quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Equador II


28/11/2012 - 143° dia - Cuenca a Zhud

Finalmente ultrapassei a marca dos cem quilômetros em um dia pelas estradas equatorianas.

Antes de começar o relato de hoje mencionarei alguns acontecimentos de ontem. Logo pela manhã, assim que terminei de atualizar o site, fui à bicicletaria que passei em frente quando cheguei à Cuenca. No local a minha primeira pergunta foi a respeito da existência de um pneu Pirelli. Infelizmente não trabalhavam com a marca. Então comprei um pneu de marca desconhecida com tamanho de 1.95 e cravo baixo por dez dólares. O proprietário garantiu que roda 10 mil quilômetros, mas eu posso apostar que sua durabilidade não chega nem mesmo aos 5 mil. Os cravos baixos tem a metade do tamanho daqueles no Pirelli. Veremos!

Bicicletaria Austro e o seu segurança. rs.

Na bicicletaria, finalmente o pneu dianteiro (Pirelli) foi trocado com 7.782 km. Eu acho que aguentaria chegar aos 8 mil quilômetros, mas resolvi não arriscar, suas costuras estavam cada vez mais à mostra. Após a troca do pneu foi a vez das sapatas dos freios. O par das borrachas me custou cinco dólares. Um investimento mais do que necessário.

É preciso pedalar muito para deixar um Pirelli neste estado.

Depois que a Victoria ficou novamente inteira, voltei para a hospedagem e na sequencia fui às ruas caminhar. Aproveitei e passei na lan house para responder os comentários pendentes. Na hora do almoço retornei ao mesmo local dos dias anteriores e a refeição foi básica. No período da tarde liguei para a mãe e finalmente consegui falar com ela. Que saudade! 

Antes de regressar ao hostal, tratei de comprar pão e mais geléia. Em uma mercearia encontrei a famosa bolacha peruana GN. Pensei que não acharia mais a marca em território equatoriano, uma vez que estou cada vez mais distante do Peru. Foi uma grata surpresa. Comprei o suficiente para alguns dias. De volta ao Hostal Siberia comecei a arrumar minhas coisas, preparei a janta e fui dormir.

Hoje eu acordei com o despertador às 5h00m, mas fui levantar apenas 45 minutos depois. Essas minhas “folgas” não tem nada de descanso e a vontade de permanecer na cama era enorme. Mas eu tinha que partir e continuar o pedal em direção à capital. Então tratei de agilizar as coisas. Tomei meu café da manhã e posteriormente levei toda a bagagem para a recepção, coloquei os alforjes na Victoria, despedi-me do pessoal e me direcionei para a saída da cidade às 6h45m.

Ontem quando estive na lan house aproveitei para ver qual trajeto deveria ser feito para retornar à Panamericana. Hoje precisei apenas seguir pela rua onde eu me encontrava até chegar à Avenida das Américas. O percurso foi apenas dois quilômetros, mas demorou bastante para ser pedalado. Muitos semáforos insistiam em exibir a luz vermelha quando era a minha vez de atravessar. Paciência! No Brasil ou exterior, respeitar as leis de trânsito é o básico.

Na Avenida das Américas bastava eu seguir em direção à Panamericana que ficava há seis quilômetros de distância. A maior parte deste trecho foi em descida e rapidamente voltei à rodovia desejada para finalmente completar o itinerário à Quito. 

A Rodovia Panamericana depois de Cuenca está duplicada, mas não há acostamento. No entanto, isso não foi um problema, apesar do fluxo de veículos, tudo ocorreu tranquilamente. Eu sabia (através do site RIDE GPS) que até a marca dos trinta quilômetros a descida seria predominante e para a minha felicidade a informação se concretizou. 

Na Panamerica em direção à Quito.

Panamericana também denominada E-35.

Descida antes de Azougues (ao fundo).

Um pouco antes da chegada em Azougues (33 km de Cuenca) as subidas apareceram, todavia, ainda estava tranquilo de pedalar. O trajeto era para ser todo de aclive por mais de trinta quilômetros, mas para a minha surpresa, praticamente a metade desta distância oscilou entre subidas e descidas. A monstruosa ascensão surgiu logo após Biblian, um distrito/cidade que é tão próximo de Azougues que não consegui identificar o limite territorial entre as duas localidades. 

Apoiado. Passarela não é enfeite.

As placas simpáticas pelo caminho.

O que aquelas placas fazem no chão? É a tal montanha-russa.

 
Início da subida e a tentação no acostamento. Sacanagem!

 
In foco.

Com 42 quilômetros pedalados, estava na hora de começar a viagem aos céus, de novo. O tempo estava meio estranho desde a saída de Cuenca. Às vezes parecia que as nuvens se dissipariam, no entanto, momentos depois já se anunciava que a chuva faria questão de me acompanhar. Independente do clima comecei a subida.

O aclive teve “apenas” dezessete quilômetros. Após Biblian o acostamento apareceu já que a pista dupla terminou. Esse espaço é sempre uma segurança a mais. No começo a montanha me deu uma “colher de chá” e subida era realizada com uma velocidade de 8 a 10 km/h. Acha pouco? Antes de chegar à Cuenca a velocidade, em circunstâncias parecidas, não passava dos 6 km/h. Avante! 

A montanha é traiçoeira. Aliás, a Cordilheira dos Andes não é de facilitar. Se isso acontecer, pode esperar que coisa “braba” vem pela frente. Foi justamente o que começou a suceder. O trajeto ficou cada vez mais íngreme e no horizonte eu enxergava apenas os vales esverdeados com algumas casas e mais subidas. Ela (a cordilheira) tenta uma, duas, dezenas de vezes, mas não consegue me nocautear.  Hoje eu estava diferente e mesmo com a ascensão meu ritmo continuava razoável e olha que nem toquei nas bolachas, algo que geralmente ocorre nas pausas para restabelecer a energia. 

Entre uma subida e outra...

Aclives, aqui eles estão por todas as partes.

In foco.

As surpresas da natureza.

Ambiente bucólico.

Chovia em algum lugar.

Mais uma subida vencida. A descida que estava anotada na minha agenda não apareceu na sequencia e tive que completar a montanha-russa por mais alguns quilômetros. Já passava do meio dia e eu começava a sentir fome, mas ao invés dos restaurantes, na minha frente só havia neblina. Ficou alto demais e logo o tempo estava todo fechado. A temperatura ambiente diminuiu, mas resisti em colocar a segunda-pele e continuei.

A descida esperada surgiu. Ainda não comentei, mas descer com freios novos e regulados é outra coisa. Sinto-me bem mais seguro. Em caso de emergência (leia-se buracos e outros obstáculos) basta acionar os manetes e a resposta é imediata, frenagem garantida. Foi uma boa decisão realizar a troca dos equipamentos em Cuenca. Estava em dúvida de fazer isso apenas em Quito. Enfim, tudo certo.

A “bajada” me fez congelar. Foram aproximadamente dez quilômetros montanha abaixo entre muita neblina e o vento proporcionado pela velocidade alta. Quando cheguei à Cañar, cidade considerada a capital arqueológica e cultural do Equador (não me pergunte o porquê), a primeira coisa a fazer foi procurar um restaurante. A essa altura já era quase 13h30m e faltava pouco para as lombrigas saírem pela boca à procura de alimento.

Cañar.

Chegada à capital arqueológica e cultural do Equador. E Quito, onde fica na história?

Finalmente apareceu um restaurante no perímetro urbano de Cañar. Estava bem lotado e isso geralmente é sinal que o preço é baixo e a refeição não deixa a desejar. O almoço custava apenas dois dólares, sopa, segundo (carne de gado), suco e sobremesa. Tudo muito bom e saboroso. 

Não sei por que, mas não consigo ficar muito tempo sentado na cadeira dos restaurantes. Seria um momento perfeito para descansar, contudo, por mais contraditório que possa parecer, apenas consigo tirar a “sesta” com mais pedalada. Acho que acostumei com isso. Poucos são os momentos na estrada em que eu paro e realmente descanso. Às vezes eu faço uma pausa para comer as bolachas e tomar uma água, mas sem sair da bicicleta e apenas por cinco, dez minutos, no máximo. E muitas vezes são cinco horas de pedal em cada turno. Desse modo tenho avançado sem maiores problemas.

Após o rápido almoço, voltei à estrada, não sem antes colocar a segunda-pele. A descida continuou e fui obrigado a tirar o corta-vento do alforje, havia muito tempo que não utilizava essa peça, nem me lembro de quando foi a última vez. Mas foi uma ótima decisão. A descida foi acompanhada de muita neblina que, cada vez mais densa, não demorou em tornar-se uma fraca chuva. Assim, a vestimenta do fundo do “baú” foi mais do que útil. Com o sobe e desce da sequencia eu comecei a suar um pouco, mas logo os declives pelo caminho trataram de esfriar o corpo de novo. Isso é pedalar no Equador. Poucos dias atrás eu quase não aguentava de tanto calor. Incrível!

Condição climática comum pelas montanhas.

A quilometragem na parte da tarde passou rapidamente e por volta das 17 horas eu estava em Zhud. Pela primeira vez no Equador o velocímetro marca 100 km em um dia de pedal por essas estradas encravadas nas montanhas. Na entrada do povoado perguntei sobre a existência de hospedagem. A chuva continuava e levantar acampamento seria apenas em último caso. Disseram-me que meus companheiros, ou seja, outros cicloturistas ficavam sempre em uma casa grande de dois pisos. A localização? As pessoas apenas apontaram para a descida na rodovia e falaram que ficava à esquerda. Fui conferir.

Essas informações precisas me deixam sempre com uma pulga atrás da orelha. Encaminhei-me para o local indicado e à beira da rodovia apareceu dezenas de casas grandes com dois pisos. Que maravilha! Perguntei em uma delas, não era. Questionei em outra residência e a resposta foi a mesma, contudo, o rapaz que me atendeu disse que havia um albergue na entrada do povoado. Como aquelas pessoas não me falaram desse lugar? 

Em direção ao albergue tive que enfrentar o trajeto que agora era de subida e enquanto fazia mais esse esforço, um homem me parou e perguntou se eu procurava hospedagem. Então disse que estava indo ao albergue e o senhor quase inconformado mencionou que era para eu dar meia volta e seguir para o “residencial”, “hotel”, “pesqueiro” de uma senhora que eu não soube compreender o nome. Esse era o local que os outros cicloturistas se alojavam. O homem, no entanto, apenas disse que o lugar se encontrava após a curva. Lá fui eu, novamente.

Passaram uma, duas, três, quatro curvas e nada de residencial, hotel ou pesqueiro. Avancei dois quilômetros e perguntei em uma casa sobre a existência do local. A mulher não soube me falar e então continuei em frente mais um pouco. Neste momento eu já cogitava pedalar até encontrar um local seguro e coberto para montar acampamento, apesar das condições do tempo. 

Na rodovia, encontrei uma mulher que disse não haver nenhuma hospedagem na região. Que maravilha! Como a estrada estava estranha, resolvi perguntar se ela levava à Quito. Foi quando tive a surpresa. Era a rodovia para Guayaquil. Logo, eu deveria, de qualquer maneira, regressar à entrada de Zhud.

Voltar para Zhud significava uma coisa, encarar dois quilômetros de subida em uma estrada sem acostamento e com uma mistura de neblina e chuva. Às vezes eu esqueço parte das informações que recebo (risada sacana), mas dessa vez eu lembrei que o senhor havia me dito que a hospedagem também era um pesqueiro. Então quando voltava, achei uma entrada quase perdida às margens da estrada e fui verificar. Comecei a ouvir barulho de água e quando olhei ao redor, notei um pequeno letreiro que dizia “Truchas” e apontava para o caminho de terra que agora era de lama. Fui conferir!

O local é na verdade uma chácara com várias casas e tanques para a criação do pescado em questão. Cheguei e fui recepcionado pelos cachorros. Na primeira casa pela qual passei, tudo indicava que eu estava no lugar certo, isso porque havia uma placa que informava: Descanso del viajero. Chamei, bati palmas e ninguém atendeu. Fui em direção à outra casa, fiz o mesmo procedimento e nada. Paciência! Voltei para a primeira residência e resolvi aguardar para ver o que aconteceria.

Poucos minutos após os chamados, um homem apareceu na entrada da segunda casa e veio em minha direção e confirmou que o local é pouso para quem viaja de bicicleta. Pergunto o preço e ele questiona se eu quero hospedagem e janta. Digo que preciso saber os preços primeiro. Então ele retorna à casa para confirmar os valores. Na volta o homem disse que a hospedagem custava 10 dólares e a refeição 5 dólares. Que facada! Argumentei que desde a fronteira eu havia pago 5 dólares nas hospedagens e que era brasileiro e não andava com euros e etc. Ele pediu para aguardar e novamente voltou à casa. Fiquei na espera.

Quando o homem voltou, tive uma notícia boa. Ele disse que a mulher (provavelmente a dona do lugar) cobraria apenas cinco dólares pelo fato de eu ser brasileiro, porque alemães e suíços pagam dez dólares sem chance de negociação. A refeição não poderia ter desconto porque a comida estava cara, ele disse. Ótimo, eu precisava mesmo era da hospedagem. A janta eu poderia preparar rapidamente.

O quarto fica naquela primeira casa que eu vi assim que cheguei ao local. A residência possui dois dormitórios. Fui direcionado ao piso superior. Quando entrei no cômodo tive uma surpresa maravilhosa. Local aconchegante e típico de um ambiente do campo. Gostei demais! Fiz um registro fotográfico do local, preparei a janta e na sequencia comecei a escrever o diário de bordo.

Quarto aconchegante da chácara. Descanso merecido.

Hospedagem no campo. Perfeita!

 
In foco.

Yo!

Amanhã quero sair cedo novamente. Para variar tem mais subidas pelo caminho e a solução é seguir o máximo possível para ficar cada vez mais próximo de Quito. Acho que até domingo eu chego na capital. Pensamento positivo.

Dia finalizado com 104,79 km em 8h21m e velocidade média de 12,52 km/h.

29/11/2012 - 144° dia - Zhud a Alausí

Mais um dia de pedal nas nuvens.

A noite na chácara foi extremamente tranquila. A chuva que caiu durante toda a madrugada foi parar somente por volta das 5 horas da manhã quando eu acordei. O aconchego da cama e o ambiente propício para descansar foram uma grande tentação para permanecer no local, mas era preciso avançar.

Assim que levantei fui observar o tempo e a constatação não foi das melhores. Muitas nuvens entre as montanhas e para variar ainda chuviscava um pouco. A temperatura àquela hora da manhã era baixa e não hesitei em vestir a segunda-pele.

Infelizmente tive que deixar este lugar.

A hospedagem.

In foco.

A "recepção" estilosa.

Arrumei minhas coisas, tomei meu desayuno, completei minhas garrafas com água diretamente da vertente (qualidade garantida, segundo o proprietário) e na sequencia fui encarar as subidas. Na saída aproveitei para registrar aquele tranquilo lugar. 

Se você chegar na entrada certa, essa será a visão da hospedagem.

Para quem vem de Cuenca a maneira mais fácil de achar essa hospedagem é da seguinte forma. Na chegada à Zhud, ainda na rodovia, tenha o semáforo como referência. Direto segue à Cuenca e para a esquerda se vai à Guayaquil, pegue esse segundo caminho e continue 900 metros pela descida até a primeira curva à esquerda. Haverá uma entrada demarcada com pneus, mas ainda não é este o acesso. Siga poucos metros na estrada e encontrará a segunda entrada com uma pequena placa (quase imperceptível) sobre a venda de Truchas, desça pelo caminho sinuoso e tenha um merecido descanso. Não se esqueça de falar que é brasileiro para ganhar um desconto de 50%. Fica a dica.

Assim que voltei à estrada (7h00m) me direcionei ao trevo (mencionado acima) e no caminho para Cuenca as subidas ficaram cada vez mais íngremes. A paisagem era simplesmente incrível. Era quase impossível visualizar o vale em razão das nuvens. Espetáculo da natureza que somente àqueles que estão nas alturas tem o privilégio de contemplar. 

O vale encoberto pelas nuvens e a estrada à Guayaquil.

Devido ao esforço para completar as subidas, em pouco tempo precisei retirar a vestimenta extra por causa da transpiração. A extensão do aclive inicial foi de sete quilômetros. Posteriormente uma série de sobe e desce foi marcada pela paisagem que continuava caracterizada pelas nuvens em meio às montanhas.

Paisagem nas montanhas.

In foco.

Divisa de província. Passei a pedalar pelo estado de Chimborazo. Mas a mudança não expandiu ao relevo da estrada e muito menos à paisagem que às vezes ficava comprometida pela neblina que não demorou a aparecer, sobretudo, nos trechos mais elevados do caminho, este, por sua vez, tem descidas fantásticas e subidas assombrosas. 

Prestes a pedalar na provincia de Chimborazo.

Paisagem pelo caminho.

 
Tente pronunciar sem esquecer que o "J" tem som de "R". Não é fácil, rs.

 
Neblina nas alturas.

Pouco antes da cidade de Chunchi encarei um dos piores aclives de toda a viagem. A dificuldade não estava relacionada à distância e sim à sua inclinação. A velocidade não passava dos 5 km/h e as pausas para restabelecer a energia eram frequentes. Com a altitude a temperatura ambiente diminuiu, mas ainda assim, meu corpo pegava fogo com o esforço para completar cada metro que parecia uma eternidade.

Para chegar ao outro lado eu teria que descer e subir muito, mas muito mesmo.

Chunchi no horizonte.

 
A subida monstruosa. Vai ser ingreme assim no Equador.

Inclinação bizarra.

Após o trecho demasiadamente íngreme, finalmente apareceu Chunchi às margens da rodovia. A cidade é pequena, mas oferece uma boa estrutura para quem está de passagem pela região. Há restaurantes, hospedagens, mercados, internet e mais uma diversidade de serviços e produtos. Não precisava de nada e apenas continuei pelo perímetro urbano até a saída do município. 

Na estrada pedalei por mais subida, descida e neblina. Com o passar das horas o tempo melhorou um pouco. Próximo ao meio-dia o sol até esboçou uma aparição entre as nuvens e a temperatura aumentou. Aqui é possível presenciar as quatro estações em poucas horas. Por enquanto meu corpo tem se mantido firme e forte diante toda essa oscilação, espero que continue assim.

Com 66 quilômetros pedalados parei por volta das 13 horas em La Moya, uma pequena vila onde felizmente apareceu um restaurante à beira da rodovia. Não havia nenhum cliente no local, mas ainda tinha almoço e isso é o que importava. O menu tradicional custou apenas dois dólares. Sopa com trigo e o segundo prato com bastante arroz, salada e carne cozida. Foi o suficiente para saciar o estômago por algumas horas. 

Ainda no restaurante sou informado que teria mais uma forte subida pelo caminho, no entanto, não era muito íngreme. Fui conferir! A informação estava relativamente correta. Em um primeiro momento a inclinação foi suave, mas de toda forma não foi fácil completa-la já que a temperatura estava cada vez mais elevada. A subida de seis quilômetros me levou à Guasuntos, um pequeno vilarejo no alto da montanha. 

Na saída de La Moya. Tempo aberto.

Chegada à Guasuntos. Tempo fechado.

Após a passagem por Guasuntos tudo mudou em questão de minutos. Novamente nas alturas a temperatura caiu bruscamente e uma densa névoa deixou a visibilidade comprometida mais uma vez. Uma placa indicava que eu estava próximo do Nariz do Diabo, uma atração (?) turística da região. Em razão da forte neblina eu não consegui enxergar o nariz ou qualquer outra parte do dito cujo. 

Pois é..

Descida. Com as distâncias estampadas nas placas que frequentemente são encontradas pelo caminho, eu estava ciente que faltava pouco para chegar à Alausí. Para minha felicidade o deslocamento até o referido lugar foi realizado por um forte declive. A velocidade média durante a descida foi de 50 km/h. Ultrapassei diversos veículos já que havia congestionamento em razão dos caminhões que desciam a montanha lentamente. 

Cheguei à Alausí todo molhado por causa da neblina. A estratégia foi parar na cidade porque na sequencia havia uma longa subida com mais de vinte quilômetros e a chuva ameaçava cair a qualquer momento. Desta forma, às 15 horas, eu estava no centro da cidade à procura de uma hospedagem. Encontrei o Hotel Panamericano onde a diária custava 10 dólares. O preço não foi negociável, mas aceitei ficar porque tinha internet wi-fi e eu necessitava ver meu e-mail e analisar a altimetria do dia seguinte.

Chegada à Alausí. O monumento de San Pedro é uma das atrações da cidade.

As acomodações do Panamericano são boas. Quarto e banheiro (compartilhado) limpos e ambiente tranquilo. Precisei apenas tomar um banho e descansar, afinal meu corpo estava cansado por causa do acumulo de subidas durante o dia. Já que a hospedagem custou mais do que o normal, resolvi fazer a janta para economizar. Preparei uma macarronada e por volta das 22 horas fui dormir. 

Dia finalizado com 83,35 km em 6h31m e velocidade média de 12,76 km/h.

30/11/2012 - 145° dia - Alausí a Riobamba

Dia de visualizar o ponto mais alto do Equador.

A noite foi relativamente tranquila na hospedagem. Fui dormir tarde e estava cansado, mas mesmo assim acordei por volta das 5 horas da madrugada quando apareceram novos hóspedes que não se preocuparam em manter o silêncio exigido pelo local e horário. 

Como eu tinha que levantar cedo não me estressei com a balbúrdia, o mesmo não ocorreu com uma francesa que ficou toda revoltada porque teve 25 minutos do seu sono interrompido. Ela soltou os “cachorros” no proprietário por ele não solicitar silêncio aos novos clientes. Queria ver se ela tivesse hospedada no Hostal San Francisco em Catamayo no episódio da briga do casal. 

Assim que levantei fui verificar o tempo. Estava nublado, mas pelo menos não chovia. Acho que boa parte da água caiu pela madrugada. Não estava com muita pressa para sair e fiz o procedimento sagrado de quase todas as manhãs; arrumei minhas coisas, preparei o desayuno e fui à estrada.

Voltar à Panamericana significava encarar uma subida íngreme pelas ruas de Alausí, isso porque a cidade fica encravada no vale das altas montanhas. Na rodovia eu sabia que uma ascensão de 25 quilômetros estava a minha espera. Com toda essa quilometragem eu procurei manter a calma para que a parte psicológica ajudasse a parte física a superar mais este obstáculo. 

A vista de Alausí durante a subida em direção à Panamericana.

In foco.

Nada melhor do que começar o dia nas alturas. Misericórdia!

In foco.

Aqui tudo tenta te assustar, rs.

Sentido à Riobamba.

Meu objetivo no dia era chegar à Riobamba que ficava aproximadamente a cem quilômetros de Alausí. O pior trecho seria essa subida monstruosa no começo da manhã. Quando eu penso que as montanhas não podem mais me surpreender elas sempre provam o quanto estou equivocado. Eu custava a acreditar na inclinação da estrada. Era algo que parecia irreal. No momento eu pensei no que fazer para meu corpo (cansado) não sucumbir diante daquele cenário.

Minha estratégia foi continuar tranquilamente. É melhor pedalar com uma velocidade de 5 km/h do que não avançar. Parava apenas para retomar o fôlego e recuperar as energias, que por vezes eram repostas com as infalíveis galletas rellenas. Para evitar que o deslocamento mais lento prejudicasse, de qualquer forma, a parte psicológica, tratei de escutar minha seleção musical. E para não deixar o “motor” sobreaquecer a solução foi hidratar-me frequentemente. 

Com pouco mais de cinco quilômetros eu já não avistava mais a cidade de Alausí que desaparecera entre as imensas montanhas. À minha frente curvas e mais curvas que eram acompanhadas de aclives cada vez mais íngremes. Após contornar a montanha tive uma surpresa, começou a descer. Fiquei sem entender nada porque naquele instante eu mal completava 9 dos 25 quilômetros de subida que estavam previstos. Em todo caso, eu é que não vou reclamar de descida. 

Pode acreditar, Alausí está no meio das montanhas.

Durante a descida inesperada encontrei um senhor à beira da estrada e resolvi perguntar se mais a frente existia alguma subida como aquela que acabara de ficar para trás. Com muita simpatia ele disse que havia apenas um pequeno aclive, mas que não se comparava ao trecho pedalado. Curioso pela viagem me fez um monte de perguntas e no final, para “estragar” a conversa, me pediu um dólar. Certamente ele pensou que eu era mais um gringo com o bolso estufado de dinheiro. Estava equivocado e não ganhou nem um centavo sequer. Agradeci as informações e continuei o pedal.

A descida misteriosa durou apenas três quilômetros e me fez compreender que o trecho a seguir completava aqueles vinte e cinco que estavam previstos. E foi justamente o que aconteceu. As informações que o senhor me deu também não se mostraram totalmente verdadeiras. Após 15 km pedalados desde Alausí e a passagem por Tixan (pequeno povoado) as subidas voltaram a ficar mais íngremes, mas não se comparavam àquelas de minutos atrás, ainda bem.

A paisagem continuou bucólica, pastagens e pequenas plantações são visualizadas nas partes em que a montanha permite. Na estrada os derrumbes são frequentes, capacete é fundamental para não ser atingido por pequenas quedas de barreiras que não raramente são flagradas. Por sorte ainda não fui alvo de nenhuma pedra. 

A brincadeira das "crianças", rs.

"Perdeu "playboy", a vaca é minha"  rs.

Por essas bandas o perigo vem de todos os lados.

A subida predomina entre Tixan e Palmira (30 km após Alausí). Neste trecho a presença indígena em pequenas comunidades é bastante forte. Aparentemente eles sobrevivem da agricultura e da criação de animais.  

Com a chegada em Palmira, tudo indicava que o principal obstáculo do dia havia sido superado. Eu estava feliz e aliviado. Comecei a descida, mas logo apareceu mais uma subida que felizmente foi curta e apenas surgiu para me presentear com outras descidas. Em uma delas alcancei um novo recorde de velocidade nesta expedição; 76,59 km/h. Adrenalina pura! 

Finalmente descida para aliviar um pouco e bater o recorde de velocidade na expedição.

O trajeto continuou plano e com um pequeno declive por cerca de quinze quilômetros até a cidade de Guamote onde aproveitei para almoçar. Cardápio e preço padrões. Um senhor, morador local, que também fazia a refeição no estabelecimento ficou curioso e sentou-se à minha mesa para me acompanhar no almoço e saber mais detalhes sobre a viagem. Não me incomodei e achei a conversa bem interessante. São momentos como estes que aproveito para praticar melhor o idioma e também para conhecer um pouco mais sobre a região, seu povo e costumes.

Parada em Guamote para almoçar.

Alimentado, retornei à estrada e o tempo que estava aberto voltou a fechar. Escapei por muito pouco da chuva em razão da curva que apareceu na estrada. A mesma também me encaminhou para uma longa subida de aproximadamente cinco quilômetros. Haja perna para aguentar tanta subida. 

Na sequencia as montanhas ficaram menores e bastou aproveitar o longo trecho plano e com uma paisagem maravilhosa que me lembrou da chegada à Cusco no Peru. Comunidades indígenas continuaram a aparecer à beira da estrada que agora também apresentava a linha férrea que faz o trajeto Alausí x Riobamba. Para minha surpresa até uma lhama surgiu nas pastagens. 

Em território indigena.

In foco.

Como é bom poder enxegar paisagens como estas, sobretudo, sem as enormes montanhas ao redor.

Aqui o transporte ferroviário é mais uma atração turistica.

O caminho que lembrou a chegada à Cusco.

In foco.

Eu que não esperava encontrar as lhamas no Equador, fui surpreendido.

In foco.

A viagem não acaba quando chegamos ao destino final. Há várias formas de continua-la, seja pelas palavras, fotografias ou pensamentos. Felizmente tenho conhecido vários lugares nos últimos anos e por diversas vezes ao passar em uma região acabo associando à outra já visitada. Hoje passei por uma parte na estrada que muito me lembrou o Ribeirão da Ilha em Florianópolis, faltava apenas a presença do mar (pensei na hora), no entanto, avancei mais um pouco e não é que apareceu uma lagoa para deixar o ambiente ainda mais parecido. Achei incrível. Sem dúvida o pedal no período da tarde foi o mais agradável dos últimos dias.

Ribeirão da Ilha equatoriano, rs.

Que lugar mais "desagradável" para pedalar.

Uma das maiores surpresas do dia foi visualizar o vulcão (ainda ativo) Chimborazo. É o ponto mais alto do Equador com 6.310 metros de altitude. Seu pico está sempre coberto de neve, mas poucas vezes é possível enxerga-lo por causa das nuvens que geralmente estão ao seu redor. Eu sabia que o território equatoriano é repleto de vulcões, mas não esperava vê-los e muito menos pedalar ao lado do maior deles. A experiência é única e indescritível, ainda mais quando o perigo eminente está mais próximo do que se imaginava. 

Em meio às nuvens estava ele, o gigante Chimborazo.

In foco.

Igreja do século XVI em Colta.

Região de Colta.

O vulcão/nevado Chimborazo me fez companhia de Colta até Riobamba em um trajeto onde a descida predominou e favoreceu o deslocamento mais rápido até o meu destino final no dia. Na entrada de Riobamba resolvi procurar uma hospedagem na imensa cidade. Direcionei-me ao centro que parecia não chegar nunca. Durante o caminho não apareceu nenhum hostal, hotel ou algo do gênero. Foram mais de seis quilômetros para, finalmente, chegar à área central.

Chimborazo de outro ângulo.

Arco-iris, acho que é a primeira vez que vejo na viagem.

Pedal ao lado maior vulcão do Equador.

Chimborazo.

Afinal, esse sol vai predominar ou a chuva vai aparecer? Aqui tudo é possível.

In foco.

O ponto mais alto do país. Mais de 6 mil metros de altitude.

Faltava somente mais um pouco.

 
Em direção ao centro de Riobamba.

No centro de Riobamba eu começava uma verdadeira peregrinação em busca de um lugar para passar a noite. Perguntei a algumas pessoas sobre os locais mais econômicos e fui conferir as diárias. As hospedagens mais baratas (5 dólares) estavam todas lotadas. Nos hotéis do centro histórico encontrei diárias de 15 a 20 dólares sem chance de negociação. Preço extremamente elevado para meu bolso. Depois de Cuenca é a maior cidade que eu visito no Equador, impossível que não tinha um hostal mais barato. Fui garimpar uma barbada!

Pedalei, pedalei e pedalei mais um pouco atrás de hospedagem. Fiquei mais de 40 minutos em busca de um lugar barato para ficar. Em cada nova tentativa o valor apenas ficava maior, mas não desanimei e continuei a pesquisar. Em uma área, ainda no centro, finalmente achei o Hotel Manantial onde fui muito bem atendido pelo Jorge que ainda concedeu um pequeno desconto e fechou a diária por sete dólares em um quarto bem confortável com cama de casal, banheiro (água quente!) e televisão. Tive apenas que tirar todos os alforjes para levar a Victoria ao dormitório (piso superior), mas a essa altura eu nem ligava para isso. O importante é que após mais um dia cansativo eu tinha um lugar para descansar. Isso é o que eu precisava.

Tomei um belo banho e fui às ruas para comer, estava com fome e precisava repor todas as energias perdidas pelas quilométricas subidas. O centro da cidade é bastante movimentado e bonito com suas ruas de pedra e prédios históricos. Na região encontrei um restaurante barato que me serviu o jantar por 2 dólares. Arroz, lentilha, banana assada e frango. Tudo simples e gostoso, mas que infelizmente não matou minha fome.

Antes de voltar ao hotel aproveitei para comprar mais pão para preparar o desayuno do dia seguinte. Quando regressei ao quarto não resisti e devorei alguns pães com geléia. Era o corpo exigindo sua recompensa após tanto trabalho. Não poderia ignora-lo porque apesar da canseira, o dia seguinte seria de mais subida. Por isso, após o café da noite, fui dormir.

Dia finalizado com 101,81 km em 8h16m e velocidade média de 12,30 km/h.

01/12/2012 - 146° dia - Riobamba a Latacunga

Comecei o mês pedalando ao lado do mais alto vulcão do país.

Dezembro marca uma data especial. Há seis anos eu descobria o incrível mundo do cicloturismo ao realizar minha primeira viagem de bicicleta entre Marechal Cândido Rondon e Foz do Iguaçu no Paraná. A ousadia, que inicialmente foi taxada de loucura, simplesmente tornou-se um estilo de vida. 

Hoje sou muito mais feliz por tudo que pude vivenciar e pelos novos horizontes, histórias, culturas e pessoas que conheci e continuo conhecendo sobre duas rodas. Afinal já são sete países e sete estados brasileiros que eu tive a oportunidade de visitar pedalando. E ainda há um mundo inteiro para conhecer. Atualmente percorro a nossa maravilhosa América do Sul que é simplesmente surpreendente.

Desde que passei a empregar a bicicleta com maior frequência em meu cotidiano, são mais de 40 mil quilômetros pedalados contabilizados em viagens, passeios, competições e utilização diária como meio de transporte. Os números não podem ser desprezados, mas muito mais importante é todo o aprendizado adquirido, sobretudo, a valorização de uma vida simples que, ao contrário do que muita gente pensa, é mais do que suficiente para ser feliz. 

Sinceramente agradeço a todos que me acompanharam durante esta maravilhosa jornada que felizmente não acabou. Amigos verdadeiros, esse é um dos maiores presentes que o cicloturismo me proporciona. Obrigado, camaradas.

A noite foi bem tranquila, mas infelizmente não foi suficiente para descansar totalmente o corpo surrado pelas montanhas. Pensei em ficar um dia mais em Riobamba para recuperar as energias, contudo, o dia amanheceu lindo e eu simplesmente não poderia desperdiçar aquela raridade ainda não presenciada aqui no Equador. O céu estava praticamente sem nuvens. Um verdadeiro milagre!

Arrumei minhas coisas, tomei meu café da manhã e fui para a estrada. A saída de Riobamba aconteceu por um trajeto diferente, mas não menos extenso do que aquele de ontem. A diferença é que também comecei o dia com subida. Aliás, eu teria dezenas de quilômetros para subir, mais uma vez. Antes de sair da cidade aproveitei para fazer um registro fotográfico do centro histórico onde também está situada a estação ferroviária. Uma placa indicava o caminho para o tal Nariz del Diablo com passagem por Cajabamba, Guamote, Alausí e Huigra.

Centro histórico de Riobamba. Estação ferroviária à direita.

Prédios coloniais de Riobamba.

Estação ferroviária.

 
Daqui se parte para o tal Nariz del Diablo.

Sentido à Panamericana.

Arte é arte.

No caminho certo. Repare no céu sem nuvens. Não demorou uma hora para a situação mudar completametnte.

Foi fácil encontrar a Panamericana (duplicada em determinadas partes e com acostamento) e poucos minutos depois eu começava a subida que prometia ser bastante longa. Segundo o gráfico da altimetria seriam mais de 35 quilômetros montanha acima. E foi praticamente o que aconteceu, salvo por uma e outra descida curta que apareceu pelo caminho, este, por sua vez, trouxe uma surpresa; alerta de cinzas vulcânicas.

Chimborazo já coberto por algumas nuvens.

Isso que é placa de advertência.

  
In foco.

 
"Se correr o bicho pega. Se ficar o bicho come" rs.

 
Chimborazo ao fundo. Registro garantido com o ponto mais alto do Equador.

 
Obras pelo caminho.

 
In foco.

Que lugar mais sem vergonha para colocar essa placa. Pura ilusão.

Acho que vai chover.

 
Lhamas e vacas no mesmo pasto você encontra somente pelos campos equatorianos, rs.

 Da série: Coisas que a gente encontra pelo caminho.

Perigo eminente. Uma das maiores surpresas da viagem.

Eu me aproximava da província de Tungurahua, este nome em quéchua significa garganta de fogo. Não é à toa que o vulcão que leva a mesma nomenclatura está frequentemente em erupção. Confesso que a sensação de saber que a qualquer momento o “monstro” pode despertar, não é das melhores. A província também compreende o mais alto vulcão em atividade do mundo, o gigante Cotopaxi.

Chegada à provincia de Tungurahua.

O céu que amanheceu praticamente sem nuvens começou a alterar e incrivelmente em poucas horas estava com a aparência de que a chuva não demoraria a cair, infelizmente. Quando eu digo que aqui tudo muda o tempo todo, pode acreditar que não é exagero da minha parte. Por isso e outras coisas que também não ouso duvidar da capacidade destes vulcões surpreenderem a qualquer momento. 

Acredite, este é o Chimborazo apenas algumas horas depois da saìda de Riobamba.

Com trinta quilômetros pedalados e o final das subidas fortes, encontrei mais um cicloturista, outro francês, Simón saiu do Alasca e segue em direção à Ushuaia, está há cinco meses na estrada e pretende completar o trajeto em mais quatro meses. Conversamos um pouco porque começava a chuviscar e ninguém estava a fim de pegar o temporal que se pronunciava. Para nossa felicidade, teríamos (apesar da direção oposta) descida pelos próximos quilômetros. 

Durante a descida para Ambato não consegui escapar da chuva. Mas desta vez a jaqueta impermeável estava à mão e bastou vesti-la e encarar a tempestade. Mesmo com chuva a descida foi fantástica. Durante o declive encontrei o primeiro acesso para a cidade de Baños, famosa pelas atrações turísticas; águas termais, escaladas pelos vulcões da região, entre outras. Eu resolvi seguir em direção à Ambato, onde parei para almoçar em um restaurante na entrada da cidade. O tempo já estava aberto e o sol brilhava apesar das nuvens. 

A placa mais desejada, rs.

Logo após a chuva no trevo de acesso à Baños.

Minutos depois em Ambato o tempo já estava bem melhor.

No restaurante à beira da estrada o almoço custava dois dólares. O garçom disse as opções do cardápio e o único nome compreensível foi frango ensopado e que eu não estava muito a fim de comer. Um dos pratos acompanhava batata e algo com nome estranho. Ao perguntar do que se tratava o atendente trouxe a iguaria para me mostrar, mas foi tão rápido que apenas notei que era molho de alguma coisa. Resolvi pedir este prato. Quando a comida chegou à mesa, surpresa: dobradinha. Aquela mesma que não agrada meu paladar. Mas isso não falou mais alto que a fome e devorei sem pensar duas vezes. Bucho de boi à parte, a refeição estava boa.

Fiquei pouco mais de meia hora no restaurante e na sequencia voltei à estrada. A cidade de Ambato é uma das maiores do país e foi uma longa jornada passar por seu perímetro urbano. Trecho marcado por extensas descidas, subidas e mais derrumbes. Uma das vias da estrada duplicada estava fechada em razão da queda de barreira. No local, vários homens realizavam o trabalho de contenção. 

Descida para sair do perimetro urbano de Ambato.

Ambato.

Via obstruida pela queda de barreira.

Contenção para evitar mais derrumbes.

Após a saída de Ambato o tempo voltou a fechar e não demorou a chover, de novo. Segui debaixo d´água e com vento contra por vários quilômetros. O clima amenizou quando cheguei em Salcedo. Na entrada da pequena cidade várias placas orientam a evacuação dos moradores em caso dos vulcões da região resolverem expelirem suas lavas, cinzas e fumaças toxicas. Isso tudo demonstra que o assunto é tratado com seriedade. 

Mais chuva pelo caminho. Tenso!

Aviso básico em Salcedo.

Da série: Coisas que a gente encontra pelo caminho.

Avancei um pouco mais e resolvi terminar o dia em Latacunga. Após um longo caminho cheguei ao centro e me direcionei ao Hostal Tiana que algumas pessoas havia me recomendado por ser o mais barato e bastante frequentado por turistas alemães, suíços e holandeses. Isso me pareceu um pouco contraditório, mas fui conferir, até porque não encontrei outra opção. 

Chegada à Latacunga.

Com certa dificuldade encontrei a hospedagem que procurava. O estabelecimento está localizado em um calçadão no centro histórico. O ambiente aparentemente mais agradável que o normal já indicava que o preço também seria proporcional ao conforto oferecido pelo hostal. A habitação mais barata custava 9,50 dólares, quase o dobro do que estou acostumado a pagar. A diferença é que havia internet e café da manhã disponível. Mas isso não foi o que definiu minha permanência. A canseira era maior que tudo naquele momento. Eu precisava tomar um banho, jantar e dormir. Por isso fiquei na hospedagem.

Quando fui ao encaminhado ao quarto, tive uma surpresa. Era compartilhado e por isso seu valor era mais baixo. Havia um francês em um dos quatro beliches e isso não foi nenhum problema. O dormitório era confortável e eu poderia descansar sem maiores problemas. Quando fui tomar banho a água quente não durou três minutos e tive que terminar a limpeza do corpo suado com uma água congelante. Sacanagem! Ponto negativo!

Devidamente limpo fui caminhar pelas ruas para encontrar algum restaurante econômico para jantar. Foi difícil, mas finalmente encontrei um lugar razoavelmente barato. A refeição custava 3,70 dólares. Havia apenas pratos a la carte. Meu pedido foi um bife à milanesa que era acompanhado de arroz e salada. O atendente do local também é ciclista e conversamos um pouco sobre a região. Inclusive me disse um caminho bem mais curto para voltar à Panamericana no dia seguinte. Foi uma boa noticia já que eu me preparava para pedalar os quase seis quilômetros entre a pista e o centro. Após o jantar voltei para a hospedagem e fui dormir. Precisava descansar.

Dia finalizado com 107,17 km em 8h30m e velocidade média de 12,58 km.

02/12/2012 - 147° dia - Latacunga a Quito

O dia foi muito mais do que a esperada chegada à capital equatoriana.

Não coloquei o celular para despertar porque gostaria de descansar por mais tempo antes de seguir viagem. Mas meu corpo “teimoso” e acostumado em acordar cedo não me deixou dormir mais do que o habituado e às 5h40m eu já estava acordado. Fiquei um pouco na cama e às 6 horas comecei a arrumar minhas coisas sem muita pressa, afinal o café da manhã seria servido somente uma hora depois.

Com as coisas arrumadas fui ao terraço do hostal onde no dia anterior o recepcionista havia falado que a paisagem era muito bonita. Subi as escadas e ao chegar no local tive uma baita surpresa. Dois vulcões cobertos de gelo. O maior deles era o imponente Cotopaxi, o mais alto vulcão em atividade do mundo com 5.897 metros de altitude. O céu sem muitas nuvens possibilitou admirar e registrar as belezas naturais e uma parte da cidade.


Cotopaxi: vulcão mais alto em atividade do mundo.

Cotopaxi

Latacunga e mais um vulcão ao fundo.

O café da manhã foi bem simples. Ainda bem que eu não esperava a refeição aos moldes brasileiros. Dois pães, um pouco de geléia, um copo de leite, suco e ainda uma banana. Tudo muito gostoso, mas muito limitado. Ainda bem que eu tinha pacotes de bolacha para reforçar o desayuno. 

Acabei por sair cedo da hospedagem. Às 7h30m seguia pela direção que o ciclista havia me recomendado no dia anterior. Foi bem fácil e pouco tempo depois eu já estava na Panamericana que passou a apresentar três vias em ambos os sentidos. Afinal a capital do país, segundo as placas na estrada, estava apenas a setenta e sete quilômetros.

Com o tempo bom e a temperatura agradável comecei pedalando praticamente ao lado do majestoso Cotopaxi. Estava tudo tranquilo quando com dez quilômetros um policial de moto me abordou no acostamento. Fiquei um pouco apreensivo e tentei demonstrar normalidade diante das perguntas básicas. Como disse em outra postagem, converso somente o necessário e procuro não estender a conversa com essas pessoas de fardas. Mas o policial não parava de fazer perguntas e parecia mesmo curioso em saber detalhes da viagem. 

Pedalando ao lado do Cotopaxi.

Victoria

Yo, Victoria e o Cotopaxi.

Sem comentários.

Enquanto respondia as perguntas do policial curioso, um grupo de ciclistas com speed passou pelo acostamento e me cumprimentou. Dois deles diminuíram a velocidade para ver se havia algum problema, mas não chegaram a parar. A conversa parecia não ter fim e eu queria voltar a pedalar logo para aproveitar o tempo bom das primeiras horas da manhã. 

Minutos depois da passagem dos ciclistas, dois resolveram voltar para conferir se havia algum problema comigo. Aposto que desconfiaram da cobrança de alguma propina. Na verdade eu também tive a mesma sensação, embora ninguém anteriormente tenha mencionado sobre essa prática por parte da policia equatoriana. Aliás, poucos policiais rodoviários são encontrados pelas estradas do país, pelo menos na E-35. Como não havia acontecido nada, disse para os simpáticos ciclistas que estava tudo bem. Neste momento o policial mencionou que estava apenas conversando e até falou um pouco da minha viagem para eles.

Após uns quinze minutos parado no acostamento, finalmente fui “liberado” para seguir viagem. Apesar de não ter acontecido nada, achei a situação bem tensa. Gostei da atitude dos ciclistas em retornarem para verificarem se havia algum problema. Muitos speedeiros (sem generalizar) no Brasil passam pela gente de mountain bike e sequer nos cumprimentam. Por isso, antes de seguirem com o treinamento, agradeci aos equatorianos pela preocupação. 

Conforme avançava, mais impressionado eu ficava com o Cotopaxi. É uma verdadeira mistura de sentimentos. Ao mesmo instante que é possível se deslumbrar com sua beleza e imponência é difícil não pensar nos estragos que podem ocorrer a partir de seu processo natural. Mais uma surpresa desta magnifica expedição. 

Um vulcão vizinho ao Cotopaxi.

Isso é pedalar na Panamericana no Equador.

In foco.

Na noite anterior aproveitei a internet no hostal Tiana e analisei o roteiro de Latacunga à Quito. O gráfico da altimetria era assustador e apontava para 35 quilômetros de aclive. E desta vez não houve erro, infelizmente. O pedal somente não foi mais complicado porque nos primeiros vinte quilômetros após Latacunga a inclinação é razoável e até possibilita um deslocamento mais rápido. Eu mantive o ritmo baixo porque estava realmente cansado. Foi um longo trecho de subidas desde a saída de Cuenca. Esperava ansioso pela chegada em Quito para finalmente descansar. Mas antes era preciso terminar a subida monstruosa.

Os seis últimos quilômetros da subida monstruosa foram os piores e mais íngremes. Levei um bom tempo para completa-los. Maior que o aclive, somente a beleza e magnitude do Cotopaxi que é visualizado dos mais diferentes ângulos. Após o término da subida foram quatro quilômetros de montanha-russa e então finalmente começou a descida. Vinte e dois quilômetros montanha abaixo. Que maravilha!

Durante a subida monstruosa. Cotopaxi fica para trás.

Finalmente o término da subida.

 
 Descida! Agora faltam apenas 300 quilômetros para chegar na Colômbia.

Durante a descida encontrei um casal de cicloturistas em uma tandem, mas como estavam no outro lado da rodovia, apenas nos cumprimentamos à distância e cada um seguiu seu destino. Pouco antes da cidade de Machachi parei em um restaurante à beira da estrada. O local era pequeno e suportava menos de dez pessoas em seu interior. Quando cheguei havia muita gente e parecia não ter mais espaço nas duas mesas. Mas o pessoal se espremeu e encontraram um lugar para eu poder almoçar com eles. 

A refeição foi a mais barata encontrada em território equatoriano, 1,70 dólares. Menu tradicional, sopa típica e segundo. O prato complementar estava bastante caprichado (sem eu pedir) com muito arroz, salada, banana e carne frita. Uma delícia. Estava com fome e resolvi repetir o segundo prato que sem a sopa custou um dólar. Novamente estava irresistível. Não deixei um grão de arroz para contar história. (Risada sacana).

Após o almoço fui completar a descida. Com 65 quilômetros desde Latacunga, apareceu um trevo que dava acesso à zona norte da capital via Pifo. A placa orientava que a permanência na rodovia eu seguiria para a zona sul e ao centro. Fiquei um pouco em duvida, mas poucos metros depois encontrei um senhor que confirmou que eu deveria seguir em frente, sentido centro. 

Quito a poucos quilômetros.

Com 70 quilômetros apareceu a ponte que o senhor havia me orientado a passar por baixo em direção à Avenida Bolívar. Para confirmar e não ter a possibilidade de pegar o caminho errado confirmei a informação com um caminhoneiro que estava no acostamento. Em um primeiro momento ele afirmou que eu deveria seguir por cima da ponte (sentido Av. Maldonado), mas após pensar melhor disse que eu poderia continuar em direção à Bolívar que seria mais fácil para chegar ao centro histórico, local onde eu pretendia ficar hospedado durante minha permanência em Quito.

Siga pela Avenida Bolìvar.

O caminhoneiro ainda disse que eu deveria seguir mais 20 quilômetros até encontrar um novo trevo por onde eu deveria entrar e me informar melhor para chegar ao meu destino. A maior parte desta distância, para variar, foi de subida. Pelo caminho avistei boa parte da enorme região periférica da capital.

Mais uma vez minha estratégia de chegar a uma capital se demonstrava bem sucedida. O tempo estava bom e ainda havia claridade suficiente para completar o trajeto até o centro. O acesso a essa região apareceu na exata distância que o caminhoneiro tinha me informado. Claro que perguntei algumas vezes antes de chegar a este ponto. Tudo para não pegar nenhum caminho errado. A essa altura o trânsito era intenso, digno de uma capital, mas não assustava. Precisei apenas tomar as devidas precauções.

Em território quitenho.

A parte periférica da capital.

Do trevo de acesso na rodovia ao centro histórico foram mais de cinco quilômetros. É complicado de explicar o caminho percorrido em razão das várias ruas, avenidas e atalhos que peguei a partir das orientações que recebia, mas de modo geral não é difícil, basta perguntar várias vezes, se necessário, a cada cem metros para não ter erro. 

Pedalando pelas ruas e avenidas de Quito.

Mirante El Panecillo e a Virgem de Quito.

Próximo ao centro histórico perguntei mais uma vez como chegava à região. Então um homem recomendou que antes de um túnel à frente, havia um estacionamento e que eu poderia entrar pelo mesmo para sair direto ao local desejado. O lugar estava denominado como Estacionamento La Ronda. A princípio parecia um espaço destinado a algum supermercado e fiquei receoso em entrar. No entanto, um segurança veio a meu encontro e disse que eu poderia seguir sem problema.

Na saída do estacionamento eu estava no centro histórico, repleto de ladeiras, construções antigas e pessoas, sobretudo, turistas estrangeiros. A região chamada de La Ronda estava bastante policiada, um policial se aproximou e por curiosidade começou a me fazer as perguntas de praxe. Aproveitei e questionei sobre uma hospedagem barata na região. Então ele me informou sobre o Hostal Loja onde possivelmente a diária custaria de 8 a 10 dólares. Fui conferir!

No Hostal Loja fui muitíssimo bem recebido pelo proprietário que informou que a diária custava 7 dólares. Por ser no centro histórico (próximo da Plaza e Iglesia Santo Domingo) achei o preço razoável e decidi ficar no local. O quarto é simples, mas tem banheiro privado com água quente e televisão. O importante é que o local é seguro e tranquilo. A Victoria ficou na recepção. O senhor Victor (dono) apenas alertou que depois das 22 horas as portas são trancadas e não há entradas ou saídas. Sem problema, eu não costumo sair de noite mesmo. 

Assim, às 18 horas eu estava devidamente alojado. Devo permanecer aqui por cinco, seis dias para descansar, atualizar o diário de bordo e claro, conhecer a capital equatoriana que é considerada Patrimônio Cultural da Humanidade por preservar vários prédios coloniais que estão localizados, em sua maioria, no centro histórico. 

Após tomar banho fui caminhar um pouco para ver se achava um local para jantar. Próximo da hospedagem encontrei um restaurante bem simples, mas com a refeição muito boa e barata. O prato com arroz, salada, banana e carne custou apenas 1,50 dólares. O menor preço até agora no Equador. Pela quantidade e qualidade da comida, não tenho o que reclamar. Perfeito. 

Após o jantar fui comprar pão, leite e frutas naquele mercado do estacionamento pelo qual passei quando cheguei à região. Mas para minha surpresa o local é apenas um estacionamento. Sem problema. Fui a uma mercearia e comprei o que precisava, exceto as frutas. Pelo menos o café da manhã estava garantido. Voltei para hospedagem e fui dormir. Precisava descansar.

Mais uma etapa concluída com sucesso!

Dia finalizado com 95,98 km em 7h35m e velocidade média de 12,65 km/h.

03/12/2012 - 148° dia - Quito (Folga)

Dia dedicado exclusivamente para atualizar o diário de bordo. 

04/12/2012 - 149° dia - Quito (Folga)

Dia para conhecer Quito. A primeira cidade no mundo declarada como Patrimônio Cultural da Humanidade.

Parabéns a você que viaja a bordo desta expedição e acompanha o diário desde o início. Essa é a página 300 do relato que busca compartilhar as experiências, histórias, culturas, informações, pensamentos, sentimentos, aventuras e tantas outras coisas desta surpreendente viagem pela América Latina. 

O diário de bordo não é um livro e como o próprio nome sugere, contém os acontecimentos cotidianos da expedição Cicloturismo Selvagem: Pedal pela América Latina. Neste sentido, felizmente, a viagem não é monótona e sempre proporciona diversas surpresas e fortes emoções a cada dia. Uma das formas de demonstra-las é escrevê-las por esse meio. Deste modo, peço desculpas se o texto acaba sendo longo, mas um dos objetivos da expedição é este: compartilhar o máximo possível daquilo que está no meu caminho. Espero que compreendam.

Hoje não madruguei, todavia, ainda era cedo quando levantei e fui preparar meu café da manhã. A refeição matinal estava caprichada; pão com geléia, leite achocolatado, suco e banana. Tenho que aproveitar esses dias de folga para ganhar peso que certamente será perdido na estrada, sobretudo, durante a “escalada” pela Cordilheira dos Andes. 

Após o desayuno fui às ruas para conhecer melhor a capital equatoriana. Quito está a 2.850 metros de altitude e próxima da famosa linha do Equador que divide o mundo entre hemisfério norte e sul. Apesar disto, o clima na cidade é agradável. Embora nesta época do ano a chuva ocorra com frequência, sobretudo, no final da tarde e de noite. A temperatura é amena e em determinadas horas um friozinho até exige uma vestimenta mais reforçada. 

Quito leva esse nome em razão da comunidade indígena quitus que habitava a região no século XV quando foram derrotados pelos incas que, por sua vez, foram dominados pelos espanhóis que dois anos mais tarde completaram este processo em 6 de dezembro de 1534, data considerada a fundação da cidade. Amanhã a cidade completa 478 anos e muitos eventos já acontecem desde o mês passado. Será feriado na capital e diversas atrações estão agendadas para ocorrem em todas as regiões. Claro que eu não vou perder essa oportunidade e sairei logo cedo para conferir as festividades.

A cidade não é a maior do país (posto destinado à Guayaquil), mas com 1,5 milhão de habitantes não deixa de ser uma metrópole. Conforme lembra o guia Viajante Independente, a capital vive constantemente sob ameaças de terremotos e da erupção do vulcão Pichincha. 

A capital está dividida em algumas áreas, as mais procuradas pelos viajantes são o centro histórico e a parte moderna, chamada de Mariscal. Estou alojado no reduto antigo que mais desperta meu interesse. Sou fascinado pelos prédios coloniais e aqui eles são inúmeros. A preservação de uma extensa área colonial levou a ONU a conceder à Quito o titulo de Patrimônio Cultural da Humanidade. Foi a primeira cidade a receber essa denominação no mundo. Não é à toa que é considerada uma das mais importantes capitais da América do Sul no que diz respeito a cultura e história. Estou em um lugar que agrada qualquer historiador.

Além dos prédios históricos e diversos museus, Quito conta com vários templos religiosos, segundo meu guia de viagem, há 87 igrejas, número expressivo graças às ordens religiosas que competiam para construir mais igrejas bonitas. Enfim, por tudo isso que eu resolvi sair bem cedo da hospedagem, sabia que não me faltariam lugares para conhecer.

Como estou no centro histórico não precisei caminhar muito para chegar à Plaza de la Independencia, conhecida também como Plaza Mayor ou Plaza Grande. Resolvi começar por este ponto porque é simplesmente onde está concentrado o Palácio Presidencial, a Catedral e a Prefeitura de Quito. 

Sem dúvidas a praça principal é bonita e charmosa, todavia, muito mais interessante é observar o movimento das pessoas (inclusive, muitos turistas) e os prédios coloniais a sua volta. E não me refiro ao palácio governamental que pouco chamou minha a atenção, tampouco meu olhar foi direcionado por muito tempo para a Catedral. O mesmo não aconteceu com aquele que outrora foi o Palácio Arzobispal. Hoje o local é destinado para pequenas lojas e restaurantes, mas ainda preserva o charme colonial, lugar bem agradável para uma visita. 

 Plaza de la Independencia.

Plaza de la Independencia.

 In foco.

 Palácio Presidencial

In foco.

Catedral.

 In foco.

 Palácio Presidencial.

 In foco.

 
 Primeira cidade declarada como Patrimônio Cultural da Humanidade.

 Palácio Arzobispal

Palácio Arzobispal

Prefeitura de Quito.

Após a passagem pelo coração do centro histórico fui conhecer a famosa Iglesia de la Compañia de Jesús, considerada a “mais fantástica e ornamentada igreja do Equador”. O acesso ao interior da mesma estava fechado, contudo, sua fachada é simplesmente deslumbrante, uma verdadeira obra de arte que foi construída a partir de pedras vulcânicas. Sua localização não favoreceu o registro fotográfico, mas valeu a tentativa.

Iglesia de la Compañia de Jesús.

In foco.

In foco.

Iglesia de la Compañia de Jesús.

A maioria das construções, para não dizer todas, do centro histórico se remete à época colonial. A sensação de caminhar por um ambiente assim é sempre uma volta ao passado. Algo que aconteceu também em Sucre, Potosí, La Paz, Cusco, Lima, Cuenca e outras cidades. Nossa América Latina reserva surpresas que pouco conhecemos. Felizmente tenho a oportunidade de vivenciar e aprender mais sobre estes lugares.

Caminhada pelo centro histórico.

 Caminhada pelo centro histórico.

Voltei à Plaza Grande para me direcionar à Basílica del Voto Nacional, uma igreja que chama atenção pela sua arquitetura inspirada na Catedral de Notre Dame em Paris. Com certeza é um dos templos religiosos mais bonitos que conheci durante a viagem. É a única com este estilo no Equador. Com 117 metros de altura é possível observa-la de vários pontos do centro histórico. Aliás, o centro pode ser visualizado do alto de uma de suas torres, basta pagar 2 dólares. Resolvi não realizar a escalada. Estava deslumbrado com toda aquela construção. Observe as gárgulas (local por onde escorre a água da chuva) em forma de animais nativos. Acho que dificilmente encontrarei esse detalhe em outra igreja. Interessante!

Em direção à Basílica.

In foco.

Para entrar na igreja não é preciso pagar e assim aproveitei para conhecer o interior daquela fantástica construção iniciada desde 1926. O lugar é enorme e possui vários espaços. Destaque para a escultura dos apóstolos e os vitrais na área principal. O falecido Papa João Paulo II esteve no local em 1985. Sua escultura é exibida na entrada da igreja. Independente se você é budista, católico, protestante ou ateu, a visita é imperdível. 

Interior da Basílica.

Entrada e homenagem ao Papa João Paulo II.

Basílica del Voto Nacional

Basílica del Voto Nacional

Basílica del Voto Nacional

Basílica del Voto Nacional

 Gárgula: Tartaruga.

  Gárgula: Tartaruga.

 
  Gárgula: Iguana.

  Gárgula:Animal não identificado.

 
  Gárgula:Animal não identificado.

 
  Gárgula: Seria um bùfalo?

 
  Gárgula:Animal não identificado.

  Gárgula:Seria um tatu?

  Gárgula:Animal não identificado.

Quando voltava para a região da Praça Grande passei na frente do Museu Camilo Egas, que foi um famoso pintor equatoriano que até então eu desconhecia. Fui convidado a conferir o lugar pelo guarda que faz a segurança na entrada do museu. Como não precisava pagar é claro que não perdi a oportunidade de conhecer as obras do artista. 

Calle Venezuela.

Bandeira equatoriana.

O museu é pequeno, mas muito bem conservado e com vários trabalhos de Camilo Egas que teve suas obras reconhecidas também no exterior. Utilizou vários estilos em suas telas; indigenista, surrealista, expressionista, abstracionista e também o cubismo. Gostei da visita e recomendo. Fica na Calle Venezuela poucas quadras abaixo da Basílica.

Após a visita ao museu resolvi almoçar em um restaurante quase ao lado. O almoço custava apenas 1,50 dólares. A sopa estava bem caprichada, já o segundo prato não tinha muita comida e estava limitado a um pouco de arroz e salada de macarrão com atum. Somente não fiquei com fome porque meu desayuno tinha sido reforçado. 

Na parte da tarde o tempo que não estava muito bonito desde as primeiras horas do dia, resolveu fechar de uma vez. A qualquer momento a chuva cairia na capital equatoriana. Antes de isso acontecer fui mais uma vez à Praça da Independência e consequentemente à Plaza San Francisco que compreende o Monastério e a Igreja de mesmo nome. O local “representa um dos maiores conjuntos arquitetônicos existentes em centros históricos de cidades ibero-americanas”. 

Registro garantido no coração do centro histórico.

Movimento na frente do Palácio Arzobispal.

In foco.

 
 Palàcio do vice-presidente.

 Plaza e Iglesia San Francisco.

 
 Plaza e Iglesia San Francisco. Exposição de fotografias no detalhe.

Caminhava pela Praça San Francisco e enquanto observava os prédios históricos da região a chuva começou. Abriguei-me em uma loja e posteriormente fui ao mercado próximo comprar pão e leite. Como não parava de cair água e eu estava perto do hostal, caminhei na chuva mesmo. 

In foco.

Ensaio para o desfile no dia do aniversário da cidade. 6 de dezembro.

Iglesia San Francisco.

Plaza San Francisco.

Iglesia San Francisco.

Plaza San Francisco.

Plaza e Iglesia San Francisco.

Na região da Plaza e Iglesia San Domingo, parei e registrei o local onde também fica uma das estações de aluguel de bicicleta. Uma ótima iniciativa de Quito. Depois regressei à hospedagem e voltei a escrever o diário de bordo. De noite fui ao mesmo restaurante simples do primeiro dia para jantar. Na sequencia voltei ao Hostal Loja para descansar após um longo dia de caminhada.

Plaza e Iglesia San Domingo.

 Trolebus: Transporte público inspirado na capital paranaense, contudo, movidos à eletricidade.

 Estação de aluguel de bicicleta.

 
 Estação de aluguel de bicicleta.

05/12/2012 - 150° dia - Quito (Folga)

Dia dedicado exclusivamente à atualização do diário de bordo e também para mais uma postagem no site.
Amanhã é aniversário da capital e aproveitarei a data para conferir os desfiles e atrações programadas para a data especial. Também desejo ir à região moderna de Quito. Há vários museus bem recomendados e pretendo realizar a visita a alguns deles.

Acho que voltarei à estrada somente no sábado. Em Tulcán, fronteira com a Colômbia, farei uma última postagem em território equatoriano, isso deve acontecer até o dia 12 de dezembro, quando eu já estarei no hemisfério norte.

Obrigado a todos pelo apoio.

Grande abraço.

Hasta luego!


06/12/2012 - 151° dia - Quito (Folga)


Parabéns Quito. 478 anos de fundação.


Aniversário da capital equatoriana e felizmente eu estava presente para acompanhar as festividades preparadas para celebrar a data em questão. As homenagens têm sido realizadas desde o mês passado. Todos os canais da televisão aberta mostraram exaustivamente matérias relacionadas à cidade e a programação das comemorações.

Acordei cedo e por volta das 8 horas da manhã fui até a praça da independência, esperava acompanhar algum desfile ou algo do gênero, mas não encontrei nada pelas ruas do centro histórico no aniversário da cidade. As atividades estavam marcadas para começar às 9 horas, contudo, nenhum movimento diferente evidenciava o início do evento. Aliás, nem mesmo a imensa exposição de flores que a televisão exibiu ontem e afirmou que continuaria hoje, estava na praça. 

A exposição de flores com milhares de exemplares destaca a importância equatoriana no setor, uma vez que o país produz e exporta as mais diversas flores. Infelizmente não pude admirar. Paciência!

Sem nenhuma comemoração, caminhei pelas ruas do centro onde eu ainda não havia passado. Novamente foi um passeio interessante. Com o passar das horas voltei à praça principal e nenhum evento especial era realizado naquele instante. Retornei à região do hotel e procurei uma lan house para mandar noticias, sobretudo, aos familiares.

Resolvi descansar após o almoço e o período da tarde foi dedicado exclusivamente a isso. Afinal, com o diário de bordo e o site atualizados, eu precisava apenas relaxar e aproveitar o momento para restabelecer as energias. Pela televisão eu soube que o desfile (um deles) estava marcado para acontecer de noite e na área moderna de Quito. Como a região é longe do centro histórico nem me animei em acompanhar.

A televisão equatoriana possui diversos canais abertos, mas a maioria não passa nada de interessante. É bem parecido com o que acontece no Brasil. Um espaço precioso utilizado para coisas cada vez mais inúteis. Lamentável! O único canal que vale a pena conferir é o teleSUR que é venezuelano e exibe matérias jornalísticas da América Latina em quase toda sua programação. Gostei bastante.

Antes de dormir resolvi ver uma película. Como não havia nada na televisão fui verificar os filmes no computador que eu ainda não tinha visto. Além da trilogia do Senhor dos Anéis, Sete dias com Marilyn estava na lista daqueles que restaram para ver. Resolvi assistir esta segunda opção com a excelente atuação da Michelle Williams, aquela mesma de Dawson’sCreek. Achei que seria um filme pouco interessante, mas superou minhas expectativas. Recomendo.

07/12/2012 - 152° dia - Quito (Folga)

Finalmente fui conhecer a região moderna da capital.

Eu não poderia passar por Quito sem conhecer duas coisas; Museu Nacional do Banco Central e o Vivarium. Ambos estão localizados na área moderna da cidade, conhecida como Mariscal. A região dita moderna fica distante do centro histórico, mas ainda assim resolvi caminhar até ela. Para aproveitar bem o dia, acordei cedo e pouco depois das 7 horas da manhã eu já caminhava pelas ruas em direção aos museus.

Não encontrei nenhum mapa da cidade para levar comigo durante a jornada pela parte moderna, todavia, para não ficar perdido eu tornei a fazer algo que se mostrou muito eficiente em outras ocasiões. Tirei fotografias do pequeno mapa que consta no guia Viajante Independente. Dessa forma, basta ver e aumentar a imagem na câmera e a localização das principais atrações está em mãos. Isso tudo sem precisar levar o pesado livro. Fica a dica.



Foto do mapa do centro moderno. Solução para não carregar peso.

Sai bem cedo da hospedagem, contudo, assim que deixei a parte histórica, o movimento, sobretudo, de veículos, pelas ruas e avenidas já era enorme. Mas isso não deixa a capital com uma poluição sonora. O trânsito parece fluir sem maiores dificuldades com exceção de uma e outra parte. 

Caminhei por extensas avenidas e passei por alguns parques de lazer para chegar ao Museu Nacional. No local tive a primeira surpresa. A entrada era gratuita e não precisei pagar os dois dólares conforme informava o guia. Maravilha! O museu é considerado um dos mais importantes do país e por isso fiz questão de visitar suas salas que apresentam coleções sobre Arqueologia, Ouro, Colonialismo, República e Arte Contemporânea relacionadas principalmente ao Equador. As duas primeiras, sem dúvidas são as mais interessantes na minha opinião.



Museu Nacional do Banco Central.

Museu Nacional do Banco Central.

Museu Nacional do Banco Central.


Museu Nacional do Banco Central.

Museu Nacional do Banco Central.

Múmia - Museu Nacional do Banco Central.

Museu Nacional do Banco Central.

Museu Nacional do Banco Central.

Museu Nacional do Banco Central.

Museu Nacional do Banco Central.


O museu é grande e com muita coisa para conhecer. Painéis informativos (espanhol/inglês) estão por todas as partes e ajudam a compreender melhor as peças e obras em exposição. Claro que no final da visita a canseira é quase inevitável, mas vale a pena conhecer um pouco mais sobre a região a partir de uma perspectiva diferente. Recomendo!

Era meio dia quando sai do museu e me direcionei ao Vivarium que segundo meu guia tinha uma das melhores exibições de répteis e anfíbios da América do Sul. Sem dúvida essa informação foi a que mais despertou minha vontade de conhecer o local. Foi preciso caminhar bastante para chegar ao suposto enderenço. Durante o trajeto fiquei atento para encontrar um restaurante econômico, mas infelizmente não encontrei e continuei a andar.

No guia informava que o Vivarium estava localizado entre as ruas Reina Victoria e Santa Maria, mas não achei nada pela região. Perguntei aos moradores e todos desconheciam a existência do museu pelas redondezas. Um segurança me informou que talvez eraaquele existente no Parque Carolina, que ficava bem longe de onde eu me encontrava. Não acreditei que o guia estava errado. Fui a uma lan house e entrei no site do museu que realmente dizia que sua localização era na Avenida Rio Amazonas no referido parque. 

Eu já havia caminhado bastante e continuar a pé certamente prejudicaria minha parte física no pedal do dia seguinte. Então resolvi pegar um ônibus, além do deslocamento mais rápido eu poderia comprovar o porquê o transporte público é um dos orgulhos dos moradores da capital. 

Antes de pegar o ônibus fui almoçar em um lugar que aparentava ser sofisticado, mas a refeição era razoavelmente econômica. O menu tradicional custou $ 2,25 e a surpresa estava no segundo prato que além do arroz e salada, estava acompanhado de um molho com marisco, pedaços de peixe e camarão. E para “variar” havia também uma banana assada. A fruta é amplamente produzida no Equador, sobretudo, em Machala, por isso, não raramente é encontrada na gastronomia, seja, assada, frita ou cozida. Para ter uma idéia, ela está presente até mesmo nas sopas. Enfim, o almoço estava bem saboroso, apesar de eu não ser um apreciador de mariscos. 



Almoço para repor as energias.


A passagem do ônibus custa somente 25 centavos de dólar, pouco mais de 50 centavos de real. Achei muito barata se compararmos a outras capitais sul-americanas e, sobretudo, com as cidades brasileiras. Em outra postagem eu fiz referencia aos trólebus que tem via exclusiva e são movidos por energia elétrica. Pois bem, notei que nem todos os ônibus articulados que percorrem essas vias se locomovem por esse tipo de energia, entretanto, sem dúvidas o tempo de deslocamento de um ponto a outro é bem menor já que não precisam disputar espaço com outros veículos. 

Para além dos ônibus articulados há àqueles convencionais, do mesmo tipo que estamos acostumados a ver no Brasil. Em Quito eles geralmente são da cor azul. Também custam $ 0,25. Foi um desses que peguei para chegar ao Parque Carolina. No ônibus não há roleta e o cobrador mais parece um passageiro normal. Ele começa a cobrar a passagem somente após um determinado ponto. Pelo menos foi o que aconteceu naquele momento. 

Fui orientado a descer quando cheguei ao destino desejado. Por sorte o Vivarium estava bem próximo e não precisei andar muito. No local a entrada custava 3 dólares, mas por aquilo que prometia apresentar, valia a pena. O “museu” apresenta algumas cobras, sapos, iguanas, pequenos jacarés e tartarugas.


Entrada do Vivarium

In foco.


A maioria dos animais é procedente do Equador e sem dúvidas são interessantes, bonitos e até exóticos. Mas achei extremamente pequeno o espaço reservado para cada um deles. A sensação foi a mesma de ver um pássaro preso na gaiola. Também esperava ver muitas outras espécies, contudo, o local está dividido em apenas três pequenas salas. Foi uma visita aquém das expectativas, sobretudo, porque o guia mencionava que o local tinha uma das melhores exibições de repteis e anfíbios da América do Sul. O Vivarium não chega nem perto do que é apresentado no Parque das Aves em Foz do Iguaçu, para ter um exemplo. 

Após a visita ao tal Vivarium, decidi voltar a pé para a hospedagem. Passei por uma parte do Parque Carolina que possui uma área enorme e é bastante frequentado pelos moradores locais para a prática de vários esportes. Digamos que é um pouco parecido com o Parque do Ibirapuera em São Paulo. Enquanto paulistano sou suspeito para falar, mas o Ibirapuera me pareceu muito mais charmoso, embora o parque no coração de Quito seja bem simpático. 

Parque Carolina.

No Parque Carolina há um longo trecho de ciclovia onde foi possível ver muita gente se locomover com as bicicletas alugadas. Elas estão pelas ruas em todo o centro moderno. São muito mais utilizadas nesta região do que centrohistórico. Sem dúvida foi bonito e interessante ver que o sistema funciona, principalmente nos locais que oferecem infraestrutura para que o ciclista se desloque com mais segurança. Não sei precisar quantos quilômetros de ciclovias e ciclo-faixas a capital oferece, entretanto, pude notar que em algumas avenidas importantes elas estão presentes. 


Ciclovia no Parque Carolina

Faixa especial para ciclista em horário especifico.


Na volta o meu ritmo de caminhada não era o mesmo, então eu aproveitava o passo mais lento para observar melhor o movimento por esta parte da cidade. Cheguei a entrar em um shopping, mas estou cada vez menos consumista e todo aquele ambiente não me fez sentir à vontade e não passei do primeiro piso. Rapidamente voltei às ruas.

Apesar de ser uma capital, Quito não apresenta (na minha visão) todo aquele ambiente eufórico de pessoas desesperadas, seja no trânsito ou pelas calçadas. Obviamente que o movimento é maior, a cidade, ao contrário do que disse anteriormente, possui 2,2 milhões de habitantes e não 1,5 milhão como havia mencionado. Mas apesar disso, achei bem tranquilo caminhar por essa região moderna.


Na Avenida Rio Amazonas.

Prédio das Nações Unidas


O centro moderno leva esse nome somente para diferenciar da parte histórica, porque no mais é bem parecido com outras capitais no que diz respeito à arquitetura, dimensões e serviços oferecidos. Destaque para as áreas verdes transformadas em parques. Felizmente elas não são raras de encontrar pela região. 

No meu retorno a pé encontrei várias bicicletarias, mas nenhuma tinha o pneu Pirelli, acho que realmente vou encontra-lo apenas no Brasil. Paciência. Continuei a caminhada e passei por ruas e avenidas diferentes e que me obrigaram a recorrer ao mapa, quando fui ver eu havia andado um monte e havia mais do que o dobro para chegar ao centro histórico. Sem chance, peguei um ônibus.

Desta vez fui a uma estação de trólebus. Em cada uma delas há dois funcionários, um responsável pela bilheteria e outro pela segurança. Se você tiver uma moeda de 25 centavos basta adiciona-la na catraca e entrar na estação. Tudo muito simples. Os ônibus articulados são frequentes e o tempo de espera é mínimo. Mas nem tudo é uma maravilha. Por ser um transporte mais rápido, não raramente os articulados estão lotados.



Estação do Trolébus.

Entrei no ônibus e na mesma hora me transportei para o metrô de São Paulo em horário de pico. Estava pior que uma lata de sardinha. O motorista avisa (com microfone) que vai fechar as portes e na sequencia menciona a próxima estação que será realizada a parada. Em algumas delas é possível fazer baldeação para outros ônibus. Muito parecido com aquele sistema dos metrôs. Inclusive, em determinadas estações há várias pessoas que descem e deixam o ambiente mais tranquilo e assentos livres podem facilmente ser encontrados. 

Desci na estação errada e tive que voltar um trecho para chegar ao centro histórico. Mas valeu a pena, no caminho encontrei uma região comercial bastante movimentada. Parei em um salão de beleza e decidi ficar menos feio. Cortei meu cabelo pela segunda vez na viagem. O corte custou apenas 1,25 dólares.

No centro histórico fui direto para a hospedagem tomar um banho e na sequencia retornei às ruas para ir ao mercado comprar pão e bolacha. Levei a câmera fotográfica para registrar a noite em Quito, mas nem utilizei a máquina porque não achei nada diferente, nenhuma iluminação especial, nem na Praça Grande e muito menos nas fantásticas igrejas. Após as compras, finalmente retornei ao Hostal Loja e fui preparar as coisas para voltar à estrada no dia seguinte. 

08/12/2012 - 153° dia - Quito a Otavalo

Hora de voltar à estrada.

Acordei às 5 horas, mas levantei somente 45 minutos depois para começar a arrumar o resto das coisas, preparar o desayuno e seguir viagem. O trajeto até Otavalo não seria longo, cerca de cem quilômetros, mas a estratégia era sair cedo para pegar menos trânsito na saída da capital. 

Por volta das 7 horas da manhã eu estava pronto para deixar o Hostal Loja, não sem antes agradecer o senhor Victor Hugo pela hospedagem. Segui em direção à Avenida 10 de Agosto que consequentemente me levaria para a Rodovia Panamericana. O trajeto foi realizado tranquilamente e pelo caminho apenas parei na pretensão de confirmar com algumas pessoas o sentido correto para Otavalo.

A saída da cidade, como era prevista, é extremamente longa, contudo, a maior parte foi em declive e facilitou o deslocamento que somente era interrompido por um e outro sinal vermelho pelo caminho. Com mais de dez quilômetros pedalados apareceu, pela primeira vez, uma placa que indicava a Panamericana e o monumento da Metade do Mundo. Continuei em frente.



Em direção à Panamericana. À esquerda, a equivocada Mitad del Mundo.


Não sabia direito se o monumento Mitaddel Mundo ficava próximo da rodovia ou se era necessário pegar algum outro trajeto, mas a placa indicava que eu deveria sair da pista principal. O lugar é muito conhecido e destacado pelo turismo, entretanto, o famoso monumento está localizado em uma antiga demarcação de onde supostamente cruzava a Linha do Equador. Hoje, sabe-se que a linha imaginária que divide o planeta Terra em Hemisfério Norte e Sul não passa por este ponto.

Como o monumento não está localizado onde realmente se encontra a Linha do Equador, achei que seria muita sacanagem visitar o lugar e fazer um registro falso de que estaria ao mesmo tempo em cada metade do mundo, como se costuma fazer. Por isso continuei o pedal pela pista principal e fiquei atento para encontrar alguma placa na estrada que indicava a passagem da linha imaginária, mas não apareceu nada. Paciência! Importante é que eu atravessei a metade do mundo pedalando e agora estou no Hemisfério Norte. 

A região metropolitana custou a passar e por alguns trechos pedalei pela avenida marginal que estava mais tranquila. Sei que foram mais de 20 quilômetros para finalmente encontrar a rodovia propriamente dita. Na sequencia uma descida fantástica estava no meu caminho e claro que posteriormente uma subida monstruosa me esperava.


Região Metropolitana.

Descida quilometrica. Céu cinzento.


Existem duas formas de chegar em Otavalo a partir de Quito. Uma delas é por Guayllabamba e Tabacudo. Este caminho é mais curto, contudo, com mais subidas, por isso, apesar da orientação do Google Maps, resolvi seguir pela alternativa disponível. A segunda opção era continuar pela E-35 em direção à Cayambe. A distância é um pouco maior, no entanto, o relevo tem apenas uma subida forte. Comecei o dia com a intenção de seguir para Otavalo via Cayambe.

O trevo para Cayambe deveria ficar nas proximidades de Guayllabamba, fiquei atento, todavia, não localizei nenhum acesso. Em Guayllabamba apareceu uma estrada, mas os moradores disseram que eu deveria continuar naquela em que eu estava e que as placas indicavam que era caminho para Otavalo e Tulcán. Quilômetros depois eu descobri que era o caminho via Tabacudo. A rota mais montanhosa. Não sei em que momento eu deixei a Panamericana, em todo caso, aquele caminho também me levaria ao destino. Apenas desejava que a estrada estivesse em boas condições.

As subidas não demoraram em aparecer. Entre o árduo sobe e descehavia dois aclives com mais de dez quilômetros cada. Essas foram as partes mais difíceis do pedal. Novamente estava nas alturas das alturas e acima das montanhas ao redor. Na paisagem era possível observar os vales, rios e algumas áreas cobertas dedicadas ao cultivo de plantas e principalmente suas flores. 

Nas alturas..


Essas áreas cobertas são destinadas ao cultivo de flores.

Yo!

Cada vez mais alto.

A estrada ficava para trás.


Por volta do meio dia passei por Tabacudo e pensei em almoçar, mas as opções não eram muito convidativas. A maioria parecia ser voltada a um público mais endinheirado. Dessa forma não cogitei parar e continuei. Sabia que havia apenas mais uma subida forte e depois a descida predominaria até Otavalo onde eu poderia comer alguma coisa.

A subida após Tabacudo foi mais longa do que eu imaginava. Mas como eu não estava com demasiada fome (milagre!), pedalei tranquilamente pelo aclive. Com 82 quilômetros marcados no velocímetro, finalmente retornei à Panamericana. Pensei que seria somente descida para chegar à Otavalo, mas algumas subidas curtas trataram de tardar minha chegada à cidade.


Monumento em homenagem à cultura local.


Vale destacar que após o retorno à Panamericana o pedal aconteceu pela província de Imbabura onde pude verificar mais um vulcão (inativo). Curioso foi ver a moça que confirmou minha suspeita (que era um vulcão) dizendo na maior naturalidade que aquele era chiquitito e não estava mais em atividade. O que também chamou atenção foi o Lago San Pablo que fica ao lado do vulcão e deixa a paisagem ainda mais bonita.


De volta à Panamericana.

Mais uma província equatoriana.

O vulcão chiquitito.

Lago San Pablo.

In foco.

Lago San Pablo e o vulcão à direita.

Vai uma carne de porco aí?

Monumento em um dos povoados antes de Otavalo.


Quanto mais eu me aproximava de Otavalo, mais nítida era a presença indígena pela região. Não é à toa que Otavalo possui o maior mercado indígena da América do Sul. Inclusive, resolvi ficar um dia na cidade somente para conhecer sua maior atração.

Por volta das 15 horas finalmente cheguei ao meu destino e me direcionei ao centro para encontrar uma hospedagem barata. Segundo meu guia, sábado é o dia de maior movimento na cidade, uma vez que as ruas acabam por virar uma grande feira livre.Os inúmeros visitantes e/ou compradores acabam por lotar a capacidade das hospedagens e tornam a diária ainda mais cara. Com isso eu já estava preparado para ter que desembolsar um pouco a mais.

No primeiro hostal visitado a diária custava 16 dólares. Muito cara apesar dos serviços oferecidos. Então resolvi pedir ajuda para os moradores locais que me indicaram uma região com hospedagem mais econômica. Quando me direcionava ao local recomendado comecei a me deparar com uma movimentação enorme de pessoas pelas ruas que, por sua vez, estavam tomadas por barracas onde eram comercializados os mais diversos produtos, desde artesanatos até mercadorias made in China.


Recepção em Otavalo.

Ruas tomadas por barracas e pessoas.

O movimentado sábado pelas ruas de Otavalo.

Frutas, verduras e legumes.


Passei no meio da multidão e ao lado de uma extensa área que parecia um mercado público. A principio cheguei a suspeitar que seria o conhecido mercado indígena. Mas naquele momento eu estava preocupado mesmo em achar um lugar barato para ficar. Para desviar das ruas mais movimentadas peguei um caminho alternativo e finalmente cheguei à área recomendada. 

No Hostal Maria a diária custava sete dólares, mas com o pedido de desconto acabou por seis dólares. Quarto confortável com cama de casal e banheiro privado com água quente. Aqui cabe uma observação: Como a temperatura ambiente na serra é mais baixa em razão da altitude, a maioria das hospedagens dispõe de banheiro com água quente. O Hostal Maria me pareceu bem agradável e não hesitei em permanecer no local.

Quando fui levar a Victoria ao pátio do hostal, uma surpresa; barulho de câmara de ar murchando. O pneu traseiro esvaziou em questão de segundos. Não havia nenhum objeto cortante pelo caminho, então só poderia ter sido o rasgo na borda do pneu Kenda que foi identificado alguns dias atrás. A abertura é a mesma causada no Pirelli trocado em Nasca. Quase certo que a causa é a calibragem baixa. Com o excesso de peso no alforje traseiro, o aro acaba “comendo” a borda e consequentemente a câmara. No entanto, eu não poderia encher mais o Kenda porque se não ele escaparia do aro como aconteceu antes de Lima. Resultado, outro pneu inutilizado.

Dos males o menor. O pneu poderia ter furado na estrada e isso aconteceu somente na chegada ao hostal. Assim que descarreguei toda a bagagem e levei para o quarto no piso superior, tomei um banho e fui ao local onde o recepcionista indicou que poderia ter uma bicicletaria. Cheguei ao local que para a minha felicidade ainda estava aberto. Afinal era mais de 4 horas da tarde de um sábado. Consegui encontrar um pneu 1.95 da marca Duro por 9 dólares. Espero que consiga rodar uma quilometragem maior que o Kenda e faça jus ao nome que recebe.

A roda traseira está com um raio quebrado. Antes de Quito eu escutei um barulho estranho, mas não achei nada anormal. Somente hoje quando tirei o alforje traseiro que identifiquei a peça danificada. Na bicicletaria eles não realizavam o serviço naquele momento. Então vou ter que continuar a viagem assim mesmo até encontrar um local para realizar a troca. Desde Lima eu não tinha problema com isso, então nem posso reclamar muito. Paciência.

Voltei para a hospedagem, guardei o pneu novo e aproveitei que ainda estava claro para voltar às ruas e observar com mais calma todo aquele movimento. Otavalo é simplesmente um lugar único. É uma típica cidade do interior que soube se modernizar sem deixar a cultura de lado. Os indígenas são maioria e estão por todas as partes. Pelas ruas facilmente se escuta o idioma quéchua falado entre eles.

O que chama atenção é que os indígenas desta região são parecidos com ciganos. Em um primeiro momento cheguei a pensar que realmente se tratava do povo nômade. Também não é fácil de confundi-los. A roupa tradicional utilizada pelas mulheres é uma longa saia preta e uma blusa branca com vários detalhes. No pescoço elas exibem correntes que aparentam ser de ouro, metal que também é encontrado nos dentes de algumas delas. Algo no mínimo muito curioso.

Pelas ruas eu ficava admirado com a quantidade de pessoas e o número de barracas que ocupavam vários quarteirões. Fiquei intrigado porque muitos produtos não eram indígenas e sim chineses. Mercadorias que encontramos facilmente pelos camelôs do Brasil. Então resolvi verificar o mapa da cidade no meu guia e descobri que o famoso mercado ficava algumas quadras de onde eu estava.

Antes de conferir o maior mercado indígena da América do Sul, passei pela praça principal (Parque Bolívar) onde estão localizadas a prefeitura e a igreja San Luis. O local é simples, mas extremamente agradável. Sem dúvidas é uma das praças mais simpáticas que estive em toda a viagem. Aliás, a cidade toda se apresentou como uma das surpresas mais agradáveis do Equador. 


Parque Bolívar.

Prefeitura.

Monumento em homenagem ao indigena. Iglesia San Luis ao fundo.


Caminhei algumas quadras e finalmente cheguei à Plaza de Ponchos onde está localizado o mercado indígena. A praça é tomada por inúmeras barracas em um cenário muito parecido com aquele das ruas anteriores. A diferença é que os produtos não são fabricados no outro lado do mundo. O colorido do mercado é exibido nas mais diferentes mercadorias, sobretudo, nas roupas de alpaca. São blusas, ponchos, toucas, luvas e outros acessórios para temperaturas baixas. Ainda é possível encontrar cobertas, redes, tapetes, chapéus e uma infinidade de outros objetos, como bijuterias e até mesmo instrumentos musicais típicos. 


Finalmente no maior Mercado Indigena da América do Sul.

Mercado Indigena

Mercado Indigena

Triciclo aqui é bastante comum. Existe até mesmo uma associação deles na cidade.


O maior dia de movimento na cidade é no sábado, portanto, a agitação era imensa por quase todas as ruas. Há estrangeiros, mas a maioria dos compradores são pessoas que moram na região. O clima na cidade se torna incomparável. Uma atmosfera difícil de descrever. Passei rapidamente pelo famoso mercado porque pretendia voltar no dia seguinte para olhar com mais calma. 

Antes de voltar para a hospedagem passei em um supermercado (normal) e comprei pão, leite e chocolate em pó para repor meu estoque. Depois caminhei bastante pelas ruas e ainda achei um estabelecimento que vendia as bolachas peruanas GN. Novamente eram as mais baratas entre as opções. Não pensei duas vezes para levar quatros pacotes grandes que contabilizam ao todo, 32 pacotes de galletasrellenas. Combustível suficiente para enfrentar as subidas que restam pelo caminho.

De noite a praça principal fica ainda mais charmosa com a iluminação especial. Algo que não encontrei na Plaza Grande de Quito, por exemplo. Se você estiver de passagem pelo Equador, não deixei de visitar Otavalo pelo menos por dois dias, se possível, no final de semana quando a cidade se transforma.


Parque Bolívar à noite.

Iglesia San Luis.


Demorei em encontrar um restaurante que servisse o menu tradicional por um preço baixo. Mas nofinal achei um local simples onde a refeição custava apenas 1,75 dólares. Sopa e frango assado com arroz e salada. Básico e suficiente. Voltei para o Hostal Maria e fui descansar.

Dia finalizado com 101,48 km em 7h26m e velocidade média de 13,62 km/h.

09/12/2012 - 154° dia - Otavalo (Folga)

Cinco meses de viagem!

Parte da manhã dedicada à atualização do diário de bordo.

No período da tarde fui visitar de novo o mercado indígena. As mercadorias realmente são baratas e geralmente acompanhadas de um bom desconto. Infelizmente essas roupas de inverno são volumosas e pesadas, sem chance de aproveitar a oferta e levar uma recordação da tecelagem local.


Plaza dos Ponchos - Mercado Indígena

Plaza dos Ponchos - Mercado Indígena

Plaza dos Ponchos - Mercado Indígena

Detalhe para a roupa típica. Não lembra a vestimenta dos ciganos?

Plaza dos Ponchos - Mercado Indígena

In foco.

Plaza dos Ponchos - Mercado Indígena

Plaza dos Ponchos - Mercado Indígena

In foco.

Plaza dos Ponchos - Mercado Indígena

In foco.

Plaza dos Ponchos - Mercado Indígena



Hoje a maioria das ruas estava sem as inúmeras barracas de ontem. Sinal evidente que sábado realmente é o dia de maior movimento na cidade. Foi bacana ver que horas após toda aquela agitação as ruas encontravam-se limpas. Serviço de limpeza eficiente que também acontece no restante do país.


As ruas tranquilas e limpas durante a manhã de domingo.

Muitas ruas tem ciclovia.

Região central.

Bananas assadas são servidas no carrinho ao fundo.


No final da tarde voltei ao hostal e troquei o pneu e a câmera de ar. Depois tomei um banho e comecei a ver Senhor dos Anéis. A trilogia foi a única que restou para ver no computador. Não sou muito fã desse estilo de filme e por isso não tive interesse em assisti-lo anteriormente. Mas confesso que gostei da primeira parte. Acho que o filme aborda alguns valores perdidos nos dias de hoje. Quando tiver oportunidade verei a sequencia.

Quando fui sair para jantar, verifiquei que o pneu trocado estava murcho. Misericórdia! Eu estava limpo e nada disposto a realizar a troca da câmera furada naquele horário. Fui jantar meio que inconformado de ter que perder tempo no dia seguinte para poder seguir viagem. Principalmente porque eu queria sair cedo para chegar na fronteira com a Colômbia.

Jantei no mesmo lugar da noite anterior e posteriormente voltei para a hospedagem e fui dormir. Estava decidido a trocar a câmera furada somente na manhã seguinte. Também resolvi que não colocaria o celular para despertar porque eu precisava ter uma boa noite de sono, sobretudo, para descansar as pernas. 

10/12/2012 - 155° dia - Otavalo a San Gabriel

Maior quilometragem diária pelas estradas equatorianas.

Madruguei naturalmente. Levantei às 4h30m sem precisar do despertador. Aproveitei o horário e não pensei duas vezes para começar a trocar a câmera de ar furada. Acho que foi justamente esse o motivo que me fez acordar mais cedo.

Rapidamente saquei a roda traseira e verifiquei o que havia de errado. Um furo minúsculo foi o responsável por outra troca mal sucedida. Tudo indica que na última vez que remendei a câmera, este furo tenha passado despercebido. Paciência. Troquei a câmera e logo na sequencia comecei a arrumar minhas coisas. Por último, preparei o desayuno e fui à estrada exatamente às 7 horas.

Para a minha felicidade a Panamericana faz uma volta por Otavalo e assim não precisei regressar ao caminho por onde cheguei. A saída da cidade estava mais perto do que havia imaginado e bastou seguir as recomendações obtidas pelas poucas pessoas que caminhavam nas tranquilas ruas. Inclusive foi possível verificar a Plaza dos Ponchos sem o mercado indígena. Pensei que as barracas permanecessem no local, mas estava enganado. Pelo jeito as mesmas são retiradas sempre ao final do dia. Processo que deve ser bem trabalhoso aos comerciantes.


Plaza dos Ponchos sem as barracas.


Durante a noite choveu mais uma vez, contudo, o dia amanheceu apenas nublado, melhor assim. A temperatura era baixa e resolvi sair vestido com a jaqueta corta-vento, todavia, nos primeiros quilômetros tive que retirar em razão da excessiva transpiração. Fiquei somente com a segunda-pele. 

A pretensão do dia era audaciosa, chegar à Tulcán, na fronteira com a Colômbia. Para isso eu teria que pedalar aproximadamente 150 quilômetros. Distância 1/3 maior do que estava acostumado a fazer em solo equatoriano. A ousadia tinha motivo, segundo minha análise da altimetria, as descidas seriam generosas, muito embora as subidas quilométricas estivessem presentes pelo caminho. Para completar o objetivo era preciso sair mais cedo e isso infelizmente não aconteceu. Ainda assim comecei o pedal com o pensamento de concluir a meta traçada.

Os quilômetros iniciais foram bem tranquilos. O trecho entre Otavalo e Ibarra, denominado de autovia, está praticamente novo e com três vias em cada lado da rodovia. O acostamento é quase inexistente, mas isso não chegar a ser um problema. São aproximadamente vinte quilômetros entre as duas cidades e o trajeto em sua maioria foi reaizado por um declive, como já era esperado. Rapidamente estava em Ibarra que é um município de médio porte e que possivelmente oferece toda a estrutura para o viajante que passa pela região.

Autovia Otavalo-Ibarra

Após Ibarra as descidas continuaram a prevalecer e a velocidade média era alta. Apenas uma e outra subida curta estava pelo caminho. Em um determinado momento eu estava no alto de uma montanha de onde foi possível observar um longo vale pela frente. O mesmo era cortado pela estrada em que eu me encontrava, ou seja, havia um longo trecho de “bajada” para ser concluído. Que maravilha!


Lago após Ibarra.

Descida em direção ao vale.


O trajeto pelo vale foi emocionante, sobretudo, em razão das paisagens das inúmeras montanhas ao redor. Inquestionavelmente é muito difícil pedalar pela cordilheira, mas da mesma forma é impossível ficar indiferente à sua magnifica beleza e imponência. Por isso me restou continuar a descida em um ritmo forte e admirar toda àquela natureza.



Pedalando entre as montanhas.

O vale é repleto de pequenas comunidades negras que tem na agricultura e artesanato a principal fonte de renda, sobretudo, na região de Chota que chama atenção para outras duas coisas: A diversidade de hospedagens denominadas hosterias. Aparentemente elas oferecem uma estrutura bem completa a seus clientes. Não sei se o preço da diária é muito alto, mas pode ser uma opção para quem precisar de um lugar para passar a noite. A outra curiosidade é para uma planta (parece mato) que supostamente é colocada sobre a estrada para secar. Achei um abuso utilizarem a rodovia para realizar esse processo, mas me pareceu que é uma prática bem comum e que os motoristas da região estão acostumados.


Faltava apenas cem quilômetros para chegar à Colômbia.

Os nomes encontrados pelo caminho.

Região repleta de hosterias.

Secagem em plena rodovia.


Cheguei aos 60 quilômetros com a média de 19 km/h, uma marca bem acima do normal desta expedição. Dez quilômetros depois e pouco antes do meio dia eu achei melhor parar em um restaurante no povoado de El Juncal onde a descendência africana também predomina. No estabelecimento a refeição estava caprichada em todos os sentidos. Menu tradicional custou apenas dois dólares. Destaque para a salada com vários legumes e o suco natural de acerola que estava uma delícia. 

Após 45 minutos no restaurante estava na hora de voltar à estrada. O trajeto infelizmente não continuou o mesmo da parte da manhã. Na saída de El Juncal existe uma ponte sobre o rio que atravessa o vale, a mesma é a divisa entre as províncias de Imbabura e Carchi, esta última lhe deseja boas vindas com aquela que seria a maior subida do dia. Foram praticamente 20 quilômetros montanha acima. Trecho extremamente íngreme e difícil de completar. Levou boa parte das minhas energias.


A última província equatoriana.

El Juncal ficava pequenina no horizonte.

Acima dos 3 mil metros de altitude.


Durante a subida encontrei um senhor que trabalha para a concessionária responsável pela rodovia e comecei a conversar sobre o trajeto. O diálogo durou mais do que o esperado e no final soube que o trecho a seguir também seria em direção aos céus. O senhor me disse que outros dois cicloturistas estavam praticamente seis horas na minha frente. Agradeci pelas informações e continuei o pedal.

Com a subida mais difícil do que o imaginado seria impossível chegar à Tulcán no mesmo dia. O objetivo passou a ser outro: alcançar a cidade de San Gabriel antes do anoitecer. Após a ascensão de 19 quilômetros, infelizmente a descida não apareceu como era desejada. Um chato sobe e desce na estrada quase me levou a exaustão. Estava muito, mas muito cansado e chegar à San Gabriel naquele momento já seria uma grande vitória. 


Essa subida era uma das mais leves. Pode acreditar!

Da série: coisas que a gente encontra pelo caminho.

Fui obrigado a devorar vários pacotes de bolacha porque minha fome é cada vez mais insaciável, seja antes, durante ou depois do pedal. Entre uma pausa e outra para retomar o fôlego eu aproveitava para recuperar as energias. 

Quando eu achava que finalmente surgiria uma descida considerável para aliviar os músculos das pernas que estavam pesadas, a montanha-russa insistia em continuar. São quase 6 mil quilômetros pela Cordilheira dos Andes e estou saturado de subidas, meu corpo tem resistido bem a todo esse traiçoeiro relevo, mas não sou de ferro e sinto que apesar de forte, minhas pernas começam a pesar com o acúmulo de montanhas. O meu esforço agora é para que esse peso não seja transferido para a parte psicológica por que ela tem que estar bem para ajudar meu avanço final pela cordilheira na Colômbia. 

Com muito sacrifício finalmente cheguei à San Gabriel exatamente às 18h10m, não sem antes encarar uma última subida em direção ao centro da pequena cidade. Fui procurar uma hospedagem que havia sido recomendada. No Residencial Orfeus fui muito bem recebido pela colombiana Esperanza. A diária custava 6 dólares e como estava no preço econômico padrão, resolvi ficar. Quarto confortável, limpo e com televisão a cabo. O banheiro é compartilhado, mas não deixa a desejar na higiêne. Ambiente tranquilo.

A primeira coisa a fazer na hospedagem foi tomar um banho quente para relaxar os músculos. Na sequencia fui ao centro para jantar, estava com fome e por dois dólares encontrei um restaurante que servia a refeição tradicional. Tudo muito saboroso.

A noite estava fria e voltei logo para a hospedagem. Cansado não fiz outra coisa a não ser me encaminhar direto para a cama. Fui dormir por volta das 21 horas sem colocar o celular para despertar, afinal não precisaria acordar cedo porque a distância para o dia seguinte seria baixa uma vez que meu destino é a cidade de Ipiales em território colombiano, cerca de 50 quilômetros de San Gabriel.

Dia finalizado com 113,26 km em 8h49m e velocidade média de 12,84 km/h.

19 comentários:

  1. Tenho que lhe dar um "puxão" de orelha, onde ja se viu passar com colegas cicloturistas e não parar para hablar!!! tse tse tse. Bricadeiras a parte, tenho uma pergunta, verifiquei as fotos de 3 cicloturistas que passaram pelo Salar e todos fizeram as fotos "saltando" é algum ritual ???
    Outro detalhe desde o inicio da sua viajem, já conto com a visita de 5 cicloturistas pela minha humilde residência, Canadá, Venezuela, Africa do Sul, Polonia e França. Que experiência divina, realmente valeu pela recomendação!!!
    at.
    Sergio

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    1. Buenas Sergio.

      Nao mereço o puxao de orelha, rs. A rodovia no ponto onde encontrei os cicloturistas era duplicada e separada por uma mureta de concreto e muito movimentada. Sem chance de parar e trocar algumas palavras. Mas quando é possível sempre faço questao de parar e conversar. Afinal sao pessoas que sabem muito bem como è o dia-a-dia na estrada. Esclarecido? rs

      Em relaçao ao salar. Nao sei bem se chega a ser um ritual. Mas é uma foto que nao pode falar para quem visita a regiao, rs. Eu fiz questao de registrar meu salto. Claro que foram várias tentativas para ter um clique mais ou menos, rs.

      Sobre os cicloturistas que recebeu em sua casa, todos entraram em contato pelo Warmshowers? Sem dúvida é uma experiencia interessente. Uma verdadeira troca de conhecimentos. Parabéns pela iniciativa.

      Grande abraço, Sergio.

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    2. Sim todos via Warmshowers, e uma informação interessante a que esta aqui agora(francesa), cruzou com os primeiros hospedados aqui canadenses na Bolivia, e eles comentaram que foram muito bem recebidos no Brasil rsrsrr muito legal.

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Eu não me recordo em sua passagem pelos países de língua Espanhola você citar "café da manhã" e sim desayuno hahahah. No início deste relato, você faz isso.
    No mais, como já mencionei antes. Ler esse relato é como ler um bom livro, você se transporta para dentro da história. Parabéns mais uma vez Nelson. Como ainda não conheço sua cidade (Foz do Iguaçu) quero ter o prazer de um dia desses visita-lo lá. Irei com esposa e filha e quero ter o prazer de um pedal por aquelas bandas. Sou de Campinas, moro na região metropolitana aqui, na Cidade de Valinhos, estando por estas parte do Brasil, sinta-se a vontade para me visitar. Josemar/Valinhos/SP

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    1. Buenas camarada.

      Muito bom saber que os detalhes na escrita não passam despercebidos. Então, na verdade o "desayuno" é utilizado sem um motivo especifico. Quer dizer, serve mais para evitar a repetição de "café da manhã".

      No mais, agradeço de novo pelas palavras de incentivo. E certamente será um prazer recebe-los em Foz do Iguaçu. Sem dúvidas a cidade vai surpreender vocês. Além de todas as belezas naturais conhecidas, existem ótimas trilhas para podermos pedalar e conhecer outras partes da região. Reserve uma data para realizar a visita no segundo semestre do ano que vem quando já estarei em casa.

      Também agradeço pela hospitalidade. Já estive por essas bandas quando fui de Foz à Belo Horizonte. Mas pode deixar que em uma próxima oportunidade eu comunico minha presença.

      Grande abraço.

      Hasta luego.

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  4. Mais uma vez parabéns pelo excelente relato Nelson.
    Não anda sentindo a bicicleta mais pesada?
    Porque tu tá carregando uma penca de gente junto com você rsrs

    Tu é meu herói.
    Não sei se vai conseguir ler esse comentário antes da próxima atualização, mas se conseguir, por favor, garanta vários registros da divisão do mundo.

    Abraço e ótimo pedal.

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    1. Buenas Vicinius.

      Muito obrigado pelo grande incentivo. Sem dúvidas suas palavras também tem um grande peso para o avanço da viagem.

      Você tem toda razão, a bicicleta está muito mais pesada, rs. Agora eu sei porque as subidas estao cada vez mais dificeis para serem completadas, rs. Brincadeiras à parte é sempre um grande prazer ter a companhia de vocês todos.

      Em relação aos registros na metade do mundo, infelizmente não forem realizados. Os motivos estão relatados no dia 153 do diário de bordo. Acho que você já deve ter lido. Agora é torcer para encontrar a placa que indica linha imaginária quando eu voltar para o hemisfério sul. Isso deve acontecer no Amapá daqui alguns meses.

      Grande abraço e continua a bordo da expedição.

      Hasta luego!

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  5. Olá Nelson. Obrigado por responder meu email sobre a facilidade de se encontrar gás.
    Outra pergunta: qual site vc usa para saber a altimetria do caminho â frente?
    Amanhã vou para a Chile fazer a carretera austral espero poder continuar seguindo sua fantástica aventura. Parabéns.

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    1. Oi Roberto,
      Desculpe-me a minha intromissão, vc tem algum blog para acompanharmos sua expedição.
      A carreteira Austral é um plano futuro nosso.
      Abraços,
      Sônia

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    2. Buenas Roberto.

      Desculpe-me pela demora em respondê-lo. Certamente você já deve estar na estrada. Em todo caso, fica a resposta. Tenho utilizado o excelente serviço (gratuito) oferecido pelo http://ridewithgps.com É muito fácil de utilizar e ajuda bastante.

      Muito bom saber que também está em viagem. Essa é uma região que ainda não conheço. Desejo que você aproveite o máximo possível de cada momento.

      Seguindo o comentário do Leco/Sonia, se tiver um site com relatos e fotos, não deixe de divulga-lo aqui para pordermos acompanhar sua aventura pela América do Sul.

      Qualquer pergunta basta entrar em contato.

      Grande abraço.

      Hasta luego!

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  6. Monte Cotopaxi = Monte Fuji

    Boa viagem!

    Japa-sun

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    1. Buenas Japa Sun.

      Ainda não conheço o Monte Fuji, mas agora que você mencionou, realmente não são muito diferentes. Devem ser parentes distantes, rs.

      Grande abraço.

      Hasta Siempre!

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  7. Oi Nelson,
    Tudo bem?
    Que lindas fotos do vulcão, fantásticas!
    Quando estamos pedalando alguns caminhos e lugares lembram outros, legal você lembrar do Ribeirão da Ilha, devem ser memórias boas, pois sei que gostou muito de morar em Floripa.
    Também achei legal a atitude dos ciclistas de speed, aqui eles nem olham para nós. Por que será?
    Ah, nossa viagem para as serras está toda planejada já, estamos ansiosos para que chegue o dia da saída...
    Um abração...estamos sempre juntos com você...

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    1. Buenas amigos.

      Aqui está tudo bem, apesar das subidas quilometricas. Mas o importante é que o avanço está sendo realizado.

      Ah que saudade de Florianópolis, sem dúvida é um lugar que ainda quero voltar para morar e aproveitar toda essa natureza maravilhosa. Certamente viver na Ilha da Magia foi uma das melhores experiências da minha vida. Um enorme aprendizado e diversos momentos inesqueciveis. Me aguardem que eu voltarei, rs.

      Estarei na torcida para que a viagem de vocês seja excelente. Aproveitem cada momento pois eles serão únicos.

      Grande abraço.

      Hasta luego!

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  8. Ola mi hijo,ler estes teus relatos esta sendo uma terapia, justamente em funçao das belas fotos , juntamente com a tua maneira de relato.

    Que Deus te ilumine.Abraços OldDad.

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    1. Buenas Papito!

      É sempre um prazer poder compartilhar essa experiência com vocês. Muito bom saber que continua acompanhando e gostando dos relatos desta viagem surpreendente em todos os sentidos.

      Grande abraço, pai.

      Hasta la Victoria Final!

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  9. CORREÇÃO(ESTES TEUS RELATOS ESTAO SENDO),desculpe-me rs.

    Old Dad

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  10. Amore Querido,

    Adorei a hospedagem na chácara, super intensa

    Quito é uma cidade lindíssima, as construções são incríveis... Ah, adorei a gárgula de tartaruga, iguana e os demais animais não identificados, rsrs
    Muito legal a passagem de bus ser barata e o transporte público ser de qualidade em algumas horas do dia, rsrs

    Tome cuidado nestas estradas e espero que você encontre uma descida infinita ou uma reta infinita tb... este sobe desce me deixou cansada de ler imagina vc q tá pedalando.

    Boa sorte...
    Toda positividade pra ti.
    Bjs

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