01/03/2013 - 236° dia - Caracas
(Folga)
O que fazer para começar bem o
mês? Reencontrar minha companheira Victoria.
Hoje o dia foi bastante
movimentado. Logo nas primeiras horas da manhã eu já estava caminhando pelas
ruas da capital. A primeira parada foi em um supermercado para comprar o
necessário para a sequencia da viagem. Depois passei na lavanderia estilo
norte-americana que havia visitado quando cheguei pela primeira vez em Caracas.
Agora a maioria das minhas roupas de civil está limpa novamente.
Voltei à hospedagem, deixei as
sacolas no pequeno quarto e regressei às ruas. A tarefa desta vez consistia em
procurar uma lan house para saber se o Elio (membro do warmshowers que guardou minha
bicicleta) havia respondido meu e-mail. Eu precisava saber qual a melhor forma de
chegar à oficina onde estava a minha companheira fiel.
Encontrei um cyber, mas não tinha
nenhum retorno do Elio que tampouco atendia minhas chamadas telefônicas. Como ele
havia me passado o endereço de onde a bicicleta estava, achei melhor buscar a
direção na internet para facilitar meu deslocamento. Ficava longe, muito longe
do centro. Sem exagerar, do outro lado da cidade.
Deixei a lan house e voltei a um
telefone público, desta vez a pretensão era ligar para a tal oficina e procurar
saber qual a melhor forma para chegar ao longínquo local. Mas a estratégia
também não teve resultado, isto porque o telefone da empresa estava sempre
ocupado. Como era sexta-feira e muito provavelmente o estabelecimento estaria
fechado no final de semana, não pensei duas vezes para procurar o endereço
sozinho.
Para começar minha jornada
solicitei informação a um policial no centro histórico. Eu precisava chegar à
área industrial de La Trinidad, onde estava a Victoria. O senhor recomendou
pegar o metrô na estação Capitólio e descer em Chacao onde eu deveria tomar um
ônibus para o local desejado. Pareceu-me simples e fui à luta.
Talvez em razão do horário, em
torno do meio dia, o metrô estava surpreendentemente sem muito movimento. A
estação Chacao é uma das últimas da linha vermelha em direção à Palo Verde e
custou a chegar. Apesar da demora o deslocamento foi tranquilo. Nas ruas eu
estava em uma região mais moderna e menos suja da cidade, todavia, o trânsito
continuava horrível. Perguntei a algumas pessoas onde deveria pegar o ônibus
para La Trinidad e então me indicaram um ponto em uma praça há cinco quadras de
onde eu estava. Caminhei um bom trecho até chegar ao local.
Na praça onde eu encontrei o
famoso obelisco da capital. Também descobri que o ônibus que se deslocava à La
Trinidad não era a famosa buseta
(maioria na cidade), se tratava do metrobus,
um veículo que é muito parecido com os ônibus mais modernos no Brasil. A
passagem tem o mesmo preço do metrô, 1,5 bolívar, inclusive o bilhete é o
mesmo. O que também se assemelha ao transporte subterrâneo são a limpeza e a
ausência de música, geralmente presentes nas busetas.
Para ingressar no metrobus existe uma fila que é
rigorosamente respeitada. Foi nesta organização que encontrei um senhor que me
explicou onde eu deveria descer para chegar mais fácil à rua desejada. Quando o
ônibus chegou ao ponto exclusivo o motorista complementou a informação
anterior.
Foi uma verdadeira viagem no metrobus, tudo em razão das ruas sempre
congestionadas de Caracas. O senhor que havia me passado as informações desceu
muito antes da minha parada, não sem antes deixar uma senhora incumbida de
orientar onde eu deveria descer. Uma coisa não se pode negar, os venezuelanos
são extremamente hospitaleiros e prestativos.
Acho que este deslocamento no metrobus durou aproximadamente uma hora,
mas para a minha felicidade o ônibus passou justamente na rua onde eu precisava
chegar, contudo, a parada ocorreu em uma rua paralela. Rapidamente me
direcionei ao endereço desejado e facilmente encontrei o prédio onde ficava a
oficina.
A oficina onde o Elio trabalha
estava longe de ser uma bicicletaria comum, conforme eu imaginava. O local é
uma empresa que vende diversas bicicletas importadas, sobretudo, elétricas.
Acho que também comercializam outros produtos, todavia, o foco está no veículo
sobre duas rodas. Para quem tiver curiosidade, maiores informações no site: www.solobicis.com
Na empresa me informaram que o
Elio estava na cidade de Valência e provavelmente deve ter sido por isso que
não atendia meus telefonemas. A recepcionista pediu para eu aguardar enquanto
ela tentava contatá-lo. Na sequencia apareceu um funcionário que me encaminhou
até o local onde a Victoria e toda a bagagem estava guardada. Quando visualizei
a minha companheira tive uma baita surpresa.
A Victoria estava toda limpa e
revisada. Os mecânicos me avisaram que a catraca se encontrava muito suja,
sobretudo, com bastante areia, o que não é de se estranhar considerando que
passei por um bom trecho ao lado do oceano pacífico, caribe colombiano e
venezuelano.
A bicicleta teve uma simples
revisão. Regularam as marchas, freios e trocaram o raio traseiro que estava quebrado.
Não precisei pagar nenhum centavo. Uma verdadeira cortesia oferecida pelo
também ciclista Elio com quem falei por telefone antes de sair da empresa.
Claro que não deixei de agradecê-lo imensamente por toda a ajuda. Afinal ele
guardou a Victoria por vários dias e ainda a deixou preparada para encarar a
estrada.
Hora de pedalar pela capital. Um
dos funcionários da Solo Bicis me
explicou o caminho para retornar ao centro e até chegou a me mostrar o trajeto
pelo Google Maps, contudo, somente para variar um pouco, em um determinado
momento eu continuei, involuntariamente, por outra direção. A sorte é que esta
alternativa também levava ao centro, todavia, era um trecho extremamente
movimentado. Tensão total.
O trânsito de Caracas é sem
dúvidas, em minha opinião, o pior de toda a América do Sul. Aqui não se
respeita nada e ninguém o tempo inteiro, semáforo, faixa de pedestre e qualquer
sinalização são meros enfeites, infelizmente. Quem mais sofre com esse descaso
certamente são aqueles mais frágeis; pedestre e ciclista. Pedalar aqui é quase
suicídio em razão dos furiosos motoristas e motociclistas.
Como eu estava seguindo para o
centro por uma autopista, por vezes tive que enfrentar as entradas e saídas
desta principal rodovia. Com uma infinidade de veículos era quase impossível
atravessar em segurança de uma faixa para a outra. Em um momento fui chamado de
louco por um motorista que, apressado, não quis nem saber da minha sinalização
indicando a mudança de pista. Como dizia o Raulzito: quando acabar o maluco sou eu. Brincadeira mesmo.
Eu sinceramente não recomendo
nenhum ciclista amador a pedalar por esta cidade. É difícil dizer isto, mas
sair às ruas e avenidas da capital, sem experiência, é quase assinar sua
sentença de morte. E não, não estou exagerando. Quem diz que La Paz e Lima tem
o pior trânsito da América do Sul é porque certamente não conhece a realidade
de Caracas. Impossível sentir-se confortável neste inferno de trânsito. Para
ter uma idéia da situação, até mesmo a circulação em Ciudad del Este no
Paraguai é mais agradável do que esta da capital venezuelana.
Com muita atenção e apreensão,
finalmente cheguei à região central e para a minha felicidade estava mais
próximo do que imaginava da hospedagem. Reconheci facilmente o caminho e em
poucos minutos eu estava de volta e vivo. Completei o trajeto em 1h30m, meia
hora a menos do que o metrô e o metrobus. Que tal?
O período da tarde foi reservado
para arrumar a bagagem e também para retornar à lan house e responder os
comentários e e-mails pendentes.
02/03/2013 - 237° dia - Caracas
(Folga)
O último dia em Caracas foi
dedicado a uma breve caminhada pelo centro histórico. Posteriormente fiquei na
hospedagem na pretensão de descansar o máximo possível para voltar à estrada
com força total no dia seguinte.
03/03/2013 - 238° dia - Caracas a
El Guapo
Após a noite conturbada, um
retorno tranquilo às estradas.
Acordei às 2h30m da madrugada por
causa de uma desesperada batida em alguma porta da hospedagem. Infelizmente o
sujeito mal educado não se deu conta do horário e continuou a incomodar. Existe
uma regra no estabelecimento que deixa claro: após meia noite as portas são
fechadas e abrem somente às 5 horas. Em um primeiro momento cheguei a cogitar
que algum hóspede havia se esquecido da norma, mas as batidas na porta se
tornaram cada vez mais fortes e violentas. Eu me perguntava o porquê de todo
aquele nervosismo.
Não demorou muito e vários hóspedes
começaram a se manifestar, contudo, ninguém ousou abrir a porta, tampouco o
funcionário deste turno. Talvez essa indiferença deixou a pessoa ainda mais
nervosa e o som emitido pela fúria parecia que a porta seria derrubada a
qualquer momento.
A movimentação no interior da
hospedagem ficou maior e entre várias vozes eu identifiquei alguém falando por
telefone com a polícia. As palavras eram fortes e rapidamente deixou minha
tranquilidade de lado: Hay dos hombres
armados, dizia o homem à policia.
Homens armados? O que eles
queriam? Invadiriam o hotel com a intenção de fazer um arrastão? Comecei a
pensar inúmeras coisas, mas sair do quarto estava fora de cogitação. Meu
raciocínio não entendia o porquê daquele alvoroço. Se eram assaltantes, qual a
necessidade de chamar a atenção de todos os hospedes? Alguma coisa não se
encaixava na história.
As horas passaram e pelo jeito a
polícia não apareceu, afinal, as batidas continuavam quase ininterruptas e
certamente irritava ainda mais os hóspedes que não conseguiam dormir. Eu ficava
me perguntando por que justamente naquela noite? Misericórdia!
Escutei outra pessoa ligando para
polícia e declarando que por motivo de segurança a porta não tinha sido aberta.
Se a força armada chegou eu não sei, mas a balburdia perdeu força e por volta
das 4 horas da madrugada eu voltei a dormir, entretanto, uma hora depois o
celular despertou, era preciso levantar.
Apesar de não ter dormido
praticamente nada, criei coragem e levantei imediatamente para terminar de
arrumar a bagagem, desayunar e finalmente, partir. A estratégia era sair de
Caracas nas primeiras horas da manhã de domingo quando supostamente o trânsito
estaria mais tranquilo, por isso a pretensão era começar a pedalar às 6 horas,
todavia, atrasei 20 minutos, mas ainda estava cedo.
Antes de sair da Hospedaje Gran
Avila conversei com um dos recepcionistas e ele afirmou que os baderneiros eram
hóspedes que chegaram da noitada quando a porta do estabelecimento já estava
fechada. Eu nem sabia o que pensar. Como pode ter alguém sem noção para fazer
todo aquele escarcéu? Provavelmente deveria estar bêbado, não é possível. De
qualquer forma, apesar do incidente, recomendo muito a hospedagem, foi a mais
barata que encontrei e o ambiente é bastante tranquilo e seguro, com exceção
desta última madrugada, claro.
Nas ruas da capital eu me
direcionei à famosa Avenida Baralt, uma das mais conhecidas do centro. Eu
precisava pedalar por ela para chegar à autopista Francisco Fajardo, como havia
informado o Google Maps. Sim, eu havia realizado uma pesquisa no dia anterior
para saber a melhor forma de sair da cidade. Para a minha felicidade, ambas as
referências estavam próximas da hospedagem.
O dia mais uma vez amanheceu
ensolarado, contudo, a temperatura era agradável, afinal a capital está a quase
mil metros de altitude. O trânsito começava a ficar movimentado antes mesmo das
7 horas da manhã de domingo. Incrível. Quando cheguei ao trevo para a
autopista, Ruta 9, me deparei com uma bifurcação e não sabia qual direção
pegar. Na dúvida, esperei um motociclista passar para pedir informação. Segundo
a orientação recebida eu deveria seguir sempre as placas sentido Petare e Guanares.
Na autopista surgiram mais
algumas entradas e saídas que me deixaram na dúvida, no entanto, desta vez eu
pensei um pouco mais e decidi seguir em direção ao sol. A lógica era simples.
Meu deslocamento era para o famoso oriente venezuelano, ou seja, a região leste
do país, onde o nasce o astro-rei. Desta forma não teve erro e as placas que
indicavam Barcelona (meu destino) passaram a ser frequentes e me deixava
tranquilo em relação ao caminho.
"Pra onde tenha sol / é pra lá que eu vou"
Para sair de Caracas foram quase
20 quilômetros em meio a uma multidão de veículos e das inúmeras favelas à
beira da estrada. A sorte é que o relevo estava ao meu favor e eu tinha
conhecimento que a descida seria longa, assim, a velocidade média era razoável
e permitia um deslocamento mais rápido. E na verdade eu não via a hora de sair
daquela cidade. Definitivamente não gostei de Caracas.
Quando a entrada para Petare
apareceu eu fiquei na dúvida se deveria desviar ou continuar em frente,
contudo, mais uma vez eu me utilizei do sol para me orientar. Deixei Petare
para trás e fiquei no sentido principal da autopista. A referência passou a ser
Guanare. Eu não sabia se eram bairros, distritos ou cidades, mas de qualquer
forma, passar por elas me deixava com a sensação de ficar cada vez mais
distante da capital.
A descida não foi permanente e
por vezes apareceu uma e outra subida pelo caminho. O declive passou a ser
definitivo após a passagem por um túnel que apareceu quando o velocímetro
marcava 21 km. Depois foi preciso apenas curtir tranquilamente a bajada, sobretudo, porque a autopista
apresentou acostamento que melhorou ainda mais a situação.
Após 40 km pedalados surgia no
horizonte Guanare, que pelo tamanho só poderia ser uma cidade. Destaque ficou
para o final do perímetro urbano onde a rodovia passa ao lado de um campo de
beisebol que naquele momento era palco de uma partida do esporte mais conhecido
e praticado na Venezuela. Claro que não deixei de registrar.
Campo de beisebol à beira da estrada.
In foco.
Término de uma parte da autopista.
Ruta 9
Guatire, outra referência,
apareceu 10 km depois de Guanare. Como a velocidade continuava boa, determinei
que a minha parada do almoço seria após cem quilômetros pedalados. Assim continuei
firme e forte em direção à Caucagua. Na entrada desta última cidade eu estava
novamente em dúvida sobre a direção correta. Quer dizer, qualquer uma das duas
opções me levaria à Barcelona, no entanto, restava saber qual era a recomendada
pelo Google Maps que certamente havia apontado aquela com a menor distância.
Da série: Coisas que a gente encontra pelo caminho.
Paisagem do trajeto.
Na chegada à Caucagua, 80 km de
Caracas, existem duas estradas em direção ao oriente, uma delas é pela
autopista e a outra é chamada de Carretera Vieja. Eu continuei pela autopista
porque a segunda opção seguia para à direita e eu lembrava perfeitamente que o
Google Maps havia traçado o roteiro pela estrada à esquerda. Avante.
Trecho mais longo: Autopista em direção à Barcelona.
Acho que pedalei praticamente
três quilômetros pela autopista quando fui abordado por um motorista que estava
com a sua caminhonete estacionada no acostamento. Ele perguntou se eu queria
carona para não pegar aquele sol que estava realmente muito forte. Era próximo
do meio dia e a temperatura era mesmo elevada, contudo, expliquei que o
objetivo da viagem é seguir pedalando sempre que possível. Por isso recusei a
ajuda.
Aproveitei a presença do
motorista da caminhonete para perguntar a respeito da diferença entre os dois
caminhos que seguiam para Barcelona. Ele mencionou que o trajeto pela Carretera
Vieja era menor e que havia mais árvores e vilarejos pelo caminho. Na
autopista, que passou a ser denominada como Ruta 12, não tinha nada mais do que
estrada e estrada. Como eu pensei que a autopista era o trajeto mais curto,
estranhei o comentário do motorista, contudo, não hesitei em retornar e pegar o
outro caminho.
A entrada da Carretera Vieja é à
direita, contudo, ela faz uma volta e continua na direção oposta, ou seja, era
o caminho indicado pelo Google Maps. Não demorou muito e uma placa mostrava que
eu continuava pela Ruta 9. Neste momento eu fiz um agradecimento aos céus por
ter encontrado aquele senhor no acostamento. Caso contrário eu teria continuado
pelo caminho mais longo e árduo, literalmente.
A Carretera Vieja após Caucagua é
extremamente estreita e sem acostamento. Pelo fato de ser um caminho mais curto
para Barcelona, muitos motoristas optam por sua utilização. Dessa forma o
movimento era intenso e precisei redobrar a atenção. A essa altura eu estava
bastante cansado, afinal, não pedalava a um bom tempo e mesmo com a ajuda do
relevo, eu tinha pedalado cem quilômetros exatamente quando o relógio apontou
meio-dia. Estava na hora de parar.
Trecho mais curto: Carretera Vieja em direção à Barcelona.
Caminho correto, porém sem acostamento.
Mais uma vez a sorte, deuses,
pensamentos positivos e o vento continuaram ao meu favor. Parei em um pequeno
quiosque à beira da estrada. O local estava fechado, contudo, varias pessoas
estavam sentadas na frente da casa ao lado. Perguntei se poderia descansar no
local e a resposta foi positiva. Estava sentado na sombra agradável do
estabelecimento quando uma senhora apareceu para pegar alguma coisa no interior
do quiosque. Aproveitei para questionar se o próximo restaurante estava longe.
Infelizmente ela respondeu que não havia nada pela frente nos próximos
quilômetros.
A minha fisionomia deve ter
mudado instantaneamente quando soube que não havia restaurante nas
proximidades. Isto porque a senhora, na mesma hora, perguntou se eu estava com
fome. Respondi que sim, contudo, nem precisava dizer nada, a apetência estava
estampada na minha cara. Para a minha surpresa a mulher disse que já solucionaria
este problema e pediu para eu aguardar.
A senhora regressou com um
pequeno prato de sopa que rapidamente foi aceito e devorado na mesma
velocidade. Não era muita sopa, mas eu não me importei com isto, principalmente
porque havia pedaços significativos de batata, cenoura e frango. Eu estava
muito feliz pela generosidade daquele ser humano que em sua simplicidade
resolveu me ajudar. Mas as surpresas não pararam.
Quando eu terminava de degustar a
sopa e já tinha certo que aquele seria meu almoço, uma moça apareceu com um
segundo prato, desta vez com macarronada e um pedaço enorme de frango. Um
verdadeiro banquete. Juro que eu não sabia se dava risada de felicidade ou se
chorava de emoção. O que eu não tive dúvidas foi de agradecer imensamente. A
senhora tornou a voltar ao local e me trouxe um copo de suco de goiaba
completamente gelado. Era muito, mas muito mais do que eu poderia imaginar.
Estava realmente sem palavras.
Meu pai, em um dos últimos
comentários aqui no diário de bordo, desejou que os anjos continuassem me
protegendo. Fiquei pensando bastante sobre isso com esses acontecimentos. Primeiro
foi o motorista no acostamento, responsável direto para que eu continuasse pelo
no caminho “correto”. Depois essa senhora que não mediu esforços para me ajudar.
Detalhe, desta vez eu nem estava com cara de mendigo. Cabelo e barba cortados e
minhas roupas se encontravam limpas. A bondade seguia aquele velho ditado; faça
o bem sem importar a quem.
Outra questão curiosa. Em ambos
os casos, nenhum deles me fez as perguntas básicas, nem mesmo de onde eu era. A
senhora, por exemplo, limitou-se a perguntar apenas se eu estava com fome. Lembrei-me
disto agora ao escrever o diário e associei àquele fato, antes de Caracas, onde
um homem me parou no acostamento e me regalou
cem bolívares. Na ocasião ele também não me fez perguntas, exceto se eu
precisava de dinheiro. Talvez eu esteja fantasiando e confundindo as coisas,
mas que é algo diferente e torna tudo ainda mais especial, isto eu não tenho
dúvidas.
Almocei e ainda fiquei um tempo
naquela sombra do quiosque. O sol estava muito forte e achei mais conveniente
esperar um pouco. De qualquer forma às 13h30m eu já voltava a pedalar. Para a
minha felicidade ficar ainda mais completa a rodovia ficou menos estreita depois
do vilarejo San Rafael, que por sua vez, fica a menos de 5 km do local onde
almocei.
A pretensão do dia era pedalar
aproximadamente 150 quilômetros, com essa distância diária eu consigo chegar à
Santa Elena de Uairém em oito dias. Meu dinheiro venezuelano deve render
somente esse período. Portanto, continuei o pedal durante a tarde focado neste
objetivo.
A estrada bastante arborizada
ajudou a amenizar a temperatura. O relevo mesclou trechos planos com sobe e
desce, mas nada muito complicado. No entanto, meu ritmo diminuiu drasticamente
porque eu continuava cansado. A quilometragem pesou e frequentemente eu parava
na intenção de comer algumas bolachas. Em um destes momentos eu notei que um veículo
parou logo atrás de mim. Era um caminhão-tanque da defesa civil. O motorista me
fez um sinal que eu não compreendi e por isso me mandei. Mas o veículo
continuou me seguindo e então estacionei fora da estrada para saber o que
estava acontecendo. Os bombeiros queriam me avisar que aquela área era
extremamente perigosa.
Pela primeira vez na viagem eu
fui escoltado. O caminhão me acompanhou por aproximadamente cinco quilômetros e
depois cada um continuou seu destino. O meu era chegar a algum vilarejo com
pousada. Disseram-me que El Guapo era um pequeno povoado onde eu poderia
encontrar hospedagens.
No caminho para El Guapo eu
encontrei um colete refletor às margens da rodovia. Como a peça estava somente
um pouco suja, não pensei duas vezes em parar e pegar a vestimenta que pode ser
bastante útil durante um pedal noturno.
Antes mesmo de aparecer El Guapo
pelo caminho, surgiu uma pousada,
todavia, me pareceu um pouco turística demais e que certamente a diária não
estava ao meu alcance. Continuei.
Na estrada eu parei em uma
borracharia para perguntar se mais para frente existia algum lugar para passar
a noite. Não foi uma boa idéia. Os homens estavam bêbados e enquanto um deles
recomendou aquela que eu havia achado sofisticada, outro indicou uma mais à
frente. Resultado: eles começaram a discutir porque eu me mostrei mais
interessado em seguir o meu caminho e ficar nesta outra pousada adiante.
Iniciou-se uma briga verbal e eu rapidamente me mandei para não sobrar para
mim.
Mal pedalei um quilômetro e ouvi
o barulho mais indesejado da viagem: raio quebrado. Foi praga dos bêbados.
Aposto! Paciência! Rapidamente cheguei a esta outra pousada, denominada El
Konuko que também tem um estilo turístico com piscina e tudo mais. Como já
estava tarde (17h30m) e a minha canseira era visível, parei e perguntei o preço
da diária. Quando o atendente me disse que custava 300 bolívares eu quase
desanimei, mas então comecei a negociar. O valor caiu pela metade e então achei
que valia a pena, uma vez que não tive gasto nenhum no almoço.
O quarto tinha dois beliches e
uma cama, todas estavam desarrumadas. Providenciaram a troca do lençol em uma
delas e logo o cômodo foi liberado. O local é simples e o único luxo era o
ar-condicionado, já que a televisão a cabo estava estragada. Mas como eu não me
importei com isso, fiquei satisfeito de terminar mais um dia de viagem.
Finalmente estava longe de Caracas.
Para economizar fiz a minha janta
e depois comecei a escrever o diário de bordo, mas a minha canseira não
permitiu que eu passasse do segundo parágrafo. Acabei vendo um filme no
computador e depois fui dormir.
Vale destacar que agora eu sigo
em direção à Barcelona, El Tigre, Ciudad Guayna e por fim, Santa Elena de
Uairém. Estas cidades servem apenas como referência e não implicam
necessariamente em uma parada obrigatória no final do dia.
Dia finalizado com 147,73 km em
8h44m e velocidade média de 16,88 km/h.
04/03/2013 - 239° dia - El Guapo
a Clarines
Chegada ao Oriente!
A noite foi tranquila na pousada.
Levantei pouco antes das 6 horas da manhã, assim que o celular despertou. Meu
corpo ainda continuava cansado, mas era preciso avançar e por isso foi
necessário deixar a preguiça de lado para começar a arrumar as coisas,
desayunar e seguir viagem.
Comecei a pedalar somente às
6h50m, mais tarde do que eu gostaria, todavia, o importante era iniciar mais um
dia na estrada. Isso significa que estou cada vez mais próximo do Brasil. E
como diz a frase estampada na camisa CicloturITA; A distância não é maior do que a vontade de chegar. Avante.
Pousada El Konuko.
Pousada El Konuko.
Novamente o tempo estava aberto e
sem nenhuma evidência de chuva. Sem dúvida o sol ficaria mais forte com o
passar das horas, contudo, antes pedalar com tempo seco e quente do que enfrentar
um aguaceiro na estrada. Assim é mais fácil para concluir o deslocamento.
Com seis quilômetros pedalados
encontrei finalmente o povoado El Guapo. Às margens da rodovia existem vários
restaurantes e barracas, no entanto, não visualizei nenhuma hospedagem como
haviam me informado no dia seguinte. Suponho que haja o tal estabelecimento,
mas talvez eu tenha passado despercebido. De qualquer forma é possível
deparar-se com outras pousadas na sequencia da estrada.
O trajeto antes e depois de El
Guapo é montanhoso, nada comparado com aquele cenário andino, contudo, o sobe e
desce é frequente. A condição da estrada oscila a todo instante, às vezes
aparece um pequeno acostamento que desaparece em um passe de mágica. Em
determinados momentos a pista fica mais larga e no quilômetro seguinte torna a
ser curta. Por isso é impossível repassar informações mais precisas. Sei que
após quarenta quilômetros a estrada ficou muito ruim e apesar da ausência de
máquinas, tudo indicava que passava por um período de obras. Foram mais de cinco
quilômetros equilibrando a bicicleta sobre as ranhuras da rodovia.
O pedal estava relativamente
tranquilo e mesmo com as pernas pesadas após esse retorno às estradas, meu
avanço era significativo e a quilometragem aumentava no velocímetro. Pelo
caminho as únicas coisas diferentes que encontrei foram algumas lagunas e um
caminhão que perdeu a direção e se chocou com várias árvores. Acho que não
aconteceu nada além de prejuízos materiais. A região tem bastante curva e não à
toa placas orientam os motoristas a reduzirem a velocidade.
É possível encontrar com certa
facilidade uma e outra hospedagem a cada 15-20 km, contudo, o mesmo não
acontece com restaurantes e casas à beira da estrada. A minha água estava quase
no fim em razão da temperatura que realmente aumentou e passou a castigar o
corpo que transpirava bastante e consequentemente exigia mais hidratação. Fui
abastecer minhas garrafas somente ao meio dia em um posto dos bombeiros. O
pessoal estava na hora do almoço e o cheiro de comida despertou ainda mais
minhas lombrigas que pediam alimento.
Logo após o Corpo de Bombeiros e
com 70 km pedalados, finalmente cheguei à divisa dos estados de Miranda e Anzoátegui.
Eu estava exatamente na “porta” do chamado oriente venezuelano. No entanto,
antes de ingressar no novo estado, parei em um pequeno e simples restaurante à
beira da estrada. O estabelecimento não era muito convidativo, mas o número de
pessoas no local e a falta de opção me fizeram parar sem pensar duas vezes.
No restaurante a refeição custava
60 bolívares. O cardápio tinha sopa no prato de entrada e arroz, salada, milanesa
de frango e banana assada no prato principal. Um refrigerante ainda estava incluso
e ajudou a matar a sede que naquele horário era cruel. O almoço estava uma
delicia e bastante caprichado. Fiquei satisfeito e após a refeição aguardei um
pouco antes de retornar à estrada.
O período da tarde continuou
tranquilo e com exceção da temperatura, teve as mesmas condições encontradas no
trecho percorrido pela manhã. A rodovia apresentava partes com a pavimentação
boa e outras nem tanto. O famoso sobe e desce continuou e as curvas também
permaneceram. Não raramente era possível ver sinais de acidentes nas áreas mais
sinuosas. Infelizmente os motoristas não aprendem a lição. Paciência.
Minha pretensão no dia era
avançar aproximadamente 150 quilômetros, entretanto, a parada aconteceu um
pouco antes. Já passava das 17 horas quando apareceu a entrada da cidade de
Clarines que apresentou uma hospedagem à beira da estrada. Mas o
estabelecimento em questão estava muito caro e a diária custava 180 bolívares
sem chance de negociação. O recepcionista me informou que mais à frente eu
poderia encontrar um lugar com preços mais acessíveis. Fui conferir.
Ainda na entrada de Clarines,
após a Guardia Nacional e anexo a um posto de combustível da PDV existe uma
hospedagem com habitações nos mais variados preços. A mais barata custava 80
bolívares. Seu valor mais em conta se justificava por ter “apenas” ventilador e
o banheiro compartilhado. Não precisei nem ver as instalações e decidi ficar. O
preço era realmente tentador.
O dormitório ficava no segundo
piso e por isso fui obrigado a tirar todos os alforjes da Victoria. No quarto
eu tive uma grata surpresa; cama de casal e um ambiente bastante limpo e
agradável na medida do possível. O banheiro compartilhado não tinha o mesmo
padrão, mas ainda assim foi suficiente para tomar banho e ficar limpo para mais
uma noite de descanso.
No quarto eu preparei uma
macarronada com sardinha e na sequencia comecei a escrever no diário de bordo.
Estava viajando nas palavras quando olhei para a minha companheira e reparei um
segundo raio quebrado na roda traseira da Victoria. Era justamente aquele que
havia sido trocado pelo pessoal da Solo
Bicis em Caracas. Eu sabia por que sua cor era diferente. Muita calma nesta
hora. Espero que a minha guerreira aguente firme e forte até chegar à Boa
Vista/RR. Não estou a fim de parar em uma cidade venezuelana para fazer a
reposição das peças danificadas.
Dia finalizado com 120,18 km em
8h20m e velocidade média de 14,39 km.
05/03/2013 - 240° dia - Clarines
a Anaco
Hasta la Victoria Siempre,
Comandante Chávez!
Um dia que certamente jamais será
esquecido. Morre o presidente Hugo Rafael Chávez Frias.
O dia começou após mais uma noite
tranquila. Porém o descanso não foi suficiente e acordei com as pernas pesadas.
Acho que ainda vai levar um tempo para meu condicionamento físico voltar ao
estágio que estava antes das férias no caribe. Paciência.
Minha saída do hotel aconteceu
somente às 07h10m. Meu objetivo era novamente pedalar na casa dos 150 km e não
menos de 100 km. Não tinha certeza nenhuma de qual seria a cidade em que
terminaria o dia. Mas de qualquer forma era preciso avançar.
O tempo estava um pouco nublado,
mas aos poucos o sol apareceu para não deixar dúvidas que estaria presente até
o final da tarde, sem problema. Assim que deixei Clarines continuei o pedal em
direção à cidade de Barcelona onde finalmente eu pegaria o acesso à El Tigre e
consequentemente Ciudad Guayana.
No caminho para Barcelona
encontrei a antiga cidade de Piritu que compreende um importante porto da
região, contudo, não foi desta vez que voltei a visualizar o Mar do Caribe.
Para chegar à Piritu foram praticamente 20 quilômetros de um chato sobe e desce
com a pista sempre oscilando com trechos simples, duplicados, com ou sem
acostamento e bastante movimento de veículos, sobretudo, caminhões.
Entre Piritu e Barcelona o
destaque ficou por conta da imensa área do Complejo
Petrolero y Petroquimico Gral. Jose Antonio Anzoátegui. Nesta região foi
possível ver o caribe venezuelano, ainda que distante, pela última vez. O
trecho é marcado por uma autopista que certamente deixa o deslocamento mais
seguro.
Pista duplicada em direção à Barcelona.
Templo religioso pelo caminho.
Ao fundo, uma das últimas imagens do Mar do Caribe.
In foco.
Complejo
Petrolero y Petroquimico
Complejo
Petrolero y Petroquimico
Eu esperava com certa ansiedade
para chegar ao trevo de acesso à El Tigre que significava a minha mudança de
direção e marcava o início da “descida” sentido à Santa Elena de Uairém, último
destino na Venezuela. O trevo apareceu com praticamente 60 km pedalados e quase
na entrada de Barcelona. A essa altura o calor era forte em razão do horário. O
relógio apontava que já passava do meio-dia. Eu precisava parar, almoçar e
deixar a temperatura ambiente e corporal baixar um pouco.
Após o trevo para El Tigre eu
passei a pedalar pela Ruta 16. Não
avancei muito e parei em restaurante à margem da rodovia, pouco antes de um
pedágio. A área tem uma diversidade enorme de estabelecimento que servem comida
e a escolha fica ao seu critério. Eu optei em almoçar naquele que tinha muita
gente onde geralmente a comida é boa e o preço baixo. Acertei em cheio.
No restaurante a refeição custou
60 bolívares e tinha muita, muita comida. Há tempos eu não via meu prato cheio
daquele jeito. No local existe uma espécie de buffet, mas ao invés de você se
servir, é a funcionária que coloca a comida que você deseja. Voltei à mesa com
um verdadeiro banquete acompanhado de arroz, carne ensopada e assada, salada e
banana também assada. A minha fome e vontade de mandar tudo àquilo para dentro
foi maior do que a capacidade de pegar a câmera para registrar a quantidade de
comida. Perdoem-me. (Risada sacana)
Às 13h15m voltei à estrada com a
barriga cheia. Se eu tivesse um almoço desse porte todo dia eu certamente não
tinha perdido peso durante a viagem. Mas tenho consciência que a realidade dos
lugares é diferente e sempre agradeço por ter algo para comer, independente da
quantidade.
No período da tarde eu continuei pedalando
pela autopista até o velocímetro marcar cem quilômetros. Novamente voltei a ver
dezenas de veículos queimados às margens da rodovia. Tudo indica que seja
aquela mesma prática realizada pelos ladrões para não deixarem pistas.
Assim que terminou a autopista a
estrada voltou a ser simples e com poucos vilarejos pelo caminho. Uma placa
indicava que eu tinha duas opções de parada; San Mateo e Anaco. A primeira
ficava há apenas 12 km e a segunda há 47 km. Se aparecesse alguma hospedagem à
beira da rodovia em San Mateo eu não pensaria duas vezes em finalizar o pedal.
Mas infelizmente a pequena cidade não estava ao lado da estrada e por isso
achei melhor seguir em frente.
Continuei em direção à Anaco com
a pretensão de parar em alguma hospedagem pelo meio do caminho, contudo, a
região é bastante deserta e conforme eu avançava já preparava para encarar a
escuridão, uma vez que faltavam muitos quilômetros e provavelmente não encontraria
nenhum estabelecimento. Cogitei a idéia de parar em alguma propriedade rural,
todavia, poucas eram as opções e quando elas surgiam se encontravam distantes
da estrada. Avante!
O final da tarde chegou e me
presenteou com um belíssimo pôr-do-sol que me deixou animado para encarar o
pedal noturno. Acho que naquele momento restavam 25 quilômetros para chegar à
Anaco. Minha velocidade média girava na casa do 14-15 km/h, ou seja, ainda
teria que pedalar aproximadamente duas horas para chegar ao destino.
Assim que o crepúsculo cedeu
lugar à escuridão eu acendi o farol e a lanterna traseira e achei que seria uma
ótima opção colocar o colete refletor que encontrei dias atrás. Devidamente
equipado para pedalar de noite eu continuei em frente. Existia acostamento e
isso me proporcionava uma segurança maior.
Minha canseira era evidente no
ritmo em que eu pedalava, mas eu realmente não me importava com isso e ficava
satisfeito de poder avançar. Nestas situações você apenas concentra seus
pensamentos em coisas positivas e continua. Eu ainda escutava música para o
tempo e consequentemente a quilometragem poderem passar mais rápidos. Acho que
a estratégia funcionou e por volta das 20 horas finalmente estava em Anaco.
Anaco é uma cidade mediana e que
não tem hospedagem às margens da rodovia, logo, foi preciso me direcionar ao
centro. Isso significou enfrentar uma longa subida. Comecei uma difícil busca por
um lugar para passar a noite. Fui a um hotel recomendado por um morador, mas a
diária custava 230 bolívares, extremamente cara. Na outra opção um quarto saía
ao preço de 290 bolívares. Disseram-me que havia um hotel mais econômico,
contudo, não ficava em uma área segura, ainda mais para aquele horário.
Como o barato às vezes pode sair
caro, não achei que seria nada inteligente colocar a minha segurança em risco e
voltei àquela primeira hospedagem. No caminho eu encontrei duas pessoas e
perguntei se haviam outras opções e elas disseram que realmente essas eram as
alternativas. No meio da conversa e depois de fazerem as perguntas básicas
sobre a viagem elas me questionaram se eu sabia sobre a morte do presidente.
Fiquei atônito e custei a acreditar na informação. Achei sinceramente que era
uma brincadeira de mau gosto.
Continuei em direção ao hotel e
desta vez encontrei um posto policial onde perguntei se aquela área da
hospedagem econômica era realmente perigosa. Não me recomendaram seguir até ela
e então resolvi que o melhor mesmo era voltar àquela de 230 bolívares. Os policiais
também confirmaram que o presidente Chávez havia falecido.
No Hotel Della Mare eu consegui
um quarto de 200 bolívares. O atendimento foi péssimo, mas as instalações eram
muito boas; cama de casal, ar-condicionado, banheiro privado e televisão a cabo.
A primeira coisa que eu fiz foi ligar a TV para saber a respeito da morte do
mandatário venezuelano. Como eu já esperava, os noticiários do país cobriam
todo o acontecimento. Infelizmente por volta das 17 horas do dia 05 de março de
2013, o Comandante Chávez havia falecido.
Eu ainda custava a acreditar na
morte do presidente. Assim como todos os chavistas eu acreditava em sua
recuperação. Por isso a notícia foi realmente surpreendente, muito embora a
oposição houvesse colocado essa carta na mesa, inclusive eu havia mencionado
esse pensamento aqui no diário de bordo. Infelizmente Chávez retornou de Cuba
apenas para passar seus últimos dias em sua terra natal, junto com seus
familiares e o povo que tanto amou.
A televisão mostrava a
repercussão mundial da morte do comandante. Todos os presidentes Sul-Americanos
reconheceram em seus pronunciamentos a perda daquele que era um dos grandes
responsáveis pela união latino-americana. Ao contrário do que a mídia
estrangeira apresenta, Chávez tinha um relacionamento muito bom os demais
países da América do Sul que tinham conhecimento da importância do papel
chavista no desenvolvimento político e econômico da Venezuela e da América
Latina.
Os jornais nacionais também
apresentavam uma espécie de retrospectiva do legado deixado por Chávez, um
presidente que realmente se importava com seu povo, sobretudo, com aqueles
menos favorecidos que em seu período de governo teve acesso a inúmeros
benefícios, principalmente a partir da nacionalização do petróleo que permitiu
a execução de uma política social.
Chávez era considerado um
falastrão por aqueles que não conhecem a história da América Latina, contudo,
não existe dúvida que foi o grande responsável pelas mudanças ocorridas na
Venezuela nas últimas duas décadas, sobretudo, nos setores politico, econômico
e social. Manteve uma unidade que foi garantida pelo povo que reconheceu as
medidas adotadas pelo seu governo. O mesmo povo que hoje está politizado e
consciente que deseja continuar o caminho aberto pelo histórico Chávez.
Pelo apoio popular que Chávez
tinha enquanto estava enfermo e que eu pude claramente perceber, principalmente
na minha passagem por Caracas e pelo que vejo agora, dificilmente Nicolas
Maduro, vice-presidente, perderá a próxima eleição que deverá ser convocada em
um mês conforme manda a constituição venezuelana. Maduro era o braço direito de
Chávez e por isso foi declarado pelo mesmo como seu sucessor em caso de
fatalidade.
Nas postagens anteriores eu
deixei bem claro que este socialismo empregado na Venezuela é muito diferente
daquele que eu imaginava. Existem muitas coisas que ainda acontecem no país e
que eu discordo amplamente, contudo, seria injusto não reconhecer as mudanças e
as obras realizadas por Chávez, sobretudo, sua coragem de encarar o império
capitalista em prol de uma revolução socialista.
Durante a viagem eu me emocionei
algumas vezes e por muito pouco lágrimas não caíram em determinadas situações,
como por exemplo, na visita à Casa de la Libertad em Sucre ou no desfile Mini
Ch’utillos em Potosí na Bolívia. Hoje, com a morte do presidente, mais uma vez
o emocional falou mais alto, todavia, o que me deixa menos triste é que, com
Chávez, outra direção foi apontada e que o povo decidirá por qual caminho
seguir.
Enquanto historiador eu tive a grande
oportunidade de visitar a Venezuela durante o governo do presidente Chávez. Foi
possível ver a realidade com os próprios olhos e não através de uma mídia que
ao interesse do capital distorce as notícias do que acontece no país e a
importância do presidente Chávez para toda a América Latina. Não gostaria de
deixar a Venezuela com essa triste notícia de sua morte, mas acredito sinceramente
que o chavismo começa com toda a força a partir de agora com todo o ensinamento
deixado por Hugo Chávez. Como dizia Che Guevara: Podran morir las personas pero jamas sus ideas.
No quarto da hospedagem preparei
minha macarronada enquanto assistia os noticiários e na sequencia fui tomar um
banho e posteriormente descansar. Estava praticamente exausto.
Dia finalizado com 155,50 km em
10h53m e velocidade média de 14,26 km/h.
06/03/2013 - 241° dia - Anaco a
El Tigre.
Um dia muito difícil e com
diversas surpresas.
Acordei somente às 7 horas da
manhã porque eu precisava descansar o corpo, sobretudo, as pernas, por isso o despertador
tocou um pouco mais tarde. Assim que levantei liguei a televisão para ter
maiores notícias sobre o falecimento do presidente Chávez. Na sequencia
preparei meu desayuno com pão, geléia e suco. Posteriormente retornei à
estrada.
A saída do hotel aconteceu por
volta das 8h50m. Um horário tardio, mas que se fez necessário em razão do
desgaste físico provocado pela quilometragem do dia anterior. A distância
pedalada ontem não precisava ser repetida hoje e por isso eu estava tranquilo
em relação a essa questão do horário.
Pelas ruas de Anaco era possível
ver um povo mais triste e que comentava a morte do presidente. Um prédio
oficial tinha a bandeira venezuelana a meio mastro por causa do luto de sete
dias que foi declarado no país.
Novamente na Ruta 16 eu tive que
encarar um sol que já queimava bastante e me fez colocar os manguitos um pouco
mais cedo do que o normal. Também enfrentei um vento contra que realmente eu
não esperava. Estava muito forte e deixou a pedalada ainda mais difícil.
Para variar, o trajeto continuou
com subidas e descidas, talvez menos inclinadas do que aquelas dos dias
anteriores, contudo, o vento não deixava essa facilidade do relevo ser
percebida. Pedalava muito lentamente pelo acostamento quando este existia.
Com aproximadamente vinte
quilômetros deparei-me com uma cena assustadora. Parte de uma peça enorme que
estava sendo transportada por um caminhão se soltou da carreta e foi parar na
beira da estrada onde eu estaria se estivesse pedalando um pouco mais rápido.
Afinal o veículo com a carga tinha me ultrapassado a menos de 5-10 minutos.
Fiquei muito indignado com a falta de responsabilidade de quem colocou e
amarrou a peça no caminhão. Felizmente não houve feridos, mas poderia ter sido
fatal.
Logo após o acidente apareceu a
entrada da cidade de Cantaura e mais um trecho denominado como autopista em
meio a uma região bastante desértica e praticamente sem nenhum ponto de apoio
para pegar água ou almoçar. Por sorte encontrei uma pequena barraca à beira da
estrada e o vendedor me cedeu um pouco de água para tomar. Afinal a temperatura
era compatível com o sol a pino e o corpo exigia hidratação para continuar seu
funcionamento.
A autopista teve extensão de
praticamente 20 quilômetros e cedeu espaço a um trecho bastante complicado de
pista simples, sem acostamento e muito movimento. A situação ficava mais
tranquila em determinadas partes onde o alargamento da rodovia estava concluído,
contudo, aquelas áreas que ainda se encontravam em obras a preocupação voltava
e tornava o pedal mais tenso.
Pouco depois do meio dia e com
cinquenta quilômetros pedalados, finalmente apareceu um restaurante e não
pensei duas vezes para almoçar no local. A refeição custava 50 bolívares. No
cardápio; arroz, feijão, carne ensopada e banana assada. Uma comida muito
saborosa.
Geralmente durante as paradas nos
restaurantes as pessoas sentem-se curiosas para saber maiores detalhes a
respeito da viagem e começam a me fazer perguntas. E hoje não foi diferente. O
pessoal que estava sentado na mesa ao lado da minha iniciou as questões de
praxe. No final do almoço essas pessoas vieram sentar-se à mesa onde eu estava
e no decorrer da conversa me avisaram que meu almoço já estava pago. Mal pude
acreditar e agradeci muito pela gentileza que me ajudava bastante. Que felicidade!
Fiquei um tempo no restaurante e
quando me preparava para sair a proprietária veio conversar comigo e na
sequencia me deu cinquenta bolívares, como ela mesmo mencionou, era uma pequena
colaboração para a viagem. Novamente eu quase não pude acreditar. Cheguei ao
local somente para almoçar e além de não precisar pagar pela refeição, ainda
recebi uma ajuda que foi mais do que bem-vinda e amenizava o gasto com a
hospedagem do dia anterior.
O restaurante se chama Al Caney e
fica cinquenta quilômetros depois de Anaco. Se um dia você passar pela região
não deixe de parar no local. Sem dúvidas é uma excelente opção, lugar agradável
e comida muito boa, preço acessível e ótimo atendimento. Fica aqui a minha
recomendação.
O período da tarde continuou
marcado pelo vento contra que praticamente não deixava a bicicleta seguir em
frente. Com essa situação e a canseira acumulada eu decidi encerrar o pedal em
El Tigre que estava a menos de 30 quilômetros do restaurante Al Caney.
No caminho para El Tigre
encontrei mais uma área petroquímica que exibia mensagens de apoio à Chávez que
certamente corresponde ao mesmo pensamento da maioria dos venezuelanos. No
local eu parei para pegar água e na sequencia continuei em direção ao meu
destino.
Complejo
Petrolero y Petroquimico
Na chegada (17 horas) à El Tigre
um policial me abordou somente para saber mais detalhes da expedição. Ele ainda
me indicou uma hospedagem na cidade. Tratava-se do Hotel La Fuente que fica a
50 metros da rodovia. A diária foi mais barata do que eu imaginava e custou 90
bolívares. O que me surpreendeu foi a excelente instalação. O quarto é novo,
limpo e conta ainda com ar-condicionado e televisão a cabo. O silêncio impera
no hotel. Perfeito para descansar.
O preço acessível, pouco mais de
10 reais, e a ótima instalação me fez tomar a decisão de permanecer no local
também no dia seguinte. Aproveitarei para recuperar as energias e
principalmente atualizar o diário de bordo. Eu pretendia fazer uma pausa em
Ciudad Guayana, mas achei melhor faze-la aqui em El Tigre porque acho que dificilmente
encontrarei uma hospedagem com este custo x beneficio.
Eu precisava comprar mantimentos
para fazer a janta, mas infelizmente o mercado mais próximo estava fechado. O
que encontrei foi uma padaria onde comprei apenas pão que seria mais do que suficiente
para a refeição noturna.
No período da noite eu voltei a
ver os noticiários sobre a morte do presidente e fiquei impressionado com a manifestação
do povo venezuelano que diz com convicção que Chávez está morto apenas
fisicamente porque suas idéias estão mais vivas do que nunca. Sinceramente eu
nunca tinha visto algo parecido, milhares e milhares de pessoas nas ruas
demonstrando seu apoio, reconhecimento e amor ao comandante. Aqui ele está
sendo colocado no mesmo patamar de Bolívar e Che Guevara.
Às 19h30m eu fui dormir porque
estava demasiadamente cansado depois de um dia bastante difícil.
Dia finalizado com 75,31 km em
6h14m e velocidade média de 12,07 km/h.
07/03/2013 - 242° dia - El Tigre
(Folga)
Dia dedicado exclusivamente à
atualização do diário de bordo.
08/03/2013 - 243° dia - El Tigre
a Mamo
Pedal de doze horas com vento contra.
Quer mais? Descanso na companhia das
ratas.
Hoje foi mais um daqueles dias
memoráveis.
Levantei exatamente quando o
celular despertou; 5 horas da madrugada. É preciso ser muito disciplinado para
começar o dia neste horário. Não é sempre que consigo tal audácia, mas
felizmente acordei com muita disposição e animado para continuar a viagem.
Precisei apenas terminar de arrumar a bagagem, preparar meu desayuno básico e
estava pronto para voltar à estrada.
A saída do ótimo Hotel La Fuente
ocorreu às 06h20m e rapidamente eu me encontrava na rodovia em direção à Ciudad
Guayana. Existem duas formas para se chegar a essa cidade, uma delas é seguindo
para Ciudad Bolívar e a outra, por uma estrada secundária, que por sua vez, tem
uma distância menor, fator determinante para ter sido a minha opção.
Hotel La Fuente.
Eu passei a ter conhecimento
deste caminho alternativo para Ciudad Guayana por uma rota traçada pela Google
Maps, todavia, não lembrava em qual momento apareceria o trevo em sua direção.
A informação que eu havia recebido das pessoas é que eu deveria seguir até o
pedágio e posteriormente subir pelo elevado. Assim eu evitava passar na maior
cidade do Estado Bolívar.
Hoje o tempo começou extremamente
nublado e sinceramente pensei que não escaparia da chuva no decorrer dos
próximos minutos. Mas independente da condição climática eu deveria seguir,
afinal eu acabara de descansar um dia. Período mais do que necessário para
restabelecer a normalidade de algumas partes do corpo.
Na estrada o vento contra se fez
presente desde a saída de El Tigre. Como eu estava com as energias renovadas
encarei a força da natureza sem maiores problemas, pelo menos nos quilômetros
iniciais. Eu continuava atento para não perder o caminho alternativo para
Ciudad Guayana.
Quando o velocímetro apontou 15
quilômetros pedalados eu parei em um posto policial para ter maiores
informações a respeito do tal elevado por onde eu deveria continuar a
viagem. Estranhei a demora em aparecer o
trevo no caminho porque me disseram que o mesmo ficava logo após El Tigre. O
policial então me avisou que em 5 quilômetros surgiria o pedágio e na sequencia
o viaduto. Continuei em frente.
Se por um lado o vento era um verdadeiro
obstáculo, eu não poderia dizer o mesmo em relação à estrada. Apesar de carecer
da sinalização no asfalto, pelo menos sua largura é suficiente para pedalar com
relativa tranquilidade, ainda que seja sem a presença das faixas que delimitam
o acostamento.
O trajeto se mostrou praticamente
plano e com poucas inclinações. A vegetação rasteira, seca e queimada, pouco
chamava a atenção. O que começou a despertar a minha curiosidade foi a demora
em chegar ao tal pedágio. Havia passado 5, 10, 15 km e nenhum sinal da referência
que eu tinha. Teria o policial se equivocado ou estaria de brincadeira ao me
passar uma falsa informação?
Sei que o pedágio apareceu
somente após 40 km pedalados desde El Tigre. No local eu fui abordado por uma
van cujo motorista se mostrou interessado em ter maiores detalhes da expedição.
Segundo ele, pratica ciclismo e disputa competições de estrada. O senhor chegou
a me oferecer carona, mas novamente a mesma acabou recusada por não fazer parte
do meu objetivo.
Com a passagem no pedágio eu
fiquei na expectativa para encontrar a estrada secundária para Ciudad Guayana.
O elevado foi aparecer somente 12 quilômetros depois, quando completava exatos
52 quilômetros pedalados. É o único viaduto que existe pelo caminho, portanto,
não é difícil identifica-lo. No local há uma placa parcialmente derrubada e que
sinaliza Pto Ordaz e Tucupita. Siga à direita em direção a estas cidades. Você
fará uma curva à esquerda e estará no caminho desejado.
É preciso atenção para seguir pelo caminho desejado.
Eu passei a ter certeza que estava
no sentido correto quando felizmente apareceu uma placa informando a distância
para Ciudad Guayana. A surpresa? A estrada simples, razoavelmente sinalizada e
com um largo acostamento. O que não foi nenhuma novidade e que realmente
confirmou as informações anteriores foi o fato de ser desértica e com pouco
movimento.
Em direção à Ciudad Guayana.
Rodovia excelente para pedalar.
Acho que nos cinco primeiros
quilômetros deste caminho alternativo eu encontrei uma casa à beira da estrada
que vendia arepas rellenas, mas como eu ainda não estava com fome e tinha água
suficiente, continuei em direção ao meu destino. Mal sabia que aquele seria o
último ponto de apoio em vários quilômetros.
O tempo nublado desapareceu e o
sol voltou a reinar com todo seu poder de queimar a pele alheia. O problema se
agravou porque praticamente não existem árvores ao lado do acostamento, ou
seja, sombra somente em pensamento, muito embora a esse momento meus neurônios
eram fritados pela temperatura elevada.
Com pouco mais de 70 quilômetros
completados desde a saída de El Tigre, finalmente apareceu uma sombra que
permitiu a minha parada. Já passava do meio-dia e eu precisava descansar e
repor as energias. Com aquela situação eu também tinha quase certeza que
ficaria sem almoço, portanto, não hesitei em preparar meu pão com geléia. Desta
vez não fiz o suco porque a minha água estava no final e precisava ser
racionada.
A primeira sombra em quase trinta quilômetros.
Acho que fiquei 30-40 minutos na
bendita sombra e depois voltei a pedalar, não sem antes colocar o protetor
solar. Não apareceu nada além de dezenas e dezenas de hectares de pinheiros na
paisagem ao redor da estrada. O tráfego de veículos também é menor e a rodovia
se torna quase perfeita para pedalar, apesar dos caminhões que fazem o
transporte das árvores da região.
O trajeto continuou praticamente
plano e com muitas retas. Subidas foram quase inexistentes, contudo, o vento
apenas ficou mais forte no período da tarde e me deixou ainda mais cansado já
que a força exercida naquele momento era descomunal. Com esse trabalho
excessivo o corpo exigiu mais hidratação e assim a minha água terminou apesar
de todo um controle de racionamento. O que fazer?
Pedalei o quanto pude para ver se
encontrava alguma casa ou qualquer outra coisa onde eu poderia encher as
garrafas de água, no entanto, nenhum estabelecimento apontou no horizonte e fui
obrigado a parar a bicicleta e começar a pedir água para os motoristas. Em
momentos como este é preciso ter muita calma porque o desespero não ajuda a
pensar em uma solução mais eficaz. E tive que buscar uma segunda opção porque
nenhum veículo parou e eu não poderia ficar plantado no acostamento debaixo
daquele sol de rachar.
Meu plano B para conseguir água
foi continuar pedalando com a garrafa de água na mão. Ela era balançada sempre que
eu identificava a presença de algum veículo, independente de sua direção. A
estratégia funcionou e rapidamente um caminhão, carregado de pinheiros,
estacionou no acostamento e o motorista me brindou com água e gelo. Estava com
tanta sede que nem me lembrei de perguntar se havia alguma coisa pela frente.
Minha água quase acabou de novo.
Acontece que estou transportando apenas 2 litros de água em razão do peso
excessivo da bagagem na Victoria. Como o caminho alternativo foi mais deserto
do que eu imaginava, tive que racionar a água ao extremo. E eu sentia que o
corpo não estava satisfeito com pouca hidratação, mas apesar da tentação de
tomar tudo de uma vez é preciso pensar duas ou mais vezes para não cometer
nenhum equivoco que pode custar caro.
Repentinamente uma descida
apareceu no caminho e na sequencia a subida nas mesmas proporções se fez
presente, contudo, ao término do aclive, finalmente um ponto de apoio; pequeno
e simples restaurante à beira da estrada. Ainda serviam almoço, mas achei
melhor somente abastecer minhas garrafas de água. Também estou economizando
dinheiro porque tudo indica que ficarei sem a moeda venezuelana nos últimos
dias, apesar de todos os esforços para comprar somente o necessário.
Vale ressaltar que o restaurante
está localizado a 103 km de El Tigre e 50 km do elevado em direção à Ciudad
Guayana. Fica a dica. Neste estabelecimento eu aproveitei para descansar poucos
minutos e conversar com o pessoal que me informou que eu deveria levar
praticamente mais três horas até o próximo povoado.
Já passava das 15 horas e eu
tinha quase certeza que mais uma vez enfrentaria a estrada durante a escuridão,
a não ser que eu montasse acampamento no meio dos diversos pinheiros. Não me
pareceu uma idéia muito ruim, mas fiquei pensando na existência de animais
peçonhentos já que o solo nestes lugares é repleto de folhas e galhos secos.
Então achei melhor continuar em frente.
A estrada é sem dúvida uma das
melhores que eu pedalei na Venezuela, a pavimentação e o acostamento são
uniformes e a sinalização está presente em quase todo o trajeto, assim como as
placas que indicam as distâncias das cidades mais próximas, que no caso, nem
estavam tão próximas assim.
Os povoados mais próximos.
Faltava pouco para chegar na divisa com o Estado Bolívar.
As horas passaram e o pôr-do-sol,
mais uma vez fantástico, levava a claridade e me deixava na escuridão.
Novamente não deixei de utilizar o colete e acender o farol e a lanterna. O
movimento após às 18 horas diminuiu drasticamente e a tranquilidade chegou ao
ponto de ser assombrosa, muito embora eu estivesse calmo e paciente para chegar
ao meu destino que naquele momento eu não sabia ao certo se era uma
casa/restaurante pelo caminho ou se tratava mesmo de um povoado.
É incrível como em praticamente
todas as vezes que eu pedalo de noite durante esta viagem, me lembro das outras
ocasiões onde também enfrentei a escuridão, sobretudo, na Travessia do Paraná
em 2007, quando, ainda sem experiência, eu pedalei até o litoral sozinho e
chegando a permanecer até às 23 horas na estrada. Treinamento caveira! (Risada
Sacana)
Acho que lembrar das outras
pedaladas noturnas me deixa mais confiante. Talvez seja um modo que meu
psicológico encontrou para amenizar a situação. Afinal se você parar e começar
a pensar que está em um país estrangeiro, longe de tudo e todos, no meio da
escuridão e sujeito a qualquer coisa, acho que é capaz das pernas travarem
diante de todo o estresse gerado. Por isso é o que eu sempre digo, tenha paciência,
seja andina ou caribenha, não importa, mantenha sempre o controle apesar dos
pesares.
O tempo passou de novo e nada de
nada apareceu no caminho. Eu estava completamente cansado e o vento continuava,
teimoso, a me fazer companhia. Comecei a suspeitar que o próximo povoado seria
mesmo em Mamo, conforme indicavam as placas. A distância para chegar ao
vilarejo custou a passar, mas finalmente terminou quando apareceu um trevo cuja
uma das direções era para Mamo Arriba e a outra à Ciudad Guayana. Eu já me
direcionava à Mamo quando visualizei uma casa, ainda no trevo, e fui solicitar
a autorização para montar acampamento.
A casa era na verdade um pequeno
restaurante que já estava fechado, afinal passava das 20 horas. Mas ainda assim
havia um movimento de pessoas e logo uma delas me atendeu e felizmente fui
autorizado a permanecer no local. Meu prêmio pela determinação foi conseguir um
quarto para passar a noite. Que tal?
O pessoal limpou o quarto e
rapidamente o cômodo foi liberado. Não tinha cama, mas era mais do que o
suficiente para esticar o saco de dormir e descansar. Omar e Luiz,
proprietários do local me trataram muito bem e ainda ofereceram o banheiro
externo para eu tomar um banho que foi realizado minutos depois com auxílio do
balde. Importante é que fiquei limpo.
Solicitei o fogão da cozinha para
fazer a minha macarronada, afinal eu estava sem almoço e morto de fome. Quando
o Omar viu que eu tinha pouco macarrão não pensou duas vezes para abrir um
pacote e completar a minha panela. Ainda me deixou à vontade para utilizar
qualquer coisa da cozinha. Hospitalidade venezuelana.
Rapidamente preparei o jantar e
antes de dormir eu fui alertado que havia ratos no lugar, já que meu quarto era
divisa com a cozinha, cômodo preferido dos roedores que visitavam o local em
busca de alimento. Eu achei que era um e outro bicho que eventualmente poderia
aparecer. Mas quando a casa ficou silenciosa e escura, a festa começou.
Como eu estava deitado apenas
sobre o saco de dormir, deixei minha lanterna ao alcance para ver qualquer
coisa diferente durante a noite. Quando os barulhos oriundos da cozinha
começaram eu iluminei o local e debaixo do fogão eu conseguia identificar
vários ratos enormes. Fiquei bem esperto porque não queria nenhum bicho daquele
andando em cima de mim.
Quarto aceso para espantar os ratos.
No canto do meu quarto tinha umas
coisas amontoadas e o barulho começou a surgir desta parte, ou seja, a visita
indesejada estava mais próxima do que eu imaginava. Apesar de toda a canseira
eu simplesmente não conseguiria dormir naquela situação. Foi então que eu
lembrei de quando tive a mesma visita em uma hospedagem no Equador. Naquela
ocasião eu liguei a luz para o roedor não retornar. Já que havia funcionado eu
resolvi repetir a dose.
Não estou acostumado a dormir com
a luz acesa, mas foi necessário para afastar os ratos que ficaram restritos à
cozinha onde eles faziam o maior barulho entre as panelas sujas que estavam
amontadas na pia e no fogão. Ficava imaginando se passava pela cabeça dos
clientes a devida cena. De qualquer forma, consegui cochilar.
Dia
finalizado com 157,61 km em 12h00m e velocidade média de 13,12 km/h.
09/03/2013 - 244° dia - Mamo ao
km 380 da Ruta 10
Chegada ao maior estado
venezuelano.
A noite na companhia dos ratos
não foi das melhores. Com a luz acesa eles não se aproximaram de mim e muito
menos da Victoria que tinha alimento nos alforjes, no entanto, foi possível
ouvir a movimentação na cozinha durante a madrugada inteira. Foram vários os
momentos em que despertei por causa da festa particular dos filhos do Mestre
Splinter.
Eu não cheguei a colocar o
celular para despertar porque gostaria de descansar um pouco mais, entretanto,
com toda essa agitação eu estava acordado às 5 horas. Aproveitei para levantar,
preparar meu modesto desayuno que foi apenas um pedaço pequeno de pão com
geléia e água. Paciência. Na sequencia arrumei minhas coisas e esperei alguém
acordar para agradecer e então voltar à estrada.
Na casa, mesmo às 6 horas da
manhã, os únicos sinais de vida eram dos ratos atrasados que caminhavam pelo
teto em direção ao esconderijo para descansarem após a noitada em claro. Como
os proprietários continuavam dormindo eu deixei um agradecimento por escrito,
tranquei a porta e fui embora.
Às 6h30m eu estava novamente na
rodovia. Ao contrário do que aconteceu na manhã de ontem, hoje o tempo estava
aberto e o sol já brilhava com intensidade. O vento contra também apareceu para
me desejar bom dia. Surpreendentemente meu corpo estava inteiro e nem parecia
que eu havia pedalado 12 horas no dia anterior. Acredito que meu
condicionamento físico começa a voltar à normalidade. Isso foi um bom sinal
para encarar esses fatores climáticos.
Na saída de Mamo encontrei uma
forte descida e quatro quilômetros depois cheguei à Mamo Abajo onde existe um
povoado maior do que aquele onde eu estava e conta ainda com vários
restaurantes e lugares com possibilidade de montar acampamento, caso seja
necessário. Fica a dica.
Após o povoado Mamo Abajo começou
um longo trecho plano que apenas não favoreceu meu deslocamento em razão do
vento contra. A região deixou de apresentar os hectares de pinheiros. Uma
vegetação rasteira e seca passou a ser minha companhia.
Meu objetivo era pedalar até
Upata que ficava a pouco mais de cem quilômetros de Mamo, contudo, eu tinha
consciência que não seria uma tarefa fácil completar essa distância com aquele
vento, ainda que o relevo ajudasse. De qualquer forma eu continuei pedalando e
repentinamente avistei a enorme ponte sobre o Rio Orinoco. Eu identifiquei a
mesma porque desde ontem algumas placas informavam a quilometragem restante
para chegar ao local.
Vista distante da ponte sobre o Rio Orinoco.
A parceria com os chineses.
Com 25 quilômetros pedalados eu
finalmente chegava à Puente Orinokia e para a minha felicidade não havia
nenhuma barreira policial, apesar da dimensão da obra sobre o Rio Orinoco, o
mais importante da Venezuela e que tem a terceira maior bacia hidrográfica da
América do Sul. A ponte é duplicada e favorece o deslocamento com segurança.
Chegada ao Estado Bolívar.
Divisa entre os Estados de Anzoátegui e Bolívar.
"Braço" do Rio Orinoco.
Rio Orinoco.
Puente Orinokia
Puente Orinokia
Chegar ao Rio Orinoco nesta
região significava deixar o Estado Anzoátegui e entrar no Estado Bolívar que
tratando-se de território é o maior do país. Eu particularmente estava muito
feliz porque este é o último estado que eu passarei na Venezuela. Aqui existem
dois municípios mais importantes, Ciudad Bolívar e Ciudad Guayana, a primeira
eu já havia deixado para trás quando peguei o caminho alternativo no dia
anterior e a segunda estava poucos quilômetros à minha frente, assim imaginava.
Após a passagem de
aproximadamente quatro quilômetros sobre a ponte eu comecei o trajeto pelo
Estado Bolívar. Não demorou muito e uma placa indicava a direção para Ciudad
Bolívar pela Ruta 19 e Ciudad Guayana pela Ruta 10 que também se direcionava ao
sul do país, mais precisamente à Santa Elena de Uairén, meu destino final.
Não sei exatamente com quantos
quilômetros eu cheguei à Ruta 10, mas deve ter sido na casa dos 30-40 km após a
saída de Mamo. A rodovia passou a ser mais movimentada, contudo, estava
duplicada e com o acostamento. Encontrei vários ciclistas em treinamento. A
maioria com carro de apoio. Muitos deles conversaram comigo e registraram a
minha chegada à região. Achei bastante interessante a receptividade deles.
Na estrada nova eu seguia em
direção à Ciudad Guayana e Upata que também começou a aparecer nas placas.
Encontrei mais um monte de ciclista e acabei perguntando se tinham remendo de
câmara de ar para me dar. Isso porque somente ontem eu lembrei que meus
remendos tinham terminado e eu não queria ficar na mão caso o pneu viesse a
furar uma ou mais vezes. Um dos ciclistas me regalou uma câmera de ar que foi
muito bem-vinda. Agora volto a pedalar com duas reservas e muito mais
tranquilo.
Pedal pelo Troncal 10 sentido à Upata e Gran Sabana.
E a gauchada pira, rs.
Apoio aos hermanos cubanos. Algo também presenciado na Bolívia.
Da série: Coisas que a gente encontra pelo caminho.
Se não me engano a Ciudad Guayana
apareceu com 50 quilômetros pedalados, contudo, o município é enorme e os bairros
ficam distantes e a região central está há mais de 10 quilômetros do início da
cidade. Cheguei até o centro sem muita dificuldade e precisei apenas perguntar
o caminho para Upata. Em uma destas abordagens eu questionei onde havia um
restaurante porque precisava repor as energias. Fui informado pelo Juan Perez
que tinha um local próximo, contudo, a refeição não era barata e tive que
descartar, todavia, fui convidado pelo Juan que fez questão de pagar meu
almoço, uma vez que estava se dirigindo ao local.
O almoço foi em um centro
comercial que mais parecia um shopping. Havia uma rede de alimentos de onde era
possível observar a Victoria que ficou trancada no lado de fora enquanto eu
almoçava com o Juan e mais duas amigas dele. Meu cardápio tinha frango frito, salada,
arepa e batata frita. Um copo enorme de refrigerante foi muito bem-vindo já que
o calor estava infernal.
Enquanto eu almoçava, pensava em
toda a sorte que continua me acompanhando, sobretudo, nos momentos em que eu
mais preciso. Como relatei, estou com pouco dinheiro para chegar até a
fronteira com o Brasil, por isso nenhuma ajuda é recusada, exceto as caronas.
Ontem não tive nenhum gasto financeiro e hoje já economizava com o almoço. Juan
Perez em um momento disse que Chávez ensinou que somos apenas uma pátria, a
Pátria Grande (América Latina) e que por isso era um prazer poder me ajudar. Claro
que não deixei de agradecê-lo antes de retornar à estrada por volta das 13h30m.
Vale ressaltar que durante a
conversa com Juan Perez eu comentei (com jeito) sobre a obesidade de muitos
venezuelanos e ele afirmou que esse fato está diretamente ligado ao estilo de vida
que a população tem levado; falta de exercícios físicos e a alimentação nada
balanceada. Pelas ruas de todo o país é possível ver pessoas acima do peso. Com
toda essa quantidade de veículo motorizado não é difícil imaginar que boa parte
do deslocamento, por exemplo, é realizada sem maiores esforços físicos.
Sair de Ciudad
Guayana foi um pouco complicado, mas nada que uma, duas ou dez perguntas pelo
caminho não resolvessem. Com as orientações corretas cheguei à imensa Represa
Macagua e continuei em direção à San Felix. No caminho também passei pelo Rio
Caroní e posteriormente por uma longa subida até San Felix onde fui abordado
por um veículo onde todos os passageiros vieram tirar foto comigo. Aproveitei a
passagem pela cidade para reabastecer minha água e comprar pão, sardinha, suco
e álcool (fogareiro) para cozinhar.
Após San Felix
a estrada continuou duplicada e com muito sobe e desce, mas nada assustador. O
que realmente prejudicava o avanço era a elevada temperatura que me obrigava a
realizar paradas frequentes para repor o liquido sagrado. A região passou a
contar com vários restaurantes e propriedades rurais à beira da estrada e isso
evitava o racionamento da água como aconteceu no dia anterior. A preocupação
ficou voltada ao terceiro raio quebrado na roda traseira que passou a cambalear
mais do que bêbado. Estava escurecendo e eu precisava achar um local para
montar acampamento.
Com o problema
na roda traseira a velocidade diminuiu radicalmente e os últimos minutos de
pedal ficaram restritos a poucos quilômetros. Neste pequeno trajeto eu
encontrei uma placa que indicava a distância para Santa Elena de Uairén. Eu
estava a pouco mais de setecentos quilômetros da fronteira com o Brasil. Já
estive muito mais longe e aqueles números eram bem-vindos, no entanto, eu
começara a pensar como vencê-los com a atual situação da minha companheira.
Antes de
matutar como superar a questão com os raios quebrados eu tinha que encontrar um
local para descansar. Com pouco mais de cem quilômetros fiz a primeira parada
na tentativa de ganhar a permissão para montar acampamento, no entanto, ela foi
negada com a justificativa de que o dono da propriedade não estava no local.
Essa não é uma resposta que anima, mas não poderia desistir. Não demorei muito
e encontrei um lugar que parecia ideal para passar a noite. Fui à minha segunda
tentativa.
Na pequena chácara
à margem da rodovia eu solicitei um espaço para acampar e prontamente fui
autorizada a permanecer no local. Pouco depois das 17 horas eu começava a
montar a barraca que rapidamente se transformou em minha casa. Na sequencia
preparei uma macarronada e saciei parte da fome.
Antes de dormir
fui pegar um pouco de água e comecei uma conversa bem interessante com o
proprietário José, sua companheira e mais uma amiga da família. Durante o
diálogo aprendi mais um monte de palavras novas em espanhol. É incrível como o
idioma tem suas variações conforme cada região. Aproveita a oportunidade para
enriquecer meu vocabulário.
Durante a
conversa com o pessoal da chácara eu descobri que Upata, a cidade mais próxima,
tinha bicicletaria e certamente poderia resolver o problema na roda traseira,
contudo, provavelmente a encontraria aberta somente depois de amanhã, na
segunda-feira. Restaria saber se a minha guerreira aguentaria o deslocamento de
aproximadamente 30 quilômetros para Upata. Eu depositei todo meu pensamento
positivo na Victoria e fui dormir, mas não sem antes tomar um copo de leite com
chocolate oferecido pelos anfitriões. Inclusive fui convidado à conferir a
ordenha das vacas na manhã seguinte.
Dia finalizado com 105,02 km em 8h35m e velocidade média de 12,22 km/h.
10/03/2013 - 245° dia - km 380 da Ruta 10 a Upata
Nada acontece por acaso, diz o ditado.
Dia finalizado com 105,02 km em 8h35m e velocidade média de 12,22 km/h.
10/03/2013 - 245° dia - km 380 da Ruta 10 a Upata
Nada acontece por acaso, diz o ditado.
A madrugada foi
tranquila no acampamento, contudo, acordei antes das cinco horas da manhã em
razão dos galos que começaram a cantar. Não foi a primeira vez que isso
aconteceu na viagem e, portanto, acostumado, não me importei com tal despertador. Fiquei
mais um tempo deitado e na sequencia levantei ao sinal de movimentos na "quintal". O
José estava preparado para ordenhar as vacas e conforme havíamos combinado, fui
conferir a tarefa diária de muitos que vivem no campo.
José é engenheiro mecânico que hoje encontra dificuldade, sobretudo, por causa da idade (50 anos), para trabalhar em sua área e por isso dedica-se à sua
propriedade rural onde a criação de gado é a maior fonte de
renda do local. No espaço reserva para tirar leite das vacas eu observei as
etapas iniciais deste alimento que chega à mesa de muitos venezuelanos. Aqui o
processo já é mecanizado, mas ainda assim foi interessante presencia-lo.
Propriedade rural do anfitrião José. Detalhe para a minha barraca no lado direito da casa.
Ordenha mecanizada.
Vale ressaltar
que a região começou a apresentar diversas pastagens pelo caminho e a maioria
com gado bovino em seus campos, ainda que a quantidade não seja expressiva, conforme
estamos acostumados a ver na zona rural de muitos estados brasileiros. De
qualquer forma foi a primeira vez que pude verificar a pecuária na Venezuela.
Realmente o país ainda caminha com passos lentos no setor.
Pouco depois
das 8 horas da manhã eu já estava preparado para seguir viagem, não sem antes agradecer o anfitrião pela hospitalidade. Meu destino era
Upata que ficava somente há 30 quilômetros de onde eu me encontrava. Era uma
distância curta, mas o caminho não seria percorrido facilmente com a roda
traseira naquele estado lamentável. Avancei lentamente na intenção de conseguir
chegar à referida cidade sem precisar pegar carona. Conversei com a minha
companheira e pedi um esforço extra para não ficarmos no meio da estrada. Acho
que ela compreendeu o recado e continuamos em frente.
O trajeto para
chegar até Upata continuou com o constante sobe e desce. A cada nova subida eu
ficava ainda mais apreensivo, afinal, a velocidade lenta deixava todo o peso da
bicicleta, bagagem e do meu corpo por mais tempo sobre a roda traseira. Ouvir
outro raio se quebrar não seria nenhuma surpresa, mas felizmente isso não
aconteceu. Avante!
Quando faltava
pouco para chegar ao destino encontrei dois ciclistas de MTB que realizavam
um treinamento pelas trilhas da região. Eles se preparavam para uma competição
que aconteceria em poucos dias. Pedalamos juntos praticamente até a entrada de
Upata onde me informaram qual caminho seguir para chegar ao centro, onde eu
poderia encontrar uma pousada e a desejada bicicletaria.
Por volta do
meio dia eu estava na região central da pequena Upata. Comecei a busca por
hospedagem e bicicletaria. Encontrar uma pousada barata era mais importante no
momento, afinal, a oficina mecânica estaria fechada, era pleno domingo. Um senhor me informou onde eu poderia achar hotéis mais
econômicos e também um local para consertar a minha companheira. Fui conferir.
No hotel
econômico que foi sugerido a diária não era barata e custava 200 bolívares,
muito dinheiro para quem precisava controlar, ao extremo, as finanças. Por isso
fui buscar outras opções. Pelo caminho encontrei um rapaz que recomendou outra
hospedagem. Tratava-se do Hotel Comércio que é administrado por um casal
italiano. A minha sorte começava a mudar.
A diária em um
quarto simples e com ventilador no Hotel Comércio era de 120 bolívares, um
dinheiro que infelizmente eu teria que desembolsar. Conversando com os
proprietários na recepção do estabelecimento eu perguntei se existia algum
lugar na cidade onde eu poderia trocar alguns dólares. Fiz o questionamento
quase na certeza de que a resposta seria negativa. E a principio foi mesmo, mas
nem tudo estava perdido.
Eu tinha 50
dólares na carteira para serem trocados por real na fronteira com o Brasil.
Estou sem a moeda brasileira e não tenho certeza sobre a existência de uma
agência do meu banco na cidade de Pacaraima/RR divisa com a Venezuela. Por isso
o dinheiro norte-americano seria utilizado, antes do previsto, somente em caso de
emergência. E era exatamente a situação que eu me encontrava. Restavam poucos
bolívares e eu precisava trocar parte daqueles dólares para comprar mantimentos
e pagar o conserto da Victoria no dia seguinte. A questão era onde trocar a
moeda?
O senhor
Bernadino, dono do hotel, resolveu me ajudar e trocou 30 dólares que me
renderam 450 bolívares. A cotação foi baseada nos valores do mercado negro
praticado na capital. Eu realmente não esperava trocar facilmente os dólares em
Upata e por isso já cogitava sacar um pouco da moeda venezuelana no caixa
eletrônico, ainda que sujeito à exploração do câmbio oficial. Mas por sorte eu
fui parar no lugar certo. E sem dúvida eu não teria chegado aqui se a Victoria
não estivesse com a roda traseira em péssimo estado. Resumindo, tem males que
vem para o bem. Pode acreditar. Jamais perca a esperança.
Com mais
bolívares no bolso eu fiquei aliviado porque era uma quantia que somada àquela restante, poderia garantir minha chegada à fronteira, pelo menos sem
faltar o fundamental, comida.
Mais tranquilo, deixei a Victoria no interior do espaçoso dormitório que, apesar de simples,
estava limpo e organizado. Na sequencia tomei um banho que não aconteceu no dia
anterior e então saí para almoçar. Já era tarde e foi difícil encontrar um
restaurante aberto pelas sossegadas ruas da cidade. Mas durante a caminhada eu
cheguei até à bicicletaria que ainda estava aberta, mas que fecharia as portas
em poucos instantes. Combinei com o mecânico de levar a Victoria às 9 horas do
dia seguinte. Maravilha! Tinha resolvido parte dos meus problemas.
Continuei a
caminhada em busca de restaurante e por sorte encontrei um lugar que ainda
oferecia refeição a um preço baixo. Almocei e posteriormente voltei às ruas em
busca de uma padaria para comprar pão, leite e geléia. No caminho deparei-me
com uma lan house e aproveitei para mandar notícias que não eram enviadas desde
a minha saída de Caracas.
Após a lan
house eu finalmente encontrei uma padaria e comprei o que precisava, exceto geléia, para
garantir o desayuno da manhã seguinte. Na sequencia regressei à hospedagem e
comecei a escrever no diário de bordo. As horas passaram rapidamente e a noite
chegou para me fazer capotar na cama. Precisava descansar.
Dia finalizado
com 29,13 km em 2h45m e velocidade média de 10,55 km/h.
11/03/2013 - 246°
dia - Upata a Santa Rosa
A Victoria
continua guerreira.
Não acordei
muito cedo e levantei por volta das 7 horas da manhã e rapidamente preparei e
degustei meu desayuno e voltei a escrever no diário de bordo. Fiquei nesta
função até às 8h45m quando sai para levar a bicicleta na oficina.
Na bicicletaria
o mecânico e proprietário Leonardo havia recém aberto seu estabelecimento
onde a Victoria foi a primeira a ser atendida. Minha companheira estava com
três raios quebrados, contudo, dois deles encontravam-se soltos na base, parte
encaixada no aro. Pela primeira vez eu tenho conhecimento sobre esse tipo de
problema que, para a minha felicidade, havia conserto. A questão de a roda
cambalear estava somente ligada a essas peças danificadas e não
tinha relação com o cubo traseiro, como eu tinha suspeitado.
O serviço na
bicicletaria levou um bom tempo, sobretudo, porque o Leonardo depositou uma
atenção especial para deixar a bicicleta inteira para chegar ao Brasil. Há
muito tempo eu não vejo esse tratamento com a Victoria. Sabia que ela estava em
boas mãos. Enquanto a roda era centrada aproveitei para ir a um supermercado
para comprar a geléia que não achei no dia anterior. No local acabei adquirindo
mais dois pacotes de bolacha, molho de tomate e até fósforo que estava difícil
de encontrar.
Leonardo em um tratamento especial com a Victoria.
Upata é uma
cidade pequena, agradável e que dispõe de um comércio completo, assim como os
mais diversos serviços. Interessante foi observar a quantidade de estrangeiros
que moram no município, sobretudo, asiáticos. Supermercados e restaurantes
chineses, por exemplo, estão por todos os lados. Desde Chichiriviche tem sido
possível notar a presença de imigrantes oriundos dessa região. Uma pena que o
atendimento deles nem sempre são dos mais simpáticos. Paciência.
Quando retornei
à oficina a bicicleta ainda estava na “maca” e a roda passava pela cirurgia.
Muitos outros raios estavam se desprendendo da base, mas o competente Leonardo
fez um serviço exemplar e com uma atitude extremamente profissional revisou a
roda inteira e apenas tornou a coloca-la ao quadro quando ela estava
perfeita. Realmente fiquei surpreso com o trabalho realizado. No final ainda
tive a felicidade de pagar apenas 50% de todo o serviço. O desconto, segundo
Leonardo, era uma ajuda para o restante da viagem. Se não me engano a oficina fica na Calle Beneficiencia, chegando na região basta perguntar pela bicicletaria, é a única que existe na cidade. Fiquei muito agradecido por
tudo e voltei à hospedagem.
Cheguei ao
Hotel Comércio quase às 11 horas da manhã, horário que expirava a diária, até
cogitei ficar mais um dia na cidade e acabar de atualizar o diário de bordo,
mas meu dinheiro deveria ser poupado e então tomei a decisão de voltar à
estrada, ainda que o horário não fosse o mais recomendado para começar a
pedalar.
Arrumei minha
bagagem na Victoria, me despedi do pessoal da hospedagem e comecei a pedalar em
direção à saída da cidade. Não tinha muita idéia de onde parar no final do dia, mas a pretensão era avançar o máximo possível para diminuir a distância para
Santa Elena de Uairén.
A saída de
Upata, às 11h30m, foi tranquila e no final do perímetro urbano eu encontrei um
restaurante onde achei que seria interessante almoçar para reforçar as energias
para completar o caminho desconhecido que eu tinha pela frente. A refeição custou 50
bolívares e estava caprichada. Fiquei satisfeito e em poucos minutos voltei a
pedalar.
A Ruta 10
continuou duplicada por mais 15 quilômetros e na sequencia apresentou um
trajeto nada propício para pedalar. O trecho sinuoso, sem acostamento e repleto
de sobe e desce somente não foi pior porque o movimento na rodovia era
relativamente tranquilo. A paisagem bucólica passou a fazer parte do cenário,
assim como alguns vilarejos que podem servir de apoio para quem estiver de
passagem. Não hesite em parar nestes locais, caso esteja precisando de alguma
coisa, do 30° ao 50° quilômetros os povoados são raros e o que existe no
caminho é um posto policial onde aproveitei para reabastecer as garrafas de
água.
Caminho correto para a famosa e grandiosa Gran Sabana.
Pequeno mapa da região para quem tiver interesse.
Estrada bastante sinuosa 15 quilômetros após Upata.
In foco.
Distâncias.
Cenário bucólico.
Após o posto
policial o caminho continua um pouco deserto e as propriedades rurais têm suas
sedes distantes da estrada e a única coisa que se pode avistar é a porteira, geralmente trancada.
Por isso precisei seguir quase trinta quilômetros para chegar a uma casa às
margens da rodovia, contudo, apesar de ter as luzes acesas ninguém me atendeu.
A residência tinha uma aparência assustadora e de certo abandono. Insisti nas batidas e chamadas, mas
ninguém me atendeu. Poderia permanecer no local, mas não me sentiria
confortável sem a permissão de alguém responsável, por isso resolvi seguir na
escuridão.
Já passava das
18 horas quando avistei o vilarejo de Santa Rosa, pouco depois da casa “abandonada”.
Parei na primeira propriedade e fui explicar sobre a viagem e pedir
autorização para montar acampamento. Minha situação foi compreendida e a
permissão concedida.
Eu levantei
acampamento debaixo de uma área coberta. Terminei de montar a barraca e começou
a chover. Incrível como eu tenho sido iluminado durante essa viagem. Estava
muito feliz por mais um dia de viagem e, sobretudo, por estar em um lugar
agradável e aparentemente seguro para passar a noite.
Minutos após a
minha chegada, os proprietários Hegar, Siomara e o vizinho Yosbel vieram me
fazer companhia e saber mais detalhes da viagem. Confesso que foi uma conversa
bastante interessante e animada. Ainda fui presenteado com uma melancia e posteriormente
a janta; um prato diferente e típico da região, conhecido como Domplin. O "bolo"
doce com formato de salgado estava coberto de queijo branco ralado e parecia
uma comida dos deuses. Simplesmente delicioso.
Melancia e Domplin. Hospitalidade excelente. Detalhe para a caneca.
Viver em paz é possível.
Para um dia de
pedal começado praticamente ao meio-dia, estava mais do que satisfeito de ter completado
uma distância razoável no período da tarde, todavia, estava cansado em razão
das subidas e da elevada temperatura que prevalece na região. Meu banho ficou
atrasado, mas ainda assim fui descansar.
Dia finalizado
com 77,51 km em 5h35m e velocidade média de 13,86 km.
12/03/2013 -
247° dia - Santa Rosa a Paisalandia
Mais um dia
marcado pela hospitalidade do povo venezuelano.
A noite no
acampamento não foi das melhores e o motivo foi a algazarra dos animais,
principalmente dos galos e galinhas de angola que começaram a cantar por volta
das 4 horas da manhã. Aproveitei que estava acordado e poucos minutos depois
comecei a desmontar a barraca. A chuva não permaneceu por muito tempo durante a
noite e o dia amanheceu apenas nublado.
Ainda na
propriedade rural eu pude conferir, novamente, a ordenha das vacas, desta vez
sem a mecanização. Todo o processo era manual. Além de registrar a tarefa
cotidiana eu pude provar o leite fresco que acabara de ser clicado pela
máquina fotográfica. Essa proximidade com a realidade das pessoas é uma das maravilhas que
o cicloturismo proporciona. Meu desayuno acabou sendo reforçado e as energias
revigoradas.
Acampamento em Santa Rosa.
Ordenha manual.
Rapidamente o balde estava cheio.
Propriedade rural do senhor Hegar.
Às 6h50m
comecei o pedal e quatro quilômetros depois eu estava em outro povoado, desta
vez maior do que Santa Rosa e com restaurante à beira da estrada. Não cheguei a
ver hospedagem, mas não faltam casas para montar acampamento e passar a noite
em segurança. Continuei em frente e encarei um dos trechos mais complicados do
dia com uma série forte de subidas e descidas que me levaram até Guasipati que
está a 26 km de Santa Rosa e 103 km da região central de Upata.
Distâncias.
Na entrada de
Guasipati parei em uma lanchonete para simplesmente completar minha água. Ainda restava mais
de um litro, mas achei melhor precaver e abastecer a garrafa que já estava
vazia. Mais uma vez a parada não poderia ter sido em um lugar mais
hospitaleiro. A proprietária além de encher a caramanhola ainda me regalou uma
empanada de carne que havia acabado de ser preparada. Para acompanhar o salgado
também ofereceu um copo de suco que obviamente não foi recusado. A gentileza me deixou
ainda mais animado para começar o dia da melhor forma possível.
Na lanchonete a
dona me perguntou até onde eu pretendia chegar no final do dia e então
mencionei que talvez eu conseguisse pedalar até El Dorado. Quando ela ouviu o
nome da cidade já me advertiu a não parar no local por questão de segurança. Segundo
ela, o fato de a região ser mineira acaba sendo um atrativo a mais para os
delinquentes. Na mesma hora desisti da idéia de encerrar o dia no referido
local e agradeci pelas informações e o desayuno complementar.
Na estrada a
situação não mudou muito e o relevo continuou com a típica montanha-russa.
Entre Guasipati e El Callao foram praticamente 20 quilômetros. Nesta segunda
cidade existe hotel a quem possa interessar, no entanto, o mesmo não se encontra na beira da rodovia. O que se
pode observar da estrada é um diferente monumento no trevo de acesso ao
município.
Monumento na entrada de El Callao.
Sem muita
novidade pelo caminho, cheguei com muito sacrifício à Tumeremo com 84 km
pedalados. Estava com demasiada fome e por isso parei no primeiro restaurante que
apareceu na entrada da cidade. Era uma churrascaria cujo valor do almoço era de
80 bolívares, acho que foi o mais caro de toda a viagem na Venezuela, em
contrapartida também foi um dos mais deliciosos, sem dúvida. Bastante arroz,
feijão, salada e, sobretudo, muita carne de porco assada. Fiquei realmente
satisfeito, raramente tenho uma refeição deste tipo. Uma pena não ter
registrado a refeição para deixar vocês com água na boca. (Risada sacana)
Como a chegada
ao restaurante foi por volta das 14 horas, a saída aconteceu praticamente uma
hora depois. Logo na sequencia a estrada passou meio a boa parte da pequena cidade de Tumeremo que apresentou um variado comércio, indusive com vários restaurantes onde certamente a refeição é mais barata do que aquele na entrada do município. Encontrei uma loja que vendia peças de bicicleta e fui perguntar o preço de um pneu (não encontrado em Upata), mas o mesmo custava 200 bolívares, muito dinheiro. Por isso resolvi arriscar e continuar com o pneu traseiro todo liso.
Para a minha felicidade o caminho passou a ter menos subidas e o
vento que até então estava contrário, perdeu forças e amenizou o esforço no
avanço do pedal.
A surpresa no período da tarde foi
o encontro com um casal de brasileiros que viajava para o litoral venezuelano
em uma motocicleta. Cabeleira e sua mulher são de Manaus e ao identificarem a
bandeira brasileira na Victoria retornaram para conversar. O simpático casal me
ofereceu a sua casa quando eu estiver nas proximidades da capital do Amazonas e
também me passou contato de pessoas de Boa Vista/RR onde eu seria bem recebido.
Após anotar telefones e endereços, cada um seguiu destino. O meu ainda era
incerto, mas não deveria estar longe.
Com cem
quilômetros pedalados eu cheguei a conclusão que deveria encontrar algum lugar
para acampar quando o velocímetro apontasse 120 km e assim continuei mais um
pouco e por volta das 18 horas ao passar por uma chácara ou sitio, não sei, aproveitei a
presença de uma pessoa na frente do local e fui solicitar a permissão para
ficar no local.
Quem me atendeu
na frente da propriedade rural foi o atencioso Miguel Apure que não pensou duas vezes
em me convidar para entrar. Após uma breve conversa mencionou que eu poderia
dormir na rede se achasse melhor. Aceitei a sugestão e não precisei montar
acampamento. O anfitrião ainda preparou uma macarronada diferente que foi
degustada após eu tomar o famoso banho de balde.
Jantar oferecido pelo anfitrião Miguel Apure.
Macarronada com salsicha, ovo e queijo ralado. Perfeita.
Miguel Apure é
um ex-mineiro que hoje cuida, sozinho, da propriedade rural de seu irmão que ganha a vida nas minas da região que ainda reservam certa quantia de
ouro. Fiquei surpreso com a hospitalidade do anfitrião e seu admirável modo
sistemático de manter a casa e toda a área pertencente ao irmão. Sua família
mora em outra cidade, por isso, entre outros assuntos, conversamos bastante
sobre essa questão da distância dos familiares. De qualquer forma, tivemos um
diálogo muito interessante e enriquecedor.
Dia finalizado
com 119,97 km em 8h41m e velocidade média de 13,79 km/h.
13/03/2013 - 248°
dia - Paisalandia a Las Claritas (km 88)
Território
indígena.
A noite na rede
foi relativamente tranquila. Durante a madrugada passei um pouco de frio, mas
havia um cobertor disponível e o mesmo amenizou a temperatura que caiu
bastante. Pouco depois das 5 horas eu já estava levantado e minutos depois
estava a desayunar na presença do anfitrião que fez questão de preparar o café
da manhã.
Essa foi a rede onde passei a noite.
Casa dos irmãos Apure.
Propriedade rural simpática dos Apure.
In foco.
Após a refeição
matinal eu estava pronto para deixar o local, não sem antes agradecer a
gentileza do Miguel. O dia amanheceu com o tempo nublado e permaneceu assim até
o trevo para El Dorado que apareceu após 30 quilômetros pedalados. Neste ponto
existem dois acessos, à direita segue para a cidade em questão e à esquerda o
caminho leva à Santa Elena por onde eu continue meu pedal.
Seis
quilômetros após o trevo apareceu um posto de controle policial, deste ponto em
diante a estrada começa a apresentar um pequeno acostamento que de uma forma e
outra acaba ajudando. O que também apareceu pelo caminho foi uma vegetação mais
densa com árvores altas e a sensação era de pedalar em uma selva. Muitas
serpentes atropeladas indicavam que eu estava em um território selvagem.
In foco
.. perigosas, ingremes e praticamente intermináveis.
Com quinze
quilômetros após o trevo de El Dorado apareceu a primeira comunidade indígena
da região. Aproveitei a presença de casas à beira da estrada para reabastecer
minhas garrafas de água. O tempo, apesar de nublado, estava bastante quente e
úmido, fatores que contribuíram para zerar minha água. Os índios, no entanto,
são pacíficos e se mostraram hospitaleiros e me ajudaram sem problemas com a
questão do liquido sagrado.
Depois dessa
primeira comunidade indígena, várias outras aparecem pelo caminho, muitas delas
com várias árvores frutíferas, contudo, por algum motivo inexplicável não parei
em nenhuma propriedade para pedir laranja ou mexerica, frutas que
são maioria na região.
Vale destacar
que os índios nesta parte da Venezuela são modernos e não andam pelados e
muitos menos caracterizados com pinturas e adereços ao qual costumamos
associa-los. O que realmente chama atenção são seus traços físicos.
Apesar da
presença destas comunidades não espere encontrar restaurante em alguma delas.
Se não me engano apenas pude identificar um pequeno quiosque que supostamente
servia salgados ou algum tipo de refeição, mas na dúvida, esteja preparado para
fazer sua própria comida.
Na hora do
almoço eu parei na entrada de uma destas comunidades e aproveitei a sombra para
descansar e degustar os últimos pães disponíveis com geléia. Eu tinha todos os
mantimentos para cozinhar, mas não achei um lugar propício para executar a
tarefa e por isso fiquei restrito ao pão comprado ainda em Upata. Esse foi o
meu almoço.
De volta à
estrada continuei meio à floresta fechada onde vários pássaros estão presentes,
contudo, registra-los é muito difícil. Em contrapartida é possível ouvir os mais diversos cantos ecoando pela
mata.
Um restaurante
apareceu 80 quilômetros após o trevo de El Dorado, foi o único encontrado entre
esse ponto e Las Claritas, cidade onde eu pretendia parar no final do dia. No
entanto, para chegar a esse município eu tive que superar mais dezenas e
dezenas de subidas moderadas, contudo, presentes em cada quilômetro.
Cheguei à Las
Claritas no final da tarde e tive uma surpresa nada agradável, a cidade é
pequena, feia, suja, movimentada e nada convidativa para passar a noite.
A rodovia corta a cidade em um trecho onde os buracos no asfalto cedem
espaço a uma lama que deixa o cenário ainda mais lamentável. É nesta área que
encontrei algumas hospedagens, contudo, seguindo recomendações de moradores
locais, continuei mais três quilômetros até uma pousada que ficaria na frente
de um posto de combustível.
Chegada à Las Claritas.
A parte mais bonita de Las Claritas, rs.
A tal pousada
está no famoso Km 88 que concentra um pequeno povoado cujo ambiente é parecido
com aquele de Las Claritas. No estabelecimento denominado El Paradero a diária
mais barata custava 200 bolívares e eu não tinha todo esse dinheiro para
gastar e o horário já não era propicio para montar acampamento, ainda
mais em uma área movimentada e de garimpo. Neste lugar encontrei uma
brasileira do Pará que vive a sete anos no país e foi ela que me indicou outra
hospedagem próxima. Fui conferir.
Essa outra
hospedagem tinha a diária no mesmo valor da anterior, contudo, desta vez a
mulher que me atendeu fez um descontou e o quarto saiu por 150 bolívares (21 reais). Ainda
era caro, mas pelo menos economizava 50 bolívares. O preço alto das hospedagens
se justifica pelas minas da região. Mas, como eu brinquei
com a brasileira, eu tampouco sou mineiro, apenas um ciclista sem muito
dinheiro.
A hospedagem
não tem nome e suas instalações são lamentáveis. Existe vários quartos, alguns
ficam na rua paralela à rodovia. Foi justamente em uma destas habitações que eu
fui alojado. O quarto pequeno não era um problema, o que eu não esperava era
encontrar um banheiro sem chuveiro. O banho deveria ser na base do balde. E sem
alternativa foi o que eu fiz para ficar limpo.
O quarto do
“hotel” tinha televisão a cabo e um ar-condicionado que só poderia ser
desligado na tomada, não havia nenhum controle de temperatura e isso
significava que durante a madrugada eu passaria frio já que na cama de casal só
existia um lençol para eu me cobrir. Paciência.
Após o banho
tomado fui preparar a macarronada com sardinha e posteriormente ver um pouco de
televisão, onde tive conhecimento do novo Papa, que para a minha surpresa é
argentino. Independente da nacionalidade eu quero ver, finalmente, as teorias em prática.
Discurso muitas vezes não serve de nada.
Dia finalizado
com 123,87 km em 10h01m e velocidade média de 12,18 km/h.
14/03/2013 -
249° dia - Las Claritas a Kamoiran
Pedalando na
Gran Sabana!
Apesar das
condições precárias na hospedagem a noite foi tranquila. Às 5 horas da manhã eu
já estava levantado para acabar de arrumar as coisas, degustar as últimas
bolachas com suco e partir à estrada. O pedal começou mais cedo e às 6h10m me
despedia do km 88 para finalmente conhecer a Grande Savana venezuelana.
A rua da hospedagem.
Iniciei o dia faltando
pouco mais de duzentos quilômetros para chegar à Santa Elena de Uairén,
fronteira com o Brasil. Apesar de toda a vontade para completar essa distância
em um dia e voltar o mais rápido possível para o meu país, infelizmente não
seria possível em razão do relevo que me esperava pelo caminho. Uma ascensão de
quase mil metros.
A diferença no
relevo não era uma novidade, pois eu tinha analisado, de novo, o trajeto pela
internet em Caracas e fiz as devidas anotações sobre o momento em que eu
encararia a monstruosa subida em direção ao Brasil. O psicológico já estava
preparado para o desafio, todavia, eu não imaginava que estava tão perto de Las
Claritas.
Logo após a
saída do km 88 a estrada ficou cercada por uma floresta onde a mata fechada
associada à neblina deixava o ambiente bastante assustador. Parecia que eu já
estava na Amazônia e já imaginava a presença dos mais diferentes animais
selvagens que a qualquer momento poderia atravessar a rodovia.
O que me deixou
surpreso foi uma placa de boas vindas à Grande Savana, estava feliz por ter
finalmente chegado a esse lugar conhecido internacionalmente, sobretudo, por
abrigar o Monte Roraima e o famoso Salto Angel, maior queda d’água do mundo.
Mas confesso que eu imaginava um cenário muito diferente daquele que estava
diante dos meus olhos. Esperava uma vegetação predominante rasteira, típico da
savana, entretanto, não quis contestar a placa e registrei minha entrada no Parque Nacional
Canaima.
Uma outra placa
apareceu e me assustou por indica subidas perigosas nos próximos 40
quilômetros. Na mesma hora peguei minha agenda e verifiquei que estava no
começo da ascensão que me levaria acima dos mil metros de altitude.
.. perigosas, ingremes e praticamente intermináveis.
Nas minhas
anotações a subida era forte, mas não muito extensa, vinte quilômetros divididos
em duas etapas. Parece muito, mas para quem enfrentou subidas de sessenta quilômetros nos Andes, esse
desafio não parecia dos mais difíceis, mas confesso que a distância na placa
me deixou um pouco confuso. De onde surgiram todas essas subidas extras? Fui
conferir.
A subida
começou um pouco tímida, mas aos poucos ganhou inclinação e na altura da famosa
Pedra da Virgem, ficou realmente ingrime e difícil para ser pedalada. Foi
preciso empregar muita força nas pernas e paciência para completar o trecho com
velocidade de 5-6 km/h. A primeira parte das subidas foi até o 12° quilômetro, na sequencia
teve uma pequena descida e voltou a subir.
No começo dessa segunda parte que eu
acreditava ter duração de aproximadamente dez quilômetros, achei melhor fazer
uma parada estratégica para reabastecer minhas garrafas de água. Não, não
existe nada de casa e restaurante, mas a natureza nos presenteia com pequenas
cascatas à beira da estrada. E com a água aparentemente limpa, não pensei duas
vezes para garantir o combustível para o motor.
Com quinze
quilômetros pedalados apareceu uma placa do Parque Canaima que informava
algumas distâncias. A ilustração mostrava que haveria uma cachoeira e posto de
combustível pelo caminho. Um desenho me pareceu uma aldeia, mas não soube
identificar com precisão. De qualquer forma eram as únicas referencias que eu
passava a ter.
Registro garantido no Parque Nacional Canaima.
Pequenas cascatas ao lado da estrada oferecem água limpa e fresca.
Obra de arte da mãe natureza.
Distâncias
A subida
continuava e parecia não ter mais fim. A segunda etapa passou dos dez
quilômetros e nada de aparecer o topo que me deixaria ao lado da fronteira com
a Guiana, conforme havia apontado o Google Maps. O tempo continuou nublado
mesmo com o passar das horas, mas apesar disto a sensação térmica era
extremamente elevada e me fazia transpirar excessivamente. Procurei repor
cada garrafa de água que terminava, mas as cascatas, apesar de frequentes,
não tinham a água límpida como aquela primeira que encontrei no caminho.
Após pedalar
meio a uma mata realmente fechada, finalmente apareceu uma abertura na
floresta. Achei que era o final das subidas, mas estava enganado e tive que
continuar o esforço para completar a ascensão. Em mais um trecho sinuoso e íngreme
apareceu o salto indicado pela placa anterior, contudo, precisava sair da estrada e
pegar um caminho de 200 metros para ver a queda. Neste momento começava a
chover e achei melhor seguir em frente.
Tudo leva a crer que aquelas montanhas ao fundo pertecem à Guiana.
Um pouco de claridade sem a mata fechada.
Pouquíssimos
veículos transitavam pela estrada que está em perfeitas condições e oferece
acostamento. Somente após as 9 horas da manhã que o movimento ficou um pouco
maior, inclusive foi possível notar carros e caminhões com placas brasileiras, mas ainda assim era possível pedalar minutos sem a presença de qualquer
sonido motorizado. O “barulho” era somente dos pássaros que continuavam
escondidos na mata e que mais uma vez não foram flagrados pela lente da câmera.
Acredito que as
subidas extras não identificadas no estudo da altimetria eram em
razão de aclives complementares que estavam no gráfico e que eu deixei passar
despercebido, focando apenas a ascensão maior. Por isso, se um dia pedalar pela
região não esqueça que a placa dos 40 quilômetros é comprovadamente verdadeira.
Quando achei
que estava no topo apareceu mais uma placa, desta vez indicando que eu estava
na Sierra de Lema. Eu simplesmente não acreditei que após tanta subida eu ainda
tinha uma serra para encarar. Mas felizmente a subida se limitou a poucos
quilômetros e com 36 km pedalados eu finalmente avistei uma construção no meio
do caminho. Tratava-se de um posto policial onde solicitei água e nada mais. O
lugar tinha cozinha, mas como a recepção não foi das melhores eu queria sair logo dali.
O pessoal começou a responder ironicamente minhas perguntas sobre o trecho a
seguir e por isso não me interessei em preparar o almoço no local.
O posto
policial praticamente marca o final das subidas. Os quase 40 quilometros foram
pedalados em pouco mais de cinco horas. Eu estava morrendo de fome e não fazia
idéia de onde preparar meu almoço, mas logo depois do posto de controle
apareceu um quiosque abandonado e sujo que aparentemente é utilizado como banheiro,
mas sem muita opção, fui obrigado a cozinhar no local. Rapidamente preparei a
macarronada e na sequencia voltei a pedalar.
Na estrada um
caminhão parou ao meu lado e o motorista me ofereceu carona que mais uma vez
foi recusada. É nestas horas que você realmente percebe o quanto está focado no
seu objetivo. Afinal, carona após quase 40 quilômetros de subida é uma verdadeira
tentação. Eu poderia muito bem aceitar a ajuda e não dizer nada para ninguém,
mas minha consciência não ficaria em paz e isso é muito mais importante. Assim continuei em frente, não sem antes perguntar até quando continuaria as
subidas. O motorista mencionou que em cinco quilômetros eu estaria livre dos
aclives. Fui encarar a parte final.
Esses cinco
quilômetros foram de subidas e descidas ingremes que terminaram quando o velocímetro chegou
a marca de 50 km. Neste momento a mudança foi radical, sobretudo, da vegetação.
Uma placa desejava boas vindas à Gran Sabana que agora sim era como eu imaginava. A beleza da savana está, sobretudo, em sua dimensão, tive uma sensação muito parecida
em relação ao Salar de Uyuni. Registrei o momento histórico e comecei a pedalar
pelo novo território.
Emoção verdadeira ao chegar à legitima Gran Sabana.
Os policiais do
posto de controle anterior me disseram que até Santa Elena eu encontraria
subida ingrimes como aquelas da serra que eu acabara de completar, no entanto,
eu não me lembrava de aclives acentuados na minha análise da altimetria. O que
pude verificar logo que cheguei na “verdadeira” savana foi que o trajeto seria
de longas subidas e descidas, mas nada comparado com o trecho anterior.
Na estrada as
placas indicavam distâncias para os povoados mais próximos que posteriormente
eu descobri que se tratava das comunidades indígenas. Muitos destes lugares são
chamados de acampamentos e pode servir como ponto de apoio, inclusive, para
passar a noite. Apenas não espere por uma infraestrutura de hotel cinco
estrelas.
Distâncias
Seis
quilômetros após a “entrada” na Gran Sabana existe um posto da administração do
parque, neste local há área para camping com banheiro e tudo mais. Me pareceu
tentador parar naquele momento, mas eu precisava avançar o máximo possível para
diminuir minha distância para Santa Elena no dia seguinte.
Pouco depois
desse posto administrativo e turístico do Parque Canaima existe um posto
policial onde parei e completei minhas garrafas de água. Dessa forma restava
apenas encontrar um lugar para passar a noite. Perguntei ao soldado se haveria
mais pontos de apoio nas proximidades e com a sua resposta positiva eu
continuei em frente.
Pedalar na
savana sem ter maiores informações a respeito da região é extremamente perigoso por causa do
ambiente hostil da selva venezuelana. Por muitos e muitos quilômetros o
horizonte se perde de vista e nenhuma casa aparece pelo caminho. Os pequenos
arbustos da vegetação geralmente tornam o terreno nada propício para acampar e
por isso é mais do que fundamental procurar saber as distâncias das comunidades
indígenas.
Maravilhoso pôr-do-sol na savana.
Eu estava
decidido a pernoitar em Kamoiran, mas para chegar até este ponto eu deveria
pedalar durante a noite em plena savana. Não me assustei, mas fiquei apreensivo
e na torcida para não acontecer nada na Victoria. Um pneu furado naquele
ambiente não seria nada interessante. Mas com pensamento positivo e
tranquilidade, enfrentava a montanha-russa presente na região. Não existe
meio-termo na savana; sobe e desce o tempo inteiro. Esteja preparado!
Chegar à
Kamoiran era uma estratégia arriscada porque eu pretendia acampar para
economizar, mas fazer isto na escuridão seria muito complicado, ainda mais em
território indígena, contudo, não tinha muita opção e precisava avançar para
diminuir o máximo possível a distância para o dia seguinte. Por isso decidi
seguir para a comunidade em questão. Cheguei ao local às 19 horas e para a
minha surpresa havia uma hospedagem. Não custava
conferir o preço e fui à recepção na esperança de uma resposta compatível com o
resto do meu dinheiro.
A diária na
hospedagem custava 200 bolívares e no momento eu tinha pouco mais 300 Bf, 100
deles estavam reservados para uma possível taxa de saída do país. Eu não estava
disposto a sacar mais bolívares em Santa Elena e muito menos trocar os dólares restantes
pela moeda venezuelana. Chorei por um desconto e o recepcionista fechou por 150
bolívares. Valeu cada centavo. Habitação limpa, confortável e com banheiro
decente. Realmente fiquei mais pobre, mas pelo menos poderia ter uma noite
tranquila de descanso.
Dia finalizado
com 89,51 km em 9h24m e velocidade média de 9,51 km/h.
15/03/2013 - 250°
dia - Kamoiran a Santa Cruz de Mapure
O dia que não
terminou.
Pensei
seriamente que este seria meu último dia na Venezuela, mas as dificuldades do
caminho adiaram a pretensão de atravessar a fronteira, apesar de todos os
esforços para chegar ao Brasil o quanto antes.
Acordei cedo após
uma noite tranquila na hospedagem. Não foi fácil levantar de madrugada. O corpo
implorava para ficar na cama, mas era preciso voltar à estrada. Meu desayuno
ficou restrito às últimas fatias do pão de forma adquirido em Upata. Ainda que
a refeição matinal estivesse aquém da necessária, era a única que poderia ser
realizada.
Comecei a
pedalar às 05h50m, talvez o horário mais cedo dos últimos dias. Como estava em
um local onde a altitude certamente beirava mil metros, a temperatura nas
primeiras horas da manhã era baixa e por isso fui obrigado a vestir o manguito
para sentir um pouco menos o frio matinal.
Além da temperatura
baixa o dia amanheceu bastante nublado. Mas a condição climática não me impediu
de seguir viagem. O que realmente dificultou meu deslocamento foram as longas
subidas do caminho que raramente estavam acompanhadas das descidas. Os aclives
pareciam verdadeiros tobogãs onde a velocidade para supera-los não passava dos
7 km/h. Não estava nada fácil.
Verdadeiro tobogã. Tirei a foto somente após chegar ao topo da montanha.
Se por um lado
a subida continuava e deixava o avanço lento, por outro a velocidade baixa
permitia observar ainda melhor a flora da savana, que, diga-se de passagem,
possui uma beleza impar. Por várias vezes tive que parar a bicicleta e garantir
o registro.
A parte da
manhã foi marcada basicamente por subidas e comunidades indígenas que não
raramente se encontrava à beira da estrada e de algum rio que, às vezes, compreendia um dos vários saltos da região. O tempo que estava fechado começou
a melhorar e antes do meio-dia o sol já brilhava forte mais uma vez e deixava a
temperatura nas alturas.
Às 13 horas
achei um lugar que poderia servir perfeitamente para preparar meu almoço. Se
tratava da Quebrada de Pacheco onde, além da comunidade indígena, há um posto
desativado do Parque Nacional e paralelo a ele um restaurante que naquele
momento estava fechado. Achei uma parte protegida pelo vento e preparei meu
almoço que levou todo meu estoque de comida.
Antes de voltar
à estrada abasteci minhas garrafas de água e ainda perguntei a um morador onde
poderia encontrar outro lugar como aquele para montar acampamento no final do
dia. Ele mencionou que o próximo ponto de apoio seria na Quebrada de Jaspe que
ficava há 38 quilômetros. Apesar da distância parecer pequena, com esse tanto
de subida seria quase impossível chegar ao local no final da noite, contudo, um
trecho de quase 15 km até a comunidade de San Francisco estava marcado por uma
longa descida que ajudaria bastante no deslocamento.
A saída da
Quebrada Pacheco foi marcada pela chuva que pelo menos apagava as queimadas que
não raramente são visualizadas em determinadas partes mais secas da savana. Mas
com a descida em direção à comunidade San Francisco, consegui escapar da chuva
mais forte. O declive realmente foi considerável e o deslocamento para o
povoado em questão aconteceu rapidamente. Destaque para o Salto Yuruani que é visualizado à beira da rodovia durante esse trajeto.
San Francisco
de Yuruani é uma comunidade indígena com a melhor infraestrutura desta região
da savana. O vilarejo dispõe de hospedagens, restaurantes e pequenas mercearias
onde se pode encontrar vários produtos. Eu aproveitei para gastar meus últimos
bolívares na compra de um saco de pão que serviria para a minha janta de hoje,
desayuno e almoço de amanhã. Tinha pouca geléia na bagagem, mas qualquer
coisa eu poderia degusta-los puro mesmo. O importante é que fome eu não
passaria.
Poucos
quilômetros depois de San Francisco as subidas voltaram com força total e no
final de uma delas apareceu a comunidade San Ignacio onde fui parado em um
posto policial. Desta vez me pediram o passaporte e na sequencia fizeram as
perguntas de sempre e fui liberado sem nenhuma checagem na bagagem. Quando voltei a pedalar encontrei uma placa que indicava a divisa com o Brasil pela primeira vez. Eu estava somente há 74 km do meu país. Que maravilha!
Registro garantido.
Na estrada
continuei em direção à Quebrada de Jaspe que ficava a 15 quilômetros de San
Ignacio. O trajeto foi extremamente difícil com subidas e mais subidas, uma
mais íngreme que a outra. Em uma delas, pouco antes de Jaspe, o tempo fechou e
começou a chover e desta vez não teve como escapar. Na descida, ainda com
chuva, o pneu traseiro furou e tive que enche-lo três vezes até chegar à
Mapure, uma comunidade indígena antes daquela que eu gostaria de parar. Sem
opção fui procurar um lugar para acampar.
Em Mapure
consegui rapidamente um local relativamente seguro para passar a noite. Era uma
espécie de quiosque ao lado da estrada e com aspecto indígena que estava sem utilização. Os donos
moravam em uma casa ao lado e permitiram meu pernoite sem nenhum problema.
Antes de montar
acampamento resolvi trocar logo a câmera de ar furada. Fiz isso em tempo
recorde e depois comecei a levantar a minha casa. Cogitei a idéia de apenas
esticar o saco de dormir, mas achei melhor montar a barraca para ficar livre de
animais, insetos e qualquer coisa do tipo. Foi uma ótima decisão porque logo depois eu identifiquei várias aranhas nas folhas das palmeiras que serviam como telhado.
Fui dormir por
volta das 19 horas depois de jantar os pães comprados no período da tarde. Mas
meu sono foi interrompido às 21h30m com o barulho de batida na rodovia. Acordei
rapidamente e fui ver o que havia acontecido. Um carro que atravessava a pista
em direção à comunidade se chocou com um caminhão e causou apreensão em muita
gente. Os prejuízos foram apenas materiais e por muito pouco o carro não pegou
fogo, sorte que os moradores locais agiram rapidamente.
O acidente
levou a maioria das pessoas da comunidade às margens da rodovia. Eu voltei para a barraca na
tentativa de continuar o meu descanso, mas não foi possível. Um grupo de jovens
indígenas ficou ao lado do quiosque e começou a beber cerveja, conversar alto e
ouvir música. Embora a porta do quiosque estivesse fechada eu fiquei apreensivo
porque estava em um território desconhecido e sujeito a qualquer coisa proveniente
de uma pessoa bêbada. Com isso não consegui dormir.
Enquanto estava
deitado no interior da barraca comecei a ouvir um barulho estranho na sacola
onde estava meu pão, desayuno do dia seguinte, quando liguei a lanterna notei três
baratas buscando furtar o alimento sagrado. Iniciou-se uma caçada dentro da
barraca. Elas tentaram, em vão, se esconder entre as minhas coisas, mas não
sosseguei até fazer uma limpa geral no local. No final contabilizei seis
baratas mortas. Ninguém mandou querer pegar minha refeição matinal. (Risada sacana).
As várias
baratas já tinham sido localizadas no quiosque desde a hora que eu fui dormir
pela primeira vez. Visualizava a sombra delas caminhando pela parte externa da
barraca, mas como eu estava protegido nem me importei. Acontece que na hora do
acidente eu deixei a “porta” aberta e neste momento elas aproveitaram para
fazer a festa.
Pior não foram
as baratas, complicado foi ver as horas passarem e a algazarra continuar ao
lado do quiosque. Não conseguia ficar com raiva, afinal, aquele não era meu
lugar, mas infelizmente também não conseguia “pregar” os olhos e assim o dia
passou e eu continuava acordado.
Dia finalizado
com 104,13 km em 8h12 e velocidade média de 12,69 km/h.
Que maravilha Nelson. Foi muito legal sua passagem pela Venezuela.
ResponderExcluirBuenas Nelson, parabéns, afinal adentrar em nosso querido Brasilzão...agora começará a grande jornada na Amazõnia e posterior ao grande litoral brasileiro...e haja calor , mas vai valer a pena, muitas praias paradisíacas, continuo aqui curtindo sua empreitada com afinco...hehehe...boas pedaladas pra vc grande cicloturista selvagem...e hasta luego a las Baratas... Abraços.
ResponderExcluirUfaaa, quantas aventuras...
ResponderExcluirGraças a Deus pela generosidade Venezuelana, senão vc não teria chegado até aqui.
Achei muito linda esta parte mais selvagem da Venezuela, todo os por-do-sol são esplêndidos.
Boa sorte no Brasil....
Xau Venezuela...
Xau Comandante Chavez
Bjs
Dona Margarida
Demorei uns dias pra ler, meu trampo atrasou legal hoje... mas que história linda.
ResponderExcluirPrincipalmente as partes no qual uma pessoa simplesmente oferece ajuda. É emocionante Nelson, parabéns por viver isso e compartilhar conosco.
Faz umas 4 postagens que to ensaiando te pagar um almoço (via depósito claro rsrs), mas acabo não acessando o site de casa pra fazer o pagamento no Vakinha.
Meu objetivo hoje é chegar em casa e fazer esse raio de pagamento haha
E falar hein... acabou ficando preguiçoso siiiim no parque hahaha demorou uns dias pra retomar o condicionamento rsrs
Estava preocupado porque a postagem demorou um pouco (ou eu tava ansioso?) e já achando que algo poderia ter ocorrido. Graças a essa energia positiva que você tem e uma companheira guerreira, que sem 3 raios, ainda aguentou ciclista e bagagem nas subidas.
Grande abraço Nelson.
Vinicius Rodrigues
Então quer dizer que você não só apoia o assassino e psicopata Che Guevara como também apoia o regime ditatorial e opressor de um comunista da pior estirpe, o caudilho Chaves?
ResponderExcluirPor acaso você sofre de alguma psicopatia? Tem retardamento mental?
Eu até gostava de ler seus relatos de viagem, mas depois destas declarações de apoio a estes regimes e pessoas de merda e vou embora disso aqui, não compactuo nem vou apoiar alguém com um mente tão estragada pelo marxismo.
Boa tarde, Brasil.
ExcluirPelo seu comportamento e questionamentos sobre o meu posicionamento político, certamente não me conhece, assim como não tem a menor idéia da história do "psicopata" do Che e o "opressor" do Chávez e tampouco conhece as ações realizadas por eles além daquelas propagadas em revistas como a Veja a qual você deve ser um leitor assíduo. Se você se considera informado por esse tipo de fonte, lamento profundamente. Ao invés de apenas criticar o modelo socio-economico ao qual sou favorável, faça o favor de aprender melhor sobre ele e o marxismo. Em relação ao sistema que você defende, faça uma observação sincera a respeito dos milhares de assassinatos em nome dele. Combinado?
Abraço.
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