida seria praticamente de subida, mas a distância era razoável,
apenas seis quilômetros de montanha acima, coisa básica.
Saímos de casa um pouco depos do
previsto e algumas quadras mais tarde encontramos com os amigos do Alejandro e
nos direcionamos ao ponto de encontro para nos reunirmos aos demais ciclistas.
O local é na verdade o começo da subida, que por sua vez, é utilizada por
muitos ciclistas para treinar.
Começamos o aclive por volta das
8 horas da manhã e pelo caminho nos deparamos com dezenas e dezenas de
ciclistas, de amadores à profissionais com as mais variadas bicicletas.
Realizamos a subida conversando e num ritmo bem tranquilo. Com o avanço da
pedalada pela montanha era possível visualizar a imensa Bogotá e, infelizmente,
a camada de poluição que cobria a capital colombiana naquele momento.
A chegada ao topo mereceu breve
descanso e um copo de suco. Conversamos, registramos o momento e logo depois
começamos o caminho de volta. A descida foi rápida e a única parada foi no
Mirante La Paloma onde tirei mais algumas fotografias da capital e do Nevado
del Ruiz, um vulcão que atinge 5,389 metros de altitude e foi responsável por
uma das maiores catástrofes naturais da Colômbia quando em 1985, sua última
erupção, matou cerca de 25 mil pessoas e destruiu o município de Armero. Na
sequencia continuamos a bajada para
regressarmos à casa.
No Alto de Patios na companhia do camarada Alejandro.
Descanso da galera antes de continuar o treino.
Yo!
A cidade de Bogotá visualizada do Mirador La Paloma.
In foco.
Nevado del Ruiz
Presença garantida no Mirador La Paloma.
No primeiro dia que cheguei na
casa da família Castelblanco, Alejandro me mostrou um óculos esportivo bem
interessante que permite acoplar e utilizar ao mesmo tempo uma armação para
colocar lentes de grau. O estojo completo vem ainda com cinco lentes de
diferentes cores; Sports headband e; mais uma série de acessórios. Mas o que
realmente chamou minha atenção foi a possibilidade de utilizar a lente de grau.
Acontece que eu utilizo óculos, sobretudo, em razão do meu olho esquerdo que
exige 4 graus na lente presente na atual armação que é delicada, pequena e
impossibilita o uso em práticas esportivas. Por isso essa novidade me pareceu
perfeita para eu pedalar e enxergar tudo ainda mais nítido.
Um amigo do Alejandro vende o
estojo completo por cerca de 70 reais. Então durante o caminho de volta para
casa nós passamos na loja para eu conferir a peça disponível. É simplesmente
incrível. Aproveitei a oportunidade única e comprei. Afinal é um investimento
para minha saúde. Na sequencia fui a uma óptica para fazer um novo exame
oftalmológico e a lente para a armação acoplada. Essas duas coisas me custaram
32 reais. O exame foi necessário porque fazia mais de três anos que eu tinha
realizado a última consulta. Não esperava gastar toda essa grana, mas me pareceu
algo imperdível.
Novamente em casa voltei a
escrever o diário de bordo que está quase finalizado. No período da tarde retornei
à óptica para pegar os óculos. Ficou perfeito! Nas fotos dos próximos dias
vocês certamente perceberão a diferença.
Amanhã tenho mais um pedal
marcado. O local visitado será o famoso Cerro de Monserrate que chega aos 3.152
metros de altitude e permite uma visão deslumbrante da capital. O passeio deve
estar presente aqui no site ainda este ano. Pretendo fazer uma última atualização,
antes de seguir viagem, com um balanço de 2012.
No mais, espero, sinceramente,
que o período de férias proporcione um merecido descanso a todos vocês. Aproveitem
o tempo livre para deixarem seus comentários aqui no site. Sinto falta das
palavras de incentivo que fazem uma diferença e tanto no cotidiano da
expedição. Também é sempre bom saber quem está a bordo da jornada. Sinta-se à
vontade para escrever suas mensagem e fazer parte dessa surpreendente viagem
pela América Latina.
Grande abraço.
“Hasta la Victoria Siempre”
30/12/2012 - 175° dia - Bogotá
(Folga)
2012: Ano das oportunidades
aproveitadas!
Não tinha a pretensão de escrever
hoje, mas o pedal que tínhamos marcado foi transferido para outra data. Então
resolvi fazer a última postagem do ano.
Esse ano que está prestes a
terminar, sem dúvidas ficará marcado na minha história em razão dos mais
diversos acontecimentos ocorridos ao longo de doze meses realmente intensos.
Pela primeira vez meu réveillon foi em Florianópolis, Santa Catarina. A expectativa
da virada de ano era enorme e queria aproveitar a visita do meu irmão e amigos,
para curtir a data da melhor forma possível. Mas a Ilha da Magia, com ajuda da
mãe natureza, surpreendeu de um jeito diferente. O ano começou chuvoso, caiu
água até não querer mais e limitou bastante nossos planos. Ainda assim não
deixamos de comemorar.
Dizem os mais velhos que quando
um ano começa chuvoso é sinal que será um ano realmente próspero. Somado isso
com o antigo ditado que depois da tempestade vem a bonança, eu sinceramente
desejava que 2012 viesse a ser vivido com intensidade. Por uma ótica mais
realista, a passagem de ano não é nada mais do que um novo calendário e que
nenhuma mudança acontecerá se você continuar com as mesmas atitudes. Por isso
meu objetivo era criar as oportunidades para aproveita-las o máximo possível
pelos próximos 365 dias.
Após mais de um ano de estadia no
paraíso que é a Ilha da Magia, eu tinha a pretensão de voltar à Foz do Iguaçu
para ficar um tempo com a família antes de começar a minha expedição pela América
Latina. Por isso, antes de mudar “temporariamente”, eu tratei de curtir ao
extremo o verão no maravilhoso “quintal de casa”. Fui à praia quase todos os
dias para sentir toda a energia da mãe natureza. Em nenhum outro lugar eu me
sentia tão bem e à vontade como no mar. Chegava a permanecer mais de três horas
sem sair da água. A sintonia era única. A melhor possível.
O verão chegou ao fim e além de
me despedir do paraíso, precisei encerrar mais uma etapa da minha vida. Depois
de um ano e dois meses, deixava também meu trabalho, que apesar de não ser da
minha área, muito me ensinou graças às pessoas magnificas que encontrei pelo
caminho. Mais do que colegas de labuta, conquistei amizades verdadeiras para
toda uma vida. Despedir-me deles não foi uma tarefa fácil. O mesmo aconteceu
com a minha segunda família, meus amigos Phillip e Kathia Sun que dividiram
muito mais do que a casa comigo. Compartilhamos alegrias, tristezas e uma
infinidade de aprendizados. Mas eu tinha que realizar meus sonhos e isso muitas
vezes significa renunciar, ainda que por um tempo, a muitas coisas.
Hoje penso que a maior audácia de
todas foi deixar Florianópolis e a querida praia dos Ingleses para trás. Essa
atitude implicava em renunciar ao paraíso. A minha vida era maravilhosa em
praticamente todos os sentidos. Morar e, sobretudo, viver na praia foi um sonho realizado. Estava muito satisfeito com
todo aquele ambiente, mas era preciso concretizar outros sonhos e correr atrás
deles significava ter coragem de embarcar ao “desconhecido”. Assim aconteceu
quando me mudei, de peito aberto, para Floripa. O resultado foi definitivamente
melhor do que o esperado. Eu nunca deixei de acreditar que poderia dar certo. E
esse mesmo pensamento ainda continua comigo para realizar novos sonhos.
Eu havia criado a oportunidade de
viver, literalmente, na América Latina e chegara a hora de conhecê-la e
senti-la da maneira como ela realmente é e não como dizem os livros, revistas,
televisão e outros tantos interlocutores.
Deixei Florianópolis, mas a ilha
continua no mesmo lugar e agora eu sei muito bem seu endereço. Voltar vai ser
muito mais fácil. Isso amenizou a saudade que eu já sentia antes mesmo de
retornar ao Paraná.
Em março eu retornei à Foz do
Iguaçu com a pretensão de permanecer até julho. Esse período estava destinado à
família e a conclusão do meu planejamento de viagem. Não estava nos meus planos,
mas foi também nessa época que ganhei um presente inesperado. Meu amigo,
camarada e historiador Alessandro da Silva, me proporcionou a oportunidade de
assistir o show do Roger Waters da lendária banda Pink Floyd. Para isso eu tive
que me deslocar de avião de Foz à Porto Alegre no Rio Grande do Sul. Havia
andado de avião (pequeno) apenas uma vez quando era criança e sobrevoar
novamente foi uma experiência magnifica e inesquecível, assim como o espetacular
concerto The Wall do senhor Waters.
Antes de começar a expedição eu
achei que não poderia perder a oportunidade de visitar familiares em São Paulo.
Aproveitei o tempo livre e a promoção das companhias aéreas para voar de novo.
Visitei meus tios na capital paulista e posteriormente no interior. Também
reencontrei com a minha querida avó que eu não via a mais de três anos. Sem
dúvidas foi outra viagem inesquecível e que precisava ser realizada antes da
minha jornada pelas estradas sul-americanas.
De volta à Foz comecei a me
dedicar exclusivamente aos meus pais e ao projeto pela América Latina. Finalizar
o planejamento da expedição não foi uma etapa nada fácil e exigiu muita
concentração da minha parte. Foi necessário analisar muito bem o roteiro
traçado e pesquisar bastante antes de comprar os equipamentos que faltavam.
Em julho deste ano o sonho
começou a ser realizado. Depois de quase três anos de planejamento eu
finalmente começava a longa viagem de bicicleta. Passei novamente por um
processo muito delicado; a despedida da família e dos amigos. Tinha consciência
que ficaria sem vê-los por muitos meses. Momentos como estes nunca são fáceis de
encarar e a parte emocional sempre fica balançada. Mas era preciso seguir adiante.
Sobre a viagem eu não preciso
dizer muita coisa, afinal está quase tudo aqui no site. Compartilhar a surpreendente
expedição com vocês foi e continua sendo uma experiência e tanto. É muito bom
saber que diversas pessoas de todo o Brasil e também do mundo, tem acompanhado
e incentivado de todas as formas a realização deste sonho. Como disse um
leitor, é por isso que a bicicleta tem ficado mais pesada, muita gente a bordo.
Não me preocupo porque esse “peso” é bem-vindo e me faz ficar cada vez mais
forte para poder continuar em frente.
Mesmo após quase seis meses de
viagem, ainda me encaminho para a metade do trajeto, contudo, a parte concluída
me proporcionou a realização de antigos sonhos, o maior deles, sem dúvida foi
conhecer Machu Picchu no Peru. Todavia, fui surpreendido por inúmeros outros
locais não menos fascinantes.
O território boliviano apresentou
uma riqueza ímpar em vários aspectos e foi um dos lugares que mais gostei de
visitar. Isso não significa que minha passagem pelo país foi fácil, muito pelo
contrário. Cheguei à altitude dos 5 mil metros, encarei o inverno rigoroso dos
Andes, estive em lugares inóspitos e históricos, sobrevivi aos desertos, salares
(o maior do mundo) e admirei lagunas incríveis.
No Peru, além da capital do
império Inca, Cusco e a cidade perdida de Machu Picchu, tive a oportunidade de
conhecer as Islas de Uros no lago sagrado de Titicaca; a histórica Nasca e; a incrível
beleza natural das Islas Ballestas na Reserva Nacional de Paracas em pleno
Oceano Pacífico. Lima apresentou um centro histórico fascinante e o norte do
país uma hospitalidade inesquecível na Casa de Ciclistas de Trujillo onde
também estive diante de mais um patrimônio cultural da humanidade; Chan-Chan. Sem
falar do contato com a cultura, história e gastronomia peruana. Além das
subidas intermináveis, também pedalei em condições extremas, como aconteceu a
mais de 4 mil metros de altitude quando encarei a estrada com neve por mais de
uma hora com a temperatura de 8 graus negativos.
A vivência no Equador não foi
menos interessante do que nos países anteriores, sobretudo, em lugares como
Cuenca, Quito e Otavalo, cidades que mais me impressionaram, principalmente por
toda sua parte histórica que é imensamente bem conservada. Foi no país que
passei a pedalar no hemisfério norte ao atravessar a famosa Linha do Equador. Vale
ressaltar também a experiência única de pedalar ao lado de enormes vulcões
ainda ativos.
Atualmente me encontro
desvendando o território colombiano, estou na capital Bogotá, uma maravilha de
cidade quando o assunto é estrutura cicloviária, um exemplo para toda a América
do Sul. O país reserva muita história e cultura que devo conhecer e
compartilhar pelos próximos dias.
Apenas tenho que agradecer por
tantas coisas boas que me aconteceram. Por isso aproveito a ocasião para dizer,
muito, mas muito obrigado a você que, de alguma forma, fez parte desses
momentos marcantes da minha vida em um ano inesquecível.
Desejo que 2013 seja ainda melhor
para todos nós. Que a simplicidade seja o melhor caminho para realizarmos
nossos sonhos na busca pela felicidade.
Grande abraço a todos.
Hasta 2013!