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quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

A Travessia do Paraná - Primeiro dia:

Travessia do Paraná - Parte 2

Saída:
Marechal Cândido Rondon

Almoço: Cascavel

Pernoite: Guaraniaçu

Distância dia: 160 km’s

No meu roteiro, fiz a escolha de seguir por Toledo até chegar em Cascavel e pegar a BR 277 que me levaria até Curitiba e conseqüentemente ao litoral. Dessa vez, com um pouco de experiência e informações obtidas na internet, minha saída foi programada pra bem cedo, às 6 horas da manhã eu estava saindo do apartamento em Marechal. Ainda escuro, preparo a bicicleta, coloco todos os itens na mochila, esta eu amarro com elásticos no bagageiro. Acendo o farol e a lanterna, desço as escadas e finalmente a Magrela Guerreira, nome na minha Ônix, está no asfalto.

O trecho até Toledo não é muito calmo, principalmente pelo tráfego intenso de caminhões, como já dito em postagens anteriores, o fluxo é resultante do transporte, sobretudo, de produtos agrícolas produzidos na região. O acostamento é precário, necessitando uma atenção maior. Como ainda é cedo, e aqui uma observação, talvez o melhor horário pra se pedalar seja pela manhã, assim como muitos ciclistas, compartilho dessa opinião. Geralmente nas primeiras horas do dia não exista a presença significativa do vento, este, contra é um dos piores obstáculos do ciclista na estrada. O sol também é menos intenso, assim, o desgaste físico é menor. É somente após as 11 horas (dependendo da região e época), que a presença da forte temperatura se torna um fator presente para nós viajantes.

A ansiedade da partida vai ficando para trás a cada giro do pedal. Não existe medo do desconhecido e muito menos o pensamento que não pode dar certo. Mas a ansiedade é algo inerente àqueles que não vêem a hora de colocar seus planos em prática. E essa sensação só vai passando quando você percebe que seu sonho está tornando-se realidade, um dos melhores sentimentos que um ser humano pode ter. E desse modo, os obstáculos por mais difícil que seja não é maior do que o desejo de viver esse momento.

Toledo vai ficando para trás junto com a ansiedade. Mas nunca estamos realmente sozinhos na estrada, quando os veículos não se mostram presentes, a mãe natureza se incumbe de demonstrar sua presença. Uma pena ter mandando uma companhia não muito desejada, o vento contra. O vento durante o pedal é bom, ajuda a refrescar bastante, mas quando esse se torna contrário à nossa direção, o esforço necessário para deslocar a bicicleta é quase o dobro. E para quem tem um planejamento a seguir, cada minuto é importante para que a quilometragem seja diminuída. Naquele momento, mal sabia que teria aquela companhia por mais três longos dias.

De Toledo a Cascavel a estrada melhora no aspecto físico, asfalto e acostamento são melhores, contudo, as subidas aumentam, e também elas, me acompanhariam por muito tempo. Em Cascavel faço uma parada para almoçar. O ritmo de pedal até então não foi muito alto, o vento e as freqüentes subidas foram os principais motivos. Algumas paradas para alongar e comer uma bolacha ou barra de cereal, mas na maioria das vezes esse processo era rápido. Por volta das 13 horas, avisto um restaurante e não hesito em parar, como é bom sentar na sombra depois de algumas horas de pedal. Melhor ainda é comer a vontade, esse é um dos grandes segredos da economia, aproveitar o máximo possível dos restaurantes à beira da estrada, geralmente a comida é boa e a vontade. No meu caso, era a principal refeição do dia, não sabia onde passaria a noite, então era preciso se precaver para não passar fome depois, pedalar com a barriga vazia é uma das piores sensações.

Após almoçar, descanso alguns minutos, faço uma checagem na bagagem, é sempre bom conferir se tudo está guardado. É um fato comum esquecermos algo durante as paradas.

Na estrada novamente. As paisagens estão diferentes conforme se avança pela rodovia. A plantação extensiva é visível, embora, menos expressiva . Enquanto isso, vou fazendo meus registros fotográficos, afinal são oportunidades únicas, pode-se passar outras vezes no mesmo caminho, entretanto, ele dificilmente estará da mesma forma. Como é a primeira vez que passo por essa região de bicicleta, tudo é muito diferente, a percepção das coisas ao seu redor se tornamaior, cabendo ao observador apreciar a natureza de um ângulo diferente do qual estamos habituados em nosso cotidiano. A altitude aumenta consideravelmente, a cidade de Ibema, depois de Cascavel, está localizada a 910m do nível do mar, isso significa na prática que as subidas agora eram intermináveis assim como o vento contra que parecia incessante. Mesmo em um ritmo mais tranqüilo, continuei pedalando, apesar das adversidades, a condição do asfalto era boa, permitindo o tráfego constante pelo acostamento, favorecendo além de segurança, mais tranqüilidade para observar o cenário natural da região, que agora modificava-se, sendo notório a presença da Araucária ou Pinheiro do Paraná, vegetação típica e símbolo do estado. O Pinheiro era abundante em quase todo o Paraná, contudo, com a colonização a partir dos séculos XVIII e XIX, a mata foi cedendo espaço para plantações, pastos e também para a urbanização, conseqüentemente, são poucos locais onde essa vegetação pode ser encontrada, os vestígios durante a Travessia eram nítidos na região de Guarapuava, poucos foram fotografados após Cascavel.

No roteiro original, a programação era de pernoitar em Nova Laranjeira, totalizando 216 km’s ao final do primeiro dia de viagem. Todavia, eu ganhava mais um aprendizado, as adversidades devem ser consideradas ao fazer um planejamento. Afinal era uma distância enorme e mesmo ciente da ascensão da altitude, não considerei a situação climática, resultado foi a decisão de parar uma cidade antes da prevista. Assim, a cidade de Guaraniaçu seria o local para acampar pela primeira vez durante a viagem e a primeira experiência da minha vida deste tipo. Já estava escuro, o vento resolve se esconder como o sol. Pedalar de noite parece dar a sensação de estar com a energia recarregada, mesmo com quilômetros de bagagem nas horas anteriores, desse modo, mesmo apreensivo por não saber onde iria dormir, o giro do pedal é maior e logo Guaraniaçu é visível.

Como a rodovia é pedagiada, o Serviço de Atendimento ao Usuário (SAU) ,da concessionária responsável, está presente em vários trechos. Um pouco antes da cidade tinha um à beira da rodovia, sem ter nada a perder, resolvo parar e perguntar se posso montar a barraca atrás do local. Sem sucesso, mesmo argumentando sobre o estilo da viagem, o funcionário me explicou que seria impossível, mas me recomendou um posto de combustível logo adiante. Em direção ao local fui pensando que também seria vetado de passar a noite, se por acaso isso acontecesse, o que teria que fazer? Enfim, cheguei ao posto e minha primeira atitude foi explicar a situação para o funcionário que estava na pista de abastecimento e para minha felicidade, fui autorizado sem maiores problemas. Mas o dia ainda não tinha finalizado, uma outra parte da vida quase diária de um aventureiro começava. Montar acampamento.

Já comentei que o único teste com a barraca foi realizado no chão da sala do apartamento em Marechal, onde tudo é perfeito, muito diferente do terreno onde escolhi montar o primeiro acampamento. Sem muita opção e não querendo ficar muito distante da movimentação de pessoas, pois se me acontecesse alguma coisa, a quem eu recorreria durante a madrugada. Então, fiquei perto do poste de energia do estabelecimento, o terreno era todo irregular e com algumas pedras que foram retiradas. Em poucos minutos a barraca estava montada, até eu fiquei surpreso com a rapidez. O próximo passo foi retirar a bagagem da bicicleta e colocar tudo dentro da minha ‘casa’. Separei uma ‘roupa de civil’, tranquei a bike com um cadeado de moto, é um pouco mais reforçado, exatamente pra ninguém ter facilidade em levar a Magrela. Sem movimento no posto, procurei fazer tudo muito rápido e fui verificar o banheiro, como muitos devem saber, banheiro de posto muitas vezes deixa a desejar no que se refere a limpeza. Esse estava mais ou menos, tomei meu banho super rápido. Sim, não pode-se esquecer os itens de higiene básica, eu particularmente não costumo compartilhar essas coisas. Após trocar de roupa, fui até à lanchonete, comi um salgado com um suco e retornei ao banheiro para escovar os dentes. Pronto, estava preparado para dormir. Engano meu.

Dormir de verdade é um pouco difícil em meio a tais circunstâncias, no meu caso, mesmo cansado após pedalar o dia todo, não consegui firmar o sono, apenas tirava uns cochilos e acordava às vezes em razão das vozes que pareciam de pessoas que estavam ao lado da barraca, esse fato me deixava ainda mais apreensivo, o que elas estariam fazendo naquele local, numa hora daquela. Deixei minha bicicleta deitada e trancada do lado de fora da barraca, além do cadeado, amarrei algumas cordinhas na roda e nas estacas da barraca. Se por acaso, alguém tentasse mexer, eu pelo menos acordaria. Mesmo não dormindo, minha armadilha não foi utilizada, para minha sorte. Entre um cochilo e outro a noite foi passando e a hora avançava madrugada adentro. O som dos pássaros anunciava que a noite se transformara em dia, finalmente estava claro. E eu, é claro, estava aliviado em sobreviver a primeira noite na estrada.

Seguindo o roteiro original, a cidade de partida seria Nova Laranjeiras com destino em Guará, perfazendo assim 148 km’s diário, contudo eu estava 47 km’s atrasado em relação ao dia anterior, onde minha parada foi em Guaraniaçu. Desse modo, eu deveria pedalar quase 200 km’s no segundo dia para compensar o atraso, algo muito difícil na prática, a altitude continuava alta e as subidas persistiam. Interessante, é justamente nas subidas que você passa a fazer as reflexões mais variadas que seu cérebro também cansado começa a pensar. Esse processo foi positivo, compreendi que a estrada, sobretudo, a subida, estava havia muito tempo naquele lugar, eu que fui atrás delas, então deveria guardar minha ira e pedalar tranqüilo para superar cada montanha. Em todo caso, o roteiro foi logo modificado. Decidi partir de Guaraniaçu e continuar o máximo possível na estrada, parar somente quando a noite cair e as pernas não agüentarem mais.

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Primeira expedição: A Travessia do Paraná

Travessia do Paraná - Parte 1

Entre conhecer o pessoal da comunidade e a Travessia do Paraná não demorou muito tempo, menos de dois meses foram suficientes para que eu estivesse ainda mais inspirado com os relatos e fotos das viagens que os amigos curitibanos tinham realizado. Com eles e outros ciclistas, procurei o maior número de informações e dicas para uma viagem melhor planejada. Também conheci a comunidade Cicloturismo no orkut.com, onde estão reunidos cicloturistas de todas as partes, inclusive do exterior. A troca de informações a partir dos relatos e dúvidas nos fóruns é extremamente enriquecedora para quem procura fazer um projeto de viagem. Não diferente da comunidade paranaense, também conheci muitos amigos e obtive preciosas informações.

Eu me sentia extremamente inspirado, estava disposto a investir tempo, o pouco do meu dinheiro e o que fosse necessário para sentir o prazer proporcionado pelo cicloturismo. Com isso, fiz um planejamento audacioso, sair do Oeste Paranaense, Marechal Cândido Rondon e chegar ao Leste do estado, litoral do Paraná, Matinhos.

O projeto, intitulado A Travessia do Paraná, foi mais bem planejado, comprei vestimentas próprias de ciclistas, como camisa, bermuda, luva, óculos e capacete. A maioria dos itens comprados pela internet. Na bicicleta, troquei o pedevela e comprei lanterna e farol, também um bagageiro para carregar minha mochila que na ocasião serviu como um alforje. Com esses itens realizei alguns treinamentos por estradas vicinais da região. Mas foi um treinamento menor do que eu precisava para realizar uma viagem com mais de 700 km’s com previsão de cinco dias para se chegar ao destino. Mas como explicar a alguém com muita fome para mastigar bem a comida? Afinal eu estava buscando entrar no ritmo das expedições, eu precisava estar na estrada, em movimento.

Dessa vez, o planejamento estava desenvolvido em uma planilha no computador, com direito à distância em quilômetros entre cada cidade e a sua devida altimetria. Procurei obter informações sobre alguns locais que iria passar. Sem muito dinheiro, peguei uma barraca emprestada de um amigo do meu irmão. Mesmo sem nunca ter acampado antes, estava disposto a acampar durante a noite à beira da estrada, principalmente nos postos de combustíveis, locais sagrados para os viajantes de bike, soube isso a partir dos relatos nas comunidades. Não é difícil saber o porque, na maioria dos postos encontra-se comida, banheiro, alguns com chuveiro e um lugar para montar acampamento. O único teste para montar a barraca foi no chão da sala do apartamento que morava, tudo muito simples. Bastava ajeitar os últimos detalhes.

Como eu iria passar por Curitiba, marquei de encontrar com o pessoal da comunidade, o João ficou de me esperar na entrada da cidade assim que eu estive chegando na capital paranaense, o que deveria acontecer em quatro dias, assim, ainda iríamos ao litoral em grupo, pedalando.

Na bagagem foram algumas poucas mudas de roupas, a barraca e uma coberta que servia de colchão e também de cobertor. Claro, não esqueci das ferramentas e da câmera de ar. Para registrar os momentos, uma câmera fotográfica emprestada. Cinqüenta reais para alimentação e algumas barras de cereal.

Dessa vez avisei a família, menos meu pai, é claro. Mas de algum modo, se eu tinha chego com vida em Foz, não havia muito com o que se preocupar, mas esse é meu pensamento de filho, vai explicar isso pra uma mãe. De qualquer modo ela me desejou boa viagem.

A data da viagem ficou reservada para o dia 27 de abril de 2007, com a previsão de chegar dia 30 na capital, pois no feriado de primeiro de maio, iríamos, o pessoal da comunidade e eu, descer a serra em direção ao litoral. Portanto, eu tinha todo um cronograma a seguir, e não foi fácil, nada fácil, as surpresas na estrada foram muitas.

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quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Dezembro de 2006. A primeira viagem.

Trajeto entre Marechal Cândido Rondon e Foz do Iguaçu no Paraná.
Dezembro de 2006. Eu morava sozinho e cursava História em Marechal Cândido Rondon/PR quando, ao término do ano letivo na universidade, surgiu uma ideia que parecia audaciosa para mim e todos aqueles com quem compartilhei a possibilidade de pedalar até Foz do Iguaçu, cidade paranaense onde a minha família morava. Aproveitei o período de férias e procurei realizar um planejamento básico para que a viagem não ficasse restrita ao campo das ideias. Mesmo atípica, em nenhum momento a jornada me pareceu impossível, mas essa não era a opinião daqueles que começaram a me taxar de louco. Paciência!

Naquele momento eu ainda não tinha conhecimento algum de que estava prestes a praticar uma modalidade do ciclismo que era denominada como cicloturismo e tampouco tinha contato com outras pessoas que viajavam sobre duas rodas. Desse modo, não existia da minha parte nenhuma leitura de relatos realizados por cicloturistas, porém eu sabia que precisava minimamente planejar aquela decisão para alcançar meu objetivo de pedalar até Foz do Iguaçu e visitar a família.

O primeiro passo foi conhecer o roteiro, ou seja, as cidades que estavam no caminho, a distância entre elas e a quilometragem total do percurso. Para isso, utilizei um mapa do Estado do Paraná que encontrei na internet e conseqüentemente tracei o percurso por onde passaria. Não existiam muitas opções de rotas para quem desejava chegar à Terra das Cataratas, assim pedalaria pelo mesmo percurso realizado pelo ônibus da linha M.C.R x Foz, trajeto que passei inúmeras vezes observando a Costa Oeste e seus balneários através da janela do ônibus. Nas anotações também foram incluídos os distritos visíveis no mapa, afinal, eu deveria saber exatamente por onde seguir.

Essa primeira tarefa não foi difícil, pois alguns mapas disponibilizavam a quilometragem entre cada trecho. A distância era considerável para qualquer ciclista que desejava concluir 175 quilômetros em apenas um dia. Todavia, por alguma razão, não me assustei com esses números. Pensar no que levar foi o próximo passo. As ferramentas básicas estavam na lista e relacionadas somente a uma possível câmera de ar furada durante o trajeto. Detalhe, eu nunca tinha trocado um pneu antes e nem sabia como fazer, mas também não me preocupei em aprender. Não sei, talvez a falta de experiência ou a confiança de que nada poderia acontecer me fez não prestar muita atenção para esses detalhes.

Uma bomba de ar, câmera reserva e ferramenta básica, foi o que levei em uma mochila que também contava com meia dúzia de banana, algumas bolachas e uma garrafa de dois litros com água congelada. Sim, pensei que essa seria a solução para ausência de água. A mochila estava extremamente pesada, o que resultou em um desgaste ainda maior durante a pedalada. Mas esse não foi o meu principal equívoco. O horário de partida se revelou muito mais cruel, afinal, eu comecei a pedalar depois do almoço.

Almocei e deixei um bilhete em cima da mesa com o percurso completo, pois eu não tinha avisado ninguém sobre a viagem, apenas comentei sobre ideia. Dessa maneira, achei que seria interessante deixar o aviso para informar o meu provável paradeiro em caso de algum acontecimento inesperado. E assim, após às 13 horas, fechei a porta do apartamento, encontrei a minha vizinha e mencionei que estava indo para Foz do Iguaçu. Claro, ela ficou incrédula com a notícia. Segui viagem.

Assim, a minha primeira viagem seguiu sob um forte calor, característico do quente verão do velho oeste paranaense, uma das regiões com as temperaturas mais elevadas do estado. Aprendia naquele momento que o melhor horário para começar uma viagem de bicicleta seguramente não era no período vespertino, ainda mais com aquelas condições. A água não resistiu aos cinqüenta primeiros quilômetros. A constatação poderia significar um grande problema, mas revelou um lado positivo, pois começava meu contato maior com as pessoas encontradas pelo caminho, afinal, acabei obrigado a deixar a timidez de lado para pedir água, informações e tudo mais. O melhor desse contato foi sentir a incrível receptividade das pessoas com quem viajava de bicicleta. Não sei dizer exatamente o que elas pensavam, ao mesmo tempo em que algumas chamavam de louco também ficavam admiradas pela coragem e o transporte pouco habitual para um deslocamento como aquele.

A jornada continuava, porém ficava cada vez mais difícil chegar em casa no mesmo dia, aquele sábado quente de dezembro. Com paradas freqüentes para hidratar, comer alguma coisa e, sobretudo descansar, o tempo foi passando de forma rápida em contraposição aos quilômetros que aparentemente ficavam mais longos a cada giro do pedal. A altimetria que parecia uma informação banal, provou ser muito relevante para uma aventura daquele tipo, mas na época eu não tinha esse conhecimento. Marechal Cândido Rondon estava localizada acima dos 400 metros de altitude contra os 164 metros de Foz do Iguaçu, no entanto, isso não significava um trajeto marcado pelas descidas, pois as subidas foram constantes. Se você pretende se aventurar pelas estradas comece a olhar a subida por um outro ângulo, se enxerga-la apenas como um obstáculo intransponível, certamente seu aspecto psicológico vai afetar o desenvolvimento físico do seu corpo. Mas vai dizer isso pra alguém em sua primeira viagem. Na prática, as coisas são mais sofridas.

A noite chegou e eu ainda estava na estrada, há quase 30 quilômetros de São Miguel do Iguaçu, cidade onde o caminho para Foz seria pela BR 277, rodovia pedagiada e com condições infinitamente melhores que a rodovia estadual por onde eu pedalava na escuridão. Para variar, o trecho entre Missal e São Miguel do Iguaçu consagrou-se como o mais difícil da viagem naquele momento. O sobe e desce constante era marcado por subidas íngremes intermináveis. Agora, acrescente a essa situação os quilômetros que foram pedalados debaixo do sol escaldante; a canseira aparente; e o avanço sem enxergar nada. Pois é, não sei o que estava pensando quando resolvi sair depois do almoço. Não levei lanterna, farol ou coisas do gênero, a única luz que eu enxergava na pista era a dos automóveis que me orientava através do seu reflexo na faixa da estrada. O risco foi enorme, sobretudo porque era um caminho que interligava vários balneários. Hoje tenho consciência do perigo que foi pedalar naquele trecho precário de acostamento quase inexistente. Se era difícil enxergar a pista, imagina as placas informativas, principalmente em relação as distâncias.

Outro aprendizado na minha primeira viagem: não confie cegamente nas informações de pessoas encontradas na estrada ou nas entradas das cidades, principalmente quando o assunto está relacionado à quilometragem. Muita gente não tem noção de distância e talvez de modo inconsciente acaba por informar um número equivocado. Assim, facilmente dez quilômetros podem ser na verdade trinta. Passava das 22 horas quando, finalmente, cheguei na cidade de São Miguel do Iguaçu e logo na entrada avistei uma panificadora onde parei para comprar alguma coisa pra comer. Não sei qual era maior, a fome ou a canseira. A dona do estabelecimento me informou que Foz do Iguaçu estava a praticamente 40 km e me recomendou não seguir viagem pela rodovia naquela hora da noite e indicou-me um hotel. Aqui, aproveito para mencionar duas coisas. Primeiro, embora eu tenha utilizado os mapas da região, não fiz nenhuma planilha no computador, apenas rabiscos em um papel com a distância aproximada de cada cidade. Segundo, não levei mais do que dez reais, afinal, não esperava gastar muito. Enfim, resolvi seguir o conselho da senhora e fui procurar o hotel indicado no centro da cidade.

Claro, aprende-se logo cedo nas viagens a escolher o mais barato. Dez reais o pernoite, com direito a café da manha, servido apenas após as 8:00. Não tomei banho. Estava muito tarde e embora estivesse muito sujo e suado, a canseira era maior. Liguei o ventilador e fui dormir no pequeno quarto onde mal cabia uma cama de solteiro. Mas era o suficiente.

No dia seguinte resolvi sair cedo. Ainda estava com fome e o café gratuito era tentador, mas 8:00 horas da manhã era muito tarde para que pretendia chegar o quanto antes em casa. Quase 7 horas da manhã já estava na estrada novamente. As pernas estavam cansadas, assim como o corpo todo, mas ainda conseguia pedalar. Faltavam apenas 45 km e o acostamento era muito bom. Mas parece que o ritmo não era o mesmo. E o psicológico ainda não acostumado com as subidas não ajudava o corpo a compreender aquilo que era o maior dos obstáculos. Avistar uma subida era motivo para desanimar e pra ser sincero, avistava-se dezenas delas. A 277 é repleta de sobe e desce. Mas com muito esforço a distância foi ficando menor e quase ao meio dia estava em Foz. Agora faltavam poucos quilômetros até chegar em casa.

Surpresa. Essa é a palavra de como todos me receberam em casa, estavam atônitos com a minha visita, ninguém me aguardava. Não comentei com ninguém que estava viajando, muito menos de bicicleta. Conhecendo o jeito protetor do meu pai, sabia que não iria gostar nem um pouco sobre a aventura, e não duvido que não medisse esforços para que eu não a realizasse. Não esqueço que me perguntaram se eu tinha vindo de caminhão com a bicicleta na carroceria.

Era realmente inacreditável, sentado na área de casa, comecei a contar sobre a viagem e para a minha surpresa não fui repreendido, mas meu pai disse que se soubesse que eu estava em São Miguel teria ido me buscar. Ainda bem que ninguém sabia, se não teria que ter avisado sobre pernoitar na cidade. 

A sensação é de vitória, conquista, superação, e sobretudo, que estamos vivos, embora naquele exato momento, quase morto de canseira. Fiquei uns três dias sem andar direito, estava tudo travado. Não era pra menos, sem fazer alongamento, ter pedalado no máximo três vezes a distância de trinta quilômetros como treino e depois pedalar 175 km em menos de 24 horas. Mas a experiência existe para aperfeiçoarmos a cada dia. De algum modo, sentia que outros horizontes me aguardavam. E essa primeira aventura foi a porta de entrada para um estilo de vida que levo comigo até os dias de hoje.

As pessoas, sim, elas vão continuar te chamando de louco, mas também vão lhe admirar, você acaba inspirando muita gente, seja pela coragem, determinação ou pelo simples fato de não ser comum ver um ciclista viajando. Contar a história da viagem, as dificuldades, belezas naturais do trajeto, os perigos da estrada, a hospitalidade do povo e todo o resto, talvez sejam uma parte da aventura que não se acaba quando chega ao destino.

Os primeiros giros distantes

Inserido na realidade da maioria da população de Marechal Rondon, eu também utilizava a bicicleta freqüentemente, incomparavelmente em um ritmo maior do que em Foz do Iguaçu. Inicialmente meu deslocamento era mais direcionado ao trabalho, embora a utilizasse para fazer compras e algumas visitas ao centro. Mas isso logo essa limitação iria mudar.

Portanto, eu trabalhava, estudava e também namorava. Havia quase dois anos que eu estava morando em Marechal quando conheci minha ex-namorada, ela trabalhava no mesmo ambiente de trabalho que eu, a expedição de uma indústria têxtil, onde a maior parte dos funcionários também vai trabalhar de bicicleta. Em 2006, após alguns meses de namoro, o inesperado término do relacionamento me deixa profundamente triste.

Lembro-me perfeitamente da ocasião, uma tarde nublada e com muito vento, não agüentando as circunstâncias referentes ao fim do namoro, resolvo pegar a bicicleta da maneira como eu estava, de calça jeans, chinelo e camisa, assim saio em direção a uma das entradas/saídas da cidade, caminho que conhecia apenas de carro e ônibus. Não sei o porque escolhi aquele trajeto, ainda hoje não sei responder. Mas fui, pedalei cerca de sete km’s da minha casa até o ponto onde retornei. Desde então meus dias nunca mais seriam os mesmos. Naquele momento, senti uma curiosidade enorme em conhecer aquele horizonte na estrada, essa sensação ainda permanece, com a diferença que hoje os horizontes são outros. Pois aquele fora conhecido algum tempo após essa primeira experiência.

A mudança. O desconhecido além do horizonte foi o mais desafiador, de alguma forma eu estava disposto a enfrentar a estrada, cada quilometro, na busca de algo no qual eu não imaginava, mas que me fazia sentir vivo. Procurei saber mais sobre as cidades vizinhas, aquelas no decorrer daquele caminho que eu não seguira em frente na primeira ocasião. Então obtive conhecimento das distâncias das ‘cidades’, que na verdade eram distritos de Marechal, e o mais longe ficava a quinze km’s do município, naquela época era um trecho enorme para quem estava mais acostumado a ir e voltar do trabalho. Conversei então com um amigo do trabalho que era competidor de bicicross, uma modalidade do ciclismo. Passou-me algumas dicas muito importantes, sobretudo, na hora de trocar as peças da bicicleta. Sim, resolvi fazer uma mudança, na verdade uma reciclagem geral na bike. Troquei várias peças, nesse primeiro instante, coloquei aros aero V-ZAN para tornar-se resistente a diferentes tipos de terrenos, trocadores tradicionais (modelo antigo) da marca Shimano, uma suspensão de 50mm Logan, um guidão simples curvado. Uma mudança muito significava, os freios V-Brake GTS com as manoplas da Tropical Team, fez uma diferença e tanto na minha Polo Ônix, uma marca não muito conhecida, encontrei apenas um exemplar dela em Matinhos, litoral do Paraná, mas com essas mudanças, ela iria muito longe.

Realizada a troca das peças, era hora de buscar aquele horizonte desconhecido, pelo menos parte dele. Sem nenhuma experiência nas estradas, busquei ser o mais cauteloso possível, principalmente quando aqueles quinze km’s até Iguiporã eram de trechos sem acostamento e um fluxo grande de veículos, sobretudo, de caminhões, uma vez que a rodovia também serve de escoamento dos produtos agrícolas produzidos na região e da mesma forma é rota para o Mato Grosso do Sul. Por isso, toda atenção era necessária para retornar e vivo para casa. A novidade estava presente em cada giro do pedal, metro percorrido e a topo conquistado. Superando as constantes subidas em uma estrada com inúmeros buracos. Mas na verdade, a condição da estrada não me importava muito naquele momento, o principal era chegar no distrito de Iguipora e retornar. Objetivo que estava sendo alcançado sem antes contemplar a natureza, que por muitas áreas estava tomada por plantações extensivas de soja, milho e outras culturas. A beleza demonstrada pelo horizonte me deixava fascinado e isso ficava mais explícito chegando ao topo de cada subida. Parece uma recompensa a todo o esforço empregado para se chegar onde quer que seja. O tempo gasto para fazer esse trecho eu sinceramente não lembro, mas deve ter sido em torno de duas horas, até porque, não estava preocupado com o período para completar o trecho, pelo menos por enquanto.

Finalizada a primeira experiência, mesmo que pequena, na estrada, as expectativas aumentaram. Parece ser algo insaciável, inerente aos aventureiros. Dessa forma, comecei a planejar a minha primeira viagem, de Marechal a Foz do Iguaçu. Na verdade, o planejamento foi de um inexperiente cicloturista que está realizando sua primeira viagem. Mesmo assim, o que parecia impossível, foi conquistado.

A realidade paradoxal de Marechal Cândido Rondon.

Após alguns anos morando em Foz do Iguaçu, uma nova etapa acontecia, meu ingresso na faculdade, curso de História da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), campus de Marechal Cândido Rondon, também no oeste do estado, situada a 175 km’s da tríplice fronteira. Marechal é maior cidade germânica do Paraná, a cultura alemã está visivelmente presente no cotidiano da população, sobretudo, dos descendentes, que tradicionalmente promovem eventos típicos de costumes oriundos do país europeu.

Além da característica étnica, Marechal possui um dos melhores índices de desenvolvimento do Paraná, a taxa de desemprego é baixa em função das várias indústrias instaladas no município, algumas chegam a contratar funcionários de outras localidades por ausência de pessoas disponíveis para determinadas funções. A segurança, saúde e uma economia também baseada na agricultura são outros pontos positivos, embora algumas áreas necessitem de maior atenção. A presença da universidade estadual é outro ponto fundamental para a cidade, provoca o ingresso de muitos estudantes provenientes de diversas cidades e estados, movimentando vários setores do comércio, o campo imobiliário merece destaque, principalmente ao redor da faculdade, onde a concentração de estudantes é maior.

Outra prática da população tem uma relevância especial, a utilização da bicicleta no dia-a-dia dos moradores, tornando-se talvez um dos meios de transporte mais utilizado. É muita, mas muita bicicleta por toda parte da cidade. Alguns fatores proporcionam essa utilização em massa, o terreno do município encontra-se em uma área plana, o que favorece muito o ato de pedalar, a prefeitura também investiu na construção de ciclovias e desse modo, a cidade é uma das maiores no estado com a malha viária destinada aos ciclistas, contudo, o projeto realizado está concentrado em sua maioria na parte central da cidade, nas avenidas de maior movimento, um equívoco, segundo alguns especialistas em estrutura urbana. A ausência de uma política pública de caráter educacional para o trânsito voltado especialmente para os ciclistas gera vários conflitos entre motoristas e aqueles que pedalam, ambas as partes cometem erros e muitos deles poderiam ser evitados se o poder público destinasse maior atenção a essa questão.

Um breve resgate histórico.

Há muitos anos conheço na prática as inúmeras funções que uma bicicleta pode oferecer enquanto meio de transporte. Desde criança, que sua utilização está presente quase que diariamente, seja para o lazer, trabalho ou mesmo para deslocamentos freqüentes, como à escola, por exemplo, que na época ficava a uma distância considerável de casa, entre outros lugares onde o acesso era possível.

Hoje, fazendo um breve resgate histórico para demonstrar melhor essa relação com a utilização da bicicleta, talvez seja pertinente uma menção aos tempos remotos, onde esse instrumento era considerado, sobretudo, um brinquedo, tornando uma simples bicicleta no sonho de muitas crianças e graças aos meus pais tive a possibilidade de ter algumas, de modelos e tamanhos diferentes, conforme minha idade avançava. Sempre cuidadoso, soube valorizar o que tinha à disposição, desse modo, todas minhas bicicletas foram bem conservadas na medida do possível, favorecendo a um maior tempo de utilização das mesmas. Para além desses fatores, o investimento, destinado aos acessórios e manutenção era algo do qual não hesitava em realizar, mesmo quando os recursos eram escassos, afinal de contas, a maioria das crianças depende do dinheiro dos pais, meu caso não era diferente.

A complexidade urbana de Foz do Iguaçu / PR

Durante a adolescência a bicicleta continuou presente, contudo, de uma forma menos freqüente em razão de alguns fatores que hoje compreendo melhor. Minha infância foi em uma pequena cidade do interior paulista, local onde as condições para pedalar são mais favoráveis, seja pelo tipo de terreno ou do trânsito menos agressivo se comparado a médios e grandes centros urbanos. Esse cenário tranqüilo transformou-se no final da década de 1990, quando minha família mudou-se para Foz do Iguaçu, oeste paranaense, uma cidade de maior expressão populacional e também de espaço físico, este, como na maioria dos municípios brasileiros, com uma estrutura urbana voltada principalmente para os automóveis. Meu atual ambiente se torna um pouco mais complexo por ser tríplice fronteira, Foz do Iguaçu faz divisa com Ciudad Del Este no Paraguai e Puerto Iguassu na Argentina, veículos motorizados de ambos os países são facilmente encontrados na cidade, resultando em um fluxo ainda maior pelas ruas.

Foz do Iguaçu ainda compõe um cenário turístico em razão das várias atrações que a cidade proporciona, seja pelas belezas naturais, sobretudo, das Cataratas do Iguaçu ou por exemplo, da grandiosidade arquitetônica que é a obra da usina hidrelétrica de Itaipu, a maior em funcionamento do mundo e responsável por quase ¼ da energia gerada no Brasil. A estadia no município além do mais, possibilita a visita aos países vizinhos e talvez o Paraguai seja o mais procurado, Ciudad Del Este é um paraíso para compras de todos os tipos, fator que atrai todos os anos um número significante de turistas, excetuando-se aqueles compradores atacadistas, chamados de “muambeiros”. Para além desses fatores, Foz do Iguaçu é composta por moradores de diversas etnias, possuindo por exemplo, a segunda maior colônia árabe do país. Tornando-se assim um fato comum, encontrar diálogos em idiomas diferentes do português em quase todos os lugares.



A complexidade que envolve Foz do Iguaçu, inclusive no trânsito, não é suficiente para que as autoridades sejam capazes de reservar um espaço destinado aos ciclistas, a cidade possui apenas uma ciclovia, sendo um pequeno trecho em frente de hotéis luxuosos, distantes do centro e das áreas mais populosas. Nenhum tipo de política publica na prática encontra-se na realidade daqueles que utilizam a bicicleta como meio de transporte na cidade. O que transforma sua utilização em um grande risco, dificultando, inclusive para a expansão dessa mobilidade urbana. Mesmo com enormes obstáculos ainda observa-se que a atividade é realizada por aqueles, como eu, que conscientemente ou não ainda utilizam a bicicleta pelos inúmeros benefícios que a mesma proporciona.