quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Colômbia

11/12/2012 - 156° dia - San Gabriel (Equador) a Ipiales (Colômbia)

Colômbia ! ! !

Mais uma fronteira conquistada. Agora a expedição avança em território colombiano. 

Acordei às 7h40m após quase dez horas ininterruptas de sono. Geralmente tenho descansado sete horas por noite. Mas eu estava realmente cansado e meu corpo exigia um período maior para recuperar as energias. 

Levantei e com muita calma (ou seria sonolência?) e comecei a preparar meu desayuno e pouco tempo depois a arrumar minha bagagem que estava praticamente intacta já que boa parte ficou na bicicleta que permaneceu na parte inferior do residencial. 

Às 8h20m eu voltava a pedalar em direção à fronteira com a Colômbia. Na noite passada eu acessei a internet para conferir a altimetria e o sobe e desce predominaria mais uma vez pelos cinquenta quilômetros restantes para a chegada ao destino final. O trecho mais difícil seria a subida de quase vinte quilômetros, o último confronto entre as montanhas equatorianas e as minhas pernas surradas.

Monumento na saída de San Gabriel. Homenagem aos ciclistas da região.

In foco.

A noite foi uma das mais frias dos últimos dias. Precisei dormir de calça, duas blusas de frio e touca. Apesar da proximidade com a Linha do Equador, estou em uma região que beira e muitas vezes passa dos 3 mil metros de altitude que justifica a temperatura baixa. A mesma exigiu que eu saísse novamente com a jaqueta corta-vento para pedalar.

O dia amanheceu bonito, com sol e sem muitas nuvens. A temperatura aumentou em pouco tempo e após os dez quilômetros de um trecho plano e com descidas fui obrigado a tirar a jaqueta e a segunda-pele porque as subidas apareceram e o esforço maior para completa-las me fez transpirar.

Começa o trecho de subidas.

Pensei que desceria por essa estrada, mas meu caminho foi para outra direção.

O sobe e desce mostrou, além das paisagens bonitas, que minhas pernas continuavam pesadas. Sem muita opção a solução foi continuar em um ritmo muito lento. Parei no alto de uma montanha e quando olhei para trás tive uma surpresa. Pela primeira vez na viagem um cicloturista estava na mesma direção do que eu. Fiquei animado porque pensei que seria uma companhia para continuar até a fronteira. Estou cinco meses pedalando sozinho e nas atuais condições, conversar, rir e falar mal das montanhas não seria nada ruim.

A montanha-russa.

Coloquei a Victoria na valeta ao lado do acostamento para que o cicloturista tivesse espaço para estacionar sua bicicleta. Mas quando ele se aproximou tive uma grande decepção. O cara não parou e mal me cumprimentou. Na hora eu pensei na total falta de consideração da parte dele. Para não fazer julgamentos sobre sua infeliz decisão, fiquei a imaginar os motivos pelos quais ele teria continuado sem parar. Cheguei a conclusão que independente dos prováveis argumentos, cinco minutos de conversa não prejudicariam sua pedalada.

O cicloturista sumiu pelas montanhas e eu continuei meu ritmo tranquilo. Tentei não pensar no acontecido, mas aquela situação me parecia inadmissível, como alguém (na mesma condição) consegue não se solidarizar com outro ciclista viajante, uma vez que entre tantos ensinamentos do cicloturismo, este seja um dos maiores aprendizados. 

Apesar dos pesares eu precisava continuar em frente e isso significava encarar a subida monstruosa que foi praticamente de vinte quilômetros. A paisagem bucólica que tanto admiro ajudou a compensar com sua beleza magnifica. 

Beleza de paisagem.

No final da subida eu tive uma nova surpresa. Do outro lado da estrada, longe do acostamento, enxerguei três cicloturistas parados. Atravessei a pista e fui me juntar aos camaradas viajantes. Era um simpático casal da Inglaterra que viaja pela América do Sul desde Caracas na Venezuela e segue para a Argentina. O outro cicloturista é um senhor da França (participante do Audax) que também começou a viagem em território venezuelano e tem o mesmo destino dos ingleses. Eles se encontraram naquele ponto. Ambos haviam iniciado o dia em Ipiales que era o meu destino.

Camaradas cicloturistas.

Eu e o casal inglês.

Conversamos bastante e por vários minutos.Mencionaram que o tal cicloturista que passou por mim sem parar teve a mesma atitude com eles. Paciência! O casal ficou seis meses na Venezuela e não hesitou em proferir elogios ao país e, sobretudo, à sua população hospitaleira. Eles estavam surpresos e animados com o encontro de tantos ciclistas na estrada. Disseram que por oito meses ficaram sem ver nenhum viajante de bicicleta e somente hoje foram três apenas na parta da manhã. 

Sem dúvida o encontro com esses cicloturistas elevou meu moral. Trocamos e-mails e algumas informações e cada um seguiu seu caminho. Ambos teríamos descida pela frente. Finalmente eu poderia relaxar minha perna por alguns quilômetros. 

Hasta luego!

Durante a descida encontrei a primeira placa que indicava a direção para a Colômbia, confesso que o coração bateu mais forte pela proximidade com a fronteira. Também me deparei com um restaurante à beira da estrada nas proximidades de Tulcán. Não pensei duas vezes em parar. Já era 12h40m e eu estava com muita fome. Seria minha última refeição no Equador e ela foi simplesmente fantástica. Sopa, arroz, bastante salada, banana assada, camarão empanado e suco. Uma delícia que custou apenas 2 dólares. 

Chegada à Tulcán.
Sentido à Colômbia

Após o almoço continuei a descida em direção à Rumichaca que é a última cidade/distrito do Equador. Poucos quilômetros depois eu estavafinalmente na fronteira. No lado equatoriano uma longa fila de caminhões se formava para enfrentar a burocracia da aduana. Encaminhei-me ao setor de migração para registrar minha saída do país. No local também havia uma longa fila por que recém tinha chegado ônibus com passageiros colombianos que ingressavam no Equador. Paciência!

Últimos metros pelas estradas equatorianas.

Adivinha quem estava na minha frente na fila? O cicloturista apressado. Comecei a puxar conversa e descobri o motivo pelo qual o suíço Toni não havia parado ao passar por mim e os outros cicloturistas. Segundo ele, quando está pedalando pelas montanhas aproveita o embalo da descida para empregar um ritmo maior na subida. Algo que eu havia suspeitado, mas que ainda assim não justificava tal atitude, na minha concepção. 

O tempo na fila da migração foi longo e conversei bastante com o suíço de 47 anos que já viajou boa parte do mundo em bicicleta e ônibus. Começou a atual viagem em Quito e segue para Caracas. Aos poucos ele foi se mostrando um sujeito bacana e simpático. Conseguiu desfazer aquela impressão da parte da manhã. 

Na migração foi tudo tranquilo, apresentei o passaporte que recebeu o carimbo que registrava a saída do país. Eu estava pronto para deixar o Equador após 24 dias de pedal entre as montanhas. Meu gasto foi de 830 reais, uma média de 34 reais por dia. Custo mais elevado do que havia planejado. A solução vai ser economizar o máximo na Colômbia. Em relação à distância, foram pedalados 1,171 quilômetros.

Depois chegou o grande momento, atravessar a ponte internacional e entrar em território colombiano. O local estava extremamente movimentado, muitos veículos, policiais e soldados. Passei rapidamente pela ponte e aproveitei a presença de um pedestre para registrar minha entrada em mais um país. 

Atravessando mais uma fronteira.

Colômbia!

Colômbia! Certamente se eu perguntar alguma coisa sobre este país você vai lembrar das FARC (Forças Armadas Revolucionarias da Colômbia). A mídia adora frisar o combate entre os guerrilheiros e o governo. Mas com certeza a Colômbia tem muito mais a nos apresentar do que apenas esse conflito. História, cultura e seu povo é o que eu espero conhecer um pouco melhor nos próximos 30-40 dias. 

A emoção de atravessar mais uma fronteira pedalando é simplesmente incrível. E chegar na Colômbia tem um significado especial. É o último país onde enfrentarei a Cordilheira dos Andes. Agora o desafio final tem menos de dois mil quilômetros. Para trás ficou o Equador que não deixará saudades, pelo menos no que diz respeito às estradas encravadas nas montanhas.

A migração na aduana colombiana foi rápida e sem nenhuma burocracia. Em poucos minutos eu recebi mais um carimbo no passaporte e a permissão de 90 dias para ficar no país. Novamente a Victoria não foi revistada e meu avanço foi liberado sem problema nenhum. Na fronteira há vários cambistas, mas a colombiana Esperanza do Residencial em San Gabriel me alertou para trocar o dinheiro somente nas casas de câmbio em Ipiales para evitar dinheiro falso ou uma cotação equivocada. 

A bicicleta do suiço e a Victoria na migração colombiana.

Esperei o Toni registrar a entrada na Colômbia e depois seguimos para Ipiales que fica 2-3 quilômetros depois da fronteira. Combinamos de parar no centro da cidade para comemorar nossa chegada ao país. Durante o caminho observo tudo com o olhar de quem está em um lugar pela primeira vez. É hora de adaptar-se ao novo.

As boas vindas das montanhas. Misericórdia!
 Em direção à Ipiales. Esso, lembrei do meu antigo emprego.

A cidade não é pequena e o centro é bastante movimentado. Paramos em uma padaria para comemorarmos. Mas como eu não havia trocado a moeda na fronteira, fui fazer isso em uma casa de câmbio próxima do estabelecimento. Troquei apenas alguns dólares pelo peso colombiano. 1 dólar é o equivalente a 1,810 pesos. Com o dinheiro colombiano em mãos voltei à padaria e degustei uma salada de frutas que estava muito boa. A conversa com o suíço também foi agradável e resultou em várias risadas. Inclusive na hora do pagamento ele fez questão de pagar a minha parte. Fiquei surpreso e agradeci a gentileza que parecia não existir horas atrás. 

Peso colombiano. Estou milionário, rs.

Fomos procurar uma hospedagem fora do centro por ser mais barata. Encontramos o Hotel Danny na saída para a Panamericana. A diária em um dormitório individual custava 17 reais, cara, mas ainda era mais econômica do que os hotéis da região central. O quarto é confortável, com banheiro privado e televisão a cabo. Deixei minhas coisas no quarto e voltei ao centro para procurar uma bicicletaria e trocar o raio quebrado que deixou a roda traseira com bastante jogo.

Na primeira bicicletaria não foi possível realizar o serviço porque os funcionários estavam ocupados, no entanto, me indicaram um lugar próximo onde eu poderia consertar a Victoria. O local recomendado era a Bicicross, uma bicicletaria pequena e bem simples onde fui muitíssimo bem atendido. 

O proprietárioJulio realizou a troca do raio e não me cobrou nada pela peça e o serviço. Agradeci bastante, fiz um registro da bicicletaria e disse que colocaria no site como forma de divulgação e agradecimento. Portanto, se você passar pela região e precisar de auxilio mecânico passe na Bicicross, segundo o Julio, vários cicloturistas já estiveram em sua oficina. A bicicletaria está localizada na Calle 16, n° 7,77. Telefone: 3166 6059731.

O pessoal simpático da Bicicross.

Voltei ao hotel, tomei um banho e voltei a sair na intenção de achar um local para jantar. Ao perguntar ao recepcionista sobre um restaurante econômico ele disse que havia uma mulher que preparava a refeição por 4 mil pesos, pouco mais de 2 dólares. Um tempo depois a janta chegou em uma bandeja enorme. Sopa, segundo e suco. O prato principal tinha arroz, carne frita e uma deliciosa salada. Tudo aprovado. Pelo jeito o menu tradicional também continua aqui na Colômbia.

O primeiro jantar na Colômbia.

Amanhã eu permaneço na cidade para atualizar o diário de bordo, conhecer um pouco melhor como funcionam as coisas em território colombiano e também para visitar o famoso e belíssimo Santuário de Las Lajas. Aproveitarei a televisão a cabo para ver a final da Copa Sul-Americana entre o São Paulo e o time argentino. Mais um titulo internacional para o tricolor paulista.

Dia finalizado com 56,98 km em 4h38m e velocidade média de 12,26 km/h.

12/12/2012 - 157° dia - Ipiales (Folga)

A parte da manhã foi inteiramente dedicada à atualização do diário de bordo. 

Fui sair do quarto somente na hora do almoço. Na recepção aproveitei para conferir se estava tudo bem com a Victoria, minha companheira fiel.  No guidão encontrei um bilhete do Toni desejando boa viagem. O recepcionista disse que ele saiu às 8 horas da manhã. 

Encontrei um restaurante próximo do hotel em que o almoço custou apenas 3,500 pesos. A refeição estava bem parecida com o janta da noite anterior. Na sequencia fui perguntar aos taxistas quanto era uma corrida até o Santuário de Las Lajas que fica a 7-10 quilômetros do centro de Ipiales. O preço começou em 10 mil pesos e terminou pela metade. Achei caro demais e resolvi encarar de bicicleta mesmo.

Voltei à hospedagem, peguei a Victoria e segui em direção ao Santuário. Las Lajas é um distrito de Ipiales e que tem na famosa igreja sua principal atração. Infelizmente o guia Viajante Independente não menciona o local. Eu soube a partir do site do casal cicloturista franco-americano que ficou hospedado alguns dias na minha casa em Foz do Iguaçu. O Santuário se destaca, sobretudo, pela sua localização. Foi erguido no meio de um vale profundo das montanhas colombianas. Fiquei fascinado quando vi as fotos e achei que a visita ao local era imperdível. Por isso fui conferir.

O trajeto entre o Hotel Danny e o Santuário foi de nove quilômetros. A maior parte do caminho é realizada em uma longa descida. Durante a mesma é encontrado o mirante de onde é possível observar a ousada localização da igreja. É simplesmente incrível. Registrei e continuei o pedal em direção ao Santuário.

Na direção do Santuário Las Lajas.

Simplesmente incrível.

Fantástico.

O caminho é bem fácil de achar e poucos minutos depois eu estava em Las Lajas. Precisei descer poucos metros e finalmente estava diante do magnifico Santuário. É algo extraordinário. Passei por muitos lugares nesta expedição, mas sem dúvidas este é um dos mais impressionantes. É tudo fascinante, desde a localização “absurda” ao estilo arquitetônico da igreja, que certamente está entre as mais bonitas e diferentes que eu tive a oportunidade de conhecer.

Chegada à Las Lajas.

Santuário Las Lajas.



Santuário Las Lajas.

In foco.
 Santuário Las Lajas.

Esse é o cara.

In foco.

O Santuário está sobre um rio em uma região onde a natureza prevalece. Destaque para os diversos pássaros que podem ser encontrados pelas inúmeras árvores ao redor. Consegui registrar alguns deles. Fiquei muito feliz em fotografar um beija-flor bastante cantante e que parecia se exibir diante da lente da câmera. Um momento esplêndido!

As águas que cortam o vale.

Natureza!


Santuário Las Lajas.

In foco.

In foco

Fauna local.

Maravilha de natureza.

In foco.


Fauna local.


Fauna local.
 Las Lajas ao fundo.

Registro garantido.

Fiquei um bom tempo apenas admirando todo aquele lugar que merece os mais diversos adjetivos. Era possível visualizar que todos os visitantes ficavam impressionados com o local que também recebe numerosos fiéis. Inclusive em suas paredes estão várias placas de agradecimentos à Virgem de Las Lajas. Acontecia uma missa na igreja e eu resolvi observar o interior da mesma apenas da porta. 

Agradecimentos à Virgem de Las Lajas.
Agradecimentos à Virgem de Las Lajas.

Depois fui pegar a Victoria e começar o caminho de volta para a hospedagem. A subida é predominante, mas como a bicicleta estava sem carga, foi bem fácil de completar o trecho íngreme. Passei no mirante e resolvi parar e fazer um último registro. Passar por Ipiales e não conhecer o Santuário de Las Lajas é a mesma coisa de visitar Foz do Iguaçu e não ver as cataratas. Fica a dica.

Registro realizado no mirante.

Deixei a Victoria na hospedagem e fui à movimentada região central para encontrar um supermercado e ter idéia dos preços e aproveitar para comprar pão e geléia. Pesquisei em dois estabelecimentos e sinto que o gasto aqui na Colômbia com mantimentos será bem elevado. A moeda é bastante valorizada e encarece todos os produtos. Não achei nada barato, infelizmente. 

Centro de Ipiales.
Praça principal.

No final da tarde voltei para a hospedagem na pretensão de assistir a final da Copa Sul-Americana. Mas quando liguei a televisão tive uma surpresa nada agradável. Entre os setenta canais disponíveis, o FOX Sports (transmitiria o jogo) era o único que não estava no ar. É muita sacanagem! Esperava ansioso para ver a partida. Fui saber do resultado horas depois pela ESPN. Que confusão no Morumbi! Pelo menos a informação que chegou é que o tricolor é campeão. Maravilha!

Dia finalizado com 18,02 km em 1h23m e velocidade média de 12,89 km/h. 

13/12/2012 - 158° dia - Ipiales (Folga)

A noite não foi das melhores. O meu quarto está localizado de frente para uma movimentada avenida. Mas o problema não é o barulho dos veículos. A questão é que existe uma boate bem próxima do hotel. E durante a madrugada as pessoas (provavelmente embriagadas) não hesitam em conversar e gritar pelas ruas. Acordei à 1h00m e demorei para voltar a dormir. Santa paciência!

Resolvi ficar mais um dia aqui na cidade apenas para atualizar o site. Amanhã quero voltar à estrada. Pretendo fazer a próxima parada para descansar e realizar uma nova postagem somente na capital Bogotá. Acho que isso deve acontecer em 8-10 dias. Para variar, o caminho está repleto de subidas. Mas vamos que vamos!

Se conseguir, vou responder todos os comentários pendentes nos tópicos Equador I e II. Aliás, não percam de conferir os relatos dos últimos dias no Equador (veja aqui!). 

E também não deixem de contribuir financeiramente com a expedição. Colaborações podem ser realizadas pela vakinha online (clique aqui!) ou através da conta corrente (clique aqui!). Sua ajuda é muito importante para o avanço da viagem. Sem dúvida qualquer quantia faz a diferença. Agradeço a compreensão.

Grande abraço, camaradas.

Hasta la Victoria Final ! ! !

14/12/2012 - 159° dia - Ipiales a Chachagui

Sol, chuva, calor, frio, neblina, chuva, descidas e subidas quilométricas. Tudo isso em apenas um dia, pode acreditar.

Finalmente uma noite tranquila no Hotel Danny. Para minha felicidade não houve gritaria nas ruas e muito menos andanças pelas escadas da hospedagem durante a madrugada. Sei que nada atrapalhou meu sono, nem mesmo o frio. A temperatura despencou desde o final da tarde de ontem e a noite foi bem gelada. Tive que dormir com três cobertores para ter uma idéia. Enquanto isso o Brasil segue com o termômetro nas alturas. Essa é nossa complexa América Latina.

Acordei por volta das 6 horas e sem pressa comecei a arrumar a bagunça generalizada que estava no meu quarto. Ainda bem que minutos depois já estava tudo em ordem nos alforjes e precisei apenas preparar o desayuno e devorar os pães com geléia. Inacreditável como eu já estava morto de fome àquela hora da manhã.

Toda minha bagagem estava no quarto e coloca-la na Victoria levou alguns minutos. Fui começar o pedal apenas às 7h40m. Apesar do horário tardio não havia motivo para preocupar-me porque o dia seria relativamente tranquilo. Meu objetivo era chegar à Pasto, menos de 80 quilômetros de Ipiales. A distância mais curta ocorria em razão da longa subida que tinha pelo caminho. Estava preparado para encarar 25 quilômetros montanha acima, conforme a altimetria apontada no relevo da região.

Diferente dos dois últimos dias, hoje o tempo estava bom. Pelo menos era possível ver um pouco do céu azul. A temperatura continuava baixa e por isso comecei o pedal todo empacotado com a minha vestimenta de inverno andino. Isso porque uma longa descida era esperada logo após a saída de Ipiales e certamente a sensação térmica despencaria e eu deveria estar precavido. 

Eu estava ansioso para começar a desvendar o território colombiano e iniciei o dia bastante animado. Observava atentamente tudo ao meu redor. Ainda não mencionei, mas a Colômbia continua com o fuso horário atrasado em três horas comparado ao horário de Brasília. Diferente da Bolívia, Peru e Equador, aqui o comércio começa a funcionar a partir das 8 horas da manhã. Assim foi possível verificar certo movimento, sobretudo, de trabalhadores e estudantes pelas ruas e avenidas. Estas, por sua vez, são denominadas por números. São chamadas, por exemplo, de Calle ou Carrera 3 e sem dúvida torna a localização mais fácil.

A saída da cidade foi muito fácil e em poucos minutos eu já me encontrava na Panamericana em direção à Pasto, capital da província de Nariño. A descida que eu esperava apareceu apenas sete quilômetros depois da saída do hotel. Essa distância foi percorrida entre um sobe e desce que me obrigou a sacar a jaqueta corta-vento. Continuei a observar aquilo que estava ao alcance dos meus olhos, desde os costumes campestres à conduta dos motoristas pelas estreitas e sinuosas estradas nos Andes Colombianos. As montanhas são um espetáculo à parte com a sua beleza e magnitude. 

Mais vulcões pelo caminho. Que maravilha!

Falta pouco, menos de mil quilômetros para chegar na capital.

Paisagem bucólica

Avançava tranquilamente. Além do tempo favorável eu não precisava me preocupar com a Victoria que estava com a roda centrada, pneus e freios novos e preparada para encarar a longa jornada pela Colômbia.

A descida desejada seria extremamente longa, segundo meus cálculos, 44 quilômetros me esperavam para mostrar que também existe generosidade na Cordilheira dos Andes. Comecei a “bajar” com uma espetacular paisagem ao redor. A incrível cadeia de montanhas forma um vale profundo por onde segue um caudaloso rio que completa a beleza do local e certamente contribui para o desenvolvimento das pequenas plantações. A altura das montanhas era tamanha que quase não conseguia enquadra-las na lente da máquina fotográfica. Extraordinário!

A Cordilheira dos Andes também na Colômbia.

Montanhas por todas as partes.

A estrada (Ruta 25-01) está em boas condições, entretanto, não oferece acostamento durante a descida. O alto fluxo de veículos, sobretudo, caminhões, e o trajeto com muitas curvas exige atenção redobrada. Quando o movimento ficava mais tranquilo eu aproveitava para registrar a natureza da região. 

Estrada sinuosa e sem acostamento.

Será a realidade quando a prudência estiver presente no cotidiano dos motoristas.

Pedalando ao lado dos abismos.

Observe a continuação da estrada no lado esquerdo.

Rio que atravessa todo o vale profundo.

Cascatas pelo caminho.

Desta vez colocaram até carros diferentes.

Durante a descida foi possível presenciar o que já era aguardado pelas estradas colombianas, barreiras policiais e soldados do exército fortemente armados. Eles fazem uma reforçada segurança contra o narcotráfico que é a principal atividade das FARC. A medida tornou as rodovias do país muito mais seguras nos últimos anos, principalmente entre as principais cidades. Por isso estou tranquilo em relação a isso, no entanto, não deixei a cautela necessária de lado. 

A fantástica descida foi completada rapidamente e totalizou 35 quilômetros. Na sequencia começou a também já esperada, porém não desejada, subida. Segundo a análise da altimetria ela seria bem extensa: 25 quilômetros. Eu estava descansado e muito bem psicologicamente. Iniciei a ascensão tranquilamente, não sem antes ligar minha seleção musical, afinal, eu sabia que a “brincadeira” duraria ao menos três horas.

Como aconteceu em ocasiões parecidas, a subida me levou aos céus em poucos quilômetros. Utilizei a estratégia de pedalar com calma e à base das galletas rellenas. O trajeto demorou a passar, mas aos poucos eu conseguia completa-lo. Pelo caminho encontrei trechos em obras, mais barreiras policiais (que não se importaram com a minha presença) e também com o primeiro pedágio pelas estradas colombianas. As motocicletas estão isentas de pagamento e existe um espaço dedicado à passagem das mesmas. É por este local que as bicicletas podem passar com igual beneficio. 

No início da subida já era possível ver o trecho que ficava para trás.

Rodovia com acostamento e pedágio ao fundo.

Pela Panamericana mais uma vez.

Nas alturas

O tempo ficou nublado, mas a temperatura aumentou bastante e a transpiração foi inevitável, assim como a ingestão de muita água e a utilização do protetor solar. Por volta do meio dia  cheguei à Tangua, primeiro município (ou seria distrito?) e pensei em parar e almoçar, contudo, o único restaurante que encontrei não me pareceu muito econômico e nem ousei em perguntar o preço. Continuei em frente.

Com 63 quilômetros pedalados e quase às 14 horas eu finalmente pude alimentar minhas lombrigas famintas em um restaurante em Cebadal. O almoço custou 5 mil pesos, mas consegui um desconto e saiu apenas por 4 mil, pouco menos de 5 reais. Menu tradicional com o prato principal bastante caprichado: muito arroz, carne de porco, ovo frito, banana e salada. Simples e saboroso!

Trinta minutos após a parada no restaurante voltei à estrada para completar a subida que totalizou 28 quilômetros. A altura proporcionou uma densa névoa que escondeu praticamente toda a paisagem. A temperatura ficou baixa antes mesmo de começar o declive que me levaria à Pasto, quase 10 quilômetros depois. Voltei a utilizar o corta-vento para suportar a sensação térmica congelante. 

O velho barbudo também está presente na Colômbia.

Começo da neblina.

In foco.

A primeira imagem da enorme cidade de Pasto.

 
 Chegada à Pasto.

Pasto é uma cidade grande e parece que não à toa é a capital da província. A rodovia passa pelo perímetro urbano que está com a pavimentação horrível e talvez por isso algumas obras são executadas em determinados trechos. Ainda era 4 horas da tarde e resolvi seguir para Chachagui que segundo as informações ficava há 20 quilômetros. Pensei que toda essa distância seria concluída em uma longa descida, mas fui surpreendido e tive que encarar mais 7 quilômetros de ascensão em meio a uma forte neblina.

Mais uma placa não identificada.

Assim que comecei a descida para Chachagui a chuva apareceu. Ainda bem que os motoristas colombianos também não têm o hábito de buzinar o tempo todo e parecem respeitar os ciclistas, espero que essa atitude continue nos próximos dias. O deslocamento para o local desejado, apesar das condições climáticas, foi tranquilo, contudo, cheguei à cidade somente às 18h15m. Encontrei um hotel na beira da rodovia e fui conferir a diária.

A diária com banheiro compartilhado e sem água quente saiu por 10 mil pesos. Local limpo e confortável. Os dormitórios sem banheiro privado ficam afastados da rodovia e consequentemente podem oferecer ainda mais tranquilidade. No mesmo prédio da hospedagem funciona um restaurante onde eu aproveitei para jantar. O cardápio e o preço foram bem parecidos com aqueles do almoço. Claro que fui me alimentar somente após tomar um banho caprichado, ainda que a água estivesse congelante. 

Dia finalizado com 112,97 km em 8h08m e velocidade média de 13,86 km/h.

15/12/2012 - 160° dia - Chachagui a Mojarras

Quente, muito quente, extremamente quente.

A noite no hostal (esqueci de ver o nome) de Chachagui foi tranquila. Acordei no mesmo horário dos dias anteriores, por volta das 6 horas da manhã e a primeira coisa a fazer foi degustar meu desayuno. Alimentado fui à estrada para enfrentar um dia longo e promissor.

Voltei a pedalar somente às 7h40m quando me deparei com um dia muito bonito para pedalar. A chuva da noite anterior foi embora e o sol era predominante já nas primeiras horas da manhã. A temperatura estava agradável e tudo indicava que seria um pedal tranquilo, principalmente porque a altimetria apontava um declive quilométrico após Chachagui. Mas é aquela velha história, quando a esmola é demais o santo desconfia. 

A primeira surpresa apareceu após cinco quilômetros pedalados. A concessão da empresa responsável pela Ruta 25-01 na província de Nariño havia terminado. Que tristeza! O trecho que apareceu na sequencia, denominado de 25-02, está em péssimas condições. Repleto de buracos, sem sinalização e muito menos acostamento. Lastimável.

Começo da pavimentação precária.

Montanha abaixo

Sem muita opção a solução foi enfrentar a pavimentação precária. A descida começou poucos quilômetros após o início da 25-02. Apesar do forte e longo declive não foi possível soltar as mãos dos freios em razão dos diversos buracos. A velocidade baixa proporcionava admirar ainda mais a paisagem que continuava com aquelas inúmeras e gigantescas montanhas ao redor. O vale vertiginoso ainda exibia o rio caudaloso. Novamente foi difícil enquadrar o cenário na lente da máquina. O lugar é magnifico.

In foco.

Paisagem durante a longa descida.

Apesar de todas as dificuldades não consigo deixar de admirar essas montanhas.

Montanhas que quase não cabem na lente da máquina fotográfica.

Ainda bem que essa estrada de terra não fazia parte do meu trajeto.

Mais um túnel pelo caminho.

O barulho aqui dentro é sempre sinistro.

In foco.

A descida teve extensão de 26 quilômetros. Uma distância que sem dúvida ajuda a relaxar os músculos, exceto aqueles das mãos que trabalhavam bastante para não deixar a Victoria entrar no(s) buraco(s), literalmente. Aqui a passagem entre as montanhas também é chamada de Quebrada, da mesma forma como acontece na Argentina. Não raramente elas têm a nomenclatura estampada pelas placas localizadas ao lado da estrada. 

33 quilômetros depois de Chachagui começou a subida que já era aguardada. A mesma deveria ter algo em torno de 15 quilômetros. É tanta ascensão ao longo dos meses que eu cheguei ao ponto de comemorar quando a distância dos aclives é inferior a 20 quilômetros. O problema não foi encarar a subida, a questão foi enfrentar ela e a temperatura que aumentou rapidamente graças ao sol que brilhava cada vez mais forte. 

Encontrei o mesmo obstáculo dos primeiros dias no Equador, subida e temperatura elevada, duas coisas que não combinam em nada. O ruim é a transpiração excessiva. Ninguém merece o suor a escorrer pelos olhos. A ardência é instantânea e prejudica demais o progresso do pedal já que a todo o momento é preciso parar e enxugar o rosto. Santa paciência!

Apesar de muita dificuldade completei a subida que na verdade teve 17 quilômetros, um pouco mais do que o previsto. No final do trajeto percebi que meu pneu dianteiro estava murcho. Era mais um furo bem sem vergonha porque a câmera de ar custou a esvaziar. Enchi um pouco com a pretensão de aproveitar a descida que estava por vir. Na realidade não estava nada disposto a realizar a troca da câmera àquela hora, justo depois de tanto sacrifício para finalizar a subida.

Logo após a primeira subida do dia cheguei a um povoado onde um restaurante à beira da estrada foi um convite para matar minha fome. Não pensei duas vezes e parei. A refeição custava 6 mil pesos, mas chorei e consegui mil pesos de desconto. Cardápio bem parecido com aqueles dos dias anteriores. Destaque para a sopa que estava repleta de bananas e batatas. Aqui a fruta em questão também está presente na gastronomia, talvez bem mais do que no Equador. Até o momento esteve em todas as refeições.

Almocei rapidamente e quando fui verificar o pneu dianteiro, estava praticamente cheio. Então resolvi não realizar a troca e continuei a viagem. O trecho que apareceu foi mesclado entre a famosa série de sobe e desce. O tempo continuava quente e minha água (mais de dois litros) não durou quase nada. Parei em uma casa para abastecer as garrafas e além do liquido gelado fui contemplado com um copo de suco que foi mais do que bem vindo diante daquele calor insuportável.

Durante a descida mais longa após o almoço tive mais uma surpresa. Pela primeira vez na viagem visualizei a cena inusitada. Mulheres (às vezes acompanhadas de crianças) amarram uma corda em um dos lados da rodovia e quando aparece um veículo, elas do outro lado da pista, levantam a corda obstruindo o caminho com o único objetivo de pedir dinheiro.

O surpreendente é que são diversas mulheres em vários pontos da rodovia em uma cena muito triste. Em muitos momentos elas apenas esticam os braços como quem pede esmola. Durante a minha passagem não levantaram a corda, mas fizeram questão de pedir um trocado que não foi entregue. Não registrei o momento para não despertar uma possível “revolta” das mulheres.

Com 65 quilômetros pedalados cheguei à província de Cauca. Deste ponto em diante foi apenas sofrimento. Minhas pernas cansadas ficaram ainda mais pesadas com o longo sobe e desce. Porque é tão difícil existir um meio termo? Parece que a montanha insiste em testar seu limite o tempo todo. Essa minha passagem pelo Equador e Colômbia tem sido uma verdadeira batalha. Mas eu não cheguei aqui para desistir agora. Felizmente em nenhum momento me passou pela cabeça desistir da viagem. Acho que esse é o principal motivo por eu conseguir avançar apesar de todas as dificuldades.

Minhas virilhas voltaram a assar. Isso havia acontecido apenas na região da Laguna Colorada na Bolívia. A causa é muito simples, para completar a subida a perna exerce uma força maior no pedal. Essa pressão acaba transferida para as virilhas que está em contato com a calça e o selim. O resultado deste atrito é um desconforto horrível. Pior que isso vai sarar somente após alguns dias de descanso. Algo que pretendo fazer apenas em Bogotá, ou seja, terei que aguentar mais um pouco.

Por volta das 18 horas cheguei ao povoado de Mojarras. Um senhor na estrada havia me avisado que neste local existia uma hospedagem anexa a um posto de combustível. Aqui a maioria dos postos é chamada de “estación de servicios”. De cada dez estabelecimentos, oito pertence à Esso. Incrível a predominância da marca na região. É possível verificar que geralmente eles têm um hotel no mesmo terreno. Para quem viaja, sem dúvida é uma boa opção.

Em Mojarras parei no Hostal Carolina. A diária me custou 14 mil pesos. Não houve chance de negociação. Como eu estava cansado, sujo e suado, não pensei muito em me estabelecer temporariamente no local. O quarto é normal e limpo. O diferencial fica por conta do ar-condicionado. Pela segunda vez na viagem fui obrigado a ligar o aparelho em razão da temperatura. A primeira vez foi em Corumbá/MS logo no início da expedição.

O dormitório tinha banheiro privado, contudo, sem chuveiro, apenas uma ducha de água fria. Mas com aquela temperatura ambiente eu nem me importei com isso. Devidamente limpo tive apenas que passar o repelente porque parecia que os pernilongos também estavam alojados no mesmo espaço.

De noite fui jantar no restaurante do posto de combustível. O preço e cardápio foram bem parecidos com aquele do almoço. Uma pena que o prato tinha pouca comida, principalmente arroz. Não vejo a hora de voltar a desfrutar dos buffets nos restaurantes brasileiros. Tem alimento que eu não degusto desde a minha saída do Brasil.

Fui dormir sem camiseta e cobertas pela primeira vez durante os últimos meses. Isso tudo porque a temperatura continuava elevada apesar do horário. E pensar que na noite anterior estava chovendo e precisei de duas cobertas para me aquecer. Tá certo que Mojarras não é tão alto quanto Chachagui, mas ainda assim é muita variação climática para apenas um corpo. 

Dia finalizado com 102,91 km em 7h42m e velocidade média de 13,35 km/h.

16/12/2012 - 161° dia - Mojarras a Rosas

Se você pretende chegar aos céus, prepare-se porque o caminho é árduo.

Maravilha de noite no Hostal Carolina. Durante a madrugada esfriou um pouco por causa do ar-condicionado, mas bastou colocar o lençol e voltar a dormir o sono dos justos. Consegui descansar bastante, contudo, ainda precisava de mais tempo para recuperar totalmente as energias, todavia, era preciso avançar para completar o quanto antes essa jornada pelos Andes.

Acordei às 6 horas da manhã e a primeira coisa a fazer foi filtrar a água da torneira do banheiro. A mesma estava com uma cor escura que indicava ser de algum poço artesiano. Na noite passada achei melhor ferver cerca de um litro, mas hoje pela manhã lembrei-me do filtro de água (Lifestraw) que utilizei apenas na região do Pantanal no Mato Grosso do Sul e assim reservei quase dois litros de água para continuar a viagem.

Meus sagrados pães acabaram no dia anterior e não havia nenhum estabelecimento onde eu poderia fazer a reposição, portanto, meu desayuno foi à base de bolacha e suco, mas infelizmente não foi o suficiente para saciar minha fome matinal, todavia, tive que me contentar, pois era o que havia disponível no momento. Com certeza era melhor do que nada.

Antes de sair aproveitei para encher o pneu dianteiro que continuava furado, mas que havia murchado somente um pouco durante a madrugada. Voltei à estrada apenas às 7h20m. O caminho passou a ser percorrido pela Ruta 25-03, trecho entre Mojarras e Popayan. Eu havia anotado na agenda que esse trajeto inicial seria plano em sua maior parte. Então fui conferir se realmente o relevo ajudaria a deixar o pedal menos cansativo.

Logo após a saída do Hostal Carolina o cenário apresentou-se deslumbrante e perfeito para pedalar. A estrada era realmente plana (salvo em algumas ocasiões) e repleta de árvores dos lados que em determinados momentos formavam um verdadeiro túnel natural. Para minha felicidade essa sombra se manteve por vários quilômetros. O trecho é muito parecido com aquele entre São Miguel do Iguaçu e o balneário Ipiranga no oeste paranaense. 

O começo do melhor trecho dos últimos dias.

In foco.

Rio que segue paralelo à estrada.

In foco.

As sombras das árvores sem dúvida amenizaram os efeitos da temperatura que logo pela manhã já estava alta. O dia começou bastante quente, céu com poucas nuvens e um sol que prometia brilhar cada vez mais forte com o passar das horas.

Sombra amiga.

Pedalar no paraíso. Essa era a sensação de passar por aquele trajeto cheio de sombras e com o relevo plano. Para melhorar a situação a 25-03 está bem melhor do que o trecho anterior, embora o acostamento ainda seja inexistente. Era domingo, mas ainda assim o trânsito, sobretudo, de caminhões exigia bastante atenção já que a rodovia é estreita e não reserva um espaço seguro para o ciclista.

A região possui várias comunidades negras no decorrer da rodovia. Uma das atividades econômicas é sem dúvida a venda de frutas à beira da estrada. São inúmeras as barracas em frente das casas que oferecem manga, laranja e outras frutas típicas da região. Sucos naturais também podem ser adquiridos em certos lugares. Algumas vendas são um pouco maiores e sofisticadas e também trabalham com artesanatos.

Venda de frutas à beira da rodovia.

Vale destacar que algumas comunidades, apesar de pequenas, dispõem de restaurante e hospedagens. Às vezes é possível até mesmo encontrar parques recreativos com amplas áreas de lazer e piscina. Claro que são propriedades privadas, mas pode ser uma dica para quem estiver de passagem pela região, não aguentar o calor e precisar relaxar. Fiquei muito tentado a cair na água já que a temperatura ambiente estava bastante elevada. Mas meu objetivo é avançar e sair o quanto antes da cordilheira e sua época de chuvas. Por isso, avante.

As paisagens revelavam um ambiente bucólico e com pequenas pastagens, a maioria destinada à criação de gado, mas com um rebanho limitado. Algo que também é bastante notável é uma árvore comum e presente em toda a extensão da rodovia. Seu “fruto” é no mínimo curioso e me deixou intrigado para saber se era comestível. Afinal meu café da manhã não tinha sido reforçado e um presente da mãe natureza não poderia ser desprezado. 

A árvore "frutífera"

In foco.

Encontrei algumas pessoas na estrada e perguntei se o tal fruto poderia ser degustado. Foi quando tive a resposta de que não se tratava de uma fruta. Não entendi muito bem o nome e do que realmente se tratava. Acho que é a semente da árvore. Em todo caso, os moradores raspam o interior da “semente” e com a parte côncava (parecida com aquela sobra do coco) utilizam para colocar doces e posteriormente vender.  Acho que foi isso que entendi. Se estiver equivocado, por favor, me corrijam. 

O pedal no paraíso continuou por quase 40 quilômetros quando apareceu a primeira subida forte do dia. Por sorte a ascensão íngreme teve apenas 6 quilômetros e foi acompanhada de árvores que sombreavam a estrada e me ajudavam a sofrer menos com a temperatura.

 
Na metade da subida.

In foco.

A urubuzada admirando a paisagem.

Preparando para o salto mortal em 3..2..1

Hasta la vista, baby!

Após a subida cheguei por volta do meio dia na cidade de El Borde onde parei em um restaurante e resolvi repor as energias porque não estava seguro se encontraria outro estabelecimento pelo caminho. A refeição custou um pouco mais caro do que as anteriores, 5,500 pesos. Aproveitei o preço alto para reforçar meu pedido de um prato bem servido, sobretudo, com bastante arroz. Pela primeira vez em muito tempo o prato estava realmente caprichado. Carne, salada e banana assada também faziam parte do cardápio. Um copo de suco era incluso. Tudo estava uma delícia e rapidamente o prato foi limpo.

Exército presente em todas as rodovias.

Na saída de El Borde visualizei uma placa única na expedição. A mesma indicava a população, temperatura e a altitude da cidade. Eu particularmente acredito que a altitude esteja equivocada. Pelo menos eu acho que estava muito mais alto. O certo é que a temperatura estava alta e a sensação térmica ficaria ainda pior porque era o fim da região arborizada. Na minha frente apareceu apenas a estrada que parecia pegar foto em seu tapete preto.

A placa que indica até a temperatura, rs.

Ônibus ao melhor estilo boliviano. Não raramente está repleto de pessoas e bagagens.

Estou perto de casa?

Bastante comum na região.

Flagrante.

O fim do trecho arborizado.

Esse trecho após El Borde foi uma verdadeira montanha-russa que tirou toda minha energia. A cada nova subida era um verdadeiro sacrifício para chegar ao topo. A alternativa foi devorar minhas últimas bolachas para ver se garantia uma “vida extra”. Acho que adiantou porque eu continuei a avançar apesar dos pesares.

O início da subida.

Durante o caminho várias barreiras do exército não nos deixa esquecer que essa é uma área que merece atenção em razão da existência das FARC. Sem nenhum impedimento, continuei em frente. Mas era melhor não ter continuado (risada sacana). Com 71 quilômetros pedalados apareceu a maior subida do dia. Ela já era esperada e sua extensão seria de aproximadamente 15 quilômetros.

Imaginem. Eu estava no bico do corvo e o calor era infernal para completar a subida monstruosa durante aquele horário. Mas eu deveria chegar o mais próximo possível de Popayan e para isso era preciso uma coisa: superação. Necessitava ir além dos limites conhecidos. E era exatamente o que estava sendo realizado. Resgatava forças de onde não imaginava ainda restar alguma coisa. Claro que meu avanço foi lento, mas devagar se vai ao longe, esse é o ditado. Dito e feito.

Mais uma vez nas alturas.

Pela subida também foi possível encontrar várias barracas que vendiam, sobretudo, mangas. Em uma delas eu parei na pretensão de completar minhas garrafas de água que quilômetros antes já havia sido reabastecidas. Além do liquido precioso ganhei duas frutas que logo na sequencia foram devoradas. Os “mangos” foram bem refrescantes para o momento.

Da série: Coisas que a gente encontra pelo caminho.

A estrada subiu até o último limite da montanha. Quando cheguei quase ao topo começou a chover, mas não durou muito tempo. Até a chuva terminou e a subida não. É tanto aclive que chega a ser desumano. O preço para conhecer essa região tem sido alto (em todos os sentidos da palavra) demais. 

Quilômetros finais da subida.

Como já passava das 18 horas seria impossível avançar para Popayan. Então a estratégia foi avançar para o povoado de Rosas no topo da montanha. Quando finalmente cheguei ao local descobri que a hospedagem ficava mais à frente, depois de uma última subida. É brincadeira? Acendi a lanterna traseira da bicicleta e fui encontrar o lugar para descansar. Achei a hospedagem El Viajero.

A diária no El Viajero começou em 15 mil pesos. Argumentei que era brasileiro e sem muito dinheiro, mas levei um “tapa” na cara. A mulher (irredutível) disse que a condição brasileira é muito melhor se comparada com a dos colombianos. Fiquei sem argumentos, mas ainda assim ganhei um desconto de 3 mil pesos. O quarto era extremamente simples. Apesar do banheiro privado, não havia chuveiro e mais uma vez o banho foi gelado. Hoje eu desejava uma água quentinha porque com a altitude e a chuva a temperatura despencou e foi tenso enfrentar aquela água congelante.

Devidamente limpo fui procurar um restaurante para jantar. Acabei encontrando uma lan house e fui ver meu e-mail e o resultado final do mundial de clubes. O time da zona leste de São Paulo levou a taça pela primeira vez. A torcida deve estar contente até agora. Afinal o primeiro titulo mundial não se esquece. Felizmente o soberano tricolor paulista tem 3 mundiais na história e eu sei bem como é a sensação.

Antes de voltar para a hospedagem comprei um saco de pão (estilo bisnaga) que era único disponível na mercearia. Seria meu café da manhã do dia seguinte. Eu acabei por fazer a refeição noturna no restaurante do próprio El Viajero onde a janta me custou 5 mil pesos. Menu tradicional.

No quarto, mesmo cansado, fui escrever um pouco no diário de bordo e depois fui dormir para descansar. Precisava recuperar as energias para o dia seguinte que infelizmente seria de mais subidas.

Dia finalizado com 89,14 km em 8h29m e velocidade média de 10,50 km/h.

17/12/2012 - 162° dia - Rosas a Popayán

A noite foi extremamente chuvosa em Rosas. 

Acordei cedo, mas não estava disposto a sair rapidamente da hospedagem. Eu continuava cansado em razão das intermináveis subidas de ontem. Quando fui colocar a bagagem na Victoria percebi que o pneu dianteiro estava totalmente murcho. Enchi outra vez e fui à estrada pouco depois das 7 horas da manhã.

O objetivo do dia era avançar o mais próximo possível em direção à Cali. Eu tinha conhecimento que o trajeto inicial seria realizado por uma pequena descida de sete quilômetros e uma subida imensa na sequencia. Para a minha infelicidade o pneu murchou rapidamente e fui obrigado a troca-lo ainda durante o declive. Esse processo sempre custa vários minutos e desta vez não foi diferente.

A estrada voltou a ficar ruim em vários trechos. Placas indicam que a área é instável geologicamente e que vários degraus são encontrados na pista. Na verdade em diversos momentos quase não existe asfalto. Um perigo iminente de acidente e uma verdadeira vergonha.

Estrada vergonhosa.

Asfalto, meu filho, cade você?

A descida passou em questão de poucos minutos e na sequencia comecei, novamente, outra subida que teve extensão de 12 quilômetros. Lá estava eu cada vez mais alto. O que compensa sem dúvida é a natureza. A fauna e flora nas montanhas colombianas é algo surpreendente. O que mais chama atenção são as aves e o som emitido por elas. Não é fácil identifica-las e muito menos flagra-las, mas apenas o fato de ouvi-las é uma grande satisfação.

Como choveu bastante de noite o tempo amanheceu tímido, todavia, não demorou para o sol aparecer e aumentar a temperatura. Mais uma vez fiquei todo ensopado de suor. Novamente muitas barracas à beira da estrada vendiam frutas e sucos que pareciam bem refrescantes. Mas o “pão-duro” não cedeu à tentação. Terminei a subida e logo depois cheguei à cidade de Timbio onde fui obrigado a parar no acostamento e comer as últimas bisnagas que sobraram do café da manhã. Estava com muita fome já que não havia mais bolachas para degustar.

De Timbio à Popayán é um verdadeiro sobe e desce. No caminho visualizei a primeira plantação de café na Colômbia. O país é um dos maiores produtores da América Latina, quiçá do mundo. A qualidade do fruto é um dos principais motivos pela exportação em larga escala.

Cheguei à Popayán apenas às 13 horas. Resolvi permanecer no município para descansar. Sentia que continuar sem parar (leia-se folga) até Bogotá não seria uma boa estratégia e extremamente prejudicial às minhas pernas. E tudo o que eu não preciso é de problemas físicos que impeçam o avanço da expedição.

Finalmente em Popayán.

Popayán é uma cidade grande e fui direto ao centro para procurar uma hospedagem mais econômica. Encontrei o Hotel San Agustín onde a diária surpreendentemente custou apenas 13 mil pesos. O preço baixo era apenas em razão do quarto sem banheiro, este era compartilhado e sem água quente. Mas não me importei. Eu precisava apenas descansar.

Tomei um banho e fui às ruas para almoçar (fome não me falta). Com a variedade de restaurantes o preço é mais baixo e a refeição me custou apenas 3 mil pesos, a mais barata na Colômbia até o momento. O cardápio não tinha nenhuma novidade, mas estava saboroso e relativamente caprichado.

Depois do almoço comecei a procurar um supermercado para comprar meus mantimentos básicos. Encontrei um estabelecimento grande e aproveitei para levar pão, geléia, suco e frutas. Os preços, infelizmente, não são os mais baixos. A bolacha, por exemplo, é bastante cara e por isso achei melhor pesquisar em outros lugares.

O supermercado levou meus últimos pesos colombianos. Então fui obrigado a sacar mais dinheiro e deixar minha conta mais magra. Mais uma vez não tive problema para realizar o saque no exterior. Tudo ocorreu sem problema nesta primeira transação no caixa eletrônico colombiano. 

O centro com suas ruas e calçadas estreitas é bastante movimentado e o comércio não se diferencia muito daquele que é encontrado nas cidades brasileiras. Encontrei uma área onde várias lojas vendem doces e bolachas. Em uma delas achei a galleta peruana GN que continuava a mais barata entre as opções. Novamente levei vários pacotes que certamente devem me acompanhar até o final da Cordilheira.

Feito o que precisava fazer, voltei ao hotel, não sem antes procurar bastante pela sua localização. O cabeçudo aqui esqueceu de ver o nome do hotel e a rua onde o mesmo se encontra. Realmente as subidas estão prejudicando até o meu cérebro. (Risada Sacana)

Na hospedagem fui preparar meu café da tarde e não demorou muito para começar a cair um verdadeiro temporal que durou mais de duas horas. Aproveitei esse tempo para atualizar o diário de bordo. 

De noite retornei às ruas para jantar e andei por várias ruas do centro histórico que está bastante iluminado por causa das festividades de final de ano. Presenciei uma solenidade da policia militar também na região central e na sequencia regressei ao hotel onde fui ver o segundo e longo filme da trilogia Senhor dos Anéis. 

Não terminei de ver o filme em razão da sua duração de mais de quatro horas. Fui dormir sem saber ao certo se permaneceria mais um dia na cidade ou se continuaria a viagem. Em todo caso, deixei para decidir apenas na manhã seguinte.

Dia finalizado com 41,92 km em 3h50m e velocidade média de 10,90 km/h.

18/12/2012 - 163° dia - Popayán (Folga)

Acordei cedo e cansado. Por isso resolvi ficar mais um dia na cidade exclusivamente para recuperar as energias. Nada de passeios, saída às compras, atualização do site ou qualquer outra coisa. É preciso reconhecer e respeitar o momento em que o corpo pede um tempo para se restabelecer. 

Aproveitei a oportunidade para acabar de ver o filme da noite passada. Mais uma vez fui surpreendido pela magnitude do já antigo “Senhor dos Anéis”. Uma pena ter demorado tanto tempo para assisti-lo. Antes tarde do que nunca.

Com o tempo livre também visualizei os registros fotográficos da viagem. Recordei dos mais diversos lugares que tive a grande felicidade de conhecer durantes os últimos cinco meses. Serviu para eu não me esquecer dos inúmeros obstáculos que superei para chegar até aqui. A situação atual pode não ser das mais favoráveis, sobretudo, em razão do relevo acentuado e o clima instável, todavia, não deixarei me abater por essas dificuldades e continuarei em frente para concluir meu objetivo.

Amanhã a pretensão será avançar em direção à Cali, uma das cidades mais conhecidas da Colômbia. Teoricamente o relevo será mais “suave” em relação aos dias anteriores, contudo, a prática pode ser diferente e surpreender. Por isso estou mais cauteloso com esses detalhes com a finalidade de traçar objetivos mais compatíveis com essa realidade colossal das montanhas. 

19/12/2012 - 164° dia - Popayán a Cali
 
Um dia extremamente longo e com diversos acontecimentos inesperados.

A noite em Popayán foi chuvosa mais uma vez, todavia, o dia amanheceu apenas nublado. Estava na hora de continuar a viagem e por isso não demorei em colocar minhas coisas no alforje, degustar meu desayuno e seguir em direção à Cali.

Às 7h10m eu estava de saída do hotel e pelas ruas de Popayán eu aproveitava a tranquilidade das primeiras horas do dia para registrar brevemente a região central. Poucos minutos depois eu me encontrava novamente na rodovia que passou a ser denominada como 25-04. Com quinze quilômetros a estrada tornou-se duplicada e com um largo acostamento. Perfeito para pedalar, sem comparação com o trecho anterior.

Saída da peculiar Popayán.

Uma cidade realmente diferente e que merece uma visita.

Popayán.

Era de meu conhecimento que o relevo seria de montanha-russa nos primeiros quilômetros e na sequencia apresentaria um longo trecho plano que certamente aliviaria meu esforço físico. O início do pedal foi marcado mais pelo trânsito intenso do que propriamente pelas subidas. Após o final de um curto aclive resolvi fazer uma pausa e comer um pacote de bolacha. Na última galleta percebi que o pneu estava murcho. Adivinhe?

Na terra do café.

Começo da rodovia em direção à Cali.

Ruta 25

Cada vez mais perto da capital.

Marcação frequente da quilômetragem.

Infelizmente mais uma câmera de ar furada. Tive o azar de parar justamente em cima de um caco de vidro que atravessou o pneu e a fita anti-furo. O problema é que o pneu traseiro que foi trocado recentemente em Otavalo (Equador) já está careca com menos de mil quilômetros pedalados. Com os cravos do meio desgastados o objeto cortante não teve dificuldade em atingir a câmera. Aos 22 quilômetros eu realizava a pausa inesperada para trocar o item em questão.

Parei ao lado de uma pequena chácara e comecei o árduo processo de retirar todos os alforjes, virar a bicicleta e retirar o pneu traseiro com a sua câmera furada. Para a minha infelicidade a câmera reserva também estava furada e fui obrigado a remenda-la. Na intenção de não cometer, novamente, os erros infantis, procurei realizar o remendo com calma e atenção. No meu caso isso sempre requer mais tempo. 

Enquanto remendava as câmeras de ar o morador da chácara ao lado se aproxima e começa a conversar comigo na pretensão de saber mais detalhes da viagem. O diálogo ficou bem interessante, sobretudo, pela simpatia e inteligência do senhor Mario que começou a me falar mais sobre a região e os trechos que eu teria pela frente.

Durante a conversa descobri que a região é uma das áreas dominadas pelas FARC e isso justificava o número maior de soldados na rodovia. Vale destacar que a guerrilha é pouco mencionada pelos moradores. Talvez seja por indiferença ou medo. Acredito que seja mais pela primeira opção, uma vez que os guerrilheiros perderam bastante o poder que tinham em razão das medidas de segurança adotadas pelo governo. Atualmente ambas as partes dialogam sobre um possível processo de paz que acabaria com o conflito que perdura por décadas.

Mario também alertou sobre o trajeto. Disse que após a cidade de Santander de Quilichao haveria um trevo com acessos à Cali e Palmira. A primeira era meu destino, contudo, posteriormente eu também passaria por Palmira, ou seja, no trevo eu poderia facilmente continuar direto no sentido à Palmira, no entanto, este caminho oferecia um risco em potencial por abrigar uma comunidade bastante perigosa. Mario me falava sobre o local com certa propriedade e preocupação. Não ignorei sua advertência e nem mesmo cogitei passar por essa parte. 

Minha atenção em relação aos remendos foi dividida com a conversa. Em um momento Mario me perguntou se eu conhecia Panela, um doce bastante típico da região. A princípio disse não saber do que se tratava, mas quando ele começou a relatar a forma de preparo e seus ingredientes eu lembrei que havia visto a tal Panela em um supermercado em Popayán. É a nossa conhecida rapadura. 

Rapadura é muito boa para quem pedala em razão da concentração elevada de açúcar. Corta-la em pequenos pedaços e leva-los na viagem foi uma experiência bem sucedida em outras ocasiões. Comentei isso e o colombiano pediu para eu esperar. Minutos depois ele regressou de sua casa com um “regalo”. Uma Panela de meio quilo para degusta-la durante o pedal. Que maravilha!

Panela. Nossa conhecida rapadura.

É aquela velha história, quase tudo tem um lado positivo, depende dos olhos de quem vê. O pneu ter furado exatamente naquele lugar me possibilitou ter uma excelente conversa sobre os mais variados assuntos e ainda acabei presenteado. Fiquei mais tempo parado do que pretendia, mas não poderia reclamar de nada. Acabei de remendar e trocar a câmera e consequentemente coloquei a bagagem de volta na Victoria e retornei à estrada, não sem antes agradecer imensamente ao Mario. 

Na estrada o relevo continuou a apresentar algumas subidas, mas eram cada vez mais tranquilas e as descidas predominavam. Por volta do meio dia e com apenas 44 km pedalados parei em um restaurante à beira da rodovia para almoçar. Estava com fome e precisava repor as energias. A refeição custava 6 mil pesos, quase o dobro que paguei em Popayán, apesar do preço elevado achei melhor permanecer no local já que não tinha certeza se haveria mais estabelecimentos próximos.

Não demorei muito no restaurante e poucos minutos após finalizar a refeição eu já estava de volta ao pedal. Não poderia perder tempo, uma vez que ainda pretendia chegar à Cali e por isso tratei de aumentar o ritmo. Na estrada a paisagem se mesclava entre árvores e plantações de café e banana. Cana-de-açúcar começou a aparecer na medida em que a altitude diminuía e o relevo se tornava mais plano e propicio para seu plantio.

Cafezais meio a outras árvores.

Cafezais por toda a região.

In foco.

Recado para as FARC.

Descida em direção à Cali.

O período da tarde rendeu bastante e em pouco tempo cheguei (com 91 km pedalados) ao trevo referido anteriormente. Sem pensar duas vezes continuei em direção à Cali. No horizonte visualizava a longa reta que eu aguardava ansiosamente. 

Início do longo trecho plano.

Incrível a quantidade de barreiras do exército pelas rodovias. Não sei o motivo, mas geralmente estão localizadas sobre as pontes. Até o momento não ousei registra-las porque não quero criar nenhum problema. Esse pessoal não gosta muito de fotografias, então é melhor não provoca-los. Sem molesta-los minha passagem foi tranquila e em determinados momentos fui até cumprimentado. Cartazes à beira da estrada recordam aos usuários que su ejército está presente nas rodovias para garantir sua segurança. 

Não demorou muito e apareceu o Rio Cauca que faz a divisa entre as províncias de Cauca e Valle Del Cauca. Com o novo departamento surgiu também a chuva. O tempo ficou cada vez mais fechado e chegou um momento em que a água caiu sem piedade. Coloquei a jaqueta impermeável e continuei em frente porque não faltava muito para chegar à Cali, segundo informava as placas. Mas havia uma diferença entre essa distância e àquela da minha planilha. Ainda que receoso, achei melhor acreditar nas placas que indicavam uma quilometragem menor.

A chuva se aproxima no departamento Valle Del Cauca.

O fluxo de veículos aumentou nas proximidades de Cali e uma placa de boas vindas apareceu quando meu velocímetro marcava 125 km pedalados desde Popayán. As placas estavam relativamente corretas. Acontece que a cidade é enorme (mais de 2 milhões de habitantes) e chegar na região mais urbanizada levou vinte quilômetros. A chuva diminuiu e o mesmo não aconteceu com o movimento que se tornou cada vez mais intenso. 

Meu objetivo naquele momento era encontrar uma hospedagem para descansar. A quilometragem já era a maior dos últimos dias e uma leve canseira estava prestes a fazer meu corpo solicitar repouso. Apesar do tamanho da cidade, nenhuma hospedagem apareceu pelo caminho. Era algo realmente inacreditável. A noite chegou e eu ainda continuava a pedalar, estava paciente, mas começava a ficar preocupado por não achar um local seguro para dormir. 

No perímetro urbano de Cali existem vários acessos para determinadas avenidas e regiões da cidade. Depois de perguntar algumas vezes pela direção de Palmira e Bogotá, continuei pela imensa Avenida Simón Bolívar. Não cansava de pedir informações sobre hospedagens, mas as pessoas eram unânimes em dizer que desconheciam algo pela região. Quanto mais eu avançava maior era o tráfego de veículos e também de ciclistas. Encontrei inúmeras bicicletarias (para atender a demanda) ainda abertas apesar do horário, contudo, nada daquilo que eu realmente precisava no momento.

Área feia. Avisaram-me para não avançar muito naquele horário porque havia um bairro com uma reputação não muito boa. Mas, sem opção, a solução foi continuar em frente porque finalmente alguém mencionou uma hospedagem que se encontrava em direção ao local advertido. 

Na verdade a hospedagem indicada não era um hotel ou hostal, tratava-se de um motel. Segundo a pessoa que me recomendou, era possível passar a noite no local sem problema. Estou com quase trinta anos e jamais visitei um estabelecimento deste tipo. Não tenho nada contra, mas nunca surgiu a oportunidade, pelo menos até agora.

Passar a noite em um motel não me pareceu uma idéia muito estranha porque eu havia lido em algum lugar que outros cicloturistas já passaram por tal experiência e foi tudo tranquilo. Por isso comecei a busca pelo Motel Eclipse. Pedalei bastante e não encontrava de jeito nenhum o letreiro enorme que indicava o local. 

O que realmente soava estanho era perguntar para as pessoas nas ruas onde ficava o “motel”. Depois de inúmeras tentativas, finalmente um homem me passou a exata localização. Por sorte eu tinha passado apenas uma quadra da hospedagem. Retornei e pedalei pela direção recomendada. Em poucos minutos visualizei o letreiro e imediatamente fiquei mais tranquilo. Mas o alivio não permaneceu por muito tempo.

Na entrada do Eclipse, ingênuo, perguntei se era um motel ou hotel, isso porque as pessoas me diziam que eram as duas coisas. E foi o mesmo que respondeu o segurança do local. No entanto, não existe diária, o preço era por 8 ou 12 horas de usufruto da habitação. Custava nada menos do que 35 reais para passar 12 horas. Absurdamente caro para o valor pago até o momento nas hospedagens da Colômbia. Pensei, pensei e pensei mais um pouco e não sabia exatamente o que fazer.

Perguntei ao segurança do Eclipse se havia outra opção de hospedagem pela região e então ele sugeriu o motel ao lado. Eu simplesmente não tinha visto que ao lado funcionava outro estabelecimento do mesmo padrão. Fiquei animado porque provavelmente seria uma opção mais econômica. Fui conferir!

Assim que entrei no Apart Hotel Cosmos Real, fui questionado se precisava de uma habitação. Minha resposta foi com outra pergunta: Qual o quarto mais barato para passar a noite? Para a minha felicidade 12 horas custavam 12 mil pesos. Não pensei duas vezes e realizei o pagamento para permanecer até às 7 horas da manhã do dia seguinte. Isso porque já eram 19 horas quando ingressei no local. 

Meu quarto no motel ficava no terceiro piso, dessa forma a Victoria ficou em um quarto no térreo. Como costumo fazer, levei os alforjes dianteiros e itens de maior valor para a habitação, que por sua vez, era pequena e bastante simples. Uma cama modesta, televisão e banheiro sem água quente. Eu estava mais do que satisfeito, afinal, tudo aquilo era mais do que necessário para descansar.

Sentei na cama e a primeira coisa a fazer foi degustar umas bolachas com suco. Estava bastante cansado e com muita fome. Também me encontrava todo molhado e sujo em razão da chuva do final da tarde. Então criei coragem e fui tomar um banho gelado. 

Acho que ainda não mencionei, mas sempre procuro ter cuidados básicos nos banheiros. Por exemplo, sempre utilizo chinelo para tomar banho por mais limpo que o local esteja. Para fazer certa necessidade fisiológica, busco forrar o vaso sanitário com papel higiênico antes de sentar. Ações que também não foram esquecidas no motel. Inclusive não utilizei a toalha (limpa) do local. Achei melhor enxugar com a minha. Precaução.

Aqui na Colômbia a maioria das hospedagens oferece o famoso sabonete de hotel, papel higiênico e toalha. Parecem itens indispensáveis para esse tipo de local, mas quem acompanha o diário de bordo deve lembrar que essas coisas são artigos de luxo em países como Bolívia e Peru. Eu aproveito essa disponibilidade para economizar (Risada sacana). Já tenho uma coleção de sabonetes no alforje. Acho que não precisarei compra-los tão cedo. 

Devidamente limpo fui preparar meu jantar: pão com geléia e bolacha. Mais parecia um café da manhã, mas era o que eu tinha disponível para a refeição noturna. Não havia nenhum restaurante nas redondezas e por isso foi necessário desayunar antes de dormir. Melhor do que deitar com a barriga vazia.

Dia finalizado com 144,16 km em 8h48m e velocidade média de 16,36 km/h.

20/12/2012 - 165° dia - Cali a Quebrada Nueva

Noite tranquila no motel.

Acordei por volta das 5h30m e não demorei muito para levantar, afinal eu precisava entregar as chaves do quarto às 7 horas da manhã. Então tratei de arrumar minhas coisas rapidamente e preparei meu desayuno para poder seguir viagem com a barriga cheia. 

As roupas de ciclismo utilizadas no dia anterior ainda estavam molhadas, mas resolvi utiliza-las novamente em razão do tempo que amanheceu nublado. Não estava a fim de sujar mais uma muda de roupa. Aliás, preciso urgentemente lavar as vestimentas, sobretudo, aquelas especificas para pedalar. Já passou do vencimento.

Exatamente às 7 horas da manhã eu peguei a Victoria e estava de saída do motel. Foi estranho sair do local e ver as pessoas a me observar com um olhar de desconfiança e curiosidade. No final eu ria da situação. Sei que não hesitarei em ficar neste tipo de hospedagem se for necessário. Com exceção de um canal “educativo” na televisão a cabo e das decorações nas paredes, não se diferencia muito de um alojamento, hostal ou hotel. Fica a dica para quem precisar de um lugar para descansar.

A decoração no pequeno quarto do motel.

O bom de ter pedalado até o anoitecer de ontem é que eu estava próximo da saída para Palmira. Hoje, apesar do horário, os veículos já congestionavam as ruas e avenidas de Cali. Precisei de muita paciência para andar entre os diversos carros e motos, essas, por sua vez, são inúmeras. Fazia muito tempo que não visualizava um cenário tumultuado como aquele. 

A notícia boa é que também existe bastante ciclista na cidade e me pareceu que os motoristas estão acostumados com a sua presença e, sobretudo, respeitam aqueles que estão sobre duas rodas. Não tive maiores problemas para avançar.

Para sair de Cali eu continuei pela avenida anteriormente denominada Bolívar. Ela é demasiada extensa e muda de nome algumas vezes. Para me localizar eu sempre perguntava qual caminho deveria seguir em direção à Palmira. Com as recomendações corretas e seis quilômetros percorridos, finalmente consegui sair da área de maior movimento. Três quilômetros depois eu começava a pedalar na rodovia 25-05. Encontrei um policial no acostamento e perguntei se este trecho Cali x Palmira x Bogotá era seguro. Com a resposta positiva me direcionei com tranquilidade sentido Palmira.

Finalmente de volta à estrada. Sentido Palmira.

A rodovia 20-05 está excelente. Duplicada e com acostamento largo em toda sua extensão. Também existe uma ciclovia de aproximadamente 25 km que faz a ligação entre as cidades de Cali e Palmira. Ciclistas são encontrados por todas as partes. Muitos utilizam o acostamento e o relevo favorável para treinar. Não raramente deparei-me com pelotões de ciclistas de speed.

Pista dupla, acostamento perfeito e uma ciclovia quilométrica ao lado.

Seria uma homenagem à banda americana ou ao estado de libertação do sofrimento, segundo o Budismo?

As maravilhas que a gente encontra enquanto pedala.

In foco.

In foco.

Segundo minha análise da altimetria da região, o relevo plano continuaria por dezenas e dezenas de quilômetros pela rodovia. Esse fator sem dúvida me animou, poderia pedalar mais tranquilamente sem precisar me preocupar e sofrer com as subidas intermináveis. A minha bunda foi a que mais agradeceu. 

Não sabia exatamente onde pararia no final do dia, mas a pretensão era pedalar mais de cem quilômetros. Com o relevo favorável não seria difícil de completar essa distância. Cheguei rapidamente ao trevo que permite acesso à Palmira e Bogotá. A capital colombiana era meu destino, por isso continuei conforme a indicação da placa.

Sentido à Buga e Bogotá.

A estrada após o trevo de Palmira continuou perfeita. Não tenho o que reclamar! A rodovia permaneceu com a mesma nomenclatura e também apresentou inúmeros ciclistas em treinamento. Infelizmente os speedeiros tem o mesmo comportamento da maioria daqueles que encontrei no Equador. Eles te ignoram completamente e quase nunca respondem seus cumprimentos. Atitude realmente lamentável. Paciência!

A galera em treinamento.

Trajeto bastante agradável para pedalar.

A paisagem também mudou bastante. Extensos canaviais ocupam muitos hectares às margens da rodovia. Inclusive foi possível ver algo inédito. Um caminhão que transporta cana-de-açucar e que aqui é chamado de Tren Cañero. O nome se justifica pelo número de “vagões” que cada veículo transporte. Alguns chegam a levar cinco deles. Fico a imaginar a habilidade necessária para conduzir algo desse tamanho.


Tren Cañero.

Será que estou mesmo mais próximo de casa?

Depois de Palmira meu objetivo era alcançar a cidade de Buga, local conhecido pelo trágico acidente aéreo (voo entre Miami e Cali) ocorrido em 1995 e que deixou mais de 150 pessoas mortas. O trajeto até este município foi de aproximadamente 70 quilômetros tranquilos e completados relativamente rápidos. Destaque para o tempo que melhorou e apresentou o sol depois de alguns dias. 

Sonso? Imagina quem nasce na cidade. rs.

A estrada não passa pela cidade de Buga, mas pelos inúmeros acessos tudo indica que seja um município mediano. Eu aproveitei a presença de restaurantes à beira da rodovia para almoçar ainda antes do meio dia. A refeição estava bem caprichada e custou 6 mil pesos. O valor um pouco mais elevado sempre abre mais espaço para pedir o prato bem servido. 

Após Buga eu deveria continuar em direção à Bogotá. A referência do momento era seguir sentido à Armenia ainda pela rodovia 25-05. Foram mais quarenta quilômetros em que aproveitei para apreciar a paisagem que passou a ser bucólica. Algumas curiosidades pelo caminho me fizeram rir sozinho. Realmente tem coisas que é preciso ver para crer. 

Rodovia em excelente estado.

Ruta 25 - Norte

Da série: Coisas que a gente encontra pelo caminho.

A minha companheira em direção à sua cidade natal, rs.

Concordo plenamente.

O trecho plano terminou junto com a 25-05 em Andalucia. Depois apareceu um moderado sobe e desce que não exigiu muito esforço físico, pelo menos para mim. Isto porque encontrei dois ciclistas com mochilas nas costas que seguiam para Armenia, que na ocasião ficava a mais de 60 quilômetros. Era possível notar a dificuldade que ambos tinham para completar as subidas. Também era perceptível que não estavam acostumados a viajar de bicicleta. Troquei algumas palavras e deixei-os para trás. Com sorte chegariam ao destino somente no dia seguinte Eu segui em frente.

Com 134 quilômetros apareceu o trevo onde eu deveria pegar a saída para Armenia e Bogotá. Caso contrário eu seguiria para Medellin que faz parte do meu roteiro, contudo, somente após a visita à capital colombiana. A nova rodovia passou a ser denominado como 40-02, também conhecida por Autopista del Café. Infelizmente apenas os dois primeiros quilômetros estão duplicados. As subidas passaram a ficar mais acentuadas e chegar à La Tebaida, distante cerca de 40 quilômetros, me parecia muito difícil em razão do horário tardio. Então resolvi que terminaria o dia na primeira hospedagem apontada pelo caminho.

Finalmente o acesso à Armenia - Bogotá.

Autopista del Café

O pedal havia rendido bastante e no final da tarde eu já estava com mais de 140 km acumulados. Há muito tempo não pedalava uma quilometragem alta como esta por causa da altitude que não deu trégua nos últimos 50 dias. Claro que a distância em questão me deixou cansado e por isso eu aguardava ansiosamente um local para descansar. Mas estava difícil encontrar algo pelo caminho, este  apresentava somente chácaras e fazendas com plantações de café e criação de gado.

Um senhor na estrada me animou e disse que existiam duas hospedagens mais a frente, especificamente a 3 quilômetros de onde estávamos. Na verdade a distância foi maior do que a prevista, mas finalmente cheguei, às 18 horas, em Quebrada Nueva, um pequeno povoado entre as montanhas. Parei ao lado de uma lanchonete e perguntei a algumas pessoas se havia um lugar para eu passar a noite e me recomendaram ver com a dona da venda.

Fui atendido por uma simpática mulher que disse dispor de um quarto, mas ressaltou que eu precisaria esperar para realizarem a limpeza do local. Mencionei que não tinha problema em aguardar e minutos depois eu era encaminhado ao dormitório no piso superior. O lugar era bem melhor do que eu imaginava, contava com televisão e banheiro privado. A diária saiu por 15 mil pesos. 

Não tinha água quente no chuveiro, mas esse foi apenas um detalhe. Tomei um banho caprichado e depois fui comprar três salgados na lanchonete onde a Victoria ficou guardada. A opção por esses alimentos aconteceu pela ausência de um restaurante aberto naquele momento no vilarejo. Para a sobremesa degustei mais bolachas na pretensão de não dormir com muita fome. 

Não preparei a janta porque faz um tempo que estou sem carregar macarrão, atum e molho de tomate. Simplesmente não compensa compra-los já que as refeições nos restaurantes saem bem mais econômicas. Mas acho melhor deixar, novamente, alguma reserva no alforje. Terei que desembolsar uma grana com esses mantimentos, mas faz parte.

Antes de dormir fui ver um pouco de televisão e acompanhei jornais do Peru e Chile que surpreendentemente eram captados por alguma antena tipo parabólica. Foi interessante ver a repercussão global do possível fim do mundo, muito embora as emissoras apresentassem matérias relacionadas à “farsa” por trás de toda essa especulação.

A partir das reportagens na televisão também foi possível fazer uma reflexão a respeito do movimento intenso no comércio em razão das compras natalinas. Poucos dias antes do Natal, milhares de pessoas estavam nas ruas em busca de presentes. Deixar para comprar na última hora não é algo reservado somente aos brasileiros que gostam de exaltar que isso faz parte do “jeitinho brasileiro”. Em um mundo globalizado, certas atividades passam a ser adotadas em uma escala muito mais abrangente do que pensamos.

Após o noticiário apaguei as luzes e capotei na cama. Se o mundo não acabar amanhã, acordarei para mais um dia de pedal. Sinceramente acredito que isso tudo é uma grande distorção do que dizia os maias. Na verdade é apenas o começo de um novo ciclo segundo o calendário da antiga civilização. Vida longa!

Dia finalizado com 149,62 km em 9h01m e velocidade média de 16,56 km/h.

21/12/2012 - 166° dia - Quebrada Nueva a Cajamarca

O mundo não acabou e o verão chegou.

O que fazer na estação mais quente do ano? Encarar a subida mais famosa da Colômbia: La Linea. 

Apesar da hospedagem ficar ao lado da rodovia e o barulho dos caminhões ser inevitável, isso não chegou a ser um problema durante a madrugada e o meu sono foi relativamente tranquilo. Acordei apenas uma vez para colocar a coberta já que esfriou um pouco, mas nada comparado com a temperatura das altitudes mais elevadas.

Estava sem pão e meu desayuno se resumiu à bolacha com geléia, rapadura e suco. A combinação não matava a fome, mas me dava certa energia para continuar a viagem. Mal sabia eu que o dia seria extremamente longo. 

Minha saída da hospedagem aconteceu por volta das 7h15m. O tempo estava bonito e quente. O verão começava com temperaturas próprias da estação. Não precisei nem colocar minha segunda-pele. Pela segunda vez em mais de cinco meses eu resolvi vestir minha bermuda de ciclismo. 

Acostumei-me a pedalar com calça e achei um modo muito econômico já que não preciso passar protetor solar nas pernas. Todavia, a bermuda foi utilizada porque a parte acolchoada da calça passou a ser insuficiente para deixar minha bunda confortável. Por isso achei que a bermuda poderia solucionar ou amenizar o problema.

A pretensão do dia era avançar o máximo possível. Estava ciente que voltaria às montanhas e o pior, encararia a subida mais famosa da Colômbia. A temida e íngreme La Linea. Desse modo, se eu conseguisse pedalar 100 quilômetros eu estaria mais do que satisfeito. Eu havia rabiscado na agenda, informações sobre o trajeto, mas algumas delas se desencontraram e eu fiquei sem saber exatamente onde encontraria o maior desafio do dia. Avante!

Logo nos primeiros quilômetros as montanhas voltaram com seu tamanho majestoso e o alivio do trajeto plano ficava para trás definitivamente. Apesar das dores na bunda e a virilha assada eu não poderia reclamar, afinal foram dois dias com o relevo favorável que permitiu um bom avanço. Agora bastava continuar pela conhecida montanha-russa em um cenário bastante bonito. Fauna e flora me animaram a completar cada quilômetro. Pássaros das mais variadas cores é um verdadeiro colírio para os olhos. 

O começo das montanhas. Em poucos quilômetros ficariam dez vezes mais altas.

Paisagem pelo caminho.

Panaca!

A estrada tem inúmeros trevos e denominações. Chegou uma hora que nem resolvi mais anota-las. Mas para quem segue por este caminho em direção à Bogotá não tem erro, basta continuar sentido à Ibagué. Felizmente há diversas placas que orientam tranquilamente como chegar ao destino desejado. Também destacam frequentemente as distâncias. 

Em determinados momentos perguntava para as pessoas no acostamento sobre a localização da “La Linea”, contudo, as informações não eram precisas e pouco me ajudavam para programar melhor minha pedalada, ou seja, o ritmo que eu poderia empregar para poder completar o esperado aclive ainda com claridade. Um senhor chegou a mencionar que a subida começava após Calarcá. Já era uma referência.

Para chegar à Calarcá foi preciso passar pelo trevo de acesso à Armenia e Ibagué. Segui para essa segunda cidade e continuei no caminho certo. O trajeto é bastante interessante, repleto de cafezais que várias vezes se misturam com os bananais. Nas proximidades de Calarcá existem diversas chácaras que, pelo estilo, aparentam ser de pessoas com um maior poder aquisitivo. Também têm condomínios “rurais” destinados aos afortunados. Da mesma maneira são encontradas várias hospedagens sofisticadas onde a diária certamente não é das mais baratas. 

  
Direção à Ibagué.

A segunda Tranquera que eu encontro na viagem. A primeira foi na Bolívia.

A Islandia na América do Sul. Será mesmo o fim do mundo? rs

Bananais da região.

Essa foto resume o cultuvo aparentemente mais rentável da região.

Sentido à Calarcá e à temida La Linea.

Cheguei a essa área próxima de Calarcá por volta do meio dia e aproveitei esse povoado para ver se algum restaurante oferecia uma refeição barata. Sete, oito e quinze mil pesos foram os valores encontrados nos estabelecimentos pesquisados. Um verdadeiro absurdo! Meu café da manhã não foi muito caprichado e por isso eu estava com fome, mas não pagaria esses valores por um prato de comida. Avante!

Pedalei mais um pouco e encontrei um restaurante que oferecia almoço por 6 mil pesos. Pensei que não encontraria nada mais barato pela região e então resolvi recuperar as energias no local. Fui muito bem atendido e meu prato foi extremamente caprichado. Uma jarra inteira de suco estava incluída e deliciosamente gelada. 

Passei pelo perímetro urbano de Calarcá e às 14 horas, com 48 km pedalados desde Quebrada Nueva, comecei a encarar a subida que inúmeras pessoas me alertavam desde Ipiales, fronteira com o Equador. No sentido à Ibague o aclive conhecido como La Linea tem apenas 23 km de extensão, contudo, sua reputação está relacionada à inclinação extremamente íngreme. A ascendência entre Calarcá e o topo da montanha chega a 2 mil metros. Que tal?

Comecei a subida às 14 horas e nos primeiros metros percebi que não seria brincadeira. Em poucos minutos eu já visualizava a cidade de Calarcá de um ângulo diferente. Definitivamente a estrada não estava nas melhores condições para pedalar. Não havia acostamento e o tráfego de veículos era intenso em razão da temporada de férias e festividades de final de ano. A situação somente não era mais critica porque a maioria dos motoristas estava no sentido contrário, em direção à Cali.

Calarcá fica para trás nos primeiros quilômetros da famosa La Linea.

Em questão de poucos quilômetros eu já estava no céu, rs.

Na ausência do acostamento, realizei um esforço extra nas pernas e braços para poder manter a bicicleta em linha reta, algo que nunca é fácil em uma subida extremamente íngreme. Com a velha paciência eu avançava lentamente e cumprimentava os motoristas que buzinavam, aplaudiam e tiravam fotos da minha jornada em direção ao topo. 

La Linea é demasiadamente sinuosa e a cada curva a inclinação se torna ainda mais absurda e inacreditável. Sem dúvida esse fator faz jus à fama que a subida recebe. Pode facilmente entrar na lista das mais difíceis de toda a Cordilheira dos Andes. 

Não demorou muito e comecei a deparar-me com as primeiras obras na estrada. Mais tarde descobri que se tratava da construção gigantesca daquele que será o túnel mais extenso da América Latina. Sua construção começou em 2004 e a previsão para sua conclusão é final de 2013. O objetivo é melhorar o trânsito pela rodovia 40 que liga Bogotá à Cali e também ao Pacífico. Não sei o real andamento das obras, aparentemente acho muito difícil que tudo esteja pronto até o ano que vem. Mas sem dúvida é uma construção audaciosa. 

A imensa obra em execução da região.

Calarcá e Armenia ao fundo.

In foco.

 
 As futuras pontes que farão a ligação com o imenso túnel que também está em construção.

A quilometragem passou aos poucos e cheguei aos céus mais uma vez na viagem. O tempo fechou e a neblina apareceu em determinados trechos. Apesar do trajeto complicado eu não cheguei à exaustão, mas minha bunda ficava cada vez mais dolorida. De tempos em tempos eu tinha que fazer uma pausa para aliviar a situação e poder seguir em frente. Claro que aproveitava esses momentos e degustava as bolachas que ainda restavam. Ainda bem que as galletas rellenas proporcionam uma energia extra. Porque não foi fácil completar os quilômetros finais. 

A última parte da La Linea é a mais extrema de todas. Em algumas curvas eu tinha que pedalar em pé para poder vencer a inclinação. O trajeto é tão sinistro que em determinadas áreas existe o alargamento da pista para que os caminhões maiores consigam realizar a curva. Mas tem horas que isso não é possível e acidentes parecem não serem raros. Encontrei um caminhão que perdeu a direção em uma curva durante a descida e a sorte foi que o motorista jogou o veículo no sentido contrário ao barranco. 

A inclinação que às vezes chega aos 13%.

Se não bastasse todo o relevo insano, a estrada também está relativamente precária em certas partes em razão das fortes chuvas ocorridas em 2011. Degraus na pista e sinais de desmoronamento ainda são encontrados pelo caminho. Mas isso deve ser um problema maior para os motoristas, porque não chega a ser um obstáculo grande para quem pedala a 5-6 km/h. Certamente o contrário acontece para quem faz o sentido inverso.

In foco.

Essa subida é daquelas que parece não acabar nunca. E eu desejava chegar ao topo o quanto antes para não precisar pedalar pela descida na escuridão. Mas infelizmente isso não foi possível e os últimos cinco e intermináveis quilômetros foram concluídos já no período da noite. Liguei a lanterna traseira no modo intermitente para chamar a atenção e o farol dianteiro para iluminar meu caminho.

Subida que fica para trás

Depois da Islandia, passei também no Alaska.

  
In foco.

Com exatos 23 km de subida desde Calarcá eu chegava ao topo da montanha às 19 horas. Foram necessárias cinco horas para concluir essa distância. Isso indica o grau de dificuldade para vencer a tal Linea. Vale ressaltar que durante a subida quase não se encontra nada além de algumas casas à beira da estrada onde geralmente tem uma pequena barraca que além das bebidas, deve servir algum salgado. 

No final da subida. Mais uma etapa superada. La Linea conquistada.

No final da subida havia o que parecia ser um bar anexo a uma borracharia, mas nem de longe poderia servir para um acampamento. Sem hospedagem à vista a solução foi colocar o corta-vento e começar a descida no escuro. Afinal estava frio e com a velocidade maior a temperatura despencaria ainda mais.

Chegar ao cume de uma montanha como esta merece algo especial. A minha comemoração foi tentar curtir a descida que é longa, muito longa. O declive não é ininterrupto, mas os próximos 60 km seriam praticamente montanha abaixo. Claro que eu não tinha a pretensão de completa-los naquele horário. Meu objetivo era chegar à cidade de Cajamarca. Para concluir essa última etapa eu deveria descer aproximadamente 20 quilômetros.

A descida foi pedalada com extrema atenção porque além da escuridão o tráfego continuou tenso e a estrada também apresentava trechos de buracos e degraus no asfalto. Assim o trajeto foi mais demorado do que o normalmente costuma ser. A velocidade baixa era uma medida de precaução e respeito pela montanha. 

Por vários quilômetros a única coisa que eu enxergava no horizonte eram as luzes dos veículos que serpenteavam a montanha. Nenhum sinal de civilização. O que começou a aparecer foi a chuva que àquela altura não era nada bem-vinda. Por sorte ficou restrita apenas a um leve chuvisco.

Durante o declive presenciei mais um acidente que muito provavelmente havia ocorrido a pouco tempo. Diferente do acidente anterior, tudo levava a crer que o motorista não teve a mesma sorte por que a frente do caminhão estava completamente destruída. Tinha um pessoal ao redor do veículo, mas não parei porque eu precisava chegar à cidade antes da chuva. 

Com aproximadamente 20 quilômetros de descida, finalmente apareceu algumas luzes, mas ainda não era a cidade. Tratava-se de um pequeno pedágio por onde passei rapidamente. A sorte é que pouco tempo depois e quase na área urbana de Cajamarca, surgiu um restaurante onde também funcionava um hotel no piso superior. Não pensei duas vezes para estacionar a bicicleta e conferir o preço da diária.

A hospedagem não tem nome, mas é a primeira depois do pedágio, muito fácil de identifica-la. A diária saiu por 15 mil pesos, valor que infelizmente é padrão dos locais mais econômicos aqui na Colômbia. O quarto tinha banheiro privado (água fria) e televisão a cabo. O lugar é confortável e para descansar por uma noite é mais do que o suficiente. 

Antes mesmo de tomar banho desci ao restaurante e fui jantar, estava com bastante fome e precisava repor as energias que a montanha havia me levado. No local tinha dois homens que começaram a puxar conversa comigo. Ficaram bem curiosos com a viagem e o diálogo foi longo até as refeições serem servidas. No final fui surpreendido porque um deles acabou por pagar meu jantar. Claro que não fiquei sem agradecer. Para mim aquele era um presente por ter vencido toda a La Linea.

Após a janta voltei ao quarto e tomei um banho bem rápido porque a água estava bastante gelada. Na sequencia vi um pouco de televisão e finalmente fui descansar. Entre mortos, feridos, subidas e descidas, Victoria e eu saímos ilesos. 

Dia finalizado com 91,99 km em 9h38m e velocidade média de 9,53 km/h.

22/12/2012 - 167° dia - Cajamarca a Melgar 

Descidaaaa! De volta às baixas altitudes.

Não precisava sair cedo para pedalar porque o dia prometia ser relativamente fácil no que diz respeito ao relevo. Uma longa descida até a cidade de Ibagué e depois mais um bom trecho plano. Com isso fui sair da hospedagem somente por volta das 8 horas da manhã. Após uma noite chuvosa o tempo estava aberto e a temperatura agradável para pedalar.

Logo após Cajamarca a descida foi marcante nos quilômetros seguintes e o avanço ocorreu rapidamente para a minha felicidade. Quase não tirei fotos do vale porque resolvi apenas aproveitar o momento e o vento na cara. O movimento no sentido contrário continuava intenso e precisei somente pedalar com atenção para seguir com segurança.

Descida sentido ao perimetro urbano de Cajamarca.

Deixei a bermuda de lado e voltei a utilizar a calça, isso porque o sol castiga demais as pernas e haja filtro solar para dar conta de tamanha proteção. Sem falar que a bermuda não foi tão confortável como eu imaginava. Acho que a minha bunda precisa mesmo é de folga da pedalada para voltar ao normal.

Pouco antes de Ibagué passei a pedalar pelo departamento de Tolima que me desejou boas vindas apresentando uma subida inesperada antes de Ibagué. A chegada nesta grande cidade ocorreu depois de 33 km pedalados. O município é considerado como a “capital musical da Colômbia”. Os entusiastas por futebol certamente não se esquecem do local que foi palco da derrota memorável do Corinthians para o Tolima que eliminou o time da zona leste de São Paulo ainda na primeira fase da Copa Libertadores de 2011. 

A saída do perímetro urbano de Ibagué levou muitos quilômetros, afinal a cidade tem quase 500 mil habitantes, mas apesar do tamanho, minha passagem pelo local foi sem maiores dificuldades entre uma subida e outra que aparecia para me presentear com mais declives que continuavam a predominar pelo caminho.

Depois de sair da capital de Tolima o trajeto foi simplesmente fantástico, retorno da pista dupla (aqui chamada de Doble Calzada) e um relevo plano com um leve declínio que aumentou significativamente a velocidade média. As montanhas passaram a ser minoria no horizonte e isso era sinal que eu poderia continuar sossegado porque não teria que enfrentar as longas subidas pelos próximos quilômetros.

Trecho plano após Ibagué.

Árvore de pássaros.

A rodovia também é marcada por inúmeras barracas à beira da estrada que vendem uma enorme variedade de mangas, algumas de tamanho absurdo que mais parecem um melão ou algo parecido. Novamente resisto à tentação e sigo sem parar por estes locais. 

As barreiras do exército continuam e passam a apresentar uma curiosidade. Os soldados acenando aos motoristas. Foi estranho vê-los a fazer “jóia” a quase todos os veículos que gentilmente respondiam com buzinas ou gestos. Certamente a medida é alguma ordem superior, uma vez que esses homens fardados geralmente são mais “fechados” e sem muita conversa. Talvez essa atitude bacana possa ser apenas por causa das festividades de final do ano, não sei. De qualquer forma a simpatia é bem-vinda. Cumprimentaram-me por várias vezes e não causaram nenhuma obstrução à minha passagem.

Com 68 km pedalados parei em um restaurante às margens da rodovia. O almoço era oferecido a 5 mil pesos, um preço razoável. Fui muito bem atendido e o meu pedido de bastante arroz foi realmente levado a sério. Um prato extra com o referido alimento apareceu na mesa. Finalmente posso dizer que estava satisfeito com a farta refeição. Novamente uma jarra de suco foi servida sem custo adicional. Vale a pena pagar dois reais a mais e ter um almoço relativamente completo. 

O trecho após o almoço não mudou muito e o período da tarde foi marcado por acidentes. Primeiro deparei-me com uma pequena carreta tombada. A mesma transportava uma piscina que foi seriamente danificada e certamente proporcionou um grande prejuízo a seus proprietários. Horas mais tarde eu verifiquei uma movimentação maior no horizonte e notei a presença de ambulâncias e imediatamente pensei que coisa boa não era.

Rodovia excelente em direção à Melgar.

De longe era possível observar ambulâncias, policiais e curiosos presentes. Tirei uma fotografia para ver o que realmente tinha acontecido e pela lente da câmera identifiquei que um veículo saiu da rodovia e chocou-se contra uma árvore. Quando passei pelo local infelizmente notei que uma senhora já se encontrava sem vida. Ao que tudo indica o forte impacto causou ferimentos na cabeça da mulher, já que esta parte estava com bastante sangue.

Essa imagem é para chamar atenção mesmo e levar à reflexão.

Novamente eu estava diante de uma situação delicada, mas desta vez meu sentimento era diferente. Eu fiquei realmente indignado pela imprudência do(s) motorista(s). Desde o Equador eu tenho verificado um número cada vez maior de condutores irresponsáveis que pensam não estarem sujeitos aos acidentes. Velocidades absurdas; ultrapassagem em locais proibidos e muitas vezes realizada em curvas durante uma subida; e tantas outras imprudências. Claro que o resultado de tanta indiferença só pode ser acidentes que não raramente são fatais.

Não sei exatamente o que causou esse acidente fatal que presenciei, mas tudo indica que foi a velocidade excedente. A pista duplicada e a longa reta são lugares perfeitos para quem esquece que o veículo motorizado é uma arma que pode matar. O pior é que muitas vezes quem perde a vida são aqueles que não têm culpa da irresponsabilidade de quem jamais deveria ter a permissão para dirigir. 

Fiquei pensando na tristeza daquela família da senhora às vésperas do Natal. Ainda pior é saber que a data também será marcada por tragédias em tantas outras famílias por causa das imprudências que acontecem ano após ano pelas estradas de todo o mundo. Acho, sinceramente, que as pessoas estão cada vez mais impacientes e descarregam esse estresse do dia-a-dia na estrada. 

Cansei de ver carros, motos e caminhões em velocidades inimagináveis e tantas outras condutas suicidas. Esquecem que podem tirar a vida de inúmeras pessoas inocentes e acabar com a sua própria vida e deixar feridas abertas em suas respectivas famílias. Estou convencido que o ser humano está cada vez mais ganancioso e com uma busca incontrolável por poder. Querem sempre mais e simplesmente não sabem o que fazer com aquilo que possuem. 

As pessoas hoje em dia têm casas enormes e confortáveis onde passam cada vez menos tempo porque estão em seus insuportáveis trabalhados na pretensão de conseguir mais dinheiro para ter coisas que não sabem usufruir. Procuram comprar carros do ano e cada vez mais potentes para se locomoverem apenas ao trabalho ou no máximo a uma viagem de férias no final do ano que pode acabar tragicamente. Atualmente as pessoas fazem mil coisas ao mesmo tempo, mas infelizmente esquecem-se de refletir sobre a vida que levam.

As coisas são simples e nós, seres humanos, insistimos em complica-las o máximo possível. Se quiser ter carro, casa e tantas outras coisas que julga ser “indispensável”, que ao menos você saiba o que realmente pretende com elas. E que o seu desejo não implique em acabar com a vida de ninguém. Fica o desabafo! Reflita!

Após o acidente eu continuei e fiquei a pensar na estrada como um campo de guerra e que se as coisas piorarem ficará cada vez mais difícil para praticar cicloturismo com a devida segurança. Por isso que não devemos nos cansar de conscientizar as pessoas para uma convivência realmente harmônica no trânsito e todas as demais áreas.

Apesar dos pesares, avancei em direção à Bogotá, a capital era a referência para eu identificar o caminho correto. Novamente meu objetivo no dia era pedalar mais de cem quilômetros e com a marca alcançada eu deveria decidir em qual cidade parar. Resolvi encerrar o pedal na cidade estratégica de Melgar. Seria o local ideal para descansar antes de começar a subida com mais de 60 km sentido Bogotá.

A chegada em Melgar, localizada a 300 metros de altitude, aconteceu por volta das 17 horas. No horizonte já era possível visualizar as montanhas que seriam encaradas no dia seguinte. No momento eu precisava apenas encontrar uma hospedagem para passar a noite. Por isso me encaminhei ao centro e comecei uma longa jornada em busca de um lugar realmente econômico.

Chegada à Melgar. Montanhas ao fundo aguardavam minha visita.

O problema de encontrar hospedagem barata em Melgar ocorreu por uma série de fatores. A baixa altitude somada à nova estação do ano elevou a temperatura em plena temporada. Esta época de férias e festividades de final de ano acaba por lotar a maioria dos hotéis da cidade que oferecem piscina e outras comodidades. Claro que isso eleva a diária e nenhuma era menor que 30 mil pesos. Pesquisei dezenas (sem brincadeira!) de lugares e não encontrei nenhuma barbada. Não era possível que uma cidade mediana não tivesse um local mais econômico.

Na região da praça principal eu perguntei a um homem na rua sobre uma hospedagem realmente barata e após pensar um pouco ele disse que a única era a Hospedaje El Escorpión. Ficava a três quadras de onde nos encontrávamos. Agradeci pela informação e fui conferir o local. Achar o hotel foi fácil, está localizado na Carrera 31, n° 4-71, Bairro Sicomoro. Difícil foi encontrar o proprietário. O lugar estava fechado e os vizinhos disseram que logo o dono estaria de volta. Esperei.

Esperei por aproximadamente vinte minutos e o dono da hospedagem não apareceu. A vizinha então recomendou que eu fosse até o hotel da outra rua. Sem muita opção segui sua recomendação, mas o lugar estava lotado. Então voltei ao El Escorpión e finalmente encontrei o portão aberto. Entrei e ao perguntar o preço, finalmente uma resposta animadora. A diária custava 15 mil pesos. Não pensei duas vezes em permanecer no local.

As habitações no El Escorpión são simples, mas suficientes para descansar por uma ou duas noites. O banheiro é compartilhado e devidamente limpo. Pelo custo x beneficio o lugar é uma verdadeira barbada. Recomendo! 

Tomei um banho e pela primeira vez a água gelada foi bem-vinda porque realmente a temperatura estava elevada. O calor justifica o ventilador no quarto. O mesmo ficou ligado o tempo todo para refrescar o ambiente. 

De noite fui ao centro para comprar meus mantimentos básicos. No supermercado aproveitei para comprar rapadura e água mineral já que nos últimos dias foi difícil encontrar o liquido sagrado com boa qualidade. A opção mais barata sem dúvida é a bolsa de água. Uma sacola devidamente lacrada. 6 litros de água custaram cerca de 2 reais.

Com as mãos carregadas de sacola fui caminhar no centro em busca de restaurante. Felizmente não faltam opções e rapidamente encontrei um local onde recarreguei as energias. Cardápio e preço básicos. Na volta à hospedagem passei em uma lan house para conferir mais uma vez a altimetria do trajeto do dia seguinte. 

Já na hospedagem a única coisa a fazer foi tirar a roupa e dormir somente de cueca devido ao calor que continuava mesmo àquela hora da noite. 

Dia finalizado com 125,46 km em 7h45m e velocidade média de 16,16 km/h.

23/12/2012 - 168° dia - Melgar a Granada

Chuva, subidas e guincho.

A noite foi tranquila e acordei às 4 horas da madrugada porque a intenção era sair às 5h30m para encarar a subida com mais de 60 quilômetros. Eu não tinha conhecimento sobre sua real inclinação e para não ser totalmente surpreendido, achei melhor sair cedo, assim, independente do nível de dificuldade eu tinha a possibilidade de vencer, em um dia, o maior aclive de toda a viagem. 

Mas nem tudo ocorre como a gente planeja. Acordei e notei que a chuva amenizava a temperatura elevada. Sair com chuva no horário previsto não era uma boa estratégia, sobretudo, para encarar uma forte e longa subida. Por isso voltei a dormir. Levantei pouco depois das 6 horas e ainda continuava a cair água. Cogitei permanecer mais um dia na cidade, mas a vontade de chegar à Bogotá era maior e tratei de arrumar as coisas e assim que a chuva desse uma trégua eu partiria.

Fui sair da hospedagem em Melgar apenas por volta das 8 horas. As nuvens ainda estavam carregadas, mas no momento da partida somente chuviscava. A condição climática era ideal para subir. Seria menos sacrificante do que enfrentar o trajeto sob um calor infernal. Dos males o menor.

O proprietário da hospedagem me passou algumas informações sobre o trajeto, ambas foram recebidas com desconfiança. A primeira noticia é que a subida de verdade começava apenas 15 quilômetros depois de Melgar, algo que não era compatível com a altimetria analisada na internet. Também fui informado que haveria um túnel em que era proibida a passagem de bicicleta. Questionei se havia policiamento no local e a resposta foi que apenas câmeras monitoravam a área. Achei que isso não implicava em um obstáculo para percorrê-lo.

Os primeiros quilômetros realmente foram tranquilos e a subida era quase imperceptível. Com dez quilômetros apareceram as placas que indicavam a presença do túnel e que era proibido a passagem de bicicletas, pedestres e animais. Avancei um pouco e notei que um soldado estava na entrada do túnel. Parei, liguei a lanterna e o farol e continuei em frente. Quando eu adentrava no local fui advertido por um funcionário da concessionária responsável pela rodovia. 

Acredite, isso é uma subida.

O funcionário mencionou que eu não poderia seguir. Argumentei que estava com todos os equipamentos de segurança, mas de nada adiantou. Perguntei como passaria pelo túnel e ele disse que eu deveria pegar um ônibus ou caminhonete. Santa misericórdia! Eu ficava a imaginar o trabalho que isso resultaria. 

A sorte está ao meu lado. Já que eu não poderia seguir pelo túnel em razão da falta de segurança eu tive que aguardar um veículo que realizasse a travessia. Para a minha felicidade dois minutos depois apareceu um guincho que ao sinal do funcionário estacionou ao nosso lado. O motorista foi questionado se poderia me levar e não impôs nenhum impedimento. Assim, o funcionário me ajudou a colocar a Victoria no guincho e na sequencia embarquei na cabine.

O proprietário da hospedagem em Melgar mencionou que o túnel tinha 6 km de extensão. Já o motorista do guincho disse que tinha 8 km. Mas o trajeto no caminhão passou rápido demais para uma distância de 8 km. Literalmente com a luz no fim do túnel o motorista me perguntou se eu gostaria de uma carona até o próximo povoado. Agradeci, mas solicitei que me deixasse no final do túnel mesmo. O objetivo da minha viagem é pedalar sempre que possível. 

Desembarquei a Victoria e no local conversei com um soldado que informou com muita precisão que a obra tinha 4,2 km de extensão. Distância que me pareceu verdadeira. Então se você passar pela região fique ciente que não é possível atravessar de bicicleta pelo túnel. Medida que é bastante compreensível porque a passagem subterrânea não reserva nenhum espaço para a circulação de bicicletas. O tamanho limitado da rodovia no interior do túnel e o trânsito intenso tornam o deslocamento sobre duas rodas extremamente perigoso.

Após o túnel coloquei minha jaqueta impermeável porque a chuva voltou a ficar forte. Na sequencia apareceu uma pequena descida que levou à divisa entre os departamentos de Tolima e Cundinamarca. O limite territorial é caracterizado pela ponte sobre o Rio Sumapaz. O novo departamento me desejou as boas vindas com o início da subida forte.

O movimento na estrada mais uma vez era intenso e o congestionamento no sentido contrário àquele que eu me deslocava proporcionou que os motoristas acompanhassem meu esforço durante a subida e o tempo chuvoso. Novamente recebi vários incentivos e sem dúvida isso me motivou ainda mais. Eu estava tranquilo e muito bem psicologicamente. Continuei o pedal pela rodovia simples e sem acostamento e avançava conforme era possível.

A temperatura corporal aumentou por causa do esforço e fui obrigado a tirar a jaqueta, mas neste momento a chuva era fraca e certamente molharia menos do que a minha transpiração. A subida neste trecho é mais íngreme e repleta de curvas, contudo, esse cenário não permanece por muito tempo e logo um “falso plano” prevalece e ameniza a situação. Durante o caminho surgem povoados que oferecem uma boa estrutura para quem necessitar de hospedagem, mercados ou restaurantes. Fica a dica!

O aclive pode não ser íngreme, mas a sua extensão torna a pedalada cansativa. Não tirei muitas fotos, mas o cenário era típico das altitudes elevadas, montanhas altas e encobertas de nuvens ao redor. 

Cenário na metade do caminho.

Homenagem ao ciclista em Fusagasuga.

O pedal começou tarde e por isso eu já não cogitava mais chegar à Bogotá no mesmo dia. Não estava disposto a encarar a capital colombiana de noite, como fiz em Lima. É melhor não abusar da sorte, afinal, Bogotá tem uma população que se aproxima dos dez milhões de habitantes. Com isso eu resolvi que avançaria o máximo possível e finalizaria o dia por volta das seis horas da tarde em alguma cidade ou povoado pelo caminho.

Meu almoço aconteceu por volta das 14 horas porque ao meio dia eu encontrei apenas restaurantes caros onde a refeição estava a 8 mil pesos. Pensei que poderia achar algo mais em conta, mas a estratégia não foi bem sucedida. Demorou em aparecer outros estabelecimentos e quando apareceu o almoço custava 9 mil pesos. Eu estava com fome e tive que desembolsar uma grana extra. Pelo preço a refeição poderia estar mais bem caprichada. Paciência!

De volta à estrada a subida continuou como já era esperada, contudo, passou da quilometragem que estava anunciada nas minhas anotações. Perguntei para algumas pessoas quando a subida terminaria e as respostas mais concisas foram desanimadoras. O aclive permaneceria até o quilômetro 102 da rodovia 40, ou seja, ainda faltavam quase 20 quilômetros montanha acima para terminar mais essa difícil etapa. A canseira era aparente, mas ainda assim eu continuava pedalando. 

Passei por Silvania e a inclinação começou a ficar mais acentuada. A rodovia mescla trechos com pista simples e duplicada. Acostamento também não é permanente e determinados momentos é preciso redobrar a atenção. 

Pensei que Subia, uma pequena cidade, seria meu ponto de descanso, segundo informações havia hospedagem onde eu poderia descansar para completar a subida no dia seguinte. Criei certa expectativa para chegar ao lugar e quando isso finalmente aconteceu me decepcionei porque os dois hotéis eram mais caros do que estou acostumado a pagar. Apesar da canseira resolvi continuar a subida e buscar algo mais econômico. 

Se não me engano fui obrigado a pedalar mais 6 km de subida após a pequena Subia até encontrar no povoado de Granada (quilômetro 95) uma hospedagem economicamente mais acessível. A diária custou 17 mil pesos no Hotel Los Balcones. O diferencial era o chuveiro com água quente no banheiro privado. Mas na hora que fui tomar banho a água não esquentou. Paciência! Depois fui jantar no restaurante ao lado e novamente na hospedagem assisti a um filme na televisão (canal paraguaio) e depois capotei na cama.

Dia finalizado com 66,86 km em 7h40m e velocidade média de 8,71 km/h.

24/12/2012 - 169° dia - Granada a Bogotá

Finalmente em Bogotá!

Após outra noite tranquila, preparei meu desayuno, arrumei minhas coisas e às 7h30m estava de volta à estrada para completar o último trecho para chegar à capital colombiana. 

Ao contrário do dia anterior, o tempo estava bonito e o sol brilhava forte nas primeiras horas da manhã. A temperatura estava mais elevada, contudo, ainda era agradável mesmo com a subida que restava. O aclive final durou 8 quilômetros e terminou logo após o quilômetro 102 da rodovia 40 quando apareceu o Alto de las Rosas, o ponto mais alto da subida que praticamente foi de 74 km se considerarmos a saída de Melgar e sem contabilizar os 4 km do túnel. Não é à toa que eu quero sair logo da Cordilheira. É subida demais da conta.

Nada como iniciar o dia nas alturas.

A modernidade chegou às placas de trânsito.

Últimos quilômetros de subida.

Finalmente chega ao fim a mais extensa subida da viagem.

Chegar ao Alto de las Rosas foi sinônimo de felicidade e mais uma vitória conquistada. E o trecho restante para chegar à Bogotá seria realizado em maior parte por descida. Então eu tinha mais é que comemorar mesmo. Para isso nada melhor do que degustar uma bolacha recheada com água. A simplicidade nos momentos simples é a essência da felicidade. Experimente você também.

Não demorou muito e já estava em Soacha, cidade da região metropolitana de Bogotá. O trânsito ficou cada vez mais intenso na medida em que me aproximava da capital. Apesar de todo o tumulto do emaranhado de veículos meu avanço era realizado sem maiores problemas. 

Pela quilometragem mostrada no velocímetro tudo indicava que eu já estava no local desejado. Perguntei a um motorista e ele confirmou que eu já me encontrava em território bogotano. No entanto, eu deveria pedalar mais 20 quilômetros pela Autopista Norte para chegar à região central.

Bogotá é referência na América Latina no que diz respeito à estrutura cicloviária. E eu não demorei em visualizar e andar pelas ciclovias que estão por todas as partes, assim como os ciclistas que por elas transitam. É simplesmente impressionante o número de pessoas que utilizam a bicicleta como meio de transporte na cidade. Não precisei de meia hora para encontrar centenas deles. É bonito de ver como um município pode incentivar a utilização de um transporte alternativo.

Bogotá e sua estrutura cicloviária.

Ciclovias bem sinalizadas.

Detalhe para a preocupação com a sinalização.

A ciclovia possibilitou avançar com mais tranquilidade em direção ao centro. Para não pegar nenhum caminho errado sempre perguntava se estava no sentido correto. Em um destes momentos um ciclista aproxima e se oferece para me acompanhar até a região central que também era seu destino. Jorge era seu nome, um senhor de setenta anos muito simpático e bastante comunicativo. Durante o caminho conversamos sobre as mais variadas temáticas. Inclusive ele cantou uma música do Roberto Carlos e mostrou ser um grande admirador do Pelé. 

Pelas ruas é perceptível o respeito que existe entre motorista, ciclista e pedestre. Claro que nem tudo são flores, mas é inevitável não notar que o trânsito está acostumado com essa relação. Vale ressaltar a qualidade em que estão as ciclovias, muito bem sinalizadas e a maioria com a pavimentação em bom estado de conservação. 

A maior parte do trecho até o centro foi realizada pelas ciclovias, um e outro quilômetro que precisamos dividir espaço com os veículos. Quando aparecia uma subida o Jorge disparava na frente e mostrava que estava com um bom condicionamento físico para a sua idade. Segundo ele, pedala desde que era criança e a bicicleta é seu principal meio de transporte. Se eu chegar aos setenta anos com toda aquela energia estarei mais do que satisfeito.

As ruas e avenidas da capital também são denominadas por números e isso acaba por facilitar a localização. Jorge me acompanhou até a Carrera 7, uma das principais da região central. Na hora da despedida o “velhinho” me deu um abraço de avô que me deixou emocionado. Certamente Jorge é uma daquelas pessoas mais do que especiais que aparecem para deixar a viagem inesquecível. Agradeci sua imensa e espontânea ajuda e comecei a minha procura por hospedagem.

Jorge e eu no centro da capital colombiana.

Eu precisava encontrar um lugar barato para ficar três ou quatro dias na capital colombiana. Seria o suficiente para conhecer seu centro histórico, lavar as roupas, atualizar o diário de bordo e, sobretudo, descansar. A região é tomada por policiais que garantem a segurança daquela que já foi uma das cidades mais violentas da América do Sul. Perguntei a um policial onde eu poderia achar uma hospedagem econômica, ele então pediu ajuda a um homem que estava próximo que me recomendou procurar pela Carrera 8. Fui conferir.

Na Carrera 8 pesquisei em um hotel, mas a diária mais barata custava 30 mil pesos, cara demais para o meu padrão. Mas a sorte continua ao meu lado. Um rapaz na frente deste hotel me indicou uma hospedagem na Calle 16 esquina com a Carrera 8, ou seja, bem próximo de onde eu estava. A área é um verdadeiro calçadão tomado por inúmeros vendedores ambulantes que vendem, sobretudo, livros. Inclusive a maioria das lojas nessa área da 16 é dedicada a esse ramo.

Achei facilmente a Hospedaje Paisa. O local fica no segundo andar de um antigo prédio. Pedi para uma vendedora cuidar da Victoria por um minuto enquanto eu perguntava sobre o preço da diária. A pessoa que me atendeu disse que a habitação mais econômica, sem banheiro privado, custava 15 mil pesos. O quarto me pareceu confortável e ainda havia televisão a cabo para poder garimpar alguma programação interessante. Achei que valia a pena permanecer no alojamento familiar.

Tirei toda a bagagem da Victoria e comecei a leva-la para o quarto. Depois tomei um banho e fui procurar um lugar para almoçar, para a minha alegria achei um restaurante embaixo da hospedagem onde a refeição estava relativamente barata e saborosa. Na sequencia fui caminhar um pouco pelo centro para sentir o clima do lugar. Cheguei até a famosa Plaza Bolívar e aproveitei que tinha um supermercado para comprar algumas coisas para os próximos dias. 

A parte que mais chama minha atenção nas capitais sul-americanas é sem dúvida o centro histórico. Todavia, a área de construções antigas e que compreende museus, igrejas e casarões coloniais está mais concentrada no bairro da Candelária, que por sua vez, fica próximo da Plaza Bolívar. Mas achei melhor conhece-lo somente no dia seguinte. Por isso, depois que fui às compras resolvi voltar à hospedagem.

O centro de Bogotá não se diferencia muito daqueles das grandes capitais, contudo, o que continua a se destacar é o sistema cicloviário que também está presente na região. É possível encontrar ciclistas de todas as idades e classes sociais nos espaços reservados à sua circulação. Uma observação constatada é que a maioria utiliza capacete. Sem dúvida a cidade é a mais avançada da América do Sul quando o assunto é a utilização da bicicleta como mobilidade urbana.

Tentei achar uma lavanderia para ver se ficava muito caro a limpeza das minhas roupas, mas a única que encontrei estava fechada. Não posso reclamar, era véspera de Natal. Aproveitei e fui a uma lan house para ver se meu contato de Bogotá havia respondido sobre uma possível hospedagem em sua residência. Infelizmente não tinha nenhum retorno, contudo, tive uma surpresa realmente inesperada. 

O cicloturista colombiano Alejandro Castelblanco (http://travesiadelosandes.blogspot.com) que recentemente também começou sua viagem em Foz do Iguaçu já estava em Bogotá porque teve que abortar temporariamente a expedição em Cusco/Peru. Ele então me mandou uma mensagem em que oferecia hospitalidade em sua casa pelo tempo necessário. Como ele não estava online, expliquei onde estava hospedado e que aceitava seu convite, contudo, não tinha a menor idéia de onde ficava sua casa. Então deixei uma mensagem dizendo que entraria em contato para ter maiores detalhes de como chegar na residência.

No final da tarde entreguei as roupas sujas para serem lavadas pelo pessoal da hospedagem que também oferecia serviço de lavanderia. Na sequencia preparei o café da tarde e comecei a ver um pouco de televisão, mas não demorou muito e o sossego foi quebrado pelo som ligado em um volume absurdo. Começava a festividade natalina da família da hospedagem. Eu já havia decidido que a minha ceia seria meu jantar com pão e geléia e assim se sucedeu. 

A festa e todo o barulho insuportável na Hospedaje Paisa  continuaram no período da noite e se estendeu praticamente por toda a madrugada. Foi quase impossível dormir. Acho que o som foi desligado por volta das 5 horas da manhã, horário que eu pude realmente descansar um pouco. A minha paciência é testada de todas as formas. Tenho merecido o prêmio Nobel da Paz. 

Dia finalizado com 42,76 km em 3h50m e velocidade média de 11,14 km/h.

25/12/2012 - 170° dia - Bogotá (Folga)

Natal! Depois da tempestade (sonora) vem a bonança. Jamais perca a esperança de dias melhores.

Depois de poucas horas de sono, acordei e levantei às 7 horas da manhã, tomei meu desayuno, fiz uma leitura no guia, peguei a câmera fotográfica e me direcionei ao centro e o bairro da Candelária. Na saída da hospedagem fui surpreendido pelo proprietário que estupidamente me advertiu que estava tudo fechado, afinal era Natal, e que somente os ladrões estavam nas ruas. Que exagero! Eu não precisava dar nenhuma satisfação, mas educadamente disse que estava indo para a Plaza Bolivar e agradeci pela sua “preocupação”. 

As ruas estavam praticamente vazias e poucas pessoas circulavam pelo centro, todavia, era possível ver inúmeros policiais nas principais avenidas. A Plaza Bolívar não está localizada longe da hospedagem e precisei caminhar pouco para chegar ao local onde está concentrada a Catedral, Capitólio (Congresso), Prefeitura e o Palácio da Justiça. De todos esses prédios o que mais chama atenção é o Capitólio com seu tamanho e arquitetura de influência britânica.

Plaza Bolívar

Prédio da prefeitura com arquitetura francesa.

Capitólio

Estátua do libertador Simón Bolívar.

Capitólio de outro ângulo.

Catedral e os enfeites natalinos na Plaza Bolívar.

Ciclistas ao lado da Plaza Bolívia e Catedral.

Catedral

Pelas ruas na região do Palácio Presidencial.

De milho à melancia.

No centro da praça há uma estátua de Simon Bolívar que dizem ser a primeira construída em sua homenagem. Atualmente a praça está repleta de enfeites natalinos que sinceramente não embelezaram em nada o local. Talvez durante a noite a iluminação deixe o ambiente mais interessante, não sei. 

Após a passagem pela praça continuei a caminhada para o Palácio Presidencial, também conhecido como Palácio de Nariño. Fica atrás do Capitólio e sem dúvida é o Palácio Presidencial  menos acessível daqueles conhecidos na América do Sul até o prezado momento. É cercado por inúmeros policiais e soldados que não permitem nem mesmo a caminhada na calçada lateral do prédio, este, por sua vez, é cercado por grades que impedem o registro fotográfico de um ângulo melhor. Paciência!

Templo de San Agustin

Palácio Presidencial

Ao lado do Palácio Nariño. Aqui não é permitido caminhar na calçada.

Palácio Presidencial.

Segurança presidencial.

Volta ao passado na área da Plaza Bolívar

O policiamento ostensivo ao redor do Palácio Presidencial não despertou meu interesse em ficar muito tempo no local. Minha caminhada foi direcionada ao bairro Candelária que fica ao lado do Palácio Nariño. Sem dúvida a Candelária é um dos lugares imperdíveis para se conhecer na capital. Reúne vários prédios antigos de arquitetura colonial bem ao estilo que eu mais admiro. Infelizmente nem todos os casarões estão preservados, mas ainda assim é possível observar os espetaculares detalhes das construções centenárias. 

Bairro da Candelária.


Bairro da Candelária.

In foco.


Bairro da Candelária.

Registro garantido.

Teatro Colón à esquerda.

Jardim de uma das construções antigas.

Yo!
Carrera 7 exclusiva para pedestres e ciclistas em determinadas quadras.

Será que tem pouco policial?

Entre as igrejas eu optei por visitar a San Francisco. O guia Viajante Independente destacava seu teto em madeira. Aproveitei que uma missa especial de Natal acontecia e entrei para também acompanha-la. Aos deuses eu apenas agradeci pela minha viagem que tem ocorrido da melhor forma possível e sem maiores problemas. O templo religioso é simples e com altares laterais incrivelmente construídos em madeira, assim como parte do teto. Destaque também para as bicicletas. Encontrei algumas estacionadas no interior da igreja enquanto seus respectivos proprietários assistiam a missa. Coisas que somente se encontra em Bogotá.

Iglesia San Francisco. A mais antiga da cidade.

Universidad del Rosario

Quando a missa terminou a chuva pegou todos de surpresa. O tempo havia fechado repentinamente. Eu não estava disposto a esperar a chuva passar e comecei a caminhar assim mesmo. O comércio praticamente se encontrava todo fechado. Andei bastante para encontrar um restaurante aberto. O que estava de portas abertas infelizmente não servia o menu tradicional no momento. Entre as opções disponíveis pedi um prato de arroz com ovo frito. Eu sabia que não seria o suficiente para saciar minha fome, mas era melhor do que nada. 

O transporte articulado é inspirado em Curitiba e Quito.

Tentei encontrar um lugar para telefonar para minha mãe e desejar um feliz natal, mas também não achei nada. Também fiquei sem acesso à internet para saber se o Alejandro havia respondido alguma coisa sobre a hospitalidade. Voltei para a hospedagem debaixo de chuva mesmo. No local a festa da madrugada voltara a continuar para a minha infelicidade. Procurei escrever o diário de bordo mesmo com aquele barulho e enquanto buscava me concentrar o máximo possível, alguém bate na porta.

O proprietário mencionou que tinha um ciclista chamado Alejandro que estava me procurando. O camarada colombiano conseguiu achar a hospedagem e foi à minha procura para me levar até a casa da sua família. Era uma forma de retribuir a hospitalidade que recebeu pelos amigos brasileiros durante sua viagem de bicicleta pela América do Sul em um roteiro que foi bem parecido com o meu, inclusive, com a saída de Foz do Iguaçu.

Alejandro estudou um ano no Brasil (Rio Grande do Sul) e fala muito bem português, nossa conversa acabou por acontecer no idioma brasileiro que há tempos eu não praticava. Assim eu pude entender perfeitamente que ele realmente me convidava para ir à sua casa naquele momento. Felizmente eu estava de partida daquele local que no final das contas mostrou-se nada aconchegante. 

Arrumei minhas coisas, peguei a Victoria e avisei ao proprietário que voltava no dia seguinte para apanhar as roupas que ficaram para lavar. Como ainda não havia expirado minha diária não precisei pagar um dia a mais. Que maravilha! Sem dúvida meu presente de natal foi a transferência para a casa do anfitrião colombiano.

A casa do Alejandro ficava a 50 quadras de onde eu estava hospedado, mas com a ciclovia e o trânsito praticamente inexistente o percurso foi realizado tranquilamente. Durante o caminho recebi várias informações sobre a cidade, incluindo lugares que seriam interessantes de realizar uma visita. 

Igreja Nossa Senhora de Lurdes

In foco.

Na residência do Alejandro fui muitíssimo bem recebido por sua família. Desde os primeiros momentos me senti à vontade. Há meses eu não ficava na casa de uma família. E sem dúvida o ambiente acolhedor fez toda a diferença para que meu Natal não se limitasse à solidão de um quarto de hotel. Muito obrigado pela receptividade, família Castelblanco.

Devidamente alojado ainda tive um almoço de verdade e acesso à internet para tentar contatar a família e desejar feliz natal. Infelizmente não tive tempo suficiente para fazer o mesmo em relação aos meus amigos, mas fiquem cientes que em nenhum momento eu deixei de lembrar aqueles que eu sei que verdadeiramente estão ao meu lado, mesmo à distância.

Passarei o ano novo aqui em Bogotá e no dia 2 de janeiro voltarei às estrada em direção à Medellin (última subida dos Andes) e posteriormente ao Caribe Colombiano, mais especificamente Cartagena e Santa Marta, depois finalmente atravesso a fronteira para a Venezuela.
Dia finalizado com 6,75 km em 0h36m e velocidade média de 11,02 km/h.

26/12/2012 - 171° dia - Bogotá (Folga)

Acordei por volta das 8 horas da manhã. Fazia muito tempo que não dormia tanto, sinal que meu corpo precisava mesmo de uma boa noite de sono.

Aproveitei o tempo livre e comecei a atualização do diário de bordo que desta vez vai levar um bom tempo para ser concluído em razão dos vários dias que precisam ser relatados.

No período da tarde fui sozinho buscar minhas roupas lavadas na Hospedaje Paisan. Pensei seria uma aventura me locomover pelas ruas de Bogotá, mas as ciclovias facilitam muito o deslocamento e consegui fazer o trajeto sem nenhum problema.

Assim que voltei para a casa do anfitrião procurei lavar as meias e cuecas. Também não hesitei em deixar meu tênis limpo. Não sei quando terei outra oportunidade para deixa-lo novamente em bom estado. Antes de voltar à estrada ainda quero limpar a Victoria que está sem um banho caprichado desde Oruro na Bolívia, ou seja, passou da hora de receber uma atenção especial.

Dia finalizado com 11,01 km em 0h58m e velocidade média de 11,23 km/h.

27/12/2012 - 172° dia - Bogotá (Folga)

Dia dedicado exclusivamente à atualização do diário de bordo.

28/12/2012 - 173° dia - Bogotá (Folga)

Acordei e levantei somente após as oito horas da manhã. Acho que estou realmente em um curto período de férias do pedal e o meu corpo entendeu o recado e tem colaborado para que o descanso seja completo.

Estou recebendo um tratamento especial pela família Castelblanco. É muito provável que eu consiga engordar alguns quilos durante a minha estadia aqui na residência. As três principais refeições têm sido realizadas bem caprichadas. Inclusive tenho degustado a diferente gastronomia colombiana que é deliciosamente preparada pela dona Luz Marina, a mãezona da casa.

As tipicas arepas.

Café da manhã caprichado.

 
Rollo Helado na sobremesa.

Entre uma refeição e outra tenho aproveitado para continuar a atualização do diário de bordo. A internet aqui tem banda larga de verdade e tenho utilizado a velocidade rápida para baixar vários filmes porque aqueles disponíveis na minha lista foram todos assistidos.

Amanhã o plano é fazer uma pequena pedalada para conhecer um pouco melhor a capital.

29/12/2012 - 174° dia - Bogotá (Folga)

Dia de pedalar um pouco pela imensa Bogotá.

Hoje eu acordei cedo porque o pedal (convite do Alejandro) estava marcado para começar às 7 horas da manhã. Encontraríamos com outros ciclistas e seguiríamos em direção ao Alto de Patios. O trajeto na ida seria praticamente de subida, mas a distância era razoável, apenas seis quilômetros de montanha acima, coisa básica.

Saímos de casa um pouco depos do previsto e algumas quadras mais tarde encontramos com os amigos do Alejandro e nos direcionamos ao ponto de encontro para nos reunirmos aos demais ciclistas. O local é na verdade o começo da subida, que por sua vez, é utilizada por muitos ciclistas para treinar. 

Começamos o aclive por volta das 8 horas da manhã e pelo caminho nos deparamos com dezenas e dezenas de ciclistas, de amadores à profissionais com as mais variadas bicicletas. Realizamos a subida conversando e num ritmo bem tranquilo. Com o avanço da pedalada pela montanha era possível visualizar a imensa Bogotá e, infelizmente, a camada de poluição que cobria a capital colombiana naquele momento.

A chegada ao topo mereceu breve descanso e um copo de suco. Conversamos, registramos o momento e logo depois começamos o caminho de volta. A descida foi rápida e a única parada foi no Mirante La Paloma onde tirei mais algumas fotografias da capital e do Nevado del Ruiz, um vulcão que atinge 5,389 metros de altitude e foi responsável por uma das maiores catástrofes naturais da Colômbia quando em 1985, sua última erupção, matou cerca de 25 mil pessoas e destruiu o município de Armero. Na sequencia continuamos a bajada para regressarmos à casa.

No Alto de Patios na companhia do camarada Alejandro.

Descanso da galera antes de continuar o treino.

Yo!

A cidade de Bogotá visualizada do Mirador La Paloma.

In foco.

Nevado del Ruiz

Presença garantida no Mirador La Paloma.

No primeiro dia que cheguei na casa da família Castelblanco, Alejandro me mostrou um óculos esportivo bem interessante que permite acoplar e utilizar ao mesmo tempo uma armação para colocar lentes de grau. O estojo completo vem ainda com cinco lentes de diferentes cores; Sports headband e; mais uma série de acessórios. Mas o que realmente chamou minha atenção foi a possibilidade de utilizar a lente de grau. Acontece que eu utilizo óculos, sobretudo, em razão do meu olho esquerdo que exige 4 graus na lente presente na atual armação que é delicada, pequena e impossibilita o uso em práticas esportivas. Por isso essa novidade me pareceu perfeita para eu pedalar e enxergar tudo ainda mais nítido.

Um amigo do Alejandro vende o estojo completo por cerca de 70 reais. Então durante o caminho de volta para casa nós passamos na loja para eu conferir a peça disponível. É simplesmente incrível. Aproveitei a oportunidade única e comprei. Afinal é um investimento para minha saúde. Na sequencia fui a uma óptica para fazer um novo exame oftalmológico e a lente para a armação acoplada. Essas duas coisas me custaram 32 reais. O exame foi necessário porque fazia mais de três anos que eu tinha realizado a última consulta. Não esperava gastar toda essa grana, mas me pareceu algo imperdível.

Novamente em casa voltei a escrever o diário de bordo que está quase finalizado. No período da tarde retornei à óptica para pegar os óculos. Ficou perfeito! Nas fotos dos próximos dias vocês certamente perceberão a diferença. 

Amanhã tenho mais um pedal marcado. O local visitado será o famoso Cerro de Monserrate que chega aos 3.152 metros de altitude e permite uma visão deslumbrante da capital. O passeio deve estar presente aqui no site ainda este ano. Pretendo fazer uma última atualização, antes de seguir viagem, com um balanço de 2012.

No mais, espero, sinceramente, que o período de férias proporcione um merecido descanso a todos vocês. Aproveitem o tempo livre para deixarem seus comentários aqui no site. Sinto falta das palavras de incentivo que fazem uma diferença e tanto no cotidiano da expedição. Também é sempre bom saber quem está a bordo da jornada. Sinta-se à vontade para escrever suas mensagem e fazer parte dessa surpreendente viagem pela América Latina.

Grande abraço.

“Hasta la Victoria Siempre”

30/12/2012 - 175° dia - Bogotá (Folga)

2012: Ano das oportunidades aproveitadas!

Não tinha a pretensão de escrever hoje, mas o pedal que tínhamos marcado foi transferido para outra data. Então resolvi fazer a última postagem do ano. 

Esse ano que está prestes a terminar, sem dúvidas ficará marcado na minha história em razão dos mais diversos acontecimentos ocorridos ao longo de doze meses realmente intensos. Pela primeira vez meu réveillon foi em Florianópolis, Santa Catarina. A expectativa da virada de ano era enorme e queria aproveitar a visita do meu irmão e amigos, para curtir a data da melhor forma possível. Mas a Ilha da Magia, com ajuda da mãe natureza, surpreendeu de um jeito diferente. O ano começou chuvoso, caiu água até não querer mais e limitou bastante nossos planos. Ainda assim não deixamos de comemorar.

Dizem os mais velhos que quando um ano começa chuvoso é sinal que será um ano realmente próspero. Somado isso com o antigo ditado que depois da tempestade vem a bonança, eu sinceramente desejava que 2012 viesse a ser vivido com intensidade. Por uma ótica mais realista, a passagem de ano não é nada mais do que um novo calendário e que nenhuma mudança acontecerá se você continuar com as mesmas atitudes. Por isso meu objetivo era criar as oportunidades para aproveita-las o máximo possível pelos próximos 365 dias.

Após mais de um ano de estadia no paraíso que é a Ilha da Magia, eu tinha a pretensão de voltar à Foz do Iguaçu para ficar um tempo com a família antes de começar a minha expedição pela América Latina. Por isso, antes de mudar “temporariamente”, eu tratei de curtir ao extremo o verão no maravilhoso “quintal de casa”. Fui à praia quase todos os dias para sentir toda a energia da mãe natureza. Em nenhum outro lugar eu me sentia tão bem e à vontade como no mar. Chegava a permanecer mais de três horas sem sair da água. A sintonia era única. A melhor possível.

O verão chegou ao fim e além de me despedir do paraíso, precisei encerrar mais uma etapa da minha vida. Depois de um ano e dois meses, deixava também meu trabalho, que apesar de não ser da minha área, muito me ensinou graças às pessoas magnificas que encontrei pelo caminho. Mais do que colegas de labuta, conquistei amizades verdadeiras para toda uma vida. Despedir-me deles não foi uma tarefa fácil. O mesmo aconteceu com a minha segunda família, meus amigos Phillip e Kathia Sun que dividiram muito mais do que a casa comigo. Compartilhamos alegrias, tristezas e uma infinidade de aprendizados. Mas eu tinha que realizar meus sonhos e isso muitas vezes significa renunciar, ainda que por um tempo, a muitas coisas.

Hoje penso que a maior audácia de todas foi deixar Florianópolis e a querida praia dos Ingleses para trás. Essa atitude implicava em renunciar ao paraíso. A minha vida era maravilhosa em praticamente todos os sentidos. Morar e, sobretudo, viver na praia foi um sonho realizado. Estava muito satisfeito com todo aquele ambiente, mas era preciso concretizar outros sonhos e correr atrás deles significava ter coragem de embarcar ao “desconhecido”. Assim aconteceu quando me mudei, de peito aberto, para Floripa. O resultado foi definitivamente melhor do que o esperado. Eu nunca deixei de acreditar que poderia dar certo. E esse mesmo pensamento ainda continua comigo para realizar novos sonhos.

Eu havia criado a oportunidade de viver, literalmente, na América Latina e chegara a hora de conhecê-la e senti-la da maneira como ela realmente é e não como dizem os livros, revistas, televisão e outros tantos interlocutores.

Deixei Florianópolis, mas a ilha continua no mesmo lugar e agora eu sei muito bem seu endereço. Voltar vai ser muito mais fácil. Isso amenizou a saudade que eu já sentia antes mesmo de retornar ao Paraná. 

Em março eu retornei à Foz do Iguaçu com a pretensão de permanecer até julho. Esse período estava destinado à família e a conclusão do meu planejamento de viagem. Não estava nos meus planos, mas foi também nessa época que ganhei um presente inesperado. Meu amigo, camarada e historiador Alessandro da Silva, me proporcionou a oportunidade de assistir o show do Roger Waters da lendária banda Pink Floyd. Para isso eu tive que me deslocar de avião de Foz à Porto Alegre no Rio Grande do Sul. Havia andado de avião (pequeno) apenas uma vez quando era criança e sobrevoar novamente foi uma experiência magnifica e inesquecível, assim como o espetacular concerto The Wall do senhor Waters.

Antes de começar a expedição eu achei que não poderia perder a oportunidade de visitar familiares em São Paulo. Aproveitei o tempo livre e a promoção das companhias aéreas para voar de novo. Visitei meus tios na capital paulista e posteriormente no interior. Também reencontrei com a minha querida avó que eu não via a mais de três anos. Sem dúvidas foi outra viagem inesquecível e que precisava ser realizada antes da minha jornada pelas estradas sul-americanas.

De volta à Foz comecei a me dedicar exclusivamente aos meus pais e ao projeto pela América Latina. Finalizar o planejamento da expedição não foi uma etapa nada fácil e exigiu muita concentração da minha parte. Foi necessário analisar muito bem o roteiro traçado e pesquisar bastante antes de comprar os equipamentos que faltavam. 

Em julho deste ano o sonho começou a ser realizado. Depois de quase três anos de planejamento eu finalmente começava a longa viagem de bicicleta. Passei novamente por um processo muito delicado; a despedida da família e dos amigos. Tinha consciência que ficaria sem vê-los por muitos meses. Momentos como estes nunca são fáceis de encarar e a parte emocional sempre fica balançada. Mas era preciso seguir adiante.

Sobre a viagem eu não preciso dizer muita coisa, afinal está quase tudo aqui no site. Compartilhar a surpreendente expedição com vocês foi e continua sendo uma experiência e tanto. É muito bom saber que diversas pessoas de todo o Brasil e também do mundo, tem acompanhado e incentivado de todas as formas a realização deste sonho. Como disse um leitor, é por isso que a bicicleta tem ficado mais pesada, muita gente a bordo. Não me preocupo porque esse “peso” é bem-vindo e me faz ficar cada vez mais forte para poder continuar em frente.

Mesmo após quase seis meses de viagem, ainda me encaminho para a metade do trajeto, contudo, a parte concluída me proporcionou a realização de antigos sonhos, o maior deles, sem dúvida foi conhecer Machu Picchu no Peru. Todavia, fui surpreendido por inúmeros outros locais não menos fascinantes. 

O território boliviano apresentou uma riqueza ímpar em vários aspectos e foi um dos lugares que mais gostei de visitar. Isso não significa que minha passagem pelo país foi fácil, muito pelo contrário. Cheguei à altitude dos 5 mil metros, encarei o inverno rigoroso dos Andes, estive em lugares inóspitos e históricos, sobrevivi aos desertos, salares (o maior do mundo) e admirei lagunas incríveis. 

No Peru, além da capital do império Inca, Cusco e a cidade perdida de Machu Picchu, tive a oportunidade de conhecer as Islas de Uros no lago sagrado de Titicaca; a histórica Nasca e; a incrível beleza natural das Islas Ballestas na Reserva Nacional de Paracas em pleno Oceano Pacífico. Lima apresentou um centro histórico fascinante e o norte do país uma hospitalidade inesquecível na Casa de Ciclistas de Trujillo onde também estive diante de mais um patrimônio cultural da humanidade; Chan-Chan. Sem falar do contato com a cultura, história e gastronomia peruana. Além das subidas intermináveis, também pedalei em condições extremas, como aconteceu a mais de 4 mil metros de altitude quando encarei a estrada com neve por mais de uma hora com a temperatura de 8 graus negativos. 

A vivência no Equador não foi menos interessante do que nos países anteriores, sobretudo, em lugares como Cuenca, Quito e Otavalo, cidades que mais me impressionaram, principalmente por toda sua parte histórica que é imensamente bem conservada. Foi no país que passei a pedalar no hemisfério norte ao atravessar a famosa Linha do Equador. Vale ressaltar também a experiência única de pedalar ao lado de enormes vulcões ainda ativos.

Atualmente me encontro desvendando o território colombiano, estou na capital Bogotá, uma maravilha de cidade quando o assunto é estrutura cicloviária, um exemplo para toda a América do Sul. O país reserva muita história e cultura que devo conhecer e compartilhar pelos próximos dias.

Apenas tenho que agradecer por tantas coisas boas que me aconteceram. Por isso aproveito a ocasião para dizer, muito, mas muito obrigado a você que, de alguma forma, fez parte desses momentos marcantes da minha vida em um ano inesquecível. 

Desejo que 2013 seja ainda melhor para todos nós. Que a simplicidade seja o melhor caminho para realizarmos nossos sonhos na busca pela felicidade. 

Grande abraço a todos.

Hasta 2013!