quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

A Travessia do Paraná - Terceiro dia:

Travessia do Paraná - Parte 4

Saída: Cantagalo

Almoço: Guarapuava

Pernoite: Relógio

Distância dia: 128 km’s

O dia e a noite anterior não havia sido dos melhores, então eu desejava que esse terceiro dia fosse mais tranqüilo. Novamente acordo cedo e antes das sete horas da manhã já estou pedalando, quase 100 km’s e duas cidades de atraso, embora eu estivesse em direção da maior altitude da viagem, após algumas subidas depois de Cantagalo, a Serra da Esperança na região de Guarapuava me proporciona algumas descidas alucinantes que revitalizam meu humor e minha energia. O visual é maravilhoso, mas não tiro muitas fotos, aproveito as descidas, o dia aparentemente é bom e ainda sem vento, por isso resolvo me manter em movimento, em um ritmo mais rápido.

Essa região central do estado pode-se notar a existência em maior número das Araucárias, é uma beleza à parte. Impossível não registrar sua presença marcante. Muito alto, estamos, a bicicleta e eu, a mais de mil metros de altitude, o horizonte se apresenta infinitamente majestoso. As subidas ainda são parte constante do trajeto, mas agora estou acostumado com elas, você acaba preparando o psicológico para encarar subidas monstruosas, como aquela subida íngreme antes do pedágio a 20 km’s de Guarapuava, que parece não ter fim. Se a parte física do seu corpo não ajudar, mas você estiver bem psicologicamente, você pode ir além do que se imaginava, tenha certeza disso.

A exatamente vinte quilômetros antes de chegar em Guarapuava, ouço um barulho de vazamento, sim, era o primeiro pneu furado da viagem. Mas certamente era um furo muito pequeno, embora estivesse ouvindo o vazamento, demorou em murchar. Então resolvi seguir viagem, era próximo ao meio dia e esperava encontrar um restaurante na entrada de Guarapuava, assim aproveitava para almoçar e trocar a câmera. O almoço é uma maravilha, bom e barato. Um dos melhores momentos do dia, descanso e barriga cheia. Existia uma borracharia ao lado do restaurante. Para não perder tempo, levei a bike para o rapaz trocar a câmara. Nunca tinha realizado essa tarefa anteriormente, e talvez por não saber ou com ansiedade de seguir viagem o quanto antes, a preferência foi trocar na borracharia. Em razão de alguns minutos estava tudo pronto. De novo na estrada. Desta vez o tempo começa a fechar e a chuva não demoraria a cair.

O trecho da rodovia que passa por Guarapuava é longo, desse modo antes de sair completamente do perímetro urbano, a chuva começa aos poucos e aumenta aos poucos. Faço uma breve parada em um ponto de ônibus para certificar que a câmera fotográfica não iria molhar. Pra isso não existe muito segredo, para não deixar sua bagagem encharcada, basta deixar tudo em sacolas, essas mesmo de supermercado, solução simples. Como era a primeira vez que chovia durante a viagem, resolvi tirar uma foto para mostrar futuramente que um cicloturista está sujeito a diversas variações climáticas. Não esperei a chuva parar e continuei pedalando, em um giro muito bom, a velocidade aumentava, estávamos descendo um pouco. Com a chuva eu não tenho nenhum problema e vou embora, por alguma razão sempre pedalo mais rápido com a chuva, mas esta é passageira e alguns quilômetros depois o tempo começa a clarear novamente. Em uma descida, aproveito para filmar, estava muito feliz pelas circunstâncias, barriga cheia, descida, chuva, alma lavada. No vídeo, deixo a aparente combinação desses elementos, somada à sujeira visível no rosto.


Ainda não estava no ponto mais alto, segundo meu roteiro, seria na cidade de Guará, cerca de vinte e cinco quilômetros depois de Guarapuava. Portanto, mais subidas no caminho, mas essas não eram um obstáculo como no inicio, agora elas proporcionavam um pedal mais tranqüilo. Os Pinheiros do Paraná continuavam visíveis à beira da estrada e também ao horizonte. A semente dessas árvores, conhecidas como pinhão, cujo seu interior é comestível depois de assado ou cozido, é comumente vendido no supermercado ou na beira da rodovia, fato presenciado, sobretudo, na região de Guarapuava e Guará, nesta última, de modo mais acentuado. Não tenho muito apreço pelo pinhão, raramente degusto o sabor do mesmo. Dessa maneira não parei para comprar. Mas me chamou atenção para o grande número de pessoas que realizavam a sua venda.

Para tornar o pedal ainda mais agradável, uma bela surpresa estaria no meu caminho. Com o asfalto ainda molhado da chuva é inevitável ficar limpo, os respingos dos pneus na roupa e no corpo são visíveis, mas pra falar a verdade, quem se importa com esses aspectos diante da situação que eu me encontrava. Lembro-me que extremamente em um estado de êxtase, fiquei ainda mais feliz quando surge do inesperado, à beira da estrada, uma cachoeira literalmente ao lado da rodovia. Quase no topo da subida, estava ela, acessível aqueles que quisessem aprecia-la. Até então eu desconhecia a existência daquela maravilha da natureza, por isso fiquei surpreso a ponto de quase não acreditar no que estava vendo.

O cenário e a ocasião foram um prêmio pelos três dias pedalando praticante em aclive. Acredito que a maioria de nós, cicloturistas, não pedala com a intenção de sermos premiados com essa ou aquela paisagem, pois a vitória está em realizar aquilo que muitos desejam, mas apenas os dispostos a abandonar o estilo de vida habitual e se aventurar pelos seus ideais são capazes de realizar, e isso está em todo o conjunto da viagem. Determinadas obras que a natureza se incumbiu de fazer tornam o momento inesquecível e a sensação única. Desse modo, a cachoeira no território do município de Guará ficou marcada pela beleza e resistência da natureza à ação dos homens. Ainda observa-se atrás da queda d’água o Pinheiro do Paraná, resultando, um ambiente ímpar, perfeito para recuperar as energias e seguir em frente.





Após registrar a cachoeira através de vídeo e foto, sigo a BR 277, pelo meu roteiro atual, incluindo as devidas mudanças em razão do atraso, meu objetivo é pedalar enquanto for possível. E a tarde estava quase acabando quando uma placa na estrada indicava o início de descida de serra, com uma extensão de sete quilômetros, não preciso nem comentar que uma mensagem dessa é sempre bem vinda.


Mas parece que pra ser aventura não pode ser fácil, a descida tem acostamento, mas este é marcado por aquelas lombadas menores, em uma distância pequena entre elas, assim, aquele que trafega pelo acostamento não tem a mínima chance de ganhar velocidade. Que injustiça. O fluxo de veículos não era pequeno, existiam muitos caminhões que por questão de segurança descem em baixa velocidade, geralmente freando constantemente, a conseqüência é que o transito fica mais lento, formando uma fila de veículos.

Por alguns metros eu resisto à idéia de andar na pista e a bike vai saltando quase desastrosamente os obstáculos. Sem automóveis ou caminhões saio do acostamento e vou para pista, uma decisão arriscada, mas a vontade de aproveitar a descida foi maior. Mas essa atitude não prossegue por muito tempo, logo a frente pego congestionamento, justamente pela velocidade menor dos caminhões, fico atrás de um carro e não demora muito pra uma caminhonete aparecer atrás de mim. Não querendo virar um sanduíche, embora estivesse todo equipado, inclusive com farol e lanterna, não penso duas vezes em voltar para o acostamento repleto de obstáculos miseráveis que provoca a ira de muitos que passam por esse trecho de bicicleta. Recordo que o Valdo, um cicloturista com seus mais de sessenta anos e que atualmente se encontra em sua volta ao mundo de bike, também reclamou sobre a existência de tais lombadas. Enfim, durante a descida, mesmo escurecendo, avistava-se ao lado esquerdo, o Morro do Chapéu, nome em referência à forma da montanha, uma bela paisagem. Presenciei esse mesmo morro em uma viagem de automóvel realizada um ano anterior. Faço então, uma breve parada para registrá-lo, mas como estava muito escuro, só eu consigo enxergá-lo na fotografia. Ainda bem que eu sei que ele está presente na imagem, se por acaso me taxarem de mentiroso.

No final da descida, o município de Relógio e na entrada da cidade um movimentado posto de combustível à esquerda com a marcante presença de inúmeros caminhões, ao lado direito uma lanchonete e borracharia, nesta eu resolvo parar e perguntar ao funcionário que estava trabalhando sobre a possibilidade de passar a noite em algum lugar no posto existente no outro lado da rodovia. O senhor que me atendeu, era na verdade, o dono da borracharia e da lanchonete que ficava paralela a casa dele. Não, ele não me chamou pra dormir na casa dele. Mas me recomendou uma escola abandonada que estava ao lado de um terreno baldio que por sinal se encontrava ao lado da borracharia. Infelizmente não consigo lembrar o nome do senhor, mas jamais vou esquecer a atenção concedida. Emprestou-me sua lanterna para que meu acesso até a escola fosse possível. Questionado sobre a presença de outras pessoas no local, ele me disse que apenas alguns mendigos ficavam no lugar, mas era principalmente no inverno, ainda não estávamos na estação, mas fazia um certo frio. Aproximando-me da escola, percebo que ninguém se encontrava no cômodo onde resolvi ficar, se por acaso aparecesse alguém durante a madrugada, eu somente teria que dividir o ambiente, sem causar tumulto. Expressando assim, até parece que eu não estava apreensivo, a borracharia em Guaraniaçu também parecia tranqüila.

O dono da borracharia me avisa que no banheiro da lanchonete existe chuveiro, então assim que arrumei as coisas no cômodo da escola, inclusive deixando a barraca montada, mesmo que o lugar estivesse todo coberto. Aproveito para levar algumas roupas para lavar em uma torneira ao lado da borracharia. No banheiro, outra surpresa, banho quente, um milagre. Geralmente os banheiros de postos de combustíveis não tem essa opção. Quando surge uma oportunidade dessa, nos resta aproveitar e ficar alguns minutos a mais para tomar um banho mais caprichado, principalmente depois de um dia com chuva e muita sujeira pra todo lado.

Voltando ao ‘quarto de hotel’, deixo tudo dentro da barraca, exceto a bicicleta, esta fica cadeada dentro do cômodo. A porta existente era carente de tranca. A solução foi simples, fechar a porta e usar os elásticos que amarravam a bagagem para evitar que a porta viesse a ser aberta durante a noite, se por ventura isso acontecesse, eu escutaria o barulho. Se essas armadilhas funcionam não sei, ainda bem que nunca tirei uma prova real de sua eficácia. A noite não é tranqüila, apesar de não aparecer ninguém, parece que sempre estamos dormindo prestando atenção no que acontece ao redor, e talvez o nome disso nem seja dormir, até porque, parecia que a cada caminhão que estacionava no posto do outro lado eu escutava-o movimentando-se. De qualquer forma, eu estava limpo, um pouco descansado e minhas coisas estavam todas em ordem. Antes de dormir eu já havia agradecido ao senhor que me indicou a escola, me cedeu a torneira para lavar as roupas e ainda deixou eu tomar banho. Para economizar, minha janta havia sido algumas bolachas que estavam na mochila. O café da manhã seguinte foi servido com o mesmo cardápio.




Parte 3 << >> Parte 5

Nenhum comentário:

Postar um comentário