quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

A Travessia do Paraná - Quarto dia:

Travessia do Paraná - Parte 5

Saída: Relógio

Almoço: Irati

Pernoite: Campo Largo

Distância dia: 201 km’s

Estava iniciando aquele que seria o dia mais longo de pedal, incluindo a distância percorrida. Ainda no cômodo da escola abandonada, certifico que nada ficou para trás, como algumas bolachas, coloco a bagagem sobre o bagageiro e estou pronto para sair. Ainda não são seis horas da manhã, mas o movimento no posto já é grande. Está frio e minha roupa lavada poucas horas atrás ainda está úmida, sem alternativa, utilizo assim mesmo e por cima uma blusa de frio, estilo tak-tel, em vista que a outra de moletom estava perdida na estrada. Mas conforme você se movimenta e aquece o corpo, o tempo frio não passa a ser um obstáculo, exceto quando é acompanhado de ventos forte, mas este não era o caso.

Os primeiros minutos de pedal são tranqüilos, pouco trânsito, mas muita neblina, exigindo ainda mais atenção, por isso faço questão de deixar bem visível atrás da bagagem, a lanterna, que mesmo pequena chama atenção. Por mais de uma hora pedalo sob forte neblina, com o tempo ficando claro, e os primeiros raios solares penetrando a nevoa, torna o cenário bucólico, embora tímido em razão do tempo, ainda mais especial.




O objetivo do dia era chegar em Curitiba, a uma distância de 215 km’s, aparentemente impossível para quem havia pedalado o máximo de 160 km’s e ainda no primeiro dia. Mas novamente não considero uma missão impossível. O ritmo é maior em comparação aos dias anteriores, a neblina cede espaço para um sol forte e um tempo limpo, sem muito vento, o que ajuda a manter o giro mais constante. A próxima cidade depois de Relógio era Irati, e mesmo pedalando bem, consigo chegar na hora do almoço, antes da entrada da cidade, faço uma parada em um restaurante à beira da estrada. Novamente a comida é farta e o preço bom. Aproveito para ligar pro João Paulo em Curitiba e mantê-lo informado sobre onde estava, afinal era para avisá-lo assim que estivesse na capital, o que deveria acontecer no dia 30, segunda-feira para descermos a serra no dia seguinte que seria feriado. Mesmo faltando aproximadamente 140 km’s para chegar em Curitiba, aviso que consigo chegar até o final do dia, mais tarde eu saberia que o João não havia acreditado nas minhas palavras.

Depois do almoço, não mais que uma hora e novamente na rodovia, faço apenas algumas fotografias, embora o trecho na região de Irati seja muito bonito. A estrada é boa e as condições do relevo favorecem um ritmo cada vez mais forte no pedal. Meu objetivo de chegar na capital é ainda mais um incentivo para não desanimar diante das subidas que começam a surgir próximo a cidade de Palmeira. Nesta região as subidas e descidas são realmente constantes, em alguns momentos você está em uma descida de quilômetros, com curvas e uma visão fantástica dos arredores da estrada. Em outros instantes, a única imagem a sua frente é de uma subida interminável.


Com esta oscilação consigo finalmente chegar na cidade de Palmeira, mas já estava escuro, deveria ser em torno das sete horas da noite. Antes vale ressaltar uma parada na estrada durante a tarde em uma lanchonete onde aproveitei para comer dois salgados, tomar um refrigerante e aproveitar o local higiênico para fazer as necessidades básicas. Saindo do estabelecimento um senhor começa a conversar comigo e explico sobre a viagem, fato repetido diversas vezes durante a expedição. Contudo, ele me faz uma pergunta que no mínimo eu achei curiosa, questionou se minha viagem era em razão de alguma promessa realizada. Respondo que não e ele parece desapontado, rebatendo qual era o motivo da viagem. Tento explicar em poucas palavras sobre o cicloturismo e que a viagem estava fazendo parte do treinamento para o Chile, afinal a Travessia do Paraná era o começo dos treinos para realizar a grande expedição para o Oceano Pacifico. Se ele me entendeu, não sei. Mas continuei rumo à Palmeira.

Em Palmeira ainda faltavam São Luis do Purunã e Campo Largo antes de chegar na capital. Apesar de estar escuro, não penso em parar por enquanto. Estava cansado, mas me sentia bem fisicamente para continuar pedalando. Como a estrada tinha acostamento, também concluí que estava seguro. Avançando alguns quilômetros e aumentando a altitude novamente, percebo que em alguns trechos o acostamento cede lugar para a terceira faixa, exclusiva para caminhões, isso ocorre geralmente em subidas. Perdendo o acostamento, somos obrigados a pedalar na mesma faixa destinada aos caminhoneiros, claro, pedalando sempre sobre a faixa da direita. Não tive nenhum problema com os caminhões, a maioria respeita sua presença na estrada, passando inclusive a mais de um metro e meio da bicicleta, distância exigida por lei. Creio que o fato da bicicleta estar devidamente iluminada contribua bastante para esse comportamento, vale a ressalva que alguns poucos ainda resistam a te respeitar, passando muito próximos da bike. Mas cicloturista também tem que ter sangue frio e não se apavorar diante das circunstâncias. Neste instante não estava nem preocupado com a questão de assaltos, principalmente pela hora e por estar em uma região totalmente desconhecida. Tinha, é obvio, a noção de que era havia riscos, mas isto, nós todos estamos sujeitos, mesmo ao ir até a esquina de casa. Continuei.

Altas horas da noite, sozinho, cansado e com fome, chego até um posto de combustível em São Luis do Purunã. Pensei em ficar e passar a noite por ali mesmo. Mas eu estava tão próximo, e a informação que recebi do funcionário do posto foi que até Campo Largo (26 km’s) existia um longo trecho de descida. Isso me animou bastante. Não resistindo a façanha de chegar no dia previsto, coloquei a magrela na estrada e continuei. E realmente, havia uma longa descida de serra. Alucinante, uma experiência nova, descer em alta velocidade, mesmo de noite em uma serra com muitas curvas. Você esquece tudo e aproveita o momento. Lembro que fiz apenas uma pausa para registrar placa com a quilometragem das próximas cidades, isso só foi possível, graças ao flash da câmera. Pois nada mais era visível. Apenas minha força de vontade para pedalar mais dez quilômetros, chegar em Campo Largo e avisar o João para me esperar na entrada de Curitiba, conforme o combinado.



Na chegada em Campo Largo, as condições do tempo são estranhas, frio, uma mistura de neblina com chuvisco, algo que não soube identificar. Mas, finalmente estava cada vez mais próximo do destino. Na entrada da cidade eu não consigo encontrar nenhuma placa indicando que é Campo Largo, mas parecia uma cidade grande pela quantidade de luzes que embaraçosamente se visualizava em meio do mau tempo. Para tirar a dúvida, entro um pouco na cidade e encontro logo um posto de combustível que já estava fechado, mas com alguns seguranças presentes. Eles me informam que estou em Campo Largo e que Curitiba está há uns 20 km’s. Para quem andou até aquele momento 200 km’s, mais vinte não seria nenhum sacrifício, meu corpo ainda agüentava, minha mente estava preparada. Mas algo que não esperava aconteceu.

No posto de combustível resolvo ligar para o João e avisar que estou em Campo Largo e se mesmo numa hora daquela, só onze e meia da noite, ele poderia me esperar na entrada de Curitiba. O telefone demora a ser atendido, apenas na segunda tentativa ele atende, a ligação não é boa, mas percebe-se que está sonolento, não é pra menos. Ele me diz que está praia, mencionou o nome, mas como não compreendi, pedi para repetir e somente então fui perceber que meu guia não poderia me ajudar. João explicou que, como liguei de Irati passava das doze horas da tarde e a distância até Curitiba era grande, não imaginou que eu conseguiria chegar a tempo. Assim, resolveu descer a serra com a galera para a praia. Que azar.

Ficamos de nos encontrar na terça-feira, dia seguinte, na Serra do Mar, mas estaríamos em sentidos opostos. Sem saber o que fazer direito, já que os planos mudaram novamente, não vejo razão em chegar em Curitiba àquela hora e não saber onde ficar e sem nenhum apoio. Decido por montar acampamento no posto onde me encontro. Antes peço autorização para os seguranças, havia uns quatro, cinco, não compreendi o motivo, mas de qualquer forma eu também estaria seguro. E na verdade foi a noite mais tranqüila. Apenas acordava no meio da noite em razão da comunicação entre eles via rádio. Mas isso era o de menos. Antes de dormir, também liguei para minha mãe, avisando onde estava e que tudo ocorrera bem, claro que neste momento a omissão de detalhes é imprescindível

Na manhã seguinte, acordo entre 7 e 7:30, mas demoro mais algum tempo para levantar, quando decido desmontar acampamento já passam das oito horas, ou seja, o horário mais tardio até então para arrumar as coisas. Mas isso acontecia, justamente pelo fato de não saber qual alternativa colocar em prática. O João estava na praia com a galera do pedal e eu conhecia apenas uma amiga que morava na capital, talvez eu pudesse passar na casa dela, fazer uma visita e conseqüentemente conseguir algumas informações sobre qual trecho era o mais apropriado para seguir viagem. Entrei em contato com essa amiga dias antes da viagem, para avisar sobre a possibilidade de nos reencontrarmos, visto que há muitos anos não a via. Com o telefone dela em mãos, assim que desmonto a barraca e já deixo tudo preparado para partir, vou até o telefone público do posto. As notícias não são boas, ela também aproveitou o feriado para descer ao litoral. Parecia que todos tiveram a mesma idéia de ir à praia. E agora o que fazer?




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