domingo, 23 de setembro de 2012

Peru

21/09/2012 - 75° dia - Copacabana (Bolívia) a Acora (Peru)

Bienvenido al Perú!

Mais uma fronteira conquistada. Outro dia inesquecível. Agora a viagem segue em território peruano. A expedição continua surpreendente!

Em Copacabana (Bolívia), acabei por sair mais tarde do que pretendia. Fui para a estrada somente às 8h30m. A saída para a fronteira é fácil de achar e quase dez quilômetros depois eu já estava no distrito de Kasani, onde me desloquei ao posto de imigração para registrar a saída da Bolívia após quase dois meses, que certamente foram bem aproveitados. No local, nenhuma burocracia. Apresento meu passaporte, recebo o carimbo e estou liberado para seguir adiante.

Distrito de Kasani, a fronteira estava próxima.

Então, seguimos para o Peru, Victoria, eu e um cachorro que me acompanhou por mais de cinco quilômetros. Um policial boliviano ainda brincou comigo e perguntou se o animal era meu e se ele tinha passaporte, caso contrário não seria possível atravessar a fronteira. De qualquer forma, pedalei poucos metros e estava na divisa dos países. Uma placa de boas vindas é exibida no lado peruano. Aproveitei a presença de um rapaz de Arequipa e fiz o pedido para registrar o momento, diga-se de passagem, histórico.

Mais uma fronteira conquistada!

Em território peruano.

O Peru é o sexto país da América do Sul a ser conhecido em seis anos de cicloturismo. Nesta expedição é a segunda nação a ser visitada. Aqui devo permanecer aproximadamente um mês. Como fiquei mais tempo do que o planejado na Bolívia, algumas alterações foram feitas no roteiro. Anteriormente, de Puno eu seguiria para Arequipa e somente depois subiria para Cusco, agora com a modificação vou direto de Puno para Cusco e posteriormente sigo o que havia planejado; Nazca, Ica, Paracas, Lima, Trujillo, Puerto Malabrigo, Chiclayo e Zarumilla, fronteira com Equador.

Já em solo peruano (Yunguyo), vou até a imigração para registrar a entrada no país. Novamente sem nenhuma burocracia recebo mais um carimbo no passaporte. O funcionário perguntou se trinta dias seriam suficientes para minha visita e então expliquei que estava de bicicleta e pretendia ir até a fronteira com o Equador e necessitava permanecer mais dias, se possível. Sem maiores questionamentos, recebo a concessão de 90 dias para pedalar no Peru, mais do que suficiente.

Do lado de fora da imigração, “meu” cachorro está à minha espera. Ele que já havia tirado as fotos na divisa junto comigo (sem ser convidado), agora me aguarda para seguir viagem (?). No entanto, antes de pedalar pelas estradas peruanas, me dirijo ao posto policial (recomendação do funcionário da imigração) e pergunto se posso continuar a viagem. Com a resposta positiva não preciso ter minha bagagem revistada. Uma economia de tempo.

Ao lado do posto policial existem casas de câmbio e resolvo trocar apenas vinte dólares por soles (moeda peruana). Decido trocar pouco dinheiro por achar que em Puno a cotação seja um pouco melhor. Sei que o câmbio aqui rendeu cinquenta soles. Ainda troquei meus últimos dez bolivianos e depois fui embora, sozinho. O cachorro, muito consciente, preferiu não seguir ilegalmente e ficou deitado na frente da polícia a me observar partir.

Tudo pronto e devidamente legalizado. Está na hora de começar a expedição pelo Peru. Por falar em horário, aqui é necessário atrasar uma hora em relação à Bolívia, deste modo, agora estou duas horas a menos do horário de Brasília. A mudança vai me obrigar a começar a pedalar mais cedo, já que às 6 horas da manhã o sol estará a brilhar e assim permanecerá, somente, até às 17h15m no máximo. Sem problema, em poucos dias estarei adaptado ao novo fuso horário.

Saída de Yunguyo. Detalhe para a placa. A maioria informa a altitude do lugar.

 E eles também estão presentes no Peru.

Pedal às margens do Tititcaca, agora no Peru.

 Descida e trajeto plano na sequencia, que maravilha.

 Lago Titicaca e seus povoados.

Com conhecimento prévio a respeito do relevo, não me surpreendo com o altiplano peruano, que por sua vez, compreende poucas subidas, para minha felicidade. O que eu não esperava era a rodovia sem acostamento após o trevo para Desaguadero. O tráfego de veículos é alto e isso evita um pedal tranquilo. Além da falta de espaço para pedalar, ainda tenho que ouvir as constantes buzinas dos desesperados motoristas peruanos. Não são todos, mas a maioria tem o habito de buzinar para alertar que está de passagem. O problema é que mesmo quando o sentido contrário está livre e permite a ultrapassagem com segurança, eles insistem em emitir o aviso, realmente não tem como entender. Em todo caso, sigo com atenção e procuro não me incomodar com as buzinas.

Trecho sem acostamento.

Compreendeu?

O cicloturista colombiano que encontrei nas proximidades de Oruro havia me falado das buzinas e de outro fato que agora eu constatava pelas estradas, o modo como os peruanos chamam os turistas. Crianças, jovens, adultos e idosos, gritam: Gringo, gringo, gringo! Incrível a quantidade de pessoas que utilizam essa expressão. Inclusive, crianças com aproximadamente cinco anos já sabem como se referir a um estrangeiro. Na Bolívia, isso aconteceu, mas foram poucas vezes e confesso que na ocasião eu não gostava e me sentia desconfortável com a situação. Contudo, aqui parece mais um cumprimento e assim, passei a responder numa boa a esse chamado e também aos “!Buenas mister!” e “!Hello mister!”. Não tem jeito, eles acham que os turistas são norte-americanos ou europeus. Paciência!  

Entre buzinas e chamados de gringo e mister, sigo o pedal em direção à Puno que seria meu destino no dia, mas a chegada na cidade pareceu comprometida com a mudança de horário e meu atraso na saída de Copacabana. Decidi que avançaria o mais próximo possível. Até Juli, o caminho foi marcado por moderadas subidas, descidas e pela magnifica paisagem do Lago Titicaca que margeia a rodovia.

Lago Titicaca

 In foco.

Belas paisagens.

 Lago Titicaca.

Maravilha de visual.

Essa morreu e ainda teve o couro levado. Era uma lhama! 

Cinco quilômetros antes de Juli, a única subida forte do trajeto, depois o mesmo é todo plano. A pedalada seria bem tranquila se não fosse a falta de acostamento e o aumento de veículos na estrada, sobretudo, inúmeras vans. Não sou o único a enfrentar essa situação. Encontro mais um cicloturista, desta vez o alemão Jorn Tietje que faz o roteiro Cusco x Antofagasta (Chile). Conversamos um pouco e cada um seguiu seu destino.

Quase no final da subida antes de Juli.

 Olha o estilo do portal.

 "Berço" da diablada(?)

In foco.

Avanço e passo pela movimentada Ilave, considerada a capital nacional aymara (população indígena). Começo a fazer cálculos após a placa na estrada avisar que faltavam 52 km para Puno. Seria possível realizar essa distância se o pedal ocorresse também de noite. Pedalar na escuridão não tem sido novidade na expedição. Acontece que agora a situação é outra. Além da falta de acostamento, ainda não sei como é o comportamento dos motoristas peruanos, ainda mais de noite. Assim, achei mais prudente não encarar um pedal noturno e parar na cidade de Acora, pouco mais de 30 km antes de Puno.

Chegada à Ilave

No caminho para Acora, continuo a observar ovelhas, lhamas, porcos, gados e claro, jumentos. Interessante aqui no Peru é que os animais são levados para uma área de pastagem e seus responsáveis ficam a esperar que os mesmos se fartem. O que deve levar um bom tempo, eu acho. Dificilmente se encontra animais soltos pelos campos. Estes, por sua vez, tem a maior parte de sua área destinada à agricultura, aparentemente a base da economia da região.

Pouco mais das 17 horas do horário local e finalmente chego à Acora. Pergunto sobre um lugar para passar a noite e sou orientado a seguir na direção da praça. Durante o caminho, avisto um letreiro que indica Hostal (no meu guia diz que são os mais baratos). Resolvo perguntar o preço da diária, 30 soles, acho que a conversão para a moeda brasileira fica em 25 reais. É muito caro para meu bolso e começo o pedido de desconto que não demora a ser oferecido; 20 soles, 16 reais. Ainda é um preço alto, mas como é meu primeiro dia no país, não tenho como fazer uma comparação e resolvo ficar. Hostal Sin Fronteiras é o nome do estabelecimento. O local está com algumas dependências em obras, mas ainda assim é uma boa opção. Quarto limpo e com banheiro. Aprovado.

Após tomar banho está na hora de conhecer o preço dos alimentos. Primeiramente procuro um lugar para comprar pão. Não vou longe e encontro uma “tienda” que oferece um pão bem parecido com aquele da Bolívia. O preço também é quase o mesmo: 15 centavos de real. Antes de decidir a quantidade a levar, peço para provar. Pareceu-me muito gostoso e resolvo pedir o suficiente para o desayuno de amanhã. No local não tem geléia, então vou para outro estabelecimento e tenho uma grata surpresa. O preço dos produtos me parece mais barato do que na Bolívia. Assim, compro a geléia e também dois litros de suco que saiu por pouco mais de 1 real e volto para a hospedagem para preparar uma refeição e na sequencia escrever este relato.

Amanhã cedo sigo para Puno, na cidade quero fazer uma visita às ilhas flutuantes de Uros no Lago Titicaca e quem sabe, navegar em um barco de totora. Além do passeio, pretendo atualizar o site, mas somente se a velocidade da internet permitir, caso contrário, infelizmente postarei apenas em Cusco, onde devo chegar no dia 26 de setembro.

O dia foi finalizado com 113,99 km em 7h34m e velocidade média de 15,03 km/h.

 22/09/2012 - 76° dia - Acora a Puno

Comecei o dia bem cedo, ainda que involuntariamente. Em razão da diferença no fuso horário, acordei às 05h45m, mas para minha surpresa lá fora já estava claro. Poucos minutos depois o sol já se fazia presente. Sinal evidente que daqui para frente vou ter que iniciar as pedaladas mais cedo para o dia poder render no que diz respeito à quilometragem. Sem problema.

No hotel preparei meu café da manhã, arrumei minhas coisas e fui para a estrada por volta das 7h30m. Como meu objetivo era chegar à Puno, distante apenas 33 quilômetros, resolvi pedalar bem tranquilo. E não poderia ser diferente nesta rodovia sem acostamento. O trajeto não mudou muito em relação à ontem. Também continuaram as buzinas e os chamados de gringo. E o fluxo de veículos aumentou consideravelmente. 

Alpaca pelo caminho.

A única subida do caminho está no distrito de Chucuito, são aproximadamente quatro quilômetros de aclive. Nada assustador e logo na sequencia volta a ficar plano até Puno, onde cheguei pouco depois das 10 horas da manhã. A cidade é de médio porte, têm 180 mil habitantes, logo, o perímetro urbano é bastante movimentado. Na entrada do município pergunto a direção para o centro e sigo as recomendações. Sem muito segredo, não demorou muito e já estava na região central. Novamente recorro às pessoas nas ruas e desta vez pergunto sobre hospedagens baratas. Vou até aquelas que são indicadas e não tenho sucesso nas primeiras tentativas, seja pelo preço alto ou por estar lotado. Mas o vento estava ao meu favor. Demorei mas encontrei um lugar com ótimo custo x benefício. Hotel Manco Capac na Avenida Tacna, 277. 15 reais a diária, tem banheiro, televisão a cabo e o principal, internet wi-fi extremamente rápida. Valeu a pena pesquisar.

Parte da subida no distrito de Chucuito

Essa é a moto-taxi no Peru. São várias pelas cidades.

Cidade de Puno.

Cuidemos!

 
Chegada à Puno.

Devidamente instalado vou até a casa de câmbio que fica próxima ao hotel e troco mais alguns dólares, a cotação está a mesma da fronteira. Na sequencia converso com o dono da hospedagem e pergunto sobre o passeio até as ilhas flutuantes de Uros no Lago Titicaca. A resposta é melhor do que eu imaginava. Um passeio sairia às 15h30m e custa 15 reais, incluindo guia, transporte até o porto e a ida de barco para as ilhas. Fiz a reserva na hora. Estava ansioso para fazer essa visita.

Hora do almoço. Está na hora de saber como é a comida peruana. Pergunto ao recepcionista do hotel a respeito de um restaurante barato. Para minha sorte há um bem próximo. Então fui conferir e tive uma grata surpresa, quer dizer, em partes. A notícia boa da história é que a refeição é muito barata, custa apenas 4 reais. Porém, o cardápio é parecido com aquele da Bolívia. Sopa de entrada e o segundo prato. Desse modo, a comida não é farta, mas é gostosa. Vamos ver se o menu continua o mesmo daqui para frente.

Após o almoço fui caminhar um pouco e acabei por achar um restaurante onde a comida custava apena dois reais. Claro que eu não poderia desperdiçar a oportunidade. Contudo, após aprender a lição em La Paz, evito a gula e peço apenas o segundo prato. A comida não é das saborosas, mas pelo preço não posso reclamar. Reforcei o estômago.

Depois da segunda refeição volto ao hotel e continuo a atualização do site. Acostumado com a internet na Bolívia, fico muito surpreso com a velocidade que as fotos são enviadas. Pelo jeito não terei problemas com acesso à internet aqui no Peru, assim posso manter a frequência das postagens.

O tempo passa e logo a recepcionista me chama, estava na hora do passeio. Um taxi leva dois turistas e eu até o porto. No local, um guia nos aguarda com mais turistas e então nos dirigimos ao barco. O trajeto até as ilhas dura aproximadamente 30 minutos de navegação pelo Lago Titicaca. 

O barco inglês que hoje é museu no porto de Puno.

Barco que faz o trajeto até as Ilhas de Uros.

Quase nada feliz, rs. A la Titanic no Lago Titicaca.

A chegada às famosas ilhas impressiona, sem dúvida. São nada mais do que oitenta delas nesta região do lago e compreendem duas mil pessoas. Para quem nunca ouviu falar dos habitantes das Ilhas de Uros, eles estão presentes na região do Lago Titicaca há muito tempo, contudo, perderam o território onde viviam em razão da elevação do nível de água. Para não abandonar seu espaço a alternativa foi utilizar a natureza a seu favor. Assim, construíram as ilhas flutuantes a partir de totoras, planta aquática que é comum nas regiões pantanosas da América do Sul.

Ilhas de Uros cada vez mais próximas.

Yo e as totoras no Lago Titicaca.

Chegada nas famosas ilhas.

In foco.

 
In foco.

Barcos de totora.

Ilhas de Uros

No minimo, engenhoso.

In foco.

Mirante diferente.

Ilhas de Uros.

Desembarcamos na ilha São Miguel para conhecer a realidade de seus moradores. Confesso que é uma sensação diferente estar em um lugar como este. Recebemos uma pequena demonstração do “presidente” da ilha (cada uma tem o seu) sobre como são construídas as ilhas, um processo bem interessante e que requer constante manutenção. Com a totora, eles também fazem suas casas e os famosos barcos. 

  
As mulheres da ilha São Miguel

Pequena casa feita de totora.

Pequena demonstração de como as ilhas são feitas. A base é a raiz da totora.

Na Ilha de Uros

O turismo atualmente é uma das principais fontes de renda das famílias que habitam as ilhas. A venda de artesanato e os passeios nos barcos de totora são um exemplo de como utilizam o turismo para complementar suas economias. Além de uma visita ao interior das simples e pequenas casas também somos convidados a fazer o passeio no barco construído por eles. No entanto, existe o custo de dez soles, algo em torno de oito reais. Não é barato, mas é imperdível. Todos os turistas encaram o passeio que é rápido e consiste em ir da ilha São Miguel até a ilha Hananpacha, onde existe restaurante e até “alojamento” para os interessados em passar a noite no local. Digamos que os moradores aprenderam como conviver com os turistas. 

Artesanato à venda.

Fizemos o passeio neste barco.

In foco.

In foco.

Despedida de São Miguel.

Durante o passeio no barco de totora. Registro garantido!

Na ilha Hananpacha

Restaurante

In foco.
In foco.

Entre os turistas do grupo estava um casal de São Paulo que passam as férias aqui no Peru. É sempre bom encontrar brasileiros fora do país. Conversamos todo o caminho de volta, que passou ainda mais rápido. Acho que por volta das 18 horas estávamos novamente no porto. Mais um passeio realizado. Recomendo com certeza!

No retorno ao hotel, continuo o processo para finalizar a postagem no site. Amanhã eu vou ficar aqui, conforme o planejado, para conhecer um pouco melhor a cidade. Na segunda-feira sigo para Cusco, distante quase 400 km de Puno.
O dia foi finalizado com 35,33 km em 2h34m e velocidade média de 13,71 km/h.

23/09/2012 - 77° dia - Puno (Folga)

A noite foi uma criança. Não, eu não frequentei a balada peruana, mas fiquei acordado a madrugada inteira. Ontem, após o passeio às Islas de Uros, continuei a atualização do site, no entanto, boa parte do trabalho foi perdida por problemas técnicos. Paciência andina! Então fui obrigado a refazer a postagem enquanto as horas passavam. Evidente que eu estava com sono, mas a vontade de compartilhar a expedição era maior. Assim, fui dormir apenas às 9 horas da manhã e acordei com o despertador do celular às 12h30m para almoçar. 

É domingo e infelizmente o restaurante que almocei ontem estava fechado. Na mesma rua encontrei outro, lotado, mas achei um lugar no piso superior e fiz meu pedido. Ainda estou na fase de adaptação e procuro conhecer o que tem à disposição no menu. Dessa forma, escolho um tal de pastel de chuleta e fico na expectativa. De costume, a sopa é servida e posteriormente o prato diferente. Para minha surpresa não tinha arroz, apenas batata cozida, muita batata, diga-se de passagem, com queijo e carne. Preço: pouco mais de quatro reais. A comida não era farta, a combinação batata e queijo estava boa, mas a chuleta, deixou a desejar.

Após a refeição, faço a mesma estratégia do dia anterior, vou ao outro restaurante, aquele onde o segundo prato sai por menos de dois reais. No estabelecimento o cardápio oferece três opções; frango, cau cau e chuleta. Esta última não tinha mais e eu não estava a fim de comer frango. Então restou conhecer outro prato da culinária peruana. Perguntei para o atendente o que havia no cau cau e ele me respondeu que era picado de batata e mais um ingrediente que eu não soube entender o nome. Expectativa. Minutos depois aparece a especialidade da casa. Na verdade é um molho de batatas acompanhado de dobradinha. Não é de hoje que meu paladar não é fã dessa parte do gado, mas para não deixar nada na mesa, fiz questão de comer tudo, inclusive a beterraba e a batata, que também estavam presentes no prato. 

Eu ainda não estava satisfeito, mas não ousei pedir outra refeição, pelo menos não para aquele momento. Resolvi fazer um teste, pela primeira vez na viagem pedi para levar a alimentação na pretensão de degusta-la no jantar. Bastaria esquenta-la e pronto. A sugestão da “marmita” foi a partir do comentário aqui no site do camarada Márcio Lauriano. Ainda não encontrei espaço no alforje para levar a “quentinha”, mas como estou de “folga”, foi uma opção. Assim, a comida foi colocada em uma sacola. Desta vez, ao invés do cau cau, pedi o frango assado que estava acompanhado de batata cozida e um pouco de salada. Voltei ao hotel.

Na hospedagem apenas deixo a “janta” e novamente retorno às ruas,  precisava telefonar para a minha mãe, mandar notícias, dizer que estou vivo, muito vivo e feliz. Após matar um pouco a saudade fui caminhar com a finalidade de reabastecer meu estoque de comida. Nas andanças acabei por encontrar o Mercado Central, pelo dia da semana, poucos lojistas abriram seu comércio e consequentemente as opções são limitadas. No final, comprei água, pão e elas, as energéticas Cremositas. Para a minha surpresa, as bolachas recheadas da Bolívia também estão em terras peruanas.

Bom, ainda restava comprar chocolate em pó e geléia. Continuei a caminhada em busca de preços econômicos. Achei um supermercado, o maior em toda a expedição. No local, faço uma pesquisa para ter idéia do preço dos produtos de modo geral. Compro a geléia que estava mais barata do que no Mercado Central, assim como o chocolate instantâneo, não é de marca conhecida no Brasil, mas tem vitaminas e o preço é aceitável. Encontrei macarrão instantâneo, mercadoria difícil de achar na Bolívia, levei algumas unidades. A água também estava mais barata e 2,5 litros custaram menos de R$ 1,50, foi para a cestinha. Suco. Na prateleira um produto conhecido, Tang, com o preço parecido daquele do Brasil, mas aqui ele rende 1,5 litros, também decido levar. De modo geral, existem produtos para os mais variados bolsos. Comprei apenas o que precisava e voltei cheio de sacolas para o hotel. 

No final da noite esquento a “marmita” e também faço um macarrão instantâneo, foi bom para “diversificar” um pouco. Para falar a verdade, desde o episódio em La Paz, onde comi bastante e passei mal, que macarronada com atum está difícil de ser aceita pelo organismo, pelo menos já não sinto aquele prazer em degusta-la. Em todo caso, com ambas as refeições eu estava satisfeito e restou-me apenas arrumar parte das coisas e aproveitar para entrar um pouco na internet para conversar com os familiares, amigos e saber notícias do Brasil.

As notícias não vêm apenas do Brasil. Recebo confirmação de uma hospitalidade em Cusco. A anfitriã é uma portuguesa cadastrada no Warmshowers. Por motivo de viagem a trabalho, talvez ela me receba apenas por um dia, mas já ajuda bastante, sem falar que acabo por conhecer outras pessoas que gostam de ciclismo e cicloturismo. 

Na conversa com a Vanessa (portuguesa), surge algo que pode mudar meus planos. No final do ano, ela e o acompanhante também começam uma viagem pela América do Sul e ela me falou que não sabia como fazer para entrar na Guiana Francesa. Na hora eu respondi com uma indagação: Por quê? E então me explica sobre a questão do visto. Visto? Lembro-me de ter encontrado em algum lugar que não era preciso. Ainda assim fui checar o meu guia de viagem. Surpresa! 

É preciso de visto e para tira-lo é uma baita burocracia, necessita de reserva de hotel, seguro de saúde internacional, carta explicando o motivo da viagem, comprovante de residência/renda e mais cópias de documentos. Para quem não sabe a Guiana Francesa não é um país e sim um departamento ultramarino da França. O paradoxo está justamente neste fato, nós brasileiros não precisamos de visto para ir à França, mas necessitamos para ingressar na Guiana F. E agora?

Agora vou fazer o seguinte, como não estou no Brasil, em Lima (capital Peru) vou procurar o consulado brasileiro e francês para ver o que é possível fazer. Afinal, o cicloturista aqui não tem comprovante de residência, reserva de hotel, seguro de vida, de morte e muito menos de saúde. Se for possível tirar o visto, sem todos esses requisitos, ainda terei que pagar quase 200 reais. Complicado. Mas ainda assim, vale a pena, caso contrário, seguirei apenas para a capital do Suriname e obrigatoriamente retornarei pelo mesmo caminho até Roraima para na sequencia fazer a travessia do norte do Brasil até chegar à cidade de Oiapoque (faço questão de conhecer). E então começarei a descida pelo litoral. É meus amigos, pedalar, às vezes, é a parte mais fácil da viagem. 

A Guiana Francesa é um “país” pequeno e minha passagem pelo seu território não seria maior do que uma semana. Acontece que é um lugar estratégico para o meu roteiro, uma vez, que seria o retorno para o Brasil (Oiapoque). Fazer o caminho de volta pelo Suriname, Guiana (Inglesa) e posteriormente Roraima levaria mais tempo e consequentemente dinheiro. Ainda faltam cinco meses para a minha chegada à região, mas quero resolver isso logo. Na internet, achei um site de turismo que diz: turista brasileiro com permanência inferior a 90 dias não precisa de visto antecipado. Quando planejei o roteiro, minha fonte dizia algo parecido. Alguém tem idéia da situação atual? Mande-me qualquer informação que seja oficial, por favor. Relatos de pessoas que foram para a região são bem-vindos.

Bom, com a minha passagem ou não pela Guiana Francesa, eu preciso dormir, afinal, meu sono diário durou menos que quatro horas. Portanto, o jeito é descansar porque amanhã retorno à estrada e sigo em direção à Cusco. 

Boa noite.

24/09/2012 - 78° dia - Puno a Pucara.

Fuso horário! Difícil adaptar-se a ele.

Pois bem, o celular despertou às 6h30m e levantei com muito sono. Eu ainda tinha que arrumar os restos das coisas no alforje e preparar meu desayuno. Isso me levou um bom tempo e fui sair do hotel quase 9 horas da manhã. Meu planejamento é chegar à Cusco na quarta-feira, dia 26. Com uma distância de aproximadamente 390 km, faze-la em três dias seria relativamente tranquilo, dois deles eu pedalaria 140 km e o restante no outro dia. Como a minha saída de Puno foi tardia, resolvi que hoje seria o dia que eu teria que avançar menos. Assim, o destino diário seria Pucara, 106 km distante de Puno.

Subida! Para começar bem o dia, nada melhor que subir. Dura realidade dos Andes. Foram quatro quilômetros de montanha acima. Logo no começo fui obrigado a tirar meu corta-vento, estava muito quente àquela hora do dia. Devagar conquistei a subida e do alto, uma vista panorâmica da cidade e o Lago Titicaca. A descida foi alucinante e na mesma proporção da subida no que diz respeito à quilometragem. Pouco depois do aclive, uma grata surpresa, acostamento em boas condições e dimensões. No horizonte, uma longa reta, tudo perfeito para avançar tranquilamente. Despeço-me do Lago Titicaca. No caminho, muitas pastagens e pequenos povoados. Sigo em um ritmo maior que estou acostumado.

Vista panorâmica de Puno e o Lago Titicaca.

 Vista panorâmica de Puno e o Lago Titicaca.

Finalmente acostamento.

Altiplano peruano.

Por volta das 11h30 e com quase 40 km pedalados chego à Juliaca, a cidade dos ventos, da integração andina e também considerada a mais alta do Peru, tudo segundo as placas que aparecem na entrada da cidade. Como é quase hora do almoço, fico atento na busca de um restaurante enquanto pedalo em direção à saída que leva para Pucará. Infelizmente o acesso principal está fechado e a policial me recomenda pegar um desvio há duzentos metros. Juro para vocês, esse atalho foi pior que todos os trechos movimentados que peguei na Bolívia. Isso que passava apenas por uma rua. Estreita e movimentada rua. 

Chegada à Juliaca.

Era muito carro, caminhão, as típicas motos-taxis e os triciclos que também servem como transporte de pessoas, essas por sua vez, também estavam presente em grande número pelo local onde funciona um intenso comércio. É neste momento que você percebe o quanto está adaptado a esse tipo de situação. Por mais caótico que o trânsito estivesse, consegui seguir tranquilo, sem apavorar e muito menos me envolver em algum acidente. Uma moto até raspou no meu alforje traseiro, mas foi o máximo que aconteceu. No mais, passei pelos quase inexistentes espaços que me restavam em um trecho que durou quase dez quilômetros.

Trânsito caótico. Moto-taxis para todos os lados.

Triciclo. Aqui ele desenvolve um papel importante no deslocamento das pessoas.

Após a tempestade não veio a bonança. Na verdade, quando cheguei à saída da cidade, apareceu um trecho de terra, uma vez que o mesmo estava em obras. Infelizmente este era o caminho para Cusco, uma placa indicava pela primeira vez a direção da histórica cidade. A Victoria que estava limpa a um bom tempo, voltou a ficar empoeirada. Paciência. Como é hora do almoço, resolvo parar em um restaurante que ainda não está muito cheio, mas isso não impede que as pessoas no local me olhem como se eu fosse um extraterrestre. 

A primeira placa a indicar a direção de Cusco.

O trecho em obras.

A refeição custa menos de três reais. Sopa e o segundo prato com chuleta. A sopa estava normal. Mas o segundo prato justificou o baixo valor, arroz, beterraba, batata e uma carne que não era das melhores. A partir de agora, se houver opção, não vou mais escolher chuleta. A outra surpresa: Não tinha faca! Isso mesmo, um restaurante que serve carne e não dispõe a faca para seus clientes. Como pega-la e corta-la? Com a mão mesmo! Sinta-se à vontade. (risada sacana). A coisa boa é que uma jarra de refresco estava inclusa nos 3 soles do almoço. 

Após a rápida refeição sigo para esse trecho de terra que durou pouco mais de dois quilômetros. Depois o asfalto predomina com seu acostamento excelente, mas não por muito tempo. O velocímetro marcava exatos 62 km desde a saída de Puno quando no cruzamento para Azangaro a estrada e consequentemente o acostamento se modificam. Tramo arenado, alerta a placa. Muita areia e pedra no caminho faz o ritmo cair drasticamente. 

Adeus acostamento bom.

É complicado pedalar em um acostamento neste estado.

As montanhas que antes do almoço estavam distantes das margens da estrada, agora ficam mais próximas e as longas retas cedem lugar às curvas e uma e outra subida mais leve. O problema é que não foi apenas o acostamento ruim que apareceu, o vento também resolveu participar da brincadeira. Para variar, o tempo começou a fechar de tal forma que sinceramente achei que desta vez não escaparia da chuva. Em todo caso, sem intimidação, continuei em direção ao meu destino.

Montanhas se aproximam.

 Cordilheira dos Andes

Ameaça de chuva.

No caminho, vários motociclistas viajantes; argentinos, paraguaios, chilenos e brasileiros, afinal este é o caminho para Machu Picchu. Engraçado é que muitos nem te cumprimenta, mesmo quando você acena para eles. Ainda bem que não são todos que tem esse espirito fechado e um e outro ainda buzina ao ver um “irmão” da estrada. 

Fico mais próximo das nuvens carregadas, no entanto, nenhum pingo de chuva. Encontro um motorista de caminhão que trocava o pneu furado do veículo e ele me diz que faltavam dez quilômetros para Pucará. A distância era parecida com aquela que tinha na planilha, mas a julgar o desvio realizado em Juliaca, poderia ter sofrido alterações. Sei que não demorou e logo avistei Pucará. E com a exata quilometragem informada anteriormente eu estava na entrada da cidade. 

Pucará.

Pucará.

Pucará.

Ainda nas margens da rodovia principal um letreiro chamativo alerta que o estabelecimento oferece vários serviços ao turista. Na placa existe até uma bicicleta que indica a passagem de cicloturistas. Parei e logo uma mulher perguntou se eu desejava hospedagem. A diária era de 20 soles, mas com a negociação caiu para 15 soles, equivalente a 12 reais. O lugar não era dos mais limpos, mas tinha banheiro no quarto e água quente. Digamos que quebra um galho. 

Devidamente hospedado, tomo um banho, preparo a janta e tento escrever o diário de bordo, mas não consigo, o sono não deixa e sou obrigado a dormir. Estou a quase 4 mil metros de altitude e o frio é intenso. Em todo caso, debaixo das cobertas a situação é diferente e assim vou descansar. 

O dia foi finalizado com 111,34 km em 7h05m e velocidade média de 15,69 km/h.

25/09/2012 - 79° dia - Pucara a Santa Rosa

Dia tranquilo. 

A noite só não foi melhor por que acordei duas vezes de madrugada por causa do som alto de uma televisão ligada em algum quarto próximo ao meu. Sonolento, fiz o pedido para abaixar o volume, mas o sujeito mal educado certamente não ouviu meu apelo. Paciência! Apesar dos pesares, o celular tocou às 05h30m porque até às 7 da manhã eu gostaria de estar na estrada. Preparei e degustei meu desayuno com pães, geléia e leite com chocolate, arrumei minhas coisas e me despedi do pessoal. Atrasei apenas quinze minutos, sem problema.

Hospedagem em Pucará

In foco.

Logo no início do pedal uma notícia boa, o acostamento arenoso ficou para trás, no entanto, o que existe agora é repleto de rachaduras horizontais em um espaço de 1,5 a 2 metros entre elas. Problema é a trepidação resultante desses pequenos obstáculos. Sem muita opção, o jeito foi pedalar assim mesmo. 

Durante o caminho passo por pequenas comunidades campesinas e pela estrada encontro várias crianças que pedalam até a escola, a maioria acena, deseja bom dia ou ainda chama de gringo, uma forma de cumprimentar. No entanto, algumas nem isso fazem e já tratam logo de pedir propina. Sim, propina! Aqui eles utilizam essa palavra como gorjeta. “¡Gringo! ¿Un Sol? ¿No tienes?” “¡Gringo! ¿Propina?” Acho que isso aconteceu três ou quatro vezes. Em nenhuma eu respondi. Achei um abuso! Ainda estou no processo de adaptação para ser chamado de gringo numa boa, mas dar dinheiro é demais. E se eles fazem isso é porque tem turista que acaba por ceder. Eu não tenho grana para isso e também não acredito que essa prática do “dinheiro fácil” ou “esmola” contribua realmente para o futuro deles. 

As montanhas se intensificaram às margens da rodovia S3 e não demorou para que eu avistasse as primeiras com os picos cobertos de gelo em território peruano. A Cordilheira dos Andes continua presente. O frio também é evidente, mas antes ele do que a chuva. O tempo fechado no final do dia anterior foi para outros ares e agora pela manhã o sol predomina. 

As primeiras montanhas cobertas de gelo avistadas em território peruano. Cidade de Ayaviri.

In foco.

A primeira cidade no trajeto é Ayaviri que parece se encaminhar para um município de médio porte. Aqui existe uma boa estrutura para o turista, muitas hospedagens, comércio e internet, por exemplo. Isso tudo sem precisar entrar na cidade, esses serviços estão às margens da estrada e acabam por simplificar quem está de passagem pela região. Como eu não precisava de nada, segui viagem. 

Chegada à Ayaviri.

Lavagem de roupa no rio em Ayaviri.

In foco.

Hoje eu deveria pedalar até Sicuani, aproximadamente 140 km. Fazia parte do plano de chegar à Cusco em três dias desde Puno. Com isso, continuei tranquilamente o pedal, o relevo praticamente todo plano ajudou a manter um ritmo razoável e assim fui em direção à Santa Rosa que era a cidade após Ayaviri. 

Travessia de animais na pista. Algo comum na região.

Em direção à Santa Rosa.

Por volta do meio dia faço uma pausa para degustar meus pães, eles seriam meu almoço já que não havia mais nenhum restaurante pelo caminho. As bolachas são servidas como sobremesa, não tenho o que reclamar. Estava tudo uma delícia. 

De tarde o tempo começa a fechar e por toda parte é possível ver muitas nuvens, sobretudo, nas proximidades das montanhas que aparecem no horizonte. Mais uma vez parece que não vou escapar da chuva. Em todo caso, água não iria me fazer parar o pedal. Afinal, eu tinha uma boa quilometragem pela frente e ainda uma forte subida (20 km) após Santa Rosa, conforme me avisaram os proprietários do hotel em Pucará.

Andes peruanos ao som de Monte Castelo da Legião Urbana. Perfeito!

Tempo fechado. Será que chove?

Rodovia S3

As montanhas que “abrigavam” a chuva estavam cada vez mais próximas e novamente o vento contra resolveu aparecer para a brincadeira. Sem ser convidado, ele acabou por espantar a chuva da “festa”, pelo menos ela não apareceu. Ainda assim, estava difícil seguir com aquele vento e a velocidade média diminuiu mais uma vez. O bom é que assim eu respeito as placas que orientam o controle de velocidade, afinal, em casa minha família me espera. 

In foco.

In foco.

Santa Rosa e uma súbita decisão; parar o pedal às 14 horas e com apenas 77 quilômetros pedalados, pouco mais da metade do que havia planejado. Motivo? Não sei. Juro que procurei justificativa para tal atitude. Argumentei para mim mesmo; o vento contra e a anunciada subida impediriam de chegar à Sicuani. Mas ainda era cedo e eu não estava cansado, então porque parar? Não sei! Sexto sentido, talvez? 

Santa Rosa.

Ainda pensei duas vezes antes de parar em Santa Rosa, mas ainda nas margens da rodovia eu vi a propaganda de uma hospedagem que ficava próxima de uma praça no centro. Fui em sua direção e acabei por encontrar outro estabelecimento. O preço da diária: 5 soles. Barato assim, decido ficar na hora. Mas aí vem a surpresa. Após me mostrar o quarto a proprietária mudou o valor e disse que com o banho seria 10 soles, sem a ducha, 8. Fiquei muito indignado e tentei pedir desconto, mas este foi apenas de 1 sol. Assim, paguei 7 soles, já que não tomei banho. O pedal foi curto e eu estava relativamente limpo. (risada sacana). É preciso fazer economia.

Apesar da mudança repentina no valor da diária, resolvo ficar porque o quarto (piso superior) é razoável, contudo, os banheiros, sem comentários. Aliás, vale ressaltar que um deles era com aquela privada que é encravada no chão e não tem onde sentar. Talvez as pessoas mais novas não conheçam por que a peça é antiga mesmo, uma raridade da época em que eu era criança, quando esse troço chegava a me assustar. A situação não mudou muito agora. Que negócio mais estranho, ainda bem que inventaram o “trono” que é mais confortável. Todavia, utilizei o banheiro apenas para esvaziar a bexiga. 

Bom, devidamente alojado vou comprar mais pão e depois retorno para preparar o almoço/janta e escrever no diário de bordo. O computador quase fica sem bateria porque a energia da hospedagem chegou apenas às 18 horas quando alguém fez uma gambiarra no emaranhado de fios que distribuem a eletricidade. Que lugarzinho mais tranqueira e olha que dificilmente reclamo dos lugares onde fico. Isso que já passei por vários locais nada convidativos. Em todo caso, o nome deste é Hostal Santa Maria, não recomendo.

A minha parada antes do previsto significa que amanhã eu terei que pedalar mais de 200 km para chegar à Cusco. Difícil, mas não impossível. Terei que enfrentar a tal subida de 20 km e descer até Urcos em um ritmo alucinante e torcer para ter energia para o aclive final até Cusco, onde a Vanessa estará à minha espera. Para isso, vou dormir cedo hoje para levantar de madrugada amanhã e começar o pedal assim que ficar claro.

O dia foi finalizado com 77,71 km em 5h20m e velocidade média de 14,54 km/h.

26/09/2012 - 80° dia - Santa Rosa a Quiquijana

Um dia para jamais ser esquecido. 

Hoje eu compreendi o motivo por ter feito aquela parada sem explicação de ontem. 

Superei-me e madruguei. Às 3 horas da manhã meu celular despertou e minutos depois eu já arrumava minhas coisas e preparava meu desayuno. A pretensão: sair por volta das 05h30m. Alguns diriam que sou lerdo, mas prefiro o termo sossegado, por isso levo 1h30m para ficar pronto para começar o pedal. Paciência. Cada um tem seu ritmo. 

Às 05h45m estou na estrada. Apesar da claridade, não vejo o sol que já deveria ter aparecido para me desejar bom dia. No entanto, em seu lugar, o que aparece em abundancia são as nuvens carregadas. Hoje eu não escaparia da chuva. Não pedalei muitos quilômetros e começaram os primeiros pingos. Paro e coloco a capa na bolsa de guidão e verifico se tudo no alforje traseiro está bem protegido. Tudo em ordem está na hora de enfrentar a terceira chuva em quase três meses de viagem. Sigo com a minha jaqueta impermeável e o resto é o mesmo de sempre; segunda pele, camisa e calça de ciclismo e meu velho e surrado All Star.

Chuva para começar bem o dia.

 Em direção ao olho do furação.

É passarada, foge que o tempo está feio.

Chuva à frente.

A chuva começa fraca, mas aumenta aos poucos. Assim também aconteceu com a temida subida. A minha viagem no inverno andino foi justamente para evitar essa combinação; frio e chuva. Mas não posso reclamar, afinal, a estratégia deu certo, só que uma hora teria que chover. E o momento chegou. O frio se intensificava a cada metro e a subida continuava no mesmo ritmo. E adivinhe, minhas mãos começam a congelar. Seria um longo dia.

Na internet eu confirmei através do site Ride With GPS que a altimetria no topo da subida chegaria a 4.300 metros, a mesma que me falaram em Pucará. A distância, vinte quilômetros. Mas a subida não é íngreme e isso já ajuda bastante. No entanto, isso não significa que não seja cansativa. Pelo contrário, com a soma de todos os fatores, evidente que não foi fácil, mas com a chuva faço poucas paradas, afinal, sem movimento o frio torna-se ainda pior. 

A subida é extensa. Paciência andina em ação. A chuva continua e com nenhum sinal que vai parar. Sou realmente obrigado a fazer pausas para aquecer o corpo e consequentemente circular o sangue pelas extremidades. Minhas mãos estavam congeladas, afinal minha luva não é impermeável. Sem lamentação o lance é manter a calma e continuar. 

A paisagem é incrível e a sensação é quase indescritível. Afinal você está sozinho, acima dos 4 mil metros de altitude, temperatura que despenca a cada instante e ao redor de enormes montanhas que agora são visualizadas por poucos metros em razão da chuva. O que pensar? Na hora você apenas pedala e busca chegar ao topo o quanto antes, não tem segredo. Em alguns momentos converso com a Victoria, minha companheira, e peço para que ela continue firme e forte. Já imaginou um pneu furado com essa condição climática? Mas esse tipo de pensamento vai logo embora e a concentração fica em coisas positivas. 

A estrada se torna perigosa com a chuva e durante o caminho avisto uma movimentação de pessoas e veículos. Acidente. Um ônibus que realizava o sentido contrário ao meu se perdeu em uma curva e se chocou com a montanha rochosa ao lado da rodovia. Aparentemente nada muito grave, mas confesso que essa situação sempre me deixa um pouco assustado e tenso. No local um caminhoneiro me avisa que faltam poucos quilômetros para o final da subida.

Após o acidente é que a subida realmente ficou difícil e mais íngreme por mais de cinco quilômetros. No entanto, o final do aclive me reservava uma surpresa e não era somente porque começaria a descida. Teve outro fato muito mais emocionante pela sua raridade e beleza. Enquanto pedalo os últimos metros de ascensão percebo que minha jaqueta preta tem pequenos flocos brancos. Ham? Sim, era ela: Neve! Neve, meus amigos! NEVE! 
 
Que emoção! Com o fim do inverno pensei que não teria mais a chance de pedalar com neve. Mas não posso me esquecer que estou nos Andes e aqui tudo pode acontecer, ainda mais quando o clima está propício para a ocorrência de tais fenômenos. Na hora eu fiquei eufórico, imagina a cara de felicidade. A reação foi parecida com aquela de 2008, no Chile, quando tive a oportunidade de pedalar com neve pela primeira vez. No entanto, naquela situação, foi tudo muito rápido e não durou mais que um minuto. Não tive tempo nem mesmo para registrar o momento. Agora, isso era diferente, a neve ficou cada vez mais intensa e foi bonito de ver a jaqueta toda branca.

Apesar dos primeiros momentos de neve, quem ainda predomina é a chuva que impede um registro fotográfico de início. Decisão difícil, não sacar o retrato de um momento raro como aquele, mas foi preciso pensar na sequencia da viagem, afinal, seria um baita prejuízo ter que comprar uma câmera nova. Assim, registro tudo na memória enquanto me direciono para o término da subida. Mesmo à distância já consigo ver placas que possivelmente indicavam o topo. Metros depois eu estava em La Raya, divisa entre os departamentos de Puno e Cusco. Altitude de 4.338 metros. De Santa Rosa até este ponto foram exatos 30 quilômetros, 20 deles de subida, contudo, 5 quilômetros mais puxados. 

Em La Raya faço uma parada. Tentei ser racional, mas a emoção foi maior e resolvi registrar o momento. Claro, tomei o maior cuidado com o equipamento eletrônico. Neste instante a neve começa a ficar mais forte que a chuva e a Victoria não demorou para ficar toda branca. Admito, não imaginava que presenciaria uma cena que nem aquela. Eu também estava com muita neve. Minha jaqueta impermeável ficou cada vez mais branca. Parece brincadeira, mas por vezes tive que chacoalhar a roupa para tirar a neve acumulada. Incrível.

 Neve! Cicloturismo Selvagem a 4.338 metros de altitude. Divisa entre os departamentos de Puno e Cusco.

Que maravilha! Tudo coberto de neve.

Victoria. Guerreira em todas as condições climáticas.

 
In foco.

Evidente que a temperatura estava negativa. O termômetro marca 8°C. negativos e realmente o frio castiga. Quando retirei a máquina fotográfica da bolsa de guidão, fui obrigado a tirar minhas luvas de ciclismo, estavam encharcadas. Não preciso dizer que meus dedos logo congelaram por completo. E isso impediu que eu colocasse as luvas novamente. Tentei de um jeito, de outro e simplesmente a mão não entrava e parecia que a luva estava menor. Na verdade, acho que meus dedos não obedeciam mais os comandos do meu cérebro. Resolvi pegar a luva de lã, mas ela estava no fundo do alforje dianteiro. Foi um sacrifício pega-la, mas valeu a pena. Consegui deixar as mãos menos geladas.

Em La Raya também fiz um vídeo, pelo menos, tentei. Saiu todo tremido, resultado do frio que eu sentia. Mas na hora, a felicidade era maior do que os campos e montanhas que ficavam cobertos de neve. Que momento inesquecível. Tudo branco! Após os registros para a posteridade estava na hora de seguir. O caminho até Sicuani seria todo de descida. Maravilha! Maravilha? Descer com neve e aquele frio implicava que a sensação térmica seria ainda menor. Logo, esqueça altas velocidades. Lógico que desci em um ritmo maior que a subida. Mas eu estava cauteloso e também não queria levar nenhum tombo na pista escorregadia.


Com o passar do tempo a paisagem começa a ficar mais nítida e o cenário é deslumbrante. É possível observar a neve acumulada por todos os lados. Incrível. Sou obrigado a fazer mais registros apesar da neve que ainda continua a cair, mesmo após uma hora. Sim, o fenômeno durou mais de uma hora. Período suficiente para congelar o corpo todo. Além das paradas para fotos, fiz mais algumas na intenção de realizar movimentos para circular o sangue nas extremidades. O Bear Grylls em À prova de tudo, já passou por situações bem piores que essa e saiu vivo, então segui suas orientações de sobrevivência para ter a oportunidade de compartilhar esse momento.

Montanha coberta de neve.

 Aguenta aí que eu já volta, companheira.

Cara de quem acordou às 3 da manhã, pedalou 20 km de subida e ainda está congelado porque faz -8°C.

"Hasta la Victoria Siempre"

Pedalar com 8 graus negativos por uma hora foi uma das experiências mais marcantes da minha vida, sem dúvida. Tudo fica difícil, desde a respiração até os movimentos de cada parte do corpo. No entanto, permanecia consciente e isso era fundamental. Sentia o frio, mas não os males da altitude, com mais de dois meses nos Andes meu corpo já está mais do que aclimatado. Desse modo, continuo a descida quando, aos poucos, a neve para de cair e resta apenas uma fraca chuva e a paisagem maravilhosa.

  
In foco.

  
 E vamos adiante..

  
 Resultado da neve com duração de uma hora.

 In foco.

Com o clima melhor é possível descer com uma velocidade maior, sempre com os dois freios prontos para serem utilizados a qualquer momento de emergência. Mas a descida é tranquila, embora, alucinante e com uma paisagem magnifica ao redor. Cheguei a um povoado chamado Águas Calientes (não é aquele que existe antes de Machu Picchu). No local, muitos estudantes, certamente a passeio, aproveitavam as águas termais que justificam o nome do lugar. A fumaça das piscinas evidencia a temperatura da água. Que vontade de entrar! Mas fiquei apenas na vontade. Afinal, eu tinha um longo caminho pela frente. Aliás, continuei a descer por longos quilômetros.

Descida!

 Águas Calientes.

  
 In foco.

Povoados pelo caminho.

 Povoados pelo caminho.

In foco.

 In foco.

Atención!

Um pouco antes de Sicuani encontrei com um casal de cicloturistas da Holanda. Haviam desembarcado em Lima, onde compraram as bicicletas e começaram o pedal em Cusco e seguiam para Santiago no Chile. Conversamos um pouco e cada um continuou sua jornada.

Com quase 70 km pedalados finalmente estou em Sicuani, foram 40 km de descida, algo que ajudou muito a minha chegada quase ao meio dia na cidade. Vale ressaltar que eu já estava seco, essa é a parte boa de pedalar com roupas adequadas para ciclismo. Aproveitei os vários restaurantes à beira da estrada e parei para almoçar. Comida simples e barata. Rapidamente fiz a refeição e voltei a pedalar.

Sicuani é uma cidade mediana e aqui o turista pode encontrar uma boa estrutura para hospedagem e alimentação. Após o perímetro urbano esqueça o acostamento, está muito ruim. A solução é pedalar em cima da faixa lateral e conviver com as buzinas, estas que pela parte da manhã pouco foram ouvidas. Paciência.

Pelo caminho, montanhas e mais montanhas ao redor. O pedal ocorre em um vale e a paisagem muito lembra a Quebrada de Humahuaca na Argentina. Também é possível encontrar vários distritos e povoados; Combapata, Checacupe, Cusipata e Quiquijana. O primeiro tem a melhor estrutura, inclusive para pouso. 

Montanhas, povoados e plantações.

Após Sicuani são vinte quilômetros de descida e na sequencia um sobe e desce, conforme os holandeses haviam me alertado. Apesar da montanha russa, a descida ainda prevalece. No entanto, não pense que basta “soltar” a bicicleta. Negativo! É preciso pedalar. Ainda mais se o vento contra estiver presente. Sei que essa parte de sobe e desce aliada ao vento nada favorável me fez rever os planos. Logo, sem chance de chegar a Cusco, agora a intenção era ficar o mais próximo possível de Urcos, que por sua vez, está somente 36 km distantes de Cusco, segundo o mapa do Peru que ganhei do funcionário da aduana em Yunguyo. 

Sigo e observo as paisagens, é interessante como os moradores da região conseguem aproveitar o máximo de espaço no terreno limitado pelas montanhas. As margens da rodovia não raramente estão cultivadas. Em algumas partes, até mesmo as montanhas são aproveitadas. Comum também é ver famílias inteiras na labuta diária do “campo”. Realidade local.

Que tal uma produção nas alturas?

 In foco.

Trem que faz o trajeto Puno x Cusco.

O sol que ao meio dia ameaçou uma rápida aparição resolveu se esconder no período da tarde, logo, a temperatura abaixou novamente com o passar das horas e o tempo nublado evidenciava que a chuva não demoraria a cair. Até chegou a chuviscar em algumas partes, mas não passou disso, ainda bem. Não estava a fim de chegar molhado na hospedagem que eu ainda deveria encontrar. 

Tamanho básico das montanhas.

Próximo de Quiquijana.

Resolvi finalizar o pedal em Quiquijana, já passava das 18 horas e estava na hora de descansar. Afinal, acordei às 3 horas da manhã e desde às 5h45m eu me encontrava na estrada. Na chegada ao pequeno distrito a minha torcida é para que houvesse algum alojamento, de preferência barato. Para minha sorte, existem três. No primeiro, os proprietários estavam em viagem. No segundo não havia água quente e eu necessariamente deveria tomar um banho. Na terceira opção, que tristeza. Foi simplesmente a pior hospedagem em quase três meses de viagem.

Na fachada do estabelecimento apenas um letreiro escrito “Hostal” denomina o lugar. A diária custa 10 soles e mais 3 para o banho com água quente. Durante a negociação consigo deixar tudo por 10 soles, equivalente a pouco mais de 8 reais. O senhor Javier até pergunta se eu não quero olhar os quartos antes de decidir ficar. Digo que não é preciso, afinal, não tinha outra opção. Após guardar a Victoria em um depósito bagunçado fui verificar o dormitório e entendi o porque o proprietário perguntara se eu não queria ver antes. Era muito simples; construção em adobe e colchão de palha (de novo), mas esse não foi o problema, até gosto da simplicidade dos lugares, acontece que aqui era tudo muito sujo.

O Hostal tem apenas dois quartos, um individual e outro coletivo com cinco, seis camas. Como o preço era o mesmo, resolvi ter a privacidade do individual, apesar de que nenhum outro hóspede estava no local (o que não era de se estranhar). O chão do pequeno quarto é de terra batida. O lençol está encardido e tem apenas uma coberta, igualmente em estado de decomposição. Travesseiro, artigo de luxo e não existe aqui. A janela está quebrada e entra um vento de rachar. Existe uma espécie de varal no quarto e roupas sujas estão penduradas. Eu simplesmente não acreditava onde eu tinha parado. Mas se existe uma coisa que não faço nessa viagem é lamentar. Eu deveria encarar a situação e foi o que fiz. Mas não tive coragem de tirar foto, apenas imaginem, mas tomem cuidado. (risada sacana).

Bom, se o quarto já estava naquela situação eu imaginava o banheiro. Separei minhas roupas e fui conferir com meus próprios olhos. Tá, não estava em estado de calamidade, mas se encontrava todo emporcalhado. Parecia que não via limpeza há muito tempo. Em todo caso, tem água quente no chuveiro. Meu banho é rápido para sair logo daquele lugar. Difícil sentir-se à vontade em um ambiente como aquele. 

Pelo menos eu estava limpo. Agora restava procurar uma lan house para avisar a Vanessa, de Cusco, que eu chegaria apenas amanhã. Consegui encontra-la online e a hospedagem ficou para sábado, já que na quinta e sexta-feira ela estará em viagem. O importante foi avisa-la, deixar alguém esperando não é nada legal. Ainda mais quando a pessoa oferece hospitalidade. 

Na pequena Quiquijana, o movimento se concentra na rodovia que atravessa o distrito. Foi onde encontrei a internet, pouco mais de 1 real a hora, e também um restaurante. A janta saiu por quatro reais, sopa e segundo prato. Com pouca comida disponível, não fiquei muito no lugar e logo caminhava em direção ao “hostal”, afinal, eu deveria encarar a noite que prometia ser longa. 

Eu poderia reclamar da condição do lugar, motivos não faltavam. Mas a vida também é assim, repleta de motivos para desanimar. Os pessimistas encontram argumentos de sobra para sustentar seu ponto de vista. Mas é preciso ir além. E como dizem, tudo depende dos olhos de quem vê. Na maioria das vezes existe o lado positivo da situação. E eu não poderia esquecer da felicidade que passara horas atrás com toda aquela neve. Portanto, ficava à minha escolha, deixar o dia inesquecível em razão dos flocos brancos e suas fantásticas paisagens ou pela hospedagem que nem deveria ser considerada como tal. Assim, sem lamentação, sigo com o pensamento que aquilo (hospedagem) é algo passageiro e que em poucas horas a situação mudaria. Pego meu travesseiro inflável, deito na “cama” e procuro descansar sem que nenhuma pulga caminhe pela minha barba.

Ainda não acreditava que eu tinha pedalado mais de uma hora com neve. Que dia memorável!

O dia foi finalizado com 144,37 km em 8h55m e velocidade média de 16,18 km/h.

27/09/2012 - 81° dia - Quiquijana a Cusco

A noite não foi das mais confortáveis, mas foi tranquila. Senti apenas um pouco de frio, normal já que estava somente com uma coberta. Levantei às 05h30m, não precisava acordar cedo, a considerar que o dia seria relativamente curto, apenas 70 quilômetros até Cusco. Acontece que eu queria mesmo é deixar aquele lugar, apesar da simpatia do Javier, que me tratou muito bem e foi atencioso em responder minhas perguntas sobre a região.

Meu café da manhã já estava preparado desde o dia anterior e como eu estava com fome, em poucos minutos havia devorado meus pães. Na sequencia arrumei minhas coisas, me despedi do Javier e fui para a estrada exatamente às 07h15m. O tempo estava nublado, mas não parecia que iria chover, pelo menos naquele momento.

Motociclista viajante, eles são vários pelas estradas da região.

"Tio" Adriano (Medianeira), essa é pra você.

Segundo meus estudos altimétricos da região, até Urcos eu continuaria montanha abaixo, depois, um trecho de subida de aproximadamente 15 quilômetros, distância que os holandeses de ontem disseram ser maior. Em todo caso, pedalar é a solução. O caminho até Urcos é realmente marcado pelas descidas, algumas poucas subidas, mas nada assustadoras, apesar de uma placa exagerada que indica o aclive. 

Subida à frente.

Então quer dizer que você pretende me assustar? Hum!

Com aproximadamente 25 km estou em Urcos. Chegar na cidade e seguir para Cusco significa enfrentar as subidas. Mas a pior delas está 10 km depois e com extensão de apenas 5 km mais complicados, mas nada como havia relatado os estrangeiros. Foi tranquilo. Depois é descer a mesma distância da subida e continuar sem dificuldade pelo terreno plano. As paisagens continuam maravilhosas e agora sítios arqueológicos estão no caminho. Afinal estou próximo de Cusco e do Valle Sagrado.

Urcos.

 Laguna de Urcos.

  
 Muitos postos de combustíveis tem esse "padrão".

  
 Registro na rodovia S3

  
 Descida em direção à Cusco.

 
 Região de Huacarpay
 
 
Sitio arqueológico.

Novamente é possível encontrar vários distritos durante o trajeto, contudo, Oropesa chama atenção pelo número de panificadoras à beira da estrada. Um número espantoso. Com tanto pão à vista é impossível ficar indiferente e fui tentado a parar e reforçar meu estoque de comida. Aqui tem pão de tudo quanto é tamanho, alguns em dimensões de uma pizza grande, para toda família, acredito. Existem diversas opções. Escolho um pão que só depois fui ver que era integral, mas estava uma delícia. Seu formato era diferente do pão que estou acostumado a ver desde a Bolívia. Sei que dez pães custaram menos de 5 reais. Em razão do tamanho tive que me desdobrar para achar um lugar nos alforjes. No final do perímetro urbano aparece uma placa onde diz que Oropesa é a capital nacional do pão. Está tudo explicado. Fica a dica, se você aparecer pela região, faça uma parada neste local. O pão é realmente muito bom.

 Oropesa. Parada obrigatória.

Não demorou muito e estava em Cusco, quer dizer, a cidade propriamente dita demorou e muito para chegar, antes passei pelo distrito de Saylla, aqui a sensação é o torresmo, encontrado em vários estabelecimentos ao longo da rodovia. Além do número de comércios destinados ao chicharrón, o que se destaca é o tamanho deles, gigantescos. Como eu não sou fã deste “alimento”, sigo sem vontade em degusta-lo.

In foco.

 In foco.

 Peru no Peru.

Chegada à Cusco.

Vai um torresmo aí?

Com aproximadamente 60 quilômetros pedalados, finalmente chego à movimentada Cusco. Não imaginei que a cidade era grande. Tive que pedalar mais de 13 quilômetros em uma extensa avenida, com um trânsito bem complicado, diga-se de passagem, para chegar até à hospedagem Estrellita, um lugar que o cicloturista colombiano me recomendou. Com o mapa do local em mãos, precisei apenas pedir informações pelo caminho para confirmar a direção e somente às 14 horas cheguei ao local. 

Perímetro urbano de Cusco.

No meu guia/livro diz que a hospedagem é para os mais econômicos e que o ambiente é um muquifo. É um verdadeiro exagero. O local é bem agradável, quartos e banheiros extremamente limpos, com café da manhã, cozinha, internet (wi-fi) e depósito para guardar a bicicleta. A diária em um quarto individual não é barata se comparada aos preços que paguei anteriormente, mas a considerar que a cidade é turística, 20 reais está de bom tamanho. A localização é boa e não fica longe do centro histórico. Queria ver do que o autor do guia chamaria lugar onde fiquei ontem. 

Na hora que fui guardar a Victoria no depósito, uma surpresa, o pneu dianteiro furado, é o segundo em quase 5 mil quilômetros, tudo bem, sem estresse. No local também tem outras bicicletas, um casal alemão e outro francês é o dono das mesmas. Pelo jeito o estabelecimento é famoso entre os ciclistas, creio que a galera conhece através das indicações. Eu recomendo.

Pela internet combinei de encontrar o casal alemão que conheci em Copacabana (Bolívia). Amanhã almoçaremos juntos para combinarmos a visita à Machu Picchu. O tempo aqui não está muito bom e a previsão não é das mais animadoras, então, provavelmente devemos ir à Cidade Perdida somente no domingo ou segunda. Afinal, ninguém merece ir à Machu Picchu e não ter o maravilhoso panorama do local. 

Cusco e região são repletas de atrações: sítios arqueológicos, museus, igrejas e etc. No entanto, tudo é muito caro e a visita é feita com um boleto turístico que custa mais de cem reais. Muito dinheiro, já que ainda terei que gastar uma grana alta para visitar Machu Picchu. Então, acho que meu passeio ficará “limitado” à Cidade Perdida, o que para mim está de ótimo tamanho. Caminhar por Cusco ainda não custa nada, então poderei observar os prédios históricos sem dificuldade. Devo fazer isso amanhã.

No mais, estou extremamente feliz por chegar a este lugar. Foram quase três anos de planejamento. Então cada etapa realizada é um sonho conquistado. 

O dia foi finalizado com 73,31 km em 5h15m e velocidade média de 13,93 km/h.

Hasta Machu Picchu.

28/09/2012 - 82° dia - Cusco (Folga)

O corpo começa a se adaptar com o fuso horário.

Hoje que eu não precisava levantar cedo, mas às 05h45m já estava acordado. Paciência. Fiquei mais alguns minutos na cama e logo levantei para começar atualizar o diário de bordo. Por volta das 7h15m vou até a cozinha da hospedagem para tomar o desayuno que está incluído na diária. Dois pães, margarina e/ou doce de leite, ovo frito e chá. Tudo muito bom. Legal foi ver a galera lavar talheres e xícaras mesmo com um funcionário para fazer isso. Claro que eu também limpei minhas coisas. Na sequencia voltei para o quarto e continuei a escrever.

Geralmente quando escrevo, as horas passam rápidas demais e hoje não foi diferente. Quando fui ver já era quase meio dia. Troquei de roupa em poucos minutos e fui para a Plaza de Armas, coração de Cusco, para encontrar o casal alemão, Anne e Anselm. Para a minha surpresa, a praça fica mais próxima da hospedagem do que eu imaginava. Andei apenas algumas quadras e já estava no centro histórico. Aliás, que coisa linda. Prédios coloniais, resquícios da época dos incas, igrejas, praças e muito, mas muito turista. Aqui, você de outro país, não se sente um estranho, é apenas mais um na multidão. 

Plaza de Armas

Esperei o casal por um bom tempo e nada. Enquanto não encontrava-os resolvi registrar um pouco da grandiosa e importante Cusco. A cidade que outrora foi capital do império inca, hoje tem mais de 300 mil habitantes e visitantes de todo o mundo que facilmente são encontrados pelas ruas, sobretudo, aquelas da região do centro histórico, local onde se concentram inúmeras igrejas com uma arquitetura fabulosa, entre elas, a Catedral; museus; palácios incas; e claro, uma diversidade enorme de hotéis, restaurantes e todo um comércio voltado para o turista. Afinal, Cusco é patrimônio cultural da humanidade.

Catedral

Centro histórico.

Centro histórico.

 Centro histórico.

In foco.

 In foco.

 In foco.

 
In foco.

Cusco sem dúvida é uma cidade bonita, não é à toa que a consideram a mais bonita do Peru. Ontem não tive essa impressão, afinal, cheguei pela periferia e infelizmente essa é geralmente uma região esquecida pelas autoridades. Em todo caso, hoje nem parecia que eu estava no mesmo munícipio do dia anterior. A beleza está à sua volta e basta um olhar atento para observar e registrar a história ao vivo e a cores.

 Centro histórico.

Após quase uma hora de espera, finalmente encontrei o casal alemão, eles confundiram o horário e por isso o atraso. Sem problema. Na sequencia nos dirigimos a um restaurante e degustamos um menu um pouco diferente, mas gostoso. Meu pedido foi um tal de Tarwi com guiso de carne. Na verdade eu nem sabia o que realmente era, aliás, nenhum de nós tinha idéia do prato que escolhera. Mas a chance de conhecer as coisas é agora e aproveitamos a oportunidade para saborear a culinária peruana. O tarwi consiste em um diferente molho de batata com carne, muito bom. O prato completo saiu por aproximadamente cinco reais. Anne e Anselm são mochileiros econômicos, descobriram o lugar barato e por isso me levaram até ele. Estou em boa companhia.

Tarwi. Está servido?

Após o almoço saímos para caminhar pela cidade e posteriormente passamos em um posto de informação ao turista para sabermos mais detalhes a respeito do ingresso para Machu Picchu. O mesmo deve ser obtido na Avenida da Cultura no prédio onde funciona o órgão responsável pela Cultura. Nos dirigimos ao local e compramos o boleto para Machu Picchu e Huayna Picchu. Conseguimos para segunda-feira de manhã. O custo: 126 reais apenas a entrada para Machu Picchu. Nós não vamos de trem, o mesmo é muito caro, ida e volta sairia mais de 200 reais. Então achamos uma alternativa, vamos por Santa Tereza, trajeto mais barato, já que vamos de ônibus e depois um trecho a pé. Ida e volta deve sair aproximadamente 50 reais. 

Responsável por não deixar o pedestre atravessar a rua em local proibido.

Centro histórico.

Pena de morte? Adeus, galera. Claro que foi encenação, rs.


Iglesia Santo Domingo.

Então ficou combinado o seguinte: no domingo de manhã saímos bem cedo em direção à Santa Tereza e o pernoite será em Águas Calientes, parada obrigatória para os turistas que pretendem ir para Machu Picchu no dia seguinte. Assim, segunda-feira, dia 1° de outubro, vou conhecer a famosa Cidade Perdida dos Incas. Emoção pura! 

Amanhã vou andar mais pela cidade, tem muita coisa interessante para conhecer e quero aproveitar tudo que esteja ao meu alcance. Acho que é isso, camaradas. 

Abraço e obrigado a todos pelo apoio. 

“Hasta la Victoria Siempre”

29/09/2012 - 83° dia - Cusco (Folga)

A pretensão era conhecer um pouco mais de Cusco, no entanto, terei que fazer isso outro dia, pois hoje resolvi realmente descansar, o tempo estava muito propício para isso. No começo da noite de ontem a chuva apareceu e com ela um frio que despencou a temperatura e trouxe também a vontade de ficar mais tempo na cama pela manhã deste sábado. Descanso merecido.

Hoje pela manhã não chovia, mas o céu continuava nublado e indicava que não demoraria a cair água novamente. Assim, fiquei na hospedagem e aproveitei para cuidar do site, mandar notícias e também para fazer um balanço das finanças. Daqui para frente a economia será ainda maior para viabilizar o avanço da viagem. Afinal, não foram poucos os gastos com a visita para Machu Picchu (transporte e entrada) e as hospedagens aqui em Cusco.

Por volta do meio dia o casal alemão apareceu aqui na hospedagem para almoçarmos juntos novamente. Foi a minha vez de escolher o restaurante, optei por um quase do lado do hotel onde estou. O preço animou a todos nós, viajantes econômicos. Refeição por apenas dois reais. Comida simples, mas boa. Cada um pediu um prato diferente. Minha opção foi pelo arroz cubano que acompanha; banana, ovo frito e ainda uma salada. 

Após o almoço seguimos para o mercado na intenção de comprarmos comida para os nossos próximos dois dias em Aguas Calientes e Machu Picchu. Resolvemos que compartilharíamos as refeições, assim as compras foram feitas em conjunto e dividimos o valor. No final cada um teve que pagar aproximadamente 5 reais. Compramos macarrão, atum, molho de tomate, legumes, pão, mortadela, margarina, abacate e banana. A água foi adquirida separadamente, levei quase 4 litros para ficar bem hidratado. Havia um motivo para nosso estoque de comida e água. As pessoas aqui da região foram unânimes em nos alertar que as coisas em Aguas Calientes são muitos caras. Portanto, decidimos ir precavidos.

O tempo que estava nublado fechou de vez e começou a chover, cada um foi para sua hospedagem na torcida para que amanhã o sol esteja a brilhar pelo céu peruano. No Estrellita eu descansei mais um pouco e arrumei as coisas que precisaria levar para o acampamento em Aguas Calientes. O casal me emprestou um mochilão e assim não precisei sacar a parte superior do meu alforje que também é uma mochila. O item emprestado logo ficou cheio com o saco de dormir, colchão, roupas, comida e água. Ainda reservei um espaço na mochila para colocar algumas coisas que estavam na bicicleta, que por sua vez, encontrava-se trancada no depósito da hospedagem.

Fui dormir por volta das 22 horas e ainda continuava a chover. O jeito era torcer para o dia seguinte amanhecer diferente. Isso eu saberia somente às 4 horas da madrugada, horário que eu coloquei para o celular despertar. Pensamento positivo! 

30/09/2012 - 84° dia - Cusco x Aguas Calientes (Folga)

Acordei às 4 horas da madrugada, mas infelizmente levantei apenas meia hora depois. Que sono! No entanto, era preciso arrumar mais algumas coisas, preparar o desayuno e esperar o casal alemão que passaria aqui na hospedagem às 6 horas da manhã para seguirmos ao terminal de ônibus que vai para Quillabamba.
 
Pois bem, ainda não havia terminado minha bagagem quando os camaradas mochileiros chegaram na frente do hotel. Para não atrasar, tratei de apressar o ritmo e poucos minutos depois estávamos no taxi que nos levaria até o terminal. A corrida saiu por menos de cinco reais e rapidamente chegamos ao destino.  Às 06h45m as passagens estavam compradas. 

Existem duas formas conhecidas de visitar Machu Picchu, a mais clássica talvez seja a viagem de trem que faz o caminho para Aguas Calientes. No entanto, essa opção é muito cara e a tarifa mais barata acaba por sair em torno de 100 dólares ida e volta. Dinheiro demais para alguém que já desembolsou 150 reais apenas para comprar o bilhete de entrada à Machu Picchu. 

A segunda e mais econômica opção para conhecer a cidade perdida dos Incas é caminho alternativo via Santa Teresa. Lógico que resolvemos seguir por esse trajeto. Na verdade, antes de conhecer o casal alemão eu estava quase decidido ir pelo meio mais convencional, porque eu não estava muito seguro de ir sozinho pelo modo alternativo. Mas os mochileiros chegaram antes em Cusco e trataram de buscar informações e a partir delas me avisaram que não haveria problemas e realmente sairia mais barato por Santa Teresa. Perfeito.

Primeiro passo. Ainda em Cusco seguir até o terminal terrestre de onde saem os ônibus para Quillabamba. No local deve-se comprar a passagem para Santa Maria, povoado que fica no Valle Sagrado. O preço custa 15 soles, 12,50 reais. A primeira saída acontece às 7 horas da manhã, por isso é preciso madrugar para chegar ainda com claridade em Aguas Calientes.

Na “rodoviária” o ônibus atrasou e partiu apenas meia hora após o previsto. Paciência! Pouco antes do embarque tive uma surpresa, a viagem tem duração de cinco horas até Santa Maria, pensei que levaríamos no máximo duas horas. Em todo caso, o jeito é colocar as mochilas no bagageiro e acomodar-se para seguir viagem. O ônibus da empresa Turismo Ampay é simples, mas razoavelmente confortável, no entanto, sem banheiro.

O caminho para Santa Maria é simplesmente incrível e marcado por fortes descidas e subidas. As paradas do ônibus acontecem pelas principais cidades e povoados pelo caminho apenas para embarque/desembarque de passageiros. Se por ventura, você estiver com muita vontade de ir ao banheiro, talvez esse seja o momento de negociar alguns minutos com o motorista, mas eu acho difícil. Mas em caso de emergência pode ser uma opção.

As paisagens do Valle Sagrado, Urubamba e Ollantaytambo são maravilhosas e certamente as principais responsáveis por tamanha beleza são as enormes montanhas que cercam o vale e ainda compreendem sítios arqueológicos. No entanto, o visual mais deslumbrante aparece em Abra Málaga, acima dos 4 mil metros de altitude. Aqui também é possível ver o curioso caracol formado pela estrada com suas curvas e inclinações. Acredito que foram mais de 50 km somente de subidas.

Vale Sagrado

Vale Sagrado

Sítio arqueológico

 Sítio arqueológico

Sítio arqueológico

 A subida em direção à Abra Málaga.

Curiosidades das montanhas.

 Chegada aos céus.

Abra Málaga e seus mais de 4 mil metros de altitude.

Às 11h30m o ônibus faz uma parada para o “almoço”. É tudo muito rápido e você tem pouco tempo para esvaziar a bexiga e comprar alguma coisa nas barracas à beira da estrada, que além de refrigerante, bolachas e outras guloseimas, também servem almoço. Um pequeno prato custou menos de dois reais. Comprei apenas para não deixar o estômago vazio. Na sequencia o ônibus segue e por volta das 13 horas finalmente estamos em Santa Maria.

Descida em direção à Santa Maria.

 Parada para o almoço.

Segundo ponto. Logo após o desembarque em Santa Maria deve-se pegar um veículo, carro ou van que siga para Santa Tereza e posteriormente à hidrelétrica onde existe um posto de controle (setor Intiwatana) que registra sua entrada no santuário histórico de Machu Picchu. Em Santa Maria existem motoristas ansiosos à espera de turistas, logo, dificilmente se espera muito para ir em direção à hidrelétrica. O valor da passagem também é de 15 soles.

Aventura. Antes mesmo de começar a caminhada para Aguas Calientes a adrenalina está literalmente nas alturas. O trajeto Santa Maria x Santa Tereza é bem parecido com aquele existente na Estrada da Morte na Bolívia. Estrada estreita, de terra e ao lado de enormes precipícios. Confesso que é um pouco assustador porque o motorista não hesita em acelerar o veículo naquele ambiente que normalmente exigiria uma cautela fora de série, ainda mais com a chuva que começa a cair. Em todo caso, seguimos e registramos o momento. Também estávamos atentos às explicações do motorista que nos cedeu várias informações da região, foi um verdadeiro guia. 

Plantação de coca.

 A "estrada da morte" em território peruano.

In foco.

 Embaixo existem três lugares para banhos termais

 Sentido à Santa Teresa

Com 1h10m de viagem chegamos à Santa Teresa onde apenas trocamos de carro (não foi preciso pagar novamente) e continuamos por mais 20 minutos pela estrada de terra antes de chegarmos à hidrelétrica. O posto de controle Intiwatana funciona das 05 às 16 horas. Fizemos um pequeno lanche para reforçar as energias, afinal, deste ponto em diante são aproximadamente duas horas de caminhada até Aguas Calientes. Aqui é possível visualizar pela primeira vez a montanha de Machu Picchu.

Versão mochileiro.

 Ao fundo a montanha velha; Machu Picchu.

Terceiro ponto. Após apresentarmos os boletos de entrada para Machu Picchu e registrarmos nossos dados no livro de visitas do posto de controle, estava na hora de começar a caminhada. O guia/livro dos alemães indicava que a jornada tinha duração de duas a três horas. Assim, seguimos nós quatro, o casal alemão, eu e um australiano (também historiador) que embarcou em Santa Maria com a gente. Às 15 horas iniciamos a caminhada.

No caminho certo.

 Trem? Não! Muito caro. O jeito é caminhar.

 
 Estação de trem no distrito de Machu Picchu.

O ambiente é diferente, não há dúvida, a começar pela altitude, abaixo dos 1.500 metros de altitude. A vegetação também é outra e árvores estão por todo lugar. A trilha é realizada ao lado da trilha do trem que segue à Machu Picchu e margeia o rio Urubamba que atravessa o Vale Sagrado. Uma rica e bela fauna e flora fazem parte do trajeto que tem uma certa elevação, mas que não chega a prejudicar o desempenho da caminhada. O que pode cansar os menos preparados é a distância, afinal, são mais de duas horas a pé. Encontrar com outros viajantes mochileiros é quase inevitável, sinal evidente que você não é o único em busca de uma alternativa mais econômica e emocionante.

Começo da trilha em direção à Aguas Calientes.

Brasileiro, alemão e australiano.

Rio Urubamba.

 Carranca no alto da montanha para espantar qualquer negatividade.

Rio Urubamba.

Flora.

Galera animada. Caminhada perfeita.

Sem comentários.

Salve-se quem puder., rs

O caminho é longo, porém tranquilo e em nenhum momento me pareceu inseguro. Assim, com mais de 2h30m de caminhada temos uma boa surpresa. O camping (indicado no guia alemão) fica um pouco antes de Aguas Calientes e ainda mais próximo do outro ponto de controle de acesso à Machu Picchu. A outra notícia boa foi o preço para acampar. Apenas 15 soles por barraca. Na correria da manhã, acabei por esquecer a minha, mas por sorte a barraca do casal era para três pessoas e evidentemente eles não se importaram em ceder um espaço para mim. Assim, cada um pagou menos de 5 reais. Ainda em Santa Maria um senhor nos avisou sobre uma hospedagem em Aguas Calientes (Los Caminantes) onde a diária era de 15 a 20 soles, logo, fica a informação de uma hospedagem barata para quem não for acampar.
  
 O camping tem uma boa estrutura, porém não existe água quente no chuveiro. Com isso, infelizmente não tomei banho. No mais, me pareceu bem seguro, inclusive, o local é parada de muitos caminhantes que fazem a Trilha Inca, logo, as agências de turismo deixam barracas já montadas à espera dos andarilhos do Vale Sagrado. Nosso acampamento foi levantado rapidamente e depois bastou degustar a janta preparada pelo Anselm e posteriormente descansar para enfrentar a subida para Machu Picchu na manhã seguinte.

01/10/2012 - 85° dia - Aguas Calientes x Machu Picchu x Cusco (Folga) 

Sonho realizado!

Que dia perfeito. Um dos melhores da minha vida, sem sombra de dúvidas. Felicidade extrema! Excelente maneira de começar o mês.

O dia começou de madrugada. O celular despertou às 3h45m por que combinamos de começar a subida à Machu Picchu às 4h30m. Era preciso iniciar cedo a caminhada para chegar às 7 horas na entrada de Hayna / Wayna Picchu (montanha que fica à frente da cidade de Machu Picchu), onde apenas 400 pessoas ingressam por dia, metade das 7 às 8 horas e a outra metade das 10 às 11 horas. Nossa pretensão era fazer parte do primeiro grupo.

Acordamos, desmontamos acampamento e enquanto preparávamos o café da manhã, vários caminhantes já seguiam pela estrada em direção à Machu Picchu. Eram provenientes de Aguas Calientes e preferiram não pagar o ônibus que leva à cidade perdida. Após nosso desayuno, também seguimos por este caminho, que segundo informações, poderia ser feito de 45 a 90 minutos. Mas antes de começar a caminhada deixamos as mochilas no camping em um lugar reservado justamente para isso. Assim não precisaríamos carregar aquele tanto de peso durante a subida.

Tempo. Com a força do pensamento positivo e a grandiosa ajuda de Pachamama, o céu estava com poucas nuvens e para nossa felicidade, conforme os minutos passavam, a claridade evidenciava que o sol brilharia com toda sua energia e iluminaria todo nosso caminho e visita à Machu Picchu. E isso nos deixou ainda mais animados para começar a subida, afinal, seria possível ter um panorama completo da cidade perdida.

Nossa saída ocorreu exatamente às 05h20m e quase ao lado do camping, antes de atravessar a ponte, o segundo posto de controle (aberto a partir das 5 horas) . No local uma placa deseja boas vindas à Machu Picchu Pueblo. Apresentamos mais uma vez o boleto de entrada e obtivemos permissão para seguir adiante. Depois da ponte, uma subida para não ser esquecida jamais. As placas indicam o caminho para Machu Picchu e não tem como se perder. Em caso de dúvida sobre a direção correta, basta perguntar ou seguir outros turistas, nas primeiras horas da manhã eles são vários.

  
 O visual durante o começo da caminhada

A galera em busca de fôlego.

A subida até à entrada principal de Machu Picchu não é fácil. E se você não estiver com um pouco de preparo físico, certamente vai sofrer. O trecho é bem íngreme. Não demorou muito e eu estava todo suado, muita umidade e escadas que pareciam não ter fim. Mas estávamos animados e apesar da dificuldade do trajeto, avançávamos em direção ao topo. Após 1h10m de caminhada montanha acima, finalmente chegamos à entrada. No local, uma enorme fila estava formada, ônibus de Aguas Calientes já haviam deixados vários turistas. Ficamos apreensivos por talvez não haver tempo hábil para ingressar à Wayna Picchu. Mas para nossa sorte não ficamos muito tempo na fila e poucos minutos depois estávamos diante da histórica, incrível e misteriosa cidade perdida dos incas; Machu Picchu (Montaña Vieja – Montanha Velha).

Entrada à Machu Picchu.

Que emoção! Eu parecia não acreditar no que estava diante dos meus olhos. É surpreendente! A começar pela altura, simplesmente uma cidade construída nas nuvens. O local é muito, mas muito alto e cercado por montanhas da mesma magnitude que entre seus espaços formam o conhecido Vale Sagrado dos Incas. Logo no início, o que também chama atenção em Machu Picchu é que o local está muito bem preservado, afinal não é à toa que chamam de cidade de perdida, os espanhóis não descobriram sua existência e por isso podemos observar a audácia que a civilização inca teve para construir uma cidade a essa altura. 

 Finalmente, a cidade perdida dos incas.

  
 Recinto del Guardián

  
 Machu Picchu

Machu Picchu.

Rapidamente atravessamos a cidade perdida e seguimos para Wayna Picchu. Ainda faltavam 15 minutos para abrir o portão e poucas pessoas estavam no local. Nossa estratégia havia funcionado. E isso nos deixou ainda mais animados para encarar as centenas de degraus que haveríamos de enfrentar até o topo da “jovem montanha”. Às 7 horas os portões se abrem e novamente somos obrigados a apresentar o boleto e a documentação (em todos os controles eles pedem passaporte, mas se você ingressou no país com apenas o R.G brasileiro, não se preocupe, basta apresenta-lo que será aceito da mesma forma). Também é feito mais um registro e depois basta começar a subida.

 Wayna Picchu ao fundo.

Entrada para Wayna Picchu.

Que subida! Pela própria forma cônica da montanha já é possível imaginar no nível de dificuldade para encara-la. Não por menos em vários trechos um cabo de aço auxilia na exaustiva subida. Caminhos estreitos e degraus cada vez mais íngremes fazem parte constante do trajeto que também é marcado por inúmeros visitantes, muitos extremamente cansados. Não é raro encontrar pessoas paradas a buscar fôlego e energia para continuar em direção ao topo da montanha.

 Centenas de degraus neste estilo.

Durante o difícil caminho apreciávamos e registrávamos a paisagem que ficava cada vez mais fantástica. Com o avanço da subida é possível ter um panorama incrível de Machu Picchu, um visual que não conhecia nem mesmo por fotos. Simplesmente impressiona! A cada nova etapa conquistada em direção ao topo mais o visual surpreende, assim como as construções incas em locais aparentemente impossíveis para instalação de alguma coisa. 

 Construções.

  
Brasileiros do Rio de Janeiro que encontrei pelo caminho.
 
Com quase uma hora de subida, finalmente a esplêndida conquista de Wayna Picchu. Que coisa mais linda. Sentir-se vivo é o que posso descrever a respeito do momento. Poder observar toda a maravilha de Machu Picchu e o Vale Sagrado é uma sensação única, sentimento de sonho realizado. E isso talvez seja uma das melhores coisas da vida. 

 Quase no topo de Wayna Picchu. Ao fundo, lado esquerdo, a estrada que os ônibus percorrem até Machu Picchu, que está no lado direito.

 
 Setor agrícola.

 Observar e absorver.

   
 Registro garantido.

  
 O pensador, rs.

Quase nada feliz.

 A visão de Machu Picchu do alto de Wayna Picchu.

Diante de toda a grandeza do local, recordo de tudo o que passei para viver aquele momento especial. Afinal, desde 2009 eu persigo o sonho de chegar à Machu Picchu. É verdade que demorou alguns anos para o sonho ser realizado, mas nunca me passou pela cabeça deixa-lo para trás e apesar de todos os obstáculos do caminho, finalmente encontrei a cidade perdida dos incas. Conseguem imaginar a minha felicidade?

Foram vários minutos de admiração e reflexão no topo da jovem montanha antes de começar a descida, não menos emocionante do que a subida. Mais fácil, com certeza. No entanto é preciso muita atenção para não cair dos estreitos degraus. Com tranquilidade completamos a descida em 40 minutos e estávamos prontos para caminhar por Machu Picchu.

 Começo da descida.

 
 Delírio em Wayna Picchu.

 
 Construções nos lugares mais improváveis.

  
 Observe o estilo da pedra.

A cidade de Machu Picchu é enorme foi preciso muita disposição para percorrê-la em quase sua totalidade; palácios, áreas cerimoniais, casas, templos, observatório astronômico e ainda espaços destinados para a agricultura, reuniões e sacrifícios. É tudo muito incrível, a perfeição do encaixe das pedras em algumas construções parece ser de outro mundo. Sem falar o tamanho das rochas que eram transportadas exclusivamente pela força humana. Fascinante! Não é de estranhar que o mundo inteiro, sem exagero, esteja presente nessa parte da América do Sul para conhecer essa maravilha de lugar. 

Machu Picchu.

 
 Roca cerimonial. Mesmo formato da montanha ao fundo.

 
 Recinto del Guardián.

  
 In foco.

 
 O registro clássico de Machu Picchu. Pura emoção.

  
 Acesso principal à cidade inca.

 
 Setor de los templos.

 
 Essa é homenagem ao irmão e camarada Marco Brandão. Camiseta da nossa Expedição de Inverno 2010.

  
 Casas.

 
 Machu Picchu,

Setor agrícola.

Templo. Detalhe para o acabamento das pedras.

 
Templo de las três ventanas.

 
 In foco.

A felicidade das crianças, rs.

 Tranquilidade das lhamas.

 
 In foco.

 
In foco.

Grupo de las Tres Portadas.

 
 In foco.

Grupo de las Tres Portadas.

 Yo!

 
 In foco.

  
Setor agrícola.

 
 In foco.

  
Templo del Cóndor. Observe a imagem da ave.

 
 Setor agrícola.

 
In foco.

  
 Fuentes. Curioso sistema de distribuição de água.

  
 Fuentes.

  
Fuentes.

 
 Templo del Sol

  
Amigos mochileiros.

Andar por quase toda a extensão da cidade inca foi cansativo e na parte final confesso que estava difícil de caminhar. Mas se por um lado meu corpo sentia os vários quilômetros de caminhada, minha alma estava completamente em paz. E com tranquilidade me despedi de Machu Picchu e comecei, na companhia dos meus amigos mochileiros, a descida em direção ao camping. Dessa vez, precisamos apenas de 40 minutos. 

 Estação de trem; Rio Urubamba; Camping. Todos estão lá embaixo.

  
Alucinação na descida, rs.

 
 Hasta luego, Machu Picchu.

 Em direção ao camping.

 
 Rio Urubamba.

 
Hasta luego, Machu Picchu.

No camping, pegamos nossas mochilas e começamos, às 14 horas, outra jornada, agora até a hidrelétrica para pegarmos o veículo que nos levaria até Santa Maria e posteriormente Cusco. A caminhada durou duas horas até a hidrelétrica. A volta é mais fácil já que o relevo ajuda. Mas, a mochila pesada acabou com as minhas costas, sem falar as pernas que estavam bem cansadas. No entanto, isso não foi motivo de lamentação. A sorte estava ao nosso lado e logo conseguimos um carro para Santa Maria por apenas 12 soles. 


Camping

Camping.
 
O retorno pela trilha até a hidrelétrica.

Vinte minutos após o embarque, estávamos em Santa Teresa onde outra passageira ingressou no veículo. Adivinha, era brasileira. Hoje foi o dia para voltar a falar português. Mais 1h10m de retorno pela “estrada da morte II” e chegamos à Santa Maria. As informações que tínhamos era que o ônibus sairia apenas às 9 horas da noite. E ainda não eram 18 horas. A solução foi pegar uma van que partiria às 18h30m, contudo, era 10 soles mais cara que o ônibus e assim, a passagem custou aproximadamente 20 reais. 

O caminho de volta para Cusco foi relativamente rápido já que passei todo o tempo a conversar com a simpática brasileira Danyelle que viaja sozinha pela América do Sul. Histórias de viajantes são sempre interessantes. Assim, por volta das 11 horas da noite estávamos novamente na capital inca. Nos despedimos e cada um seguiu para sua hospedagem. Dia perfeito em um lugar incrível e na companhia de pessoas maravilhosas. Que maravilha!

Crie as oportunidades e aproveite ao máximo. 

“Hasta la Victoria Siempre”

02/10/2012 - 86° dia - Cusco (Folga).

Apesar da canseira, acordei naturalmente por volta das 6 horas da manhã. Como o desayuno é servido a partir das 7h15m, aproveitei esse intervalo para começar a escrever o relato da fantástica experiência de conhecer Machu Picchu. Colocar um turbilhão de sentimentos em palavras não foi fácil, ainda mais que eu estava com sono e muito cansado.

As horas passaram rapidamente e às 13 horas os amigos alemães apareceram para novamente almoçarmos juntos. Mais uma vez resolvemos escolher um restaurante aqui da Avenida Tullumayo, onde existem várias opções de comida barata. A refeição saiu por pouco mais de dois reais. A surpresa do cardápio ficou por conta do feijão, um delicioso feijão, diga-se de passagem. Aproveitei e repeti o prato que também acompanhava um pedaço de carne. Para matar a saudade da culinária brasileira, ainda pedi para levar uma refeição.

Após o almoço voltei para a hospedagem e continuei a escrever o diário de bordo. Fiquei nesta função até às 21 horas quando o Anselm apareceu com um casal de argentinos (que estavam hospedados no mesmo lugar que ele) para irmos à uma pizzaria. Havíamos combinado que a nossa despedida seria em grande estilo. Infelizmente a Anne passou mal e não pôde nos acompanhar. A pizza demorou a ficar pronta, mas o ambiente estava muito bom e aproveitamos para conversar muito e dar boas risadas. Clima ótimo! 

 Luisina, Santiago, eu e o Anselm.

Após me despedir do pessoal, voltei ao Estrellita e fui descansar mais um pouco. Acredito que amanhã consiga atualizar o diário de bordo. 

Buenas noches.

03/10/2012 - 87° dia - Cusco (Folga).

Novamente acordei por volta das 6 horas da manhã e comecei a me dedicar à atualização do site. É sempre um processo trabalhoso, mas muito significativo para mim. É meio dia e acredito que finalmente estou prestes a terminar mais esta postagem. 

Ainda não sei se continuo a viagem amanhã, sexta ou sábado. Tem algumas coisas que pretendo conhecer aqui em Cusco. Em todo caso, estou extremamente feliz por mais essa etapa concluída com sucesso. 

Próximo destino é Nasca e suas misteriosas linhas. Tudo indica que na próxima estarei por lá e também diante do Oceano Pacífico.

No mais, agradeço imensamente pelo apoio enorme que tenho recebido. Obrigado por tudo pessoal. 

Comentários são bem-vindos.

Hasta luego.